sexta-feira, 30 de maio de 2014

FILOSOFIA XII - 10


EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

Decorrido o primeiro milênio da era cristã, desenha-se novo panorama na Europa. Até o século XIII (1201 A 1300), Constantinopla (império bizantino) e Córdova (califado islâmico) eram as cidades mais desenvolvidas do ponto de vista econômico, artístico e intelectual, aquela com 500.000 e esta com 200.000 habitantes, aproximadamente. Depois, sobressaíram-se outras cidades (Veneza, Paris, Bremen, Londres). Havia centenas de paróquias, abadias e conventos espalhados pelas ilhas e continente. Apesar disto, as nações cortaram os vínculos de subordinação com a igreja ao se organizarem em Estados soberanos.
A população cresceu mais do que a produção de alimentos. Empregos aumentaram nos setores privado e público (serviços de transporte, armazenamento e distribuição de mercadorias, funções administrativas e burocráticas). Modesto desenvolvimento da economia, sem considerável avanço técnico (arado, arreios, carreta, associações, seguro, crédito, sistema bancário incipiente). A indústria atendia às necessidades da agricultura, do comércio, da guerra, da igreja, da população em geral (mineração, metalurgia, têxtil, construção). Exploravam-se jazidas e minas em montanhas, rios e subsolo (ferro, chumbo, estanho, cobre, prata, ouro, carvão, hulha). Fundiam-se metais. Fabricavam-se ferramentas, pregos, eixos, caldeiras, âncoras, armaduras, lanças, espadas, punhais. Construíam-se palácios, catedrais, mosteiros, casas, praças, muralhas, pontes, estradas. Alguns reinos cunhavam suas próprias moedas. No comércio internacional circulavam moedas de ouro.
A resistência à pretensão universalista da igreja e do império fortaleceu o nacionalismo. Inglaterra e França constituíram Estados soberanos, livres do domínio do papa e do imperador, exemplo seguido por outras nações. A igreja sofre o impacto de movimentos reformadores a começar pelos “irmãos da vida comum”, grupo de homens piedosos que mantinham escolas na Holanda, Flandres e Alemanha. Pleiteavam uma religião cristã simples, racional, liberta do dogmatismo e do ritualismo da igreja organizada. Thomas de Kempis, um dos líderes desse movimento, escreve “A Imitação de Cristo”, em defesa daquelas idéias, livro que se tornou clássico (1425). A partir de 1500, escritores e filósofos dos diversos países apoiaram o movimento do qual Sebastian Brant (Alemanha), Thomas Morus (Inglaterra) e Erasmo (Holanda) foram os grandes destaques. Entendiam que a religião existia para o bem do homem e não para o bem de uma igreja organizada. Censuravam preceitos teológicos e sobrenaturais, sacramentos, cerimônias, veneração de relíquias e venda de indulgências. Sem prejuízo de uma organização eclesiástica simples, estes opositores negavam: (1) a autoridade absoluta do papa; (2) a necessidade de intermediação dos padres entre os homens e deus.
Ao recrutar eruditos para a sua corte, Carlos Magno dá inicio ao progresso intelectual da Idade Média. No século X, na Alemanha, sob o governo de Oto, esse progresso teve novo impulso. Seguiram-se estudos clássicos na Itália e na França. O auge desse renascimento foi atingido nos séculos XII e XIII. No campo intelectual, a filosofia escolástica predominou na Idade Média (incluindo a renascença), principalmente na igreja e instituições católicas. A razão é colocada a serviço da fé e a filosofia a serviço da teologia. Os filósofos escolásticos dedicaram-se às questões da física, da metafísica, da política e da economia, sob o primado da lógica. Segundo essa filosofia, os sentidos humanos permitem conhecer a aparência das coisas, porém só a razão penetra a essência das coisas. Todo conhecimento necessita amparo das escrituras, dos padres, de Platão e de Aristóteles (princípio da prevalência da autoridade). Este é o caminho para o homem melhorar a vida terrena e assegurar a salvação na vida extraterrena. Deus existe para que o destino da humanidade seja cumprido. A especulação filosófica visa a descobrir os atributos das coisas sem se preocupar com as causas e as relações subjacentes; supõe o universo estático. Assim, basta ao filósofo explicar o significado e a finalidade das coisas, sem perquirir as causas.
A questão dos conceitos universais como realidade substancial divide o mundo filosófico: realistas de um lado e nominalistas de outro. Apoiando-se em Platão, os realistas afirmam que há substância nos universais; mais do que palavras, os conceitos universais são entes com existência própria, real e independente. O Estado – grupo de indivíduos sob as mesmas leis, nos limites de um território e com governo próprio – não é um simples nome e sim uma realidade em si, percebida pela razão ainda que não percebida pelos sentidos. Esse modo de pensar exalta a instituição (Estado, Igreja, Universidade, Família) e coloca os indivíduos em postura submissa. Apoiando-se em Aristóteles, os nominalistas afirmam a inexistência de substância nos conceitos universais, meros nomes sem existência real, incapazes de existir por si mesmo; existem apenas como essência e qualidade intrínseca no objeto particular. Apesar de nominalista, esta doutrina recebeu o nome de realismo moderado. Os grandes escolásticos dos séculos XII e XIII foram adeptos dessa doutrina.
João Escoto Erígena, irlandês, considerado o fundador da escolástica, criou o realismo extremo no pensamento medieval (os universais existem por si mesmos) e foi o primeiro entre os cristãos racionalistas. Na opinião desse filósofo, a razão deve prevalecer em face da autoridade. Outro filósofo considerado também fundador da escolástica foi Roscelino, clérigo francês, cuja doutrina se opõe à anterior. Ele afirmava que os universais eram meros sons vocálicos; que somente as partes – e não o todo – tem existência real.
Pedro Abelardo, francês, teólogo, professor, monge não ascético, talentoso, culto, orgulhoso, briguento, bonito, alardeava seus triunfos intelectuais e amorosos, gabava-se de conquistar qualquer mulher que lhe despertasse o desejo (1079 a 1142). A sua ruína foi o caso com Heloísa. O poderoso tio da moça mandou castrá-lo e separou os amantes. Em filosofia, ele seguiu a linha do realismo moderado: a essência são os universais e a existência são os particulares; a palavra não é uma ocorrência e sim um significado das coisas; os universais surgem da semelhança entre as coisas; semelhança não é coisa. Essência e existência em Abelardo correspondem às idéias de potência e ato em Aristóteles: a essência é puramente potencial e a existência puramente atual. Na sua obra filosófica mais famosa, Sic et Non, Abelardo critica um grande número de argumentos de autoridade. Para ele, o raciocínio crítico era de vital importância: “(...) a principal chave do pensamento é chamada interrogação (...) Pela dúvida somos levados à investigação e pela investigação percebemos a verdade.” {Mais tarde, Descartes faria da dúvida um método}.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

FILOSOFIA XII - 9

EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

A obra do florentino Leonardo da Vinci assinala o início do esplendor da chamada “renascença italiana” (1452 a 1519). Gênio incomparável, Leonardo dedicou-se à arte e à ciência. Suas obras primas na pintura: Virgem das Rochas, Última Ceia e Mona Lisa. O primeiro quadro brotou da sua paixão pela ciência. O segundo provocou séria polêmica no final do século XX, com a interpretação publicada no romance intitulado “O Código da Vinci”, de Dan Brown, escritor estadunidense. No quadro pintado na parede do refeitório da igreja de Santa Maria da Graça, em Milão, o apóstolo João é visto na ceia como sendo Maria Madalena e também é identificado um símbolo de união íntima entre ela e Jesus. No entanto, o que se vê na pintura é a tentativa de Leonardo, inspirado nos evangelhos, reproduzir o clima emocional daquela reunião de Jesus com os apóstolos. Evidente que as figuras saíram da imaginação do pintor, pois não havia original a ser copiado e ele não presenciou um conclave ocorrido 1.420 anos antes do seu nascimento. A “Maria Madalena” na verdade é um adolescente imberbe, o mais novo dos apóstolos. O terceiro quadro também tem sido alvo de interpretações díspares, apesar do seu realismo e da sua inovadora técnica de luz e sombra. Em que pese retratar com fidelidade a esposa do napolitano Francesco Giocondo, aquela pintura manifesta a expressividade e a sensibilidade do pintor: desperta em quem a contempla, a sensação de estar diante do gênero mulher que transcende os limites do tempo e do espaço.     

