segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

religião/misticismo

ACESSO A DEUS

Antonio Sebastião de Lima

Na passagem de um ano a outro, muitas são as festas, preces e oferendas a santos e divindades. Há certa magia nesse rito que empolga multidões. Há práticas religiosas mescladas a ações profanas. Certamente, tal não aconteceria se não houvesse crença, crendices e problemas mundanos. Pessoas nutrem esperanças de um meio ambiente bem preservado com qualidade de vida melhor para a humanidade e de um mundo melhor para todos os povos. Almejam o fim dos conflitos bélicos e a solução pacífica e institucional das controvérsias. Defendem o desfrute eqüitativo dos bens naturais e culturais por todas as nações. Fazem votos de paz, amor e prosperidade aos seres humanos no planeta Terra.

Isto se repete todos os anos. Nada a censurar. Algum avanço houve. Pelo menos, o despertar de uma consciência planetária. Indivíduos, grupos e nações sensibilizam-se com os acontecimentos em nível mundial. Preocupam-se com o destino e o bem-estar de todos. Tomam atitudes, agem esporádica ou permanentemente, pressionam, fazem passeatas, provocam distúrbios, engendram mártires, buscam soluções favoráveis ao conjunto. Paulatinamente, adquirem a certeza de que um futuro melhor depende da mudança de mentalidade de governantes e governados, de se voltarem para a presença divina em suas almas e de assumirem atitude mais altruística perante a vida. Ninguém ignora que essa missão é tarefa difícil, tendo em vista o materialismo avassalador do mundo contemporâneo. Entretanto, é possível.

O número de ateus parece insignificante. A crença na existência de Deus está bem difundida no globo terrestre. Resta aprender a amá-lo. A humanidade sempre buscou luzes e forças no mundo sobrenatural. O sentimento do sagrado sombreou a razão humana. Apesar do avanço científico, a fé no sobrenatural permanece. A razão nos fornece a idéia de Deus; a fé nos fornece a imagem de Deus. Tanto a idéia como a imagem, diferem de indivíduo para indivíduo, de nação para nação, de cultura para cultura. Hinduístas, budistas, espiritistas, judeus, cristãos, muçulmanos, todos crêem no mundo divino. O desacordo está no conceito e no culto. Há quem entenda impossível o acesso direto a Deus; outros pensam o contrário. Para uns, a intermediação de profetas, sacerdotes, santos e anjos é necessária para se chegar à presença divina; para outros, essa intermediação é dispensável.

Profetas como Moisés e Jesus, segundo as escrituras sagradas, tiveram contacto direto com a divindade. Moisés revela tanta intimidade com o deus Javé, que é perfeitamente possível imaginar os dois batendo papo e tomando chope em algum bar do Leblon. O acesso dos profetas ao deus Javé ocorria através dos sonhos e das visões, ou das aparições descritas com dificuldade pelo autor do texto bíblico. De acordo com os testamentos (antigo e novo), era possível, em certas ocasiões, o povo ouvir a voz da divindade. Às vezes, a voz divina tinha relâmpagos e trovoadas como pano de fundo. O deus Javé, da nação hebraica, era colérico, cruel, tenebroso, genocida, sedutor, negociador e materialista. O deus Pai Celestial, dos cristãos, diametralmente oposto, era universal, justo, bondoso, misericordioso e espiritualista. Esse deus dos cristãos está mais próximo do deus dos muçulmanos (Alá). O culto de Alá dispensa sacrifícios e a intermediação de sacerdotes e de qualquer entidade espiritual, o que não ocorre no judaísmo e no cristianismo. Cada religião tem a sua própria doutrina. Nessas 3 religiões, há os crentes fundamentalistas, os moderados e os superficiais.

A ciência, produto da razão humana, foi construída sobre a crença na existência de leis naturais. Considerando que essas leis regem o universo e que o universo foi criado por Deus, chega-se à conclusão de que as leis naturais são leis divinas. Isto implica reconhecer que Deus é inteligente e poderoso. A atuação dessas leis supõe Deus presente no universo, desde o microcosmo até o macrocosmo. Desse modo, a razão fornece a idéia de Deus: um ser onisciente, onipotente e onipresente. Deus é criador. O ser é criatura. A razão indaga: os dois se confundem (panteísmo) ou estão separados? Ser supõe estrutura, portanto, limitação. Ora, onisciência, onipotência e onipresença são atributos que não comportam limites. Logo, Deus não é um ser, mas um não-ser, desprovido de forma. Substância pura, imanente ao universo em virtude das leis naturais; ao mesmo tempo, transcendental em virtude da sua realidade divina própria.

O acesso a Deus pode ocorrer pela sintonia do indivíduo, da nação ou de uma cultura, com as leis naturais. Ao ser humano compete desvenda-las e aproveita-las. Chega-se a Deus, também, pela prece sincera, com a mente aberta, o coração limpo, intenso e fervoroso desejo de praticar o bem. A resposta divina vem e orienta. Ao ser humano cabe entender e agir.

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