domingo, 31 de março de 2019

RELATIVISMO.

Se não existisse guerra, que importância teria a paz?
Se não existisse ódio, que importância teria o amor?
Se não existisse mal, que importância teria o bem?
Se não existisse dor, que importância teria o prazer?
Se não existisse tristeza, que importância teria a alegria?
Se não existisse doença, que importância teria a sanidade?
Se não existisse injustiça, que importância teria a justiça?
Se não existisse feiura, que importância teria a beleza?
Se não existisse pecado, que importância teria a santidade?
Se não existisse medo, que importância teria a religião?
Se não existisse covardia, que importância teria o heroísmo?
Se não existisse pobreza, que importância teria a riqueza?
Se não existisse fome, que importância teria o alimento?
Se não existisse frio, que importância teria o agasalho?
Se não existisse miséria, que importância teria a caridade?
Se não existisse treva, que importância teria a luz?
Se não existisse falsidade, que importância teria a verdade?
Se não existisse ignorância, que importância teria o saber?
Se não existisse erro, que importância teria o perdão?
Se não existisse discípulo, que importância teria o mestre?
Se não existisse diferença, que importância teria a igualdade?
Se não existisse prisão, que importância teria a liberdade?
Se não existisse povo, que importância teria o governo?
Se não existisse democracia, que importância teria o cidadão?
Se não existisse autocracia, que importância teria o súdito?
Se não existisse civil, que importância teria o militar?
Se não existisse ataque, que importância teria a defesa?
Se não existisse divisão, que importância teria a união?
Se não existisse nocivo, que importância teria o útil?
Se não existisse supérfluo, que importância teria o necessário?
Se não existisse movimento, que importância teria o espaço?
Se não existisse duração, que importância teria o tempo?
Se não existisse vida, que importância teria o universo? 
Se não existisse morte, que importância teria a vida?
Se não existisse universo, que importância teria Deus?

sábado, 23 de março de 2019

SOMOS YANKEE

Se alguma dúvida havia, agora não há mais. Ao visitar os EUA, em especial a agência de inteligência do governo daquele país (CIA), o novo presidente do Brasil escancarou a vassalagem. Mostrou ao mundo que o governo do Brasil está nas mãos do presidente dos EUA e da CIA e que o gigante brasileiro tem um presidente borra-botas. Chefe de estado que honra a sua nação e dignifica o elevado cargo que ocupa jamais solicita audiência a um funcionário subalterno da administração pública de outro país. Existem níveis de poder e autoridade que devem ser respeitados nas relações internacionais. À audiência com o chefe da CIA era mais apropriado o comparecimento do chefe do serviço de inteligência brasileiro, não o do ministro da justiça e muito menos o do presidente da república.   
A citada audiência é mais uma evidência de que, nesta década, a CIA conspirou, ensinou o caminho das pedras à direita brasileira, planejou a derrubada do governo Rousseff, o assassinato político do ex-presidente Lula e a ascensão do candidato da extrema-direita ao governo federal. [O capitão elegeu-se com 57 milhões de votos, porém, 89 milhões de eleitores nele não votaram, sendo que 47 milhões votaram no candidato da esquerda e 42 milhões abstiveram-se].
A República Fascista de Curitiba foi organizada como departamento da CIA no qual operam delegados, procuradores, juízes, inclusive membros do tribunal federal gaúcho e de tribunais superiores. O “modus operandi” encaixa-se na definição de organização criminosa e atenta contra a segurança nacional (leis 12.850/2013, 1º, §1° + 7.170/1983, 1º, I).
O recente acordo celebrado pela Petrobrás com o governo dos EUA, homologado por juíza federal de Curitiba, envolvendo vultosa quantia em dólares para beneficiar financeiramente entidade privada dos procuradores do ministério público federal, bem demonstra o comportamento ilícito dessa gente. Quando trocou a carreira de magistrado pelo cargo de ministro da justiça do governo Bolsonaro, o juiz Sérgio Moro deixou inequívoca a sua parcialidade e a sua conduta indecorosa à frente da operação lava-jato. Na sua tendenciosa judicatura, o referido juiz beneficiou o atual presidente do Brasil quando, em processo judicial fraudulento, condenou o mais forte e popular candidato à presidência da república. Como prêmio, o juiz recebeu o ministério da justiça e ainda poderá receber, de lambuja, cargo de juiz do supremo tribunal.
Embora bem escondida, toda mentira um dia vem à luz. Não há mal que sempre dure. No passar das horas, o perfume se evanesce. A carta branca dada ao ministro ex-juiz já apresenta rasuras. O presidente da república vetou o nome da pessoa que o ministro ex-juiz indicara para integrar órgão colegiado. O ministro ex-juiz foi figura decorativa na visita do presidente aos EUA. A pretensão do ministro ex-juiz de acelerar os trâmites do projeto que apresentou ao Legislativo foi rechaçada pelo presidente da Câmara dos Deputados (20/03/2019). O projeto busca legalizar procedimentos adotados na operação lava-jato. Isto significa que o ministro, quando era o juiz dos processos criminais, tinha plena consciência de que aqueles procedimentos eram ilegais e abusivos. Agente da CIA, o ministro ex-juiz, que lá esteve como cicerone do presidente da república brasileira, quer introduzir práticas judiciais estadunidenses estranhas ao sistema jurídico nacional.     
Yes, we are yankee.
Desde o governo Temer, o Brasil cedeu a sua soberania e passou a integrar a união norte-americana. A atitude do atual presidente do Brasil ao visitar os EUA confirma a integração e acrescenta mais uma estrela à bandeira dos EUA (março/2019). Somos o Alasca do Sul. A bandeira do Brasil, com a qual muitas vezes se cobriram pessoas hipócritas, moralmente imundas, foi lançada no vaso sanitário. O presidente brasileiro prostrou-se diante do presidente yankee e colocou o Brasil no patamar dos estados vassalos.
Os militares brasileiros apoiaram o golpe planejado pelo governo daquele país e executado no Brasil à semelhança do que ocorreu no Paraguai. Os oficiais brasileiros mostraram, mais uma vez, submissão ao comando dos oficiais estadunidenses. O exército, a marinha e a aeronáutica do Brasil prontificam-se a proteger os interesses e negócios das corporações privadas e do governo dos EUA na América do Sul.
A grande parcela do povo brasileiro que desprezava os militares na ditadura, agora tem novo motivo para desprezá-los e cuspir no chão em que eles pisam. Oficiais da ativa e da reserva que se dizem nacionalistas e patriotas são, na verdade, entreguistas, subservientes, tietes do sistema de defesa dos EUA, invejam os oficiