sábado, 25 de março de 2023

LINGUAJAR CHULO

Nos programas do dia 23/03/2023, nos canais de televisão CNN e GloboNews, jornalistas e convidados, todos à direita do espectro político, a maioria antipetista e antilulista, fizeram leviana e apressada crítica ao presidente da república. O tal plano de matar autoridades supostamente elaborado por uma das facções criminosas em atividade no Brasil, serviu de bigorna à malhação. O presidente havia dito que o plano era armação do senador Sérgio Moro, porém, frisou que disto ainda não tinha prova e que era necessário investigar.
Ao contrário do presidente, os seus críticos, censores e detratores consideraram provado o que ainda depende de prova: o tal plano, que ainda precisa ser exposto e analisado à luz do dia e ser submetido à regra do contraditório. A tal investigação da polícia federal também, ela mesma, deve ser investigada, ainda mais em se tratando da república nazifascista de Curitiba/PR, palco da fraudulenta operação lava-jato. A juíza que expediu os mandados de prisão contra os supostos articuladores e executores do suposto plano é a mesma que condenou Luiz Inácio Lula da Silva no fraudulento processo penal de Curitiba, copiando sentença do então juiz Sérgio Moro proferida em outro processo igualmente fraudulento. A juíza compõe o grupo federal de magistrados e membros do ministério público que agiu de modo intencional para criminalizar Luiz Inácio, afastá-lo do pleito eleitoral e prendê-lo injustamente por 580 dias. Essa juíza estaria trabalhando em caráter provisório na vara criminal onde tramitaram os referidos processos. Ali atuou Moro, juiz parcial e corrupto. 
Portanto, sobram razões para Luiz Inácio duvidar do tal plano e acreditar numa nova armação originária da polícia e da juíza de Curitiba mancomunadas com o senador Moro. As tais ameaças de morte ao senador e à sua “família” integram a farsa para melhorar a imagem dele junto à opinião pública e ao Senado. A média corporativa nacional, prenhe do capital estrangeiro e dele serviçal, alimentadora da sociedade do espetáculo, vinculada à direita e à extrema direita do espectro político, que “fez de Moro um herói”, tenta agora “fazê-lo um mártir”, consoante a expressão de arguto jornalista do site Brasil 247. 
Armação na vida política brasileira não é novidade. A mais notável ocorreu em 1937. Grupo civil/militar de apoio a Getúlio Vargas, ao tramar golpe contra a Constituição Social Democrática de 1934, forjou um documento “comunista” denominado Plano Cohen, divulgado como verdadeiro pela imprensa e pela Voz do Brasil (programa radiofônico do governo). O plano foi usado para justificar a decretação do estado de guerra e assim implantar a ditadura (1937-1945). O plano foi elaborado por Olímpio Mourão Filho, capitão do exército que, 27 anos depois, como general, iniciou o golpe de 1964 para depor João Goulart da presidência da república. De modo precipitado, ele partiu à frente da sua tropa de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro, surpreendendo até mesmo o grupo civil/militar de conspiradores. Além dos militares, havia civis entre os conspiradores, como o banqueiro mineiro Magalhães Pinto, o jornalista e político carioca Carlos Lacerda, empresários da paulicéia e bispos da igreja católica. Instaurou-se, então, nova ditadura (1964-1985).