A escultura desvincula-se da arquitetura da qual até então era auxiliar. Donatello foi o primeiro grande mestre da escultura renascentista (1386 a 1466). Miguel Ângelo, além de pintor, foi um dos maiores escultores de todos os tempos (1475 a 1564). Pintava cenas trágicas universais. A sua maior realização como pintor foram os afrescos no teto e nas paredes acima do altar da capela Sixtina no Vaticano. Na parede atrás do altar, o mais impressionante dos seus quadros: Último Julgamento (Juízo Final), onde Jesus forte e robusto como Atlas, condena a humanidade ali representada também por figuras musculosas. No túmulo do papa Julio II, Miguel Ângelo esculpiu o Escravo Acorrentado, representando o talento humano limitado pelos grilhões do destino, e o Moisés, em que expressa a ira do profeta diante da deslealdade dos filhos de Israel, estátua em que a distorção anatômica transmite intensidade emocional. Essa mesma intensidade nota-se também na Pietá, imagem de Maria profundamente angustiada segurando no colo o seu filho morto. Aurora, mulher com a cabeça levantada como ao despertar, e Noite, homem forte que parece sucumbir ao peso da miséria humana, são duas notáveis esculturas de Miguel para os túmulos dos Médici de Florença. Ao lado de Bramante e Rafael, Miguel foi um dos arquitetos da igreja de São Pedro, em Roma, com suntuosas pinturas e esculturas. Rafael está entre os grandes pintores da época (1483 a 1520). Das suas obras emanam doçura e piedade, sem preocupações intelectuais e sem tormentos da alma. Escola de Atenas e Madonna Sixtina estão entre os seus melhores quadros. Tiziano, Giorgione e Tintoretto são os expoentes da pintura veneziana (1477 a 1594). As suas obras refletem a atmosfera luxuosa e amorosa de Veneza. 

A música profana se desenvolve paralelamente à música sacra. Além do canto dos cultos religiosos, os compositores voltam-se também para o canto popular e para a música instrumental. Destarte, a música deixa de ser simples diversão ou mero auxílio para o culto religioso e se torna uma arte independente. O mecenato (instituto do patrocínio) tão importante para o desenvolvimento das outras artes, também o foi para a música. Holanda e Borgonha foram os primeiros centros de cultura musical profana. Posteriormente, a Itália os superou. O apuro técnico se sobrepõe ao efeito artístico. Nesse período, amadurece o contraponto e nasce o sistema harmônico moderno abrindo caminho para novas criações na pauta, na voz e nos instrumentos.     

As autoridades eclesiásticas entendiam que o Estado (esta palavra ainda não era usada e sim reino e república) fora estabelecido por deus como remédio para o pecado (todo poder vem de deus) e que o homem devia ser fiel e obediente, ainda que o governante fosse um tirano. Esse entendimento mudou no curso da Idade Média. O Estado passou a ser visto como produto da natureza social do homem e que o governo pode ser um bem positivo quando a justiça for o princípio diretor. Os teóricos medievais defendiam a unificação da Europa ocidental sob o governo supremo do imperador ou do papa. Frederico (Barba Rubra) e Frederico II consideravam-se sucessores dos imperadores da Roma imperial. Os governos locais (reis e príncipes) ficariam sujeitos à jurisdição suprema. {A unificação da Europa aconteceu no século XX, efetivamente, mas não sob a forma de império e sim de confederação de Estados}. Dante Alighieri defendeu essa idéia em favor do imperador. João de Salisbury e Tomás de Aquino a defenderam em favor do papa. Nenhum desses teóricos acreditava no governo da maioria, salvo Marsílio de Pádua, que defendeu a idéia democrática: o povo tinha o direito de eleger e de depor o governante. Na opinião deste filósofo, um órgão representativo devia legislar exclusivamente sobre a estrutura do governo mantendo os costumes na sociedade civil. Esse órgão devia ser composto pelos melhores cidadãos, ou seja, pelos mais qualificados do ponto de vista social, moral e intelectual. Para Salisbury, os governados tinham o direito de matar o tirano. Ao governante cabia aplicar a lei e não elaborá-la ou modificá-la segundo a sua vontade. A lei era ditada pelo costume ou pela natureza (ordem divina); se ditada pelo governante, carecia de legitimidade.

Tomás segue a lição de Jesus e de Paulo: todo poder vem de deus. A fonte de todo bem é deus. A razão de ser e a finalidade do poder político é a realização do bem comum que se resume na ordem e na justiça. O rei é servo da justiça que tem na lei ou no direito a sua forma concreta. Ao povo cabe o direito de depor – e não de matar – o monarca que se desvia do bem comum. A lei eterna brota da razão divina, fundamento das demais leis. A lei eterna está impressa na mente humana e dela emana a lei natural que comanda os atos dos homens e os dirige aos seus fins, capacitando-os a distinguir o bem e o mal, a não causar dano ao próximo e a servir-se da sua natureza racional na vida em sociedade. Da lei natural provém lei humana (positiva) elaborada pelos homens visando aos seus fins específicos e que está sujeita às mutações sociais. Essa lei é precipuamente o costume, expressão do modus vivendi da comunidade humana, ordenação da razão com vistas ao bem comum. A lei revelada (positiva divina) provém das escrituras sagradas e não pode ser explicada pela razão humana. Na opinião de Tomás, a monarquia é a melhor forma de governo, posto ser “mais vantajoso viver sob o governo de um só rei do que sob o governo de muitos”. Fora da igreja, o tomismo foi menos influente. Prevaleceram o direito romano e o pensamento aristotélico favorecendo o nacionalismo e fortalecendo o rei diante do senhor feudal, do imperador e do papa.

