EUROPA (1000
a 1600). Continuação.
Decorrido o primeiro
milênio da era cristã, desenha-se novo panorama na Europa. Até o século XIII (1201 A 1300),
Constantinopla (império bizantino) e Córdova (califado islâmico) eram as
cidades mais desenvolvidas do ponto de vista econômico, artístico e intelectual,
aquela com 500.000 e esta com 200.000 habitantes, aproximadamente. Depois, sobressaíram-se
outras cidades (Veneza, Paris, Bremen, Londres). Havia centenas de paróquias,
abadias e conventos espalhados pelas ilhas e continente. Apesar disto, as
nações cortaram os vínculos de subordinação com a igreja ao se organizarem em Estados
soberanos.
A população cresceu mais
do que a produção de alimentos. Empregos aumentaram nos setores privado e
público (serviços de transporte, armazenamento e distribuição de mercadorias,
funções administrativas e burocráticas). Modesto desenvolvimento da economia,
sem considerável avanço técnico (arado, arreios, carreta, associações, seguro, crédito,
sistema bancário incipiente). A indústria atendia às necessidades da
agricultura, do comércio, da guerra, da igreja, da população em geral (mineração,
metalurgia, têxtil, construção). Exploravam-se jazidas e minas em montanhas,
rios e subsolo (ferro, chumbo, estanho, cobre, prata, ouro, carvão, hulha). Fundiam-se
metais. Fabricavam-se ferramentas, pregos, eixos, caldeiras, âncoras, armaduras,
lanças, espadas, punhais. Construíam-se palácios, catedrais, mosteiros, casas, praças,
muralhas, pontes, estradas. Alguns reinos cunhavam suas próprias moedas. No
comércio internacional circulavam moedas de ouro.
A resistência à pretensão
universalista da igreja e do império fortaleceu o nacionalismo. Inglaterra e
França constituíram Estados soberanos, livres do domínio do papa e do imperador,
exemplo seguido por outras nações. A igreja sofre o impacto de movimentos
reformadores a começar pelos “irmãos da vida comum”, grupo de homens piedosos
que mantinham escolas na Holanda, Flandres e Alemanha. Pleiteavam uma religião
cristã simples, racional, liberta do dogmatismo e do ritualismo da igreja
organizada. Thomas de Kempis, um dos líderes desse movimento, escreve “A
Imitação de Cristo”, em defesa daquelas idéias, livro que se tornou clássico
(1425). A partir de 1500, escritores e filósofos dos diversos países apoiaram o
movimento do qual Sebastian Brant (Alemanha), Thomas Morus (Inglaterra) e
Erasmo (Holanda) foram os grandes destaques. Entendiam que a religião existia
para o bem do homem e não para o bem de uma igreja organizada. Censuravam
preceitos teológicos e sobrenaturais, sacramentos, cerimônias, veneração de
relíquias e venda de indulgências. Sem prejuízo de uma organização eclesiástica
simples, estes opositores negavam: (1) a autoridade absoluta do papa; (2) a
necessidade de intermediação dos padres entre os homens e deus.
Ao recrutar eruditos para
a sua corte, Carlos Magno dá inicio ao progresso intelectual da Idade Média. No
século X, na Alemanha, sob o governo de Oto, esse progresso teve novo impulso.
Seguiram-se estudos clássicos na Itália e na França. O auge desse renascimento
foi atingido nos séculos XII e XIII. No campo intelectual, a filosofia
escolástica predominou na Idade Média (incluindo a renascença), principalmente
na igreja e instituições católicas. A razão é colocada a serviço da fé e a
filosofia a serviço da teologia. Os filósofos escolásticos dedicaram-se às
questões da física, da metafísica, da política e da economia, sob o primado da
lógica. Segundo essa filosofia, os sentidos humanos permitem conhecer a
aparência das coisas, porém só a razão penetra a essência das coisas. Todo
conhecimento necessita amparo das escrituras, dos padres, de Platão e de
Aristóteles (princípio da prevalência da
autoridade). Este é o caminho para o homem melhorar a vida terrena e
assegurar a salvação na vida extraterrena. Deus existe para que o destino da
humanidade seja cumprido. A especulação filosófica visa a descobrir os
atributos das coisas sem se preocupar com as causas e as relações subjacentes;
supõe o universo estático. Assim, basta ao filósofo explicar o significado e a
finalidade das coisas, sem perquirir as causas.
A questão dos conceitos universais
como realidade substancial divide o mundo filosófico: realistas de um lado e
nominalistas de outro. Apoiando-se em Platão, os realistas afirmam que há substância nos universais; mais do que
palavras, os conceitos universais são entes com existência própria, real e
independente. O Estado – grupo de
indivíduos sob as mesmas leis, nos limites de um território e com governo
próprio – não é um simples nome e sim uma realidade em si, percebida pela razão
ainda que não percebida pelos sentidos. Esse modo de pensar exalta a
instituição (Estado, Igreja, Universidade, Família) e coloca os indivíduos em postura
submissa. Apoiando-se em Aristóteles, os nominalistas
afirmam a inexistência de substância nos conceitos universais, meros nomes sem
existência real, incapazes de existir por si mesmo; existem apenas como
essência e qualidade intrínseca no objeto particular. Apesar de nominalista, esta
doutrina recebeu o nome de realismo
moderado. Os grandes escolásticos dos séculos XII e XIII foram adeptos
dessa doutrina.
João Escoto Erígena,
irlandês, considerado o fundador da escolástica, criou o realismo extremo no pensamento medieval (os universais existem por
si mesmos) e foi o primeiro entre os cristãos racionalistas. Na opinião desse
filósofo, a razão deve prevalecer em face da autoridade. Outro filósofo
considerado também fundador da escolástica foi Roscelino, clérigo francês, cuja
doutrina se opõe à anterior. Ele afirmava que os universais eram meros sons
vocálicos; que somente as partes – e não o todo – tem existência real.
Pedro Abelardo, francês, teólogo, professor, monge não
ascético, talentoso, culto, orgulhoso, briguento, bonito, alardeava seus
triunfos intelectuais e amorosos, gabava-se de conquistar qualquer mulher que
lhe despertasse o desejo (1079
a 1142). A sua ruína foi o caso com Heloísa. O poderoso tio
da moça mandou castrá-lo e separou os amantes. Em filosofia, ele seguiu a linha
do realismo moderado: a essência são
os universais e a existência são os
particulares; a palavra não é uma ocorrência e sim um significado das coisas;
os universais surgem da semelhança entre as coisas; semelhança não é coisa. Essência
e existência em Abelardo correspondem às idéias de potência e ato em
Aristóteles: a essência é puramente potencial e a existência puramente atual. Na
sua obra filosófica mais famosa, Sic et
Non, Abelardo critica um grande número de argumentos de autoridade. Para ele,
o raciocínio crítico era de vital importância: “(...) a principal chave do pensamento é chamada interrogação (...) Pela dúvida somos levados à investigação e
pela investigação percebemos a verdade.” {Mais tarde, Descartes faria da
dúvida um método}.