Nas sociedades civilizadas, exige-se compostura dos parlamentares, dos chefes de governo, dos ministros de estado e dos magistrados. A linguagem chula não condiz com essa exigência. No Brasil, o linguajar chulo pode configurar ultraje público ao pudor, delito tipificado sob o artigo 233 do Código Penal. Ao usar a palavra tesão e mais recentemente a expressão “vou foder com o Moro”, o atual presidente da república denota preocupação com sexualidade. A clara intenção do presidente não foi a de se relacionar sexualmente com o senador e sim a de prejudica-lo. Trata-se de vingança pela injusta perseguição que o presidente sofreu quando o senador era o juiz da curitibana e criminosa operação lava-jato. Vou foder = vou prejudicar = vou me valer da autoridade de que estou investido para me vingar do meu desafeto. Esse tipo de conduta contraria dois princípios constitucionais: o da impessoalidade e o da moralidade (CR 37).  
Constitui falta de respeito para com a população o uso em público de palavreado chulo por autoridades do estado. Grande parcela das camadas pobre e remediada da população brasileira ainda conserva o senso de vergonha (pudor). Essa boa gente sente-se ferida pelo modo vulgar, inconveniente e indecente do presidente se expressar. Nesse particular, assiste razão ao senador Moro, embora escorregando no vernáculo. Alguém precisa lembrá-lo de que palavrão e palavra de baixo calão significam a mesma coisa. Apesar de ardiloso e inescrupuloso, com aprendizado nos Estados Unidos da América, o senador Moro continua deficiente cultural e a tropeçar no idioma pátrio. Quanto ao presidente da república, alguém precisa adverti-lo de que poderá ser alvo de processo judicial por crime comum e, até mesmo, de processo parlamentar por crime de responsabilidade, com base na falta de decoro no exercício do cargo. Se não estiver senil, ele poderá ser processado e condenado. 
Luiz Inácio já cumpriu o papel que dele esperava a parcela maior do povo brasileiro: obstar a reeleição do mito Messias e, assim, livrar a nação do modelo autoritário de governo. Agora, Luiz Inácio merece voltar para casa, cuidar da saúde, curtir o lar e a família, beber cervejinha com os amigos, conversar, usar palavras de baixo calão ao seu gosto e rir dos peidos estrondosos. Assumirá a presidência o vice-presidente, homem experiente, religioso, educado, queridinho da direita e palatável à extrema direita. Luiz Inácio não precisa aguardar o impeachment. Aliás, diferente do caso Rousseff, se houver caso Silva, acredita-se que, desta vez, o Supremo Tribunal Federal, se provocado no devido processo jurídico, não se omitirá e decidirá sobre (i) a correta tipificação do ato objeto da acusação (ii) a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do processo parlamentar de impedimento porventura instaurado.
     