domingo, 25 de maio de 2014

COPA 2014



Há 100 anos atrás, estourava a primeira guerra mundial. Hoje, há guerras locais politicamente gerenciadas. A política tem uma vertente pacífica da qual o esporte faz parte. Congraça pessoas e povos. Não há inimigos e sim adversários que competem e se respeitam. Com freqüência cada vez maior se vê os vitoriosos e os derrotados trocarem apertos de mão e fraternais abraços, mesmo depois de se estranharem durante a competição. A garra no esporte significa caloroso empenho, sem ódio. Vencer não significa matar o outro, mas tão somente exibir maior habilidade, superar a si próprio e ao adversário.
Nos países democráticos, os profissionais da política utilizam o esporte e os esportistas vitoriosos com o propósito de conquistar votos. Os governantes fazem o mesmo para obter consenso e apoio popular. Trata-se de jogo político normal e aceitável. Os cargos nas entidades esportivas são muito disputados. Culto à personalidade, desejo de poder, interesse financeiro, alimentam a ambição. A propaganda ajuda o comando e atrai público aos estádios e ginásios. Jogadores prestigiados pelo público são utilizados na propaganda. Dirigentes, treinadores, atletas e empresas publicitárias recebem verbas dos patrocinadores. Tudo isto faz parte do jogo dentro do vigente sistema econômico.
Disputar copa mundial em seu próprio país é estar com o vento favorável ao seu veleiro. A badalação em torno da seleção brasileira lembra a da copa de 2006. Vento contrário. A euforia provocada pelos meios de comunicação social com a cooperação da entidade dirigente e da comissão técnica esconde uma realidade pouco animadora. Apesar do valor individual dos jogadores, o conjunto até o momento não se afigura confiável. O estrelato faz mal ao conjunto. Em uma seleção como a brasileira, todos são estrelas. Tratar apenas um jogador como estrela de maior grandeza soa como discriminação inconveniente. O senso de igualdade contribui para o entrosamento e cordial relacionamento entre os jogadores em campo. Antes dos jogos, há o recurso psicológico de simular confiança, tranqüilidade e alegria para dissimular sentimentos indesejáveis. Oportuna e desejável a presença de um líder sem empáfia dotado de inteligência lúdica acima da média que durante as partidas oriente o grupo, sirva de ligação simpática e de apoio psicológico.  
Ao êxito de uma equipe nem sempre bastam bons jogadores. Vide a história da seleção brasileira nos últimos 40 anos. São necessários complementos imateriais: força de vontade, garra, coragem, humildade, solidariedade, sagacidade, criatividade, fé. Episódio narrado por Carlos Alberto, capitão da seleção brasileira de 1970, em recente programa de TV, ilustra bem esta assertiva. Percebendo que Gerson era o cérebro da equipe, o treinador da seleção adversária instruiu seus jogadores para que o marcassem implacavelmente. No curso da partida, Gerson declara que não consegue jogar e sugere a troca de função com Clodoaldo. O capitão concordou com a troca e o resultado foi positivo. Isto exigiu autonomia, coragem e inteligência dos três jogadores para tomar decisão longe do treinador. Embora excelente jogador, Gerson teve atitude humilde. O capitão da equipe não se mostrou vaidoso; de forma democrática e racional aceitou a sugestão do companheiro. Apesar de estar bem na sua função, Clodoaldo foi solidário com o companheiro e anuiu na troca.        
O futebol integra a cultura do Brasil ao ponto de identidade nacional. Por representar o país de modo tão significativo, a seleção brasileira não deve mais ficar na esfera privada, pois inegável e insofismável o interesse nacional na sua organização. O Congresso Nacional deve emendar a Constituição e sob um novo artigo (217-A) criar órgão executivo autônomo composto de representantes da câmara dos deputados, do ministério dos esportes, da confederação de futebol, dos árbitros e da imprensa esportiva, todos em igual número, com a precípua e exclusiva competência para organizar a seleção brasileira, escolher jogadores, treinador e membros da comissão técnica, sempre que o Brasil participar de competições internacionais. O novo órgão propiciará benéfico distanciamento dos interesses econômicos privados. A seleção ficará livre das pirraças dos dirigentes e dos técnicos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em relação a certos jogadores injustamente preteridos, como aconteceu no passado (Romário, Djalminha e outros) e acontece no presente (Ronaldinho, Fabiano, Lucas). Circunstância agravante: alguns selecionados não estão dentro do seu melhor padrão (caso de Fred e Jô). Há jogadores que serviriam melhor à seleção (caso de Douglas do Vasco e do Walter do Fluminense).
A democracia brasileira tem tríplice dimensão: política, econômica e social. Entre os objetivos fundamentais da república brasileira está o de promover o bem de todos. O bem cultural entra nessa pluralidade, incluído na ordem social. O futebol é um bem cultural da nação brasileira. Ao Estado compete: (1) garantir a democratização do acesso aos bens culturais; (2) fomentar práticas desportivas. O novo artigo a ser introduzido na Constituição com base nesses preceitos dará tratamento específico à seleção brasileira de futebol ante o seu alto valor representativo para a cultura popular e para a república brasileira. Ao mesmo tempo, eliminará um resquício ditatorial. A seleção refletirá a vontade do povo e não a vontade do presidente da confederação.
Nenhum clube brasileiro classificou-se para as partidas semifinais da copa “Libertadores de América”. Mau agouro. O desempenho das equipes competidoras revelou declínio do futebol na América. A vitória de seleção de outro continente afigura-se mais provável nesta copa mundial. Para vitória americana será necessário que o futebol das outras plagas esteja em nível igual ou inferior ao da América. Após o início dos jogos esse nível poderá ser medido adequadamente. Até o momento, o nível europeu parece suplantar o americano. As seleções africanas e asiáticas podem se exibir com proficiência e obter classificação honrosa.   
Equipes americanas apresentam alguns jogadores de qualidade técnica superior à média, porém “uma andorinha não faz verão”. Se houver equilíbrio entre as seleções, a garra dos jogadores americanos será fator decisivo. Vitória na última “Copa das Confederações” é parâmetro enganoso. Em reportagem pela TV no corrente mês um cidadão uruguaio faz o seguinte comentário: A copa de 1950 trouxe mais benefício ao derrotado Brasil do que ao vencedor Uruguai. O Brasil olhou para frente, reagiu, venceu uma seqüência de copas e se tornou referência mundial. O Uruguai ficou petrificado com o brilho daquela vitória e nunca mais venceu copa mundial. Esta reflexão do cidadão uruguaio lembra passagem bíblica: a seleção uruguaia portou-se à semelhança da mulher de Lot que olhou para trás e se transformou em uma coluna de sal (Gênesis 19: 26). No Brasil, aconteceu fenômeno semelhante depois da vitória de 1970. A ressaca brasileira durou 24 anos. Atualmente, não vence há 12 anos e levará mais 12 até a próxima vitória, se nada mudar.
Lisboa, 24/05/2014. Liga dos campeões europeus. Atlético de Madri, a mais recente vítima da esperteza burra. O treinador ignorou a milenar lição oriental: o ataque é a melhor defesa. Recuar e avançar de modo alternado e constante ainda é tática aceitável, mas permanecer na retranca para garantir vitória com a diferença de apenas um gol no placar é tática suicida.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