quarta-feira, 22 de março de 2023

VAGAS NO STF

A atmosfera de ódio, violência, falsidade e luta envolvendo progressistas, conservadores e nazifascistas, faz crescer a expectativa em torno do preenchimento de vagas no Supremo Tribunal Federal (STF). Partidos políticos, empresariado, operadores do direito, meios de comunicação social, todos alertas. De positivo, por enquanto, tem sido o fato de a nação estar tomando consciência: (i) da importância de uma suprema corte para o estado democrático de direito (ii) de que há juízes bons e maus, honestos e desonestos, imparciais e parciais, justos e injustos. Quanto maior a proporção dos juízes bons, honestos, imparciais, justos, mais respeitado será o tribunal e mais segura sentir-se-á a sociedade no que tange à eficácia dos direitos e deveres declarados na Constituição da República. A escolha dos nomes para preencher as vagas cabe ao presidente da república. A aprovação dos nomes escolhidos pelo presidente cabe ao Senado. A nomeação dos aprovados pelo Senado cabe ao presidente da república. 
Via de regra, a escolha dos juízes da suprema corte de países democráticos é feita pelo chefe de governo entre pessoas da sua confiança sintonizadas: (i) com a sua visão de mundo (ii) com a sua fé na liberdade e na democracia (iii) com o programa do seu partido e (iv) com o seu projeto de governo. Esse é o modelo adotado pelos Estados Unidos da América e copiado pelos países periféricos e/ou satélites. 
Nos períodos autocráticos da história política do Brasil, os presidentes nomearam para a corte suprema pessoas afinadas com a ditadura (1930/1945 + 1964/1985). Nos governos exercidos de modo autoritário em períodos formalmente democráticos, os presidentes nomearam pessoas afinadas com o autoritarismo e a ideografia do chefe (1991/1992 + 2019/2022). No vigor da democracia plutocrática, os presidentes nomearam pessoas afinadas com os interesses dos donos do dinheiro (1891/1930 + 1946/1964 + 1988/2002 + 2016/2022). 
Na ciência política, democracia e plutocracia são mutuamente excludentes. No pragmatismo político americano, entretanto, os dois tipos de governo estão conciliados: o poder econômico e o poder político condicionam-se reciprocamente e geram, no plano dos fatos, um governo democrata plutocrático, o quê, na visão dos puristas, é uma aberração política!
Atualmente, no STF, os ministros Gilmar Mendes, nomeado por tucano, Ricardo Lewandowski nomeado por petista e Alexandre de Moraes nomeado por emedebista, mantiveram-se fieis aos respectivos padrinhos. Os ministros Nunes Marques e André Mendonça nomeados por presidente autoritário, continuam fieis ao nazifascismo do padrinho. Os ministros Carmen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin, nomeados por petistas, vestiram a capa da direita e traíram, por ação e omissão, os respectivos padrinhos. 
Como se fora lunático, ele perambulava pelas ruas de Atenas portando lanterna acesa em plena luz do dia. Ao ser interpelado por cidadãos, Diógenes explicou: “Estou à procura de um homem honesto”. Sem alguma dose de loucura ninguém é filósofo. 
O presidente da república não necessita perambular pelas ruas para encontrar pessoa digna de vestir a toga de magistrado da corte suprema. Ele se mostra cauteloso na escolha para não ser induzido a erro e incluiu o caráter da pessoa entre os critérios seletivos. Pessoa de bom caráter preza a honestidade, a lealdade, a verdade, o espírito de justiça, os bons costumes e não sucumbe ante flexibilidades oportunistas, tráfico de influência, política partidária e preconceito. Pessoa de bom caráter sabe ser grata sem ser submissa; ser firme sem ser violenta; ser justa sem tergiversar; ser leal sem bajular. 
Os humanos têm caráter. Dentre os civilizados, alguns têm bom caráter e outros têm mau caráter. O mesmo indivíduo, sob a luz, pode manifestar bondade; nas sombras, pode manifestar maldade. As pessoas de bom caráter, de notável saber jurídico e de reputação ilibada merecem ocupar posições de relevo na sociedade e no estado. Tais requisitos, o atual presidente da república reconhece no seu advogado. A esposa do advogado também atuou como advogada nos mesmos processos judiciais em que o presidente foi réu. Presume-se que ambos, marido e mulher, igualam-se na capacidade e no merecimento. 
Imbuída de certeza, justiça e gratidão, a escolha acontece agora, no presente. O vasto campo das mudanças e das surpresas está no futuro. A alma humana não é inteiramente translúcida. Há brasas encobertas por cinzas. Advogados considerados confiáveis e virtuosos no passado como, por exemplo, Toffoli, Barroso e Fachin, foram nomeados e depois “deu no que deu”! 
Para preenchimento da segunda vaga (e, talvez, de uma terceira ainda este ano) o presidente diz que a escolha será pelo caráter da pessoa e não pela origem, raça, etnia, sexo, cor, idade ou religião. Afigura-se aconselhável revisão constitucional com o objetivo de: 
1. Aumentar: I) A composição do STF para 21 membros escolhidos por uma comissão mista de senadores, juízes, procuradores e advogados II) A idade mínima de ingresso nesse tribunal para 50 anos III) Os requisitos de ingresso para: (i) bom caráter (ii) reputação ilibada (iii) notável saber jurídico (iv) 20 anos, no mínimo, de efetiva prática forense como magistrado, membro do ministério público ou advogado. 
2. Reduzir: I) A atividade judicante de cada membro do STF para 8 anos, à semelhança do mandato de senador [vencido o prazo, o juiz desocupa o cargo, vedada a recondução] II) As competências, a fim de constituir tribunal exclusivamente constitucional à semelhança do tribunal constitucional federal alemão (Lei Fundamental de Bonn/1949, artigos 93/94).  