FILOSOFIA XII - 8



EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

A autoria do livro “Jesus, Moisés e Maomé, os três grandes impostores” é atribuída ao imperador Frederico II. Ele negava a imortalidade da alma. Fechou um homem em tonel de vinho para provar que a alma morre com o corpo. Admirador da cultura muçulmana, Frederico trouxe notáveis eruditos para Palermo a fim de verterem para o latim as obras dos sarracenos. Fundou a Universidade de Nápoles e apoiou a arte médica. Ele introduziu a cultura pagã nos seus domínios com o propósito de minar o poder da igreja. Por este viés, contribuiu para o despertar da civilização renascentista.
Francesco Petrarca foi o grande vulto literário da época (1304 a 1374). Serviu-se do dialeto toscano, ligava-se ao espírito medieval e às vezes curtia um ascetismo monacal. Deixou-se influenciar pelos clássicos gregos e latinos. Escreveu sonetos à Laura, sua amada, no tom cavalheiresco dos trovadores medievais. O florentino Giovanni Boccaccio também se destacou na literatura italiana renascentista (1313 a 1375). Morava em Nápoles quando se apaixonou pela bela esposa de um napolitano. Esse amor inspirou os seus poemas e romances. Ao retornar a Florença, escreve a sua obra mais conhecida: Decameron, uma coleção de histórias contadas por sete moças e três moços que gastam o tempo enquanto se protegem da peste negra numa vila do interior. A nota comum das narrativas é anticlerical e hedonista. Essa obra torna-se modelar para a prosa italiana e influiu nos escritores estrangeiros.
No século XV, o latim volta a ocupar lugar de destaque e os estudos gregos se intensificam. O italiano de Dante e Boccaccio é visto como a língua grosseira de padeiros e açougueiros. Houve reação ao latinório. O poeta e filósofo Lorenzo de Médici compôs canções de carnaval, escreveu poemas, versos idílicos, sonetos e peças litúrgicas (1449 a 1492). Em suas obras há hedonismo e bucolismo em estilo delicado. Ângelo Poliziano escreve Orfeu, a história de amor entre Orfeu e Eurídice, baseada na mitologia clássica (1454 a 1494). Traduziu a obra de Homero. Serve-se da língua nacional e assinala o fim do predomínio do latim na Itália. Isto possibilitou o acesso de pessoas do povo à produção intelectual. O latim se mantém como língua erudita. Nos versos épicos, a glória coube a Ludovico Ariosto (1474 a 1533). A sua obra magna foi o poema Orlando Furioso. Outro destacado poeta épico italiano foi Torquato Tasso (1544 a 1595). Jerusalém foi o tema das principais obras desse poeta: “Gerusalemme Liberata” e “Gerusalemme Conquistata”. Na Alemanha, grassa o humanismo na incipiente literatura. Ulrich von Hutten e Crotus Rubianus são os seus mais notáveis representantes (1480 a 1539). Os seus textos deploram o mundanismo do clero e contêm criticas severas e injuriosas dirigidas aos inimigos da Alemanha. A obra mais famosa desses dois escritores intitula-se Cartas dos Homens Obscuros, coleção de sátiras mordazes que ridicularizam a inquisição católica no caso de um homem que criticou interpretações do Antigo Testamento e se colocou ao lado dos judeus.
Os dramaturgos de destaque na Espanha desse período foram Lope de Vega (1562 a 1635) e Tirso de Molina (1571 a 1648). Além das peças de cunho religioso, Vega escreveu peças “de capa e espada” sobre as intrigas e as questões de honra da alta classe social e peças que celebram a gloria da Espanha e apresentam o rei como protetor do povo. Tirso deve sua fama principalmente ao drama de Don Juan, nobre perverso, misto de bravura e vilania. Na literatura espanhola, a taça foi conquistada por Miguel de Cervantes, autor de Don Quixote, a mundialmente famosa sátira do feudalismo (1547 a 1616). Na aventura cavalheiresca cavalgam o homem idealista e sonhador (Quixote, o cavaleiro errante) e o homem prático e vigilante (Sancho Pança, o fiel escudeiro). O cavaleiro montado e armado de espada enfrenta gigantes enfurecidos (moinhos de vento) e exércitos de infiéis (rebanho de ovelhas), entra em castelos onde damas se apaixonam por ele (estalagens e serviçais), mas que ele polidamente rejeita por devoção e fidelidade a sua amada Dulcinéia (mulher idealizada). Na literatura portuguesa, Luis Vaz de Camões foi o grande nome, poeta lírico e épico, que viveu reais aventuras no império colonial português (1524 a 1580). No seu mais famoso livro intitulado “Os Lusíadas”, ele cantou com patriotismo e erudição a glória e o pioneirismo de Portugal na conquista dos mares.
Na literatura inglesa nota-se individualismo, orgulho nacional e interesse por temas filosóficos. Destacam-se: “As Histórias de Canterbury” de Chaucer, romance mundano que manifesta desprezo por tudo que é místico e “The Faërie Queen”, de Edmond Spencer, poema épico que canta a grandeza da Inglaterra no reinado de Elizabeth. Na dramaturgia inglesa desse período destacaram-se: Christopher Marlowe e William Shakespeare. O primeiro sintetiza o egoísmo vigente, a ânsia por uma vida plena, por um conhecimento e uma experiência sem limites. Esse autor teve uma vida tempestuosa e perdeu a vida antes dos trinta anos de idade ao brigar no interior de uma taverna. Escreveu “Doutor Fausto”, com base na lenda sobre o indivíduo que vende a alma ao diabo em troca de usufruir todas as possíveis sensações, experimentar todos os possíveis triunfos e conhecer todos os mistérios do universo. Shakespeare supostamente escreveu peças para teatro, sonetos e poemas que revelam o apreço do autor pelas relações humanas (1564 a 1616). Entre as suas obras mais famosas estão as comédias: “O Sonho de uma Noite de Verão” e “O Mercador de Veneza”; as tragédias: “Romeu e Julieta”, “Hamlet”, “Macbeth” e “Rei Lear”; e os romances idílicos: “Conto de Inverno” e “A Tempestade”. Há notícia de que William Shakespeare existiu, porém lia e escrevia muito mal, como a maioria do povo. Para produzir aquelas obras faltava-lhe cultura, vivência na corte e nas altas esferas, conhecimento das principais cidades do continente europeu e respectivos costumes. Ator de teatro popular, biscateiro e aventureiro, Shakespeare era um doidivanas que aceitou emprestar seu nome a obra alheia mediante paga em dinheiro. Todas as obras em seu nome foram escritas por um nobre inglês que exigia anonimato em virtude da sua posição na corte britânica e de ser um dos amantes da rainha Elizabeth.      
Cimabue e seu discípulo Giotto são os responsáveis pela pintura como arte independente (1200 a 1400). O discípulo superou o mestre. Naturalista, hábil em reproduzir a vida e o movimento em seus quadros, Giotto tem entre as suas melhores obras os afrescos São Francisco Pregando aos Pássaros e O Massacre dos Inocentes. Sobreveio a moda de retratar pessoas para revelar os mistérios da alma e também pintar para o simples deleite do olhar (cores e formas). Nesta época, entra a técnica de pintar a óleo. Esta técnica permite ao pintor se deter mais nos detalhes (o óleo demora mais do que a água para secar). Masaccio, Fra Lippo Lippi e Sandro Botticelli foram os grandes nomes da pintura nesse período (1400 a 1500). Homens e mulheres comuns serviam de modelo para a pintura de santos e madonas. Deu-se ênfase ao tratamento psicológico. Botticelli sofreu influência do neoplatonismo e sonhava com a reconciliação entre o pensamento cristão e o pensamento pagão. Daí o toque melancólico e místico de alguns rostos por ele pintados.
A pintura a óleo também se desenvolveu nos países baixos sem influência clássica (Holanda, Flandres). Os seus expoentes foram Hubert e Jan van Eyck, Hans Memling e Roger van der Weyden. Na Alemanha, os grandes nomes da pintura e da gravura foram: Albrecht Durer e Hans Holbein (1471 a 1543). Na Espanha, submissa à igreja católica, envolvida com descobertas e explorações ultramarinas e na luta contra os mouros, a pintura refletiu esse estado de coisas (1517 a 1614). O seu expoente foi um cretense de nome Domenico Theotocopuli, conhecido como El Greco. Este pintor utilizava um clima de horror, sofrimento e morte nas suas pinturas. Entre os seus quadros destacam-se: O Enterro do Conde de Orgaz, Pentecostes, A Visão Apocalíptica.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