quinta-feira, 16 de março de 2023

PRECONCEITO JUVENIL

Três jovens alunas da faculdade de biomedicina de Bauru/SP debocharam, em vídeo, de outra caloura por motivo da idade. Segundo noticiou a média nacional, a vítima é mulher de 44 anos de idade, trabalhadora, ajuda no sustento da família e não teve chance de ingressar na faculdade enquanto jovem, porém, manteve acesa a chama. 
A conduta das mocinhas encaixa-se nas características gerais da juventude americana: imatura, leviana, rebelde, contestadora, impaciente, preconceituosa, maldosa (e até cruel) nos seus julgamentos, nas suas opiniões e atitudes. Por ser da nova geração, essa juventude acha-se mais esperta e inteligente do que as pessoas das gerações anteriores. O episódio paulista mostrou que a discriminação preconceituosa quanto a origem, raça, cor, sexo e idade das pessoas, manifesta-se nas diversas faixas etárias. Jovens, adultos e idosos são agentes e pacientes do preconceito. Nesse episódio, as agentes foram mocinhas da camada social de poder aquisitivo acima da média que independem do trabalho para o próprio sustento. A paciente foi mulher na faixa dos 40, de menor poder aquisitivo e que sempre trabalhou. Nota-se que as mocinhas ficaram incomodadas não apenas com a idade, mas, também, com a origem social da caloura. Elas provavelmente não serão expulsas porque isto representaria perda de receita para a faculdade particular. O desagravo público e a nota da diretoria à imprensa serão vistos como suficientes para compensar a ofensa e remediar o sofrimento da vítima. 
A educação de milhões de brasileiros de famílias pobres depende das escolas públicas. Estas são insuficientes diante da demanda. Muitos que completam o segundo grau não entram na universidade por necessidade de trabalhar durante o dia a fim de prover o sustento próprio e da família. Tomo por amostragem a família em que nasci e que integrava a camada pobre da população paranaense. Meu irmão e duas irmãs não foram além do nível secundário. Circunstancialmente, só eu e as duas outras irmãs conseguimos admissão no ensino superior.  
Na universidade pública de Curitiba/PR, em 1960, só havia cursos diurnos. Em faculdades particulares havia dois cursos noturnos: Direito e Economia. Eu trabalhava durante o dia numa fábrica de bebidas e não podia perder o emprego. Assim, abandonei o cursinho preparatório ao exame vestibular para Engenharia. Depois de outro cursinho preparatório, prestei exame vestibular para Direito em curso noturno de faculdade particular. A mensalidade consumia parte do meu modesto salário. Do que sobrava, a parte maior era entregue aos meus pais; a parte menor cobria os meus gastos com passagens de ônibus e cigarros (fumar ainda estava na moda). As mesmas roupas durante anos. Mamãe as mantinha limpas e passadas a ferro quente. Papai, operário ferroviário, morreu pouco antes de se aposentar e não viu o filho diplomar-se. Gastos na boemia de fim-de-semana por conta dos companheiros. O violão cobria a minha parte. 
Havia 111 (cento e onze) alunos na minha turma da faculdade. A única mulher tinha 25 anos e trabalhava na Assembleia Legislativa. Os “idosos” distribuíam-se nas faixas dos 50 e dos 60, alguns calvos, outros de cabelos brancos, com ares de titios e de vovôs. Os “maduros”, nas faixas dos 30 e dos 40. Os jovens, na faixa dos 20, à qual eu pertencia. A maioria dos alunos trabalhava nos setores público e privado. Pequena minoria era sustentada pelos pais. Apesar das diferenças de idade e de status, todos comportavam-se de modo igualitário como estudantes, conversas sobre as matérias, as provas, os professores e também sobre política, futebol, música popular, filmes, peças teatrais, atores e atrizes destacados. A boemia era exclusiva dos solteiros.  
Embora juiz de direito e professor de direito constitucional, todavia preocupado com a didática, resolvi cursar o mestrado da PUC/RJ, aos 40 anos de idade. Nem todo juiz é bom professor. Nem todo professor é bom juiz. Durante o curso não houve sombras no meu relacionamento com os colegas mais jovens, todos no mesmo plano (1979-1981). 
Das minhas irmãs, a mais nova conquistou, aos 22 anos de idade, o diploma universitário de Educação Física. Exerceu o magistério até se aposentar. Então, com mais de 50 anos de idade, entrou para o curso de Filosofia e se diplomou ao lado de alunas e alunos mais jovens, presente o espírito de camaradagem, sem discriminação ostensiva. A outra irmã casou aos 18 anos de idade, gerou e criou dois filhos e enviuvou aos 46. Então, voltou para a escola, completou o segundo grau, prestou exame vestibular e ingressou na Faculdade de Artes do Paraná aos 50 anos de idade. Ela era a mais velha da turma. Alguns professores eram mais novos. Depois de diplomada, iniciou e concluiu a pós-graduação em Teatro. Ela sempre foi tratada com carinho e respeito pelos colegas mais jovens. 
Ante o exposto, cabe o questionamento: O episódio da faculdade paulista obedece a um comportamento normal da juventude estudantil, ou, a um comportamento desviante? 
Parece tratar-se de comportamento normal no restrito e íntimo círculo de jovens cujos pensamentos e atitudes são mantidos entre eles em sigilosa comunhão e cumplicidade. A descuidada postagem do vídeo rompeu o sigilo e ganhou espaço exterior. Palavras e atitudes preconceituosas chegaram ao conhecimento do público. 


quinta-feira, 9 de março de 2023

DEMOCRACIA versus TECNOCRACIA

O recente duelo entre o Presidente da República e o Presidente do Banco Central tendo como pivô a taxa de juros, destoa do sistema constitucional brasileiro. 
Conselho Monetário Nacional, Banco Central, Banco do Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, são entidades da administração pública indireta e instrumentos da realização dos fins do estado no que concerne à política econômica. A economia passa pelo prisma político. O primado da decisão técnica dessas entidades sobre a decisão política do governo não se coaduna com a vigente Constituição. A república brasileira é democrática e não tecnocrática. Isto significa que a técnica deve estar a serviço do povo e atender ao interesse da nação. Como técnica é usada tanto para o bem como para o mal, com fatores do cálculo manipulados para obter resultado adrede pretendido, à autoridade política compete apreciar, de modo criterioso, a oportunidade e a conveniência de aplicar as soluções técnicas apresentadas pelos órgãos da administração pública direta e indireta. A democracia carrega em si o calor da alma humana. A tecnocracia carrega em si o gelo polar da racionalidade sem alma. 
Como autarquia, o Banco integra a administração pública indireta e deve prestar serviço em sintonia com os objetivos fundamentais da república. Prestá-lo para atender aos interesses privados da minoria rentista é grave desvio de função. Ao fixar a taxa de juros numa altura excessiva a favor dessa minoria, o Banco entra nesse desvio. Então, faz-se necessária intervenção da autoridade política para corrigir o abuso. A harmonia entre os supremos poderes da república é exigida pela Constituição. A desarmonia é inconstitucional e enseja medidas repressivas. Se assim é nas relações entre os poderes supremos, com maior razão o será nas relações deles com os subalternos órgãos da administração pública. No caso em tela, a desarmonia autoriza o afastamento do presidente do Banco. Autonomia significa capacidade jurídica da autarquia de governar a si própria por regras estabelecidas na lei que a criou e no seu regimento interno. Entretanto, isto não significa que o ente autônomo esteja solto no universo político, econômico, social e jurídico do estado. Do ponto de vista constitucional e administrativo, o Banco está vinculado ao governo stricto sensu (Poder Executivo). 
Toda entidade da administração pública direta e indireta está submetida à fiscalização e ao controle do governo lato sensu (Legislativo + Executivo + Judiciário). Como instituição pública administrativa federal, o Banco está sujeito (i) a essa fiscalização e a esse controle (ii) ao administrativo poder de polícia da União Federal. Se o presidente da república discordar da taxa de juros fixada pelo Banco, poderá exercer a sua competência regulamentadora e fixar taxa diferente com base em pareceres dos ministros da área econômica. Assinado pelo presidente e pelos ministros, o decreto fará referência às razões políticas da fixação da taxa, salientando o interesse nacional. Tal como aconteceu em anos anteriores, o presidente da república poderá submeter as leis que disciplinam o Banco a uma nova regulamentação. 
Norma infraconstitucional alguma tem o condão de impedir o presidente da república de exercer, de modo legitimo e no devido processo jurídico formal e material, as suas atribuições constitucionais. Do rol das competências constam: (i) exercer, com o auxílio dos ministros de estado, a direção superior da administração federal (ii) dispor sobre organização {= estrutura + funcionaento} da administração federal mediante decreto (iii) editar medidas provisórias com força de lei (iv) exercer outras atribuições previstas na Constituição. Portanto, como instituição administrativa federal, o Banco está sujeito à fiscalização e ao controle da presidência da república não só em relação à taxa de juros como, também, em relação a qualquer outra matéria, inclusive a que se refere à quantidade, à origem e ao destino do ouro comprado, depositado e vendido. Se for o caso, apura-se a responsabilidade penal, civil e administrativa do presidente do Banco. O escândalo do garimpo ilegal justifica a suspeita, ainda mais quando a corrupção no estado brasileiro é estrutural, histórica, notória e corriqueira, internacionalmente famosa.   
A lei complementar 179/2021 (LC) sobre autonomia do Banco, violou preceitos da Constituição como os da moralidade, impessoalidade e legalidade. A LC foi assinada por dois ministros que dela eram beneficiários. Isto equivale a legislar em causa própria. A LC elevou indevidamente o poder da autarquia (i) ao fundir a independência relativa derivada da autonomia com a independência absoluta derivada da soberania (ii) ao conferir representação internacional ao presidente do Banco sem controle do Ministério das Relações Exteriores e do Senado Federal (iii) ao desvincular o Banco de qualquer ministério, concedendo-lhe ampla e desmesurada liberdade (iv) ao tornar inapeláveis as decisões do Banco. A LC reduziu atribuições constitucionais do presidente da república, o que só poderia ser feito mediante nova assembléia constituinte. Como chefe de governo, compete ao presidente organizar o seu ministério e estabelecer o elo das entidades da administração pública com os respectivos ministérios. A LC, ao cassar essa atribuição, extrapolou os lindes constitucionais. A LC classifica o Banco como autarquia “especial”, inobstante toda autarquia ser autônoma e especial dentro do quadro geral da administração pública. A intenção da redundância foi a de salientar (i) a amplitude da liberdade outorgada ao Banco comparada à liberdade das demais autarquias (ii) a ausência de subordinação como se o Banco fosse um novo poder supremo ao lado do Legislativo, do Executivo e do Judiciário.
Constituição da República. Artigos: 2º e 3º + 37 + 52 + 62 + 84 + 164. 
Lei 4.595/1964. Lei Complementar 179/2021.    