FILOSOFIA XII - 7



EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

Na Idade Média, incluindo a renascença, houve produção científica sob o título de filosofia natural. O termo “ciência” aplicado ao estudo lógico, matemático e sistemático da natureza, com linguagem, definições, classificações e método próprios, somente veio a lume no século XIX (1801 a 1900). A Itália foi o centro da atividade científica (filosofia natural) a partir do século XV (1401 a 1500). Astronomia, matemática, física e medicina experimentaram avanços. Adelardo de Bath (1101 a 1200) dedicou-se ao estudo da natureza, afirmou a indestrutibilidade da matéria, investigou as causas dos terremotos, descobriu a função de algumas partes do cérebro e o processo da respiração e da digestão. Rejeitava argumentos de autoridade. Rogério Bacon (1201 a 1300), a quem é atribuída a invenção do microscópio, previu a invenção do carro sem cavalos e da máquina voadora, valorizou a experimentação como veículo da certeza do conhecimento, investigou fatos relacionados com as lentes óticas e recomendou a revisão do calendário Juliano.
A técnica de dissecção para estudos anatômicos foi introduzida na Universidade de Bolonha pelo médico Mundinus (1301 a 1400). O corpo humano foi descrito minuciosamente por Vesálio graças à técnica da dissecção. Os ovidutos humanos (trompas) foram descobertos por Falópio. A anatomia dos dentes e o tubo que liga o ouvido médio à garganta são descritos por Eustáquio. Leonardo da Vinci (1452 a 1519) faz progredir os conhecimentos sobre hidráulica e hidrostática. Ele expõe a lei da gravitação em sua forma elementar: todo peso tende a cair para o centro pelo caminho mais curto. Leonardo projeta barco submarino, máquina a vapor, carro de guerra encouraçado, máquina de voar (helicóptero), serra de cortar mármore, além de inúmeras invenções. O polonês Nicolau Copérnico provou mediante cálculos matemáticos que o sol é o centro do sistema planetário. Confirmou a teoria heliocêntrica de Aristarco e afastou a teoria geocêntrica de Ptolomeu. William Gilbert publica o seu trabalho sobre magnetismo. Considerou a Terra um grande imã (1600). Logo depois, Christian Huygens publica a sua teoria ondulatória da luz. William Harvey completou a descoberta de Miguel Servet sobre a circulação do sangue. Ao afastar as concepções alquímicas, Robert Boyle provoca o retorno à teoria atômica de Demócrito (1661).
Giordano Bruno, napolitano, filósofo natural, teólogo, astrônomo, frade dominicano, encampou a teoria heliocêntrica e foi muito além nos seus estudos e pesquisas (1548 a 1600). As suas idéias incomodavam a igreja. Bruno abandonou o clero. Escreveu inúmeros livros de ciência e misticismo. Ele defendia a existência de outros planetas e de vida inteligente fora do sistema solar. Na opinião dele, deus é o criador do universo e imanente ao universo. O espaço é infinito. Tudo está provido de espírito, desde os corpos maiores até os minúsculos. Tudo no universo tem vida e alma. A divindade está no interior de cada ser. Há poderes humanos extraordinários. Bruno antecipou as idéias de relatividade e evolução. Dizia que no universo infinito a perspectiva de qualquer objeto é sempre relativa à posição do observador; há um número infinito de referenciais possíveis e nenhum ocupa posição privilegiada em relação aos demais. Bruno se filiou ao hermetismo, à magia e à adivinhação. Acreditava na metempsicose e na transmigração da alma humana para animais irracionais. A igreja pretendia prender e julgar o ex-frade. Acusava-o de opiniões contrárias à fé católica e às escrituras sagradas, de negar a santíssima trindade, a divindade de Jesus, a virgindade de Maria, a transubstanciação e a santa missa. Certo homem, católico e rico, encontrou Bruno em Frankfurt e o atraiu a Veneza sob o pretexto de aprender o funcionamento da memória humana. Quando Bruno se dispunha a retornar à Alemanha, o “amigo” prende-o num quarto e o entrega à igreja. Julgado e condenado por heresia pelo tribunal da inquisição de Roma, Bruno foi queimado na fogueira. “Talvez, sintam maior temor ao pronunciar esta sentença do que eu ao ouvi-la”, teria dito Bruno aos juizes do tribunal eclesiástico.      
Galileu Galilei, nascido em Pisa, professor, matemático, inventor, filósofo natural, astrônomo, iniciador da Física moderna, defendeu a supremacia da experiência diante da autoridade dos grandes mestres (1564 a 1642). A observação direta do mundo por navegadores e mercadores vale mais do que a argumentação dos doutos sobre aquilo que não viram, dizia. Galileu utilizou o telescópio por ele aperfeiçoado, confirmou a teoria de Copérnico, descobriu os satélites de Júpiter, os anéis de Saturno e as manchas solares. Entre outros livros, escreveu: “Mensageiro Celeste”, “Diálogo sobre os Dois Maiores Sistemas” e “Discurso sobre Duas Novas Ciências”. Este cientista mostrou a importância da matemática no estudo da realidade física, realçando a assertiva de Copérnico de que o movimento da Terra era verdadeiro porque a matemática o exige. Galileu abordou as leis do movimento dos corpos (todos os corpos têm peso; no vácuo todos os corpos caem com igual velocidade) e realizou memorável experiência na torre inclinada de Pisa sobre a queda dos corpos fora do vácuo (a bola caída verticalmente da torre ficará próxima do lado oeste, porque a Terra em rotação mover-se-á rumo ao oeste durante a descida da bola). {Didi, gênio do futebol brasileiro, parecia conhecer esta lei natural ao inventar a “folha seca”, descaimento da bola após um chute mágico}. Galileu ampliou a noção gravitacional ao afirmar: a força que faz a Terra atrair os corpos é a mesma que prende a Lua a Terra e que prende os satélites a Júpiter. {Cinqüenta anos depois, a lei da gravitação universal é formulada por Isaac Newton}. Galileu se defende do ataque ao seu trabalho científico em longa carta dirigida ao bispo Dom Virginio Cesarini. Essa carta recebeu o título de “O Ensaiador”. Julgado e condenado por heresia no tribunal católico da inquisição, Galileu abjurou suas teses sobre o movimento da Terra em particular. Ao fazê-lo, escapou de morrer na fogueira. Diz a lenda, que ao sair do tribunal, Galileu teria teimosamente murmurado: “no entanto, ela se move”.
Na astronomia, Tycho Brahe estuda os movimentos planetários. Seu discípulo Johannes Kepler prova a órbita elíptica – e não circular como se supunha – dos planetas em torno do sol (1571 a 1630). Demonstra que área traçada num determinado tempo por um raio que une o sol a um planeta é sempre a mesma para esse planeta; a razão entre o quadrado do período de revolução e o cubo da distância média em relação ao sol é a mesma para todos os planetas. O seu trabalho também contribuiu para a formulação da lei gravitacional por Newton. Outro cientista alemão desse período foi Theophrastus von Hohenheim, conhecido como Paracelso, professor de medicina na Universidade da Basiléia. Ele recorria diretamente à experiência para conhecer as moléstias e respectivas curas sem dar muita atenção aos ensinamentos das autoridades nessa área. Alquimista, ele afirmava existir estreita relação entre química e medicina e negava que a procura da pedra filosofal fosse tarefa do químico.