domingo, 5 de março de 2023

MARISA

Cidade natal: Ponta Grossa. Estado: Paraná. Século XX. Anos 40. Meninos e meninas com idade igual ou inferior a 7 anos matriculados pelos pais no Jardim da Infância da Escola de Aplicação. As pequenas mãos ensaiam o dedilhar nas contas do rosário. Nos ouvidos, o latim das missas e os rumores da guerra. Vitória dos soldados brasileiros na Itália. Conversa de gente grande. Criança não mete o bico. Criança tem que estudar, respeitar os mais velhos, obedecer aos pais e à professora. “Escreveu não leu, pau comeu”.
No matutino baile infantil de fim do ano letivo, Fritz, meu rival, adiantou-se e tirou para dançar a minha adorada Marisa. Menina quieta, magra, olhos fundos, rosto pálido e miúdo emoldurado por cabelos castanho-escuros. Bailando com ela, Fritz passava por mim e ria zombeteiro com ar de triunfo. Coração apertado e doído, mortificado pelo ciúme, chorei. Minha irmã com apenas 10 anos de idade e a professora tentavam me consolar. Indicavam Sônia, libanesa alegre e bonita, olhos e cabelos castanho-claros, disposta a dançar comigo. Resisti. Só Marisa importava. Contudo, o rosto saudável e sorridente de Sônia e o brilho do seu olhar venceram a minha teimosia. Dançamos. Parei de chorar por quem não gostava de mim. 
No ano seguinte, nós quatro, entre outras crianças, ingressamos na mesma classe inicial do curso primário da mesma escola. Punia-se conversa em aula. O castigo consistia em fazer o menino sentar ao lado de menina. Era vergonhoso menino ficar junto a menina, falar e brincar com menina, como se fosse maricas. Menino tem que conversar, brincar, jogar e brigar com menino. Como castigo por palrear durante a aula, eu fui posto ao lado de Sônia na primeira carteira da fila de frente para o quadro-negro e rente à professora. Sentado junto à delicada libanesa, olhei para trás. Marisa fitava-me de modo estranho, como procurasse entender o porquê da minha paixão se ela nunca manifestara apreço por mim. Eu queria que dos meus olhos emanasse perdão por ela ter preferido o branco, risonho e roliço alemãozinho, mas, o meu moreno, brioso e amante coração fechou-se à magnanimidade. Eu e Sônia entabulamos conversa. Houve empatia. “Parece que não tem jeito”, disse a professora apontando para nós dois com leve e gentil gesto de censura. A classe achou graça. O castigo durou até a aula terminar. Na saída, os coleguinhas não zoaram. Perceberam que não conseguiriam me encabular.      
Chamava-se Irene a jovem, querida e simpática professora. Dela ganhei o livro Pinóquio, colorido, com texto em letras grandes, gravuras e dedicatória, como prêmio pelo primeiro lugar nas provas finais. Hoje, o velho coração acelera com essas reminiscências. Bate mais forte, terno e grato ao lembrar da graciosa menina libanesa. Na calma contemplação do passado, compreendeu que Marisa tinha sido a sua paixão, porém, Sônia foi o seu real, sereno e inocente amor. 
Depois do calor com Marisa
Soprou fresca e suave brisa 
Que afastou a tirana insônia 
E trouxe a candura de Sônia
Voraz e veloz o tempo passou 
Mas nem tudo foi tristeza e dor 
Por Marisa você se apaixonou 
Mas foi Sônia o teu doce amor

quinta-feira, 2 de março de 2023

PATRIOTA NAZIFASCISTA

Atualmente, no Brasil, o título deste artigo parecerá pleonástico. Certo vereador da Câmara Municipal de Caxias do Sul, em recente sessão, avaliou o trabalhador branco argentino como sendo mais qualificado do que o brasileiro moreno “lá de cima” (Norte e Nordeste). Na opinião dele, baiano só gosta de tambor e praia. Esse discurso repercutiu na opinião pública. 
Sob aspecto sociológico, o vereador expressou fielmente o nazifascismo da cultura regional sulista. O vídeo da sessão em que o vereador se manifestou estampa o retrato vivo e fiel da mentalidade e das atitudes dominantes nos povos do Sul do Brasil (São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). A colonização alemã e italiana deixou marcas profundas na citada região. Os imigrantes europeus lá chegados consideravam os nativos brasileiros (caboclos, mulatos, negros, índios) gente vagabunda que não gostava de trabalhar, preguiçosos que só gostavam de vadiar. O curioso é que esse perfil coincide com o perfil daquele homem branco, ítalo-brasileiro, capitão do exército, que governou o Brasil por 4 anos e que fugia do trabalho como o diabo da cruz. A vadiagem dele custou fortunas ao erário, enquanto 33 milhões de brasileiros prestavam serviços em troca de um prato de comida. Esses infelizes brasileiros tornaram-se vítimas da infame exploração econômica dos afortunados. 
Os descendentes dos imigrantes europeus herdaram a mentalidade e a atitude dos pais. A maioria dos sulistas despreza os nordestinos, tratados indistintamente de “baianos” e de “paraíbas”, sempre no sentido pejorativo. Negros, índios, mulheres, tratados como seres de inferior categoria étnica e social. Por sua mentalidade e atitude, aquela porção nazifascista da população do Sul coloca a si mesma em patamar superior ao patamar dos demais brasileiros e se atribui o direito de ditar regras à nação. Os brasileiros tradicionais são considerados de raça impura, mistura de raças inferiores, contingente de pessoas moral, intelectual e espiritualmente desqualificadas, culturalmente atrasadas. Entretanto, não custa lembrar a pujança econômica, social e cultural do Nordeste durante ciclo do canavial e da Amazônia durante ciclo do seringal, realidade histórica que esteriliza a tese de que os brasileiros “lá de cima” são vadios por natureza e inferiores ao branco europeu. 
Lembre-se, também, que a primeira sede colonial (Salvador, 1549) e a primeira faculdade de direito (Olinda, 1828) situaram-se no Nordeste. Foram os desafortunados homens e mulheres daquela região “lá de cima”: (i) os construtores de casas, mansões, palácios, ruas, praças, pontes, galpões, engenhos (ii) os produtores do açúcar e da borracha (iii) os cuidadores da plantação e do gado (iv) os que capinaram, extraíram látex, abriram picadas e estradas, consertaram porteiras, cercas, ferramentas, móveis e utensílios, além de outros afazeres domésticos. Os donos do engenho, os fazendeiros, os empresários, os governantes, eram poupados dessa trabalheira. O testemunho da história nacional revela que (i) a alva extrema direita rouba muito mais do que a morena extrema esquerda (ii) a alva direita moderada é muito mais safada do que a morena esquerda moderada (iii) os reais e autênticos donos do poder são autoritários, desonestos, egocêntricos, deficientes culturais, insensíveis ao sofrimento alheio. 
Curiosidade. Parcela dos petistas, desde a base até a cúpula do partido, padece da Síndrome de Estocolmo. Lambe as botas da direita. Mostra afeição e complacência com quem a trata a bordoadas. Quando a esquerda está no poder, a direita evita bater com muita força e, às vezes, até afaga. A esquerda então se derrete; comovida, abraça a direita; no momento certo, sente a ferroada. 
Somente os direitos fundamentais postos pelas nações vencedoras da segunda guerra mundial faziam com que os sulistas brasileiros ocultassem a mentalidade e o sentimento nazifascistas e tão só os manifestassem esporadicamente nas relações sociais. Todavia, eles não demoraram a pôr as unhas de fora de modo cada vez mais intenso e despudorado, como se viu na ditadura militar de 1964-1985, na curitibana operação lava-jato de 2014, no golpe de 2016 travestido de impeachment, na abusiva e ilegal prisão do líder político progressista, na campanha eleitoral de 2018, no governo federal da extrema direita (2019-2022), na campanha eleitoral de 2022 e no frustrado golpe de 8 de janeiro de 2023. 
As palavras e atitudes do vereador gaúcho refletem a cultura de uma volumosa camada da sociedade brasileira. Indicam que partidos como o Patriota, o Liberal, o União Brasil, são valhacoutos do nazismo e do fascismo no território brasileiro.