domingo, 18 de maio de 2014

GOVERNO BANDIDO




Era uma vez, nos primórdios da era cristã, nas longínquas terras do norte da África, um rico e bonito jovem chamado Aurelius Augustinus que muito gostava da esbórnia. Ele quase morreu de tristeza e de saudade quando o seu íntimo e querido amigo faleceu. Então, casou-se com uma linda moça de sonhadores olhos verdes, gerou filhos gorduchinhos de rosada pele, converteu-se ao cristianismo, ingressou na carreira eclesiástica com o nome de Agostinho, tornou-se bispo e santo. Inteligente e culto, ele escreveu belas coisas que agradaram a igreja. Agostinho dizia que se nos reinos faltasse justiça, eles nada mais seriam do que sociedades de bandidos, societas sceleris no seu latim castiço. As quadrilhas – dizia ele – são pequenos reinos cujos membros comandados por um chefe vinculam-se por pacto social e dividem o saque nos termos de uma lei aceita por todos. O santo bispo percebera a existência desse tipo de associação pactuada entre bandidos mediante regras que formam um código de honra a que ficam submetidos os seus membros. Esta associação incluía um tribunal privado. Ele notou que os associados eram punidos por esse tribunal próprio quando violavam o código de honra. Notou, também, esta particularidade: se a quadrilha fosse de criminosos políticos, o julgamento interno era menos rigoroso e a violação do código raramente punida. O santo percebeu que honradez não era virtude cultivada entre os políticos. Agostinho sentia o eterno presente ao viajar no tempo mediante projeção da alma no passado e no futuro. Numa dessas viagens facilitada pela santidade, ele captou cenas e diálogos na seara política brasiliense. Assistiu a um interessante debate entre dois grupos de pessoas de cores diferentes. O grupo de cor vermelha declarava-se dos trabalhadores. O grupo de cor azul nada declarou. O santo deduziu: “O grupo azul deve ser dos vagabundos. Nesse reino todos estão representados. Vigora a democracia”.
O grupo vermelho acusava o azul: Você já roubou o suficiente. Ficou no governo do país por oito anos, apossou-se do dinheiro público, vendeu o patrimônio estratégico construído com o sangue e o suor do povo, recebeu polpudas comissões. Dizia um ministro: “comissão pra cá, comissão pra lá”, nas vendas, nas compras, nas licitações, nos licenciamentos, nas tarifas e outras maracutaias. Agora é minha vez. Comigo no governo isto vai mudar. Quem roubou, roubou; quem não roubou, não rouba mais. Este país tomará o rumo da decência.       
O grupo azul mais cético do que conformado respondeu: Tudo bem. O espírito da pátria está com você neste momento, mas voltarei quando a força do universo estiver comigo.
A quadrilha de ladrões que estava no governo foi substituída pelo grupo vermelho que se vangloriava do seu elevado nível de moralidade. Agostinho ficou feliz com aquela visão e a perspectiva de um governo honesto para aquele país que amargara 500 anos de safadeza. O santo bispo descansou. Certa madrugada de nublado céu, enquanto orava com fervor, Agostinho teve outra visão em êxtase espiritual: extensa praça com duas torres altas, retangulares e paralelas; ao lado, enorme bacia de argila. Ele pensou: “modo prático de captar água da chuva; como a bacia está seca, a água deve seguir para algum reservatório subterrâneo”. Três entidades poderosas confrontavam-se naquela praça. Ao fundo, o contorno de uma igreja. Agostinho ouviu som de vozes, palavras vertidas para o latim pelo mecanismo cósmico de tradução simultânea. O tom era irritadiço. Aos poucos, surgiu a imagem dos debatedores. Eram os dois grupos da visão anterior. Desta vez, havia dois espectadores: um grupo amarelo e um grupo verde.
O grupo azul acusava o vermelho: Você ficou por doze anos no governo do país e já roubou mais do que o suficiente. Agora é minha vez
O grupo vermelho contestava: Não vejo amparo no rodízio pretendido por você.
O azul ponderava: Você e eu celebramos tacitamente um pacto de revezamento na tua primeira eleição. “Pacta sunt servanda”. Os pactos tacitamente celebrados são válidos tanto do ponto de vista jurídico como do ponto de vista moral e político, consoante princípio consuetudinário universal.
Nervoso e impaciente o vermelho respondia: Pacto oral uma ova! Para mim, só vale o que está escrito – e olhe lá! Eu não assinei pacto tudinário algum, seja com “sue” ou sem “sue”. Vou prosseguir no governo por mais tempo. Ainda não roubei o suficiente. Você roubou muito mais do que eu.
Em tom conciliador o azul propõe: Pois bem. Façamos uma auditoria para esclarecer esses dois pontos: 1) Qual de nós dois roubou mais; 2) Qual dos dois governos foi o pior: o meu ou o teu. Cada um de nós indica três auditores. Se houver empate, o eleitor decidirá.     
Com ameaçadores punhos fechados o vermelho vociferou: Não farei auditoria porra nenhuma! Vão se catar “seus” ladrões engravatados e de colarinho engomado! O governo é meu, o tesouro é meu e vou usufruir o que é meu por muito tempo porque a massa de eleitores vota em mim.  
Exibindo despeito e desapontamento o azul brada: Ah, então é assim! Você quebra o pacto fiduciário tacitamente celebrado, viola o código de honra e fica por isso mesmo! Compra o enorme eleitorado pobre e ignorante com bolsas disto e daquilo e me deixa sem chance de disputar eleição em igualdade de condições. Para mim só restou o pequeno eleitorado constituído de pessoas ricas e de algumas da classe média. Isto não é justo. A democracia está ameaçada. Vou defendê-la, custe o que custar. A grande imprensa está do meu lado. Além dos meus simpatizantes, também vou colocar os tanques nas ruas. Vocês verão o que é bom pra tosse, “seus” ladrões travestidos de operários, comunistas safados!
O grupo amarelo intervém com manemolência: Olha aí, rapaziada! Calma! Há pasto pra todos. Sigam a máxima: “roube com moderação”. Caso a moderação seja difícil, adotem o lema ademarista: “rouba, mas faz”; senão, um dia, a casa cai. O voto do nosso grupo vale ouro e pode decidir eleição. Sem o nosso voto, nem você azul, nem você vermelho, colocam as mãos no tesouro. Somente a minha voz abre Sézamo. Anotem aí: o nosso grupo quer tênis de grife, tablete, telefone celular, laptop, TV tela plana grande e dez salários mínimos em dinheiro, “per capita”. Mercadoria e dinheiro entregues antes das eleições, caso contrário, vocês não terão o nosso voto. É isso aí, gente!   
O grupo verde se pronuncia escandalizado: Santo deus! Conciliação improvável. Devemos escolher entre duas quadrilhas de ladrões qual delas governará o nosso país nos próximos anos. A senha da caverna de Ali Babá está com o grupo amarelo. Se não escolhermos os larápios do grupo azul haverá o risco de nova ditadura militar. Ninguém merece! Temos direito a uma quarta via. Vamos organizar um partido para governar este país com a sigla PHDPP: Partido da Honestidade Democrática das Putas e dos Presidiários”. Nas ruas, nos prostíbulos e nas prisões recrutaremos aqueles que governarão o nosso país com honradez e decência, coisa que você azul e você vermelho jamais fizeram. E quanto a você amarelo, faremos na tua caverna o mesmo que fizeram na Serra do Cachimbo.  
Ao sair do transe hipnótico auto-induzido, Agostinho suspirou amargurado. Não gostou do que viu e ouviu. Com as mãos cruzadas sobre o pançudo ventre e para se consolar, assim pensou: “Ainda bem que isto acontecerá só daqui a 1.600 anos. Depois, envolto na aura da santidade, Agostinho ajoelhou-se, juntou as mãos, rezou e formulou um pedido a deus: “Senhor, o teu filho, Jesus Cristo, foi misericordioso com as prostitutas e com os condenados pela autoridade secular; permita, pois, que nas oportunas calendas, o PHDPP se organize e vença as eleições naquele reino para o bem daquele povo”.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

FILOSOFIA XII - 6



EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

Reagindo a uma segunda sentença de excomunhão, Henrique IV invade a Itália, obriga o papa Gregório VII a sair de Roma e o substitui por Clemente III (1084). Coexistem dois papas: um em Roma e outro em Avignon (1084 a 1181). O papa Urbano II (1088 a 1099) convocou, no Concilio de Clermont, os nobres de França para a conquista da Palestina. As cruzadas tinham tríplice objetivo: (1) religioso: libertar a “terra santa” e permitir a livre peregrinação de europeus; (2) econômico: obter terras férteis, saquear as cidades e expandir o comércio; (3) político: desviar os nobres das lutas intestinas e ocupá-los na defesa da “terra santa”. A primeira cruzada ocorreu em 1096 com o propósito de expulsar da região os turcos seljuk. Seguiram-se outras cruzadas que saquearam cidades do Oriente Próximo e da Ásia Menor e estabeleceram rotas comerciais. Capturada por Saladino, sultão do Egito, Jerusalém, “cidade santa”, retorna ao domínio muçulmano (1187).
A tensão entre Igreja e Estado arrefece em Worms, quando príncipes alemães e delegados do papa celebram a concordata de 1122: em assuntos religiosos, os bispos, abades e padres seriam investidos pelos arcebispos; em assuntos seculares, a investidura cabia à autoridade política. A paz durou pouco. Veio à balha a questão de saber se os reis eram responsáveis perante o papa ou diretamente perante deus. O papa Gelásio (492 a 496) lançara a precedente teoria das forças concorrentes: a autoridade sagrada dos pontífices (auctoritas) e o poder dos reis (potestas) são as duas forças que governam o mundo, aquela superior a esta em dignidade, porém ambas necessárias à ordem divina, independentes em seus respectivos domínios. Hugo, prior da abadia de São Vítor, em Paris, expõe a teoria da unidade: “a sociedade é a cristandade e a cristandade é a igreja” (1096 a 1141). A fonte do poder secular é a igreja. Ao poder espiritual (Igreja) cabe instituir e julgar o poder temporal (Estado). César (imperador, rei, príncipe) está na igreja e não acima da igreja. Bernardo, abade de Clairvaux, lança a teoria das duas espadas partindo da ordem dada por Jesus a Pedro no ato da sua prisão no Getsemani: “embainha a tua espada” (1152). O abade combina esta expressão com o diálogo entre apóstolos e Jesus: “Senhor, eis aqui duas espadas”, dizem aqueles; “basta”, este responde. O abade monta o sofisma ao isolar as palavras do contexto em que foram pronunciadas. Estabelece premissa falsa embora de fácil adesão: as espadas simbolizam os dois poderes: espiritual e temporal. Lança a premissa menor: ambas estão na posse dos apóstolos, os fundadores da igreja. Conclui: logo, as duas espadas estão na posse da igreja. Com esse raciocínio formalmente correto, porém falacioso, o abade elabora a teoria: Pedro deve se abster do uso da espada temporal {abstinência da igreja: “embainha a tua espada”}; essa espada pertence ao papa (sucessor de Pedro), está sob as ordens do papa, mas não em suas mãos e sim nas mãos do soldado {braço armado e coercitivo da pregação religiosa: o Estado a serviço da Igreja}. Considerado o contexto em que as palavras foram pronunciadas, ver-se-á que Jesus pretendia que os apóstolos portassem espadas à semelhança dos malfeitores, em sintonia com a escritura: aquele que não tiver espada venda sua capa para comprar uma, pois vos digo: é necessário que se cumpra em mim ainda este oráculo: “e foi contado entre os malfeitores” (Is 53: 12). Os apóstolos replicaram: Senhor, eis aqui duas espadas. Jesus responde: Basta. (Lucas 22: 36/38). Como se vê, o profeta solicitou espada real. Espada espiritual não se compra com o dinheiro da venda de roupa, nem com dinheiro algum, pois se trata de abstração, algo fora do comércio. Os apóstolos apresentaram duas espadas reais e não dois símbolos, delas fizeram uso no momento da prisão (um soldado teve a orelha decepada) e assim tornaram efetiva a profecia bíblica. Ao dizer “basta”, o profeta informa aos apóstolos que as duas espadas são suficientes para o fim que ele tinha em mente: cumprir a profecia e assim confirmar ser ele o messias bíblico.
Coroado imperador pelo papa, Frederico Barba Rubra (Ruiva? Roxa?), rei alemão, esperneia contra essa doutrina da igreja e sustenta a sua soberania em face do papa Alexandre III, mas acaba vencido (1177). O imperador é soberano do corpo enquanto o papa é soberano do corpo e da alma, pois a realeza espiritual e temporal pertence a Cristo e o papa é vigário de Cristo. Ao papa cabe ungir, sagrar e coroar o imperador. A autoridade do papa fundamenta-se na herança apostólica. No exercício dessa autoridade, julgava e punia os reis por seus pecados {jus puniendi ratione peccati}. Inocêncio III (1179 a 1180) obrigou o rei Felipe Augusto a retomar a esposa que repudiara e obrigou o rei João a reconhecer como feudos do papado a Inglaterra e a Irlanda. Sobre o rei pesam as supremacias do papa, da comunidade e da lei. Entre o rei e o povo há um tácito, histórico e tradicional contrato: o rei garante ordem e justiça enquanto o povo for obediente e o povo garante obediência enquanto o rei cumprir os seus deveres (pactum subjectionis). A ordem a ser garantida e cumprida pelo rei tem dois filamentos: (1) lei natural {princípios éticos inscritos na consciência humana configuradores de um direito natural}; (2) lei positiva {regras obrigatórias de conduta ditadas pela utilidade ou necessidade enraizadas no costume vigente na sociedade}. O rei atua como juiz e não como legislador. O papa vigia o cumprimento do contrato pelas partes (rei + povo). Neto de Barba Rubra, Frederico II, imperador romano germânico e rei da Sicília, afirma que deus reservou ao César (Estado) e não ao papa (Igreja) a plenitudo potestatis, ou seja, as forças espiritual (auctoritas) e secular (imperium). Ao imperador cabe a missão de unir os Estados na república cristã universal. Frederico foi derrotado pelas comunas do norte da Itália. O poder sacerdotal submeteu o imperial. A tiara sobrepõe-se à coroa.    
A renascença foi um torvelinho político. A Itália não estava unificada; compunha-se de várias cidades organizadas como Estados independentes. A atmosfera política era turbulenta: luta pelo poder e riqueza, supressão dos rivais, busca do prazer físico e artístico. No afã de ganhar dinheiro, muitos abandonaram o comércio para investir na usura (empréstimo a juros escorchantes). A igreja condenou essa prática nos concílios de Latrão de 1139, 1179 e 1215; determinou aos cristãos que rompessem relações com judeus cobradores de juros exorbitantes. O Código de Justiniano autorizava juros de 11% ao ano. Os cristãos sírios e bizantinos guiavam-se por esse código. Os banqueiros embutiam os juros nas taxas de câmbio e nas transações contábeis; pagavam aos depositantes juros camuflados em “bonificações” (1201 a 1300). Governo despótico era padrão. O serviço militar era visto como desperdício de tempo. Soldados mercenários chefiados por um condottieri, que vendia seus serviços, dispensavam exército nacional regular. A rivalidade comercial entre as cidades gerava conflitos armados. Milão, sob o governo de Gian Galeazzo Visconti (1378 a 1402), submeteu cidades da planície lombarda. Florença conquistou Pisa e cidades da Toscana (1406). Veneza submeteu cidades situadas no nordeste da Itália, inclusive a rica cidade de Pádua (1454).

quarta-feira, 14 de maio de 2014

FILOSOFIA XII - 5



EUROPA (1000 a 1600). Continuação.



Na Renascença surge um novo cristianismo com Inocêncio III, Francisco de Assis e Tomás de Aquino. A igreja admitiu a importância da vida terrena e a centelha divina no homem. Deus existia para o bem do homem. O sacerdote era herdeiro da autoridade conferida por Jesus ao apóstolo Pedro. O sacerdote cooperava com deus na realização de milagres e na absolvição dos pecadores. Havia os seguintes sacramentos: batismo, crisma, penitência, eucaristia, casamento, ordem e extrema unção. Segundo a igreja católica, sacramento é o meio pelo qual a graça divina é comunicada aos homens. A eficiência dos sacramentos independe do caráter pessoal de quem o ministra. O padre pode ser corrupto sem que isto nulifique o sacramento. Segundo a teoria da transubstanciação, o pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Jesus. Cuida-se de transformação essencial e não existencial; o gosto do pão e do vinho não se modifica. A teoria da sagrada herança e a teoria do sacramento fizeram do cristianismo uma religião eclesiástica e mecânica semelhante ao paganismo romano. O papa Nicolau impõe a teoria da supremacia do sumo pontífice na hierarquia eclesiástica (858 a 867). Para provar o vigor da citada teoria ele serviu-se de uma coleção de documentos forjados denominada “Decretos de Isidoro”. Com o papa Gregório VII (1073 a 1085) a monarquia eclesiástica recuperou forças e com o papa Inocêncio III (1198 a 1216) firmou-se em definitivo. A partir do 4º Concílio de Latrão, a confissão do crente foi exigida (1215). O inconformismo com esta exigência foi um dos motivos da futura revolução luterana.

O mosteiro de Cluny emprestou o seu nome ao primeiro movimento de reforma monástica. Na Europa ocidental do século X, a maioria dos mosteiros era de beneditinos que se corromperam e caíram sob o poder dos senhores feudais. O objetivo da reforma era livrar os mosteiros do poder feudal e fortalecer as regras de piedade e castidade entre os monges. No século XI, havia objetivos mais amplos: eliminar a corrupção e os interesses materiais de toda a igreja; estabelecer a supremacia absoluta do papa em assuntos eclesiásticos; acabar com o tráfico de objetos sagrados e a venda de bens espirituais (simonia); afastar dos assuntos eclesiásticos as autoridades seculares; instituir celibato para o clero. O monge Hildebrando, o “Satã Sagrado”, ao se tornar papa em 1073 com o nome de Gregório VII, implantou quase todas as reformas pleiteadas pelo movimento Cluny. Esse movimento perdeu força no final do século XI e enveredou para os vícios que tanto combateu. Reagindo a essa decadência surgiram as ordens cartuxa e cisterciense com regras mais rigorosas (1084). Estas duas ordens também decaíram dos seus princípios e propósitos, tanto pelo acúmulo de riqueza, como por incompatibilidade com os ideais da época.

Diferentes dos monges, os frades entram na cena religiosa como homens leigos, sem pertencerem ao clero (século XIII). Devotavam-se ao trabalho social, à pregação e ao ensino. O fundador da primeira ordem foi um jovem de nome Francisco, filho de rico mercador de Assis, cidade do norte da Itália (1182 a 1226). Este jovem imitou Jesus, desprendeu-se dos bens materiais, dedicou-se aos pobres e privilegiou a prática cristã em face da doutrina. Ele se preocupava com as coisas deste mundo, devotava profundo amor à natureza e nela via a presença divina. Francisco não era asceta e nem hipócrita, não desprezava o corpo, nem macerava a carne no intuito de salvar a alma. Indiferente ao conforto, aos prazeres, às posses terrenas, vestia roupas simples, hábitos morigerados. Foi um dos raros homens que mereceu o título de cristão. Domingos, nobre espanhol, fundou uma nova ordem de frades por volta de 1215, no sul da França, com o propósito de combater a heresia. No século XIV, tanto os franciscanos como os dominicanos distanciavam-se dos ensinamentos e do exemplo dos fundadores. Houve cisões, porém os frades continuavam a influir na cultura européia. Alguns filósofos e cientistas dos séculos XIII e XIV eram franciscanos e dominicanos.

O papa Gregório VII se opôs a que bispos, abades e padres fossem investidos por reis e príncipes. Henrique IV, imperador alemão, desafiou o papa e prosseguiu nas investiduras. O papa o excomungou e lhe retirou a autoridade política. O imperador se humilhou e obteve o perdão. A pretensão do papa incluía jurisdição sobre toda a cristandade com o poder de punir, anular decretos e destituir reis e imperadores. Gregório insiste na supremacia da Igreja em relação ao Estado: “quem pode duvidar de que os sacerdotes de Cristo não sejam os pais e os mestres dos reis, dos príncipes e de todos os fiéis?”. Elabora e promulga o “Dictatus Papae” com 27 artigos entre os quais os que seguem: 1) A igreja romana foi fundada por um só Senhor. {O papa se refere a Jesus. No entanto e na verdade, João Batista e Jesus Nazareno fundaram uma seita judia reformista de cunho místico na Palestina e não em Roma. Pedro, Paulo e apóstolos como Tiago, Judas Tadeu, João, Barnabé, instituíram a igreja cristã depois da morte daqueles dois líderes. O nome de “cristã” foi dado à igreja por seus adversários (judeus e “gregos” da Antioquia) e foi mantido pelos adeptos da nova doutrina. O apelido de “romana” foi dado pelos bispos para distingui-la da “bizantina”}. 2) Somente o pontífice romano tem o direito de ser considerado universal (católico). Em todo concílio o seu legado está acima de todos os bispos. 3) O sumo pontífice não está submetido a qualquer jurisdição {portanto, está livre do poder judicial do Estado}. 4) O papa tem o direito de depor os imperadores e de livrar os súditos do juramento de fidelidade prestado aos monarcas injustos {poder de ligar e desligar supostamente atribuído a Pedro por Jesus}.

Gregório alicerçava-se na Doação de Constantino do ano 315, em que este imperador reconhecia a superioridade do trono do papa em face do trono dos reis, determinava que a igreja romana fosse venerada e reverenciada, subordinava as igrejas de Antioquia, Alexandria, Constantinopla e Jerusalém à igreja de Roma e transferia a Silvestre, chamado de “papa universal”, todos os palácios, províncias e distritos da Itália e das regiões do ocidente. Tal como os “Decretos de Isidoro” e a lista de sucessão dos bispos de Roma desde Pedro até o século III, o documento de doação também é falso, forjado pelo papa e redigido em letras douradas por um diácono de nome João. O imperador Oto III denunciou a falsidade documental (983 a 1002). Esta denúncia foi confirmada em 1440 por um secretário pontifical e historiador de nome Lorenzo Valla que provou a falsidade de inúmeros documentos inclusive a doação de Constantino sobre a qual se baseava a supremacia do papa. Nesse falso documento o imperador Constantino reconhecia em favor do papa o mais alto poder temporal e espiritual. Lorenzo provou ainda, a deturpação na Vulgata (versão latina da Bíblia) ao compará-la com textos gregos mais antigos e a falsidade do Credo dos Apóstolos jamais criado pelos apóstolos. O laudo pericial sobre a falsidade da doação só foi publicado em 1519. Apesar desta constatação, a igreja insistiu na legitimidade da doação até o século XIX, quando caiu no descrédito geral. Para justificar as fraudes que pratica, a igreja invoca a lição de Orígenes, teólogo cristão, sobre a mentira econômica e pedagógica necessária ao plano divino e aos nobres objetivos. Daí derivou a mentira piedosa para esconder notícia má ou assunto inconveniente. A lição de Jesus Nazareno é oposta: se permanecerdes na minha palavra sereis meus verdadeiros discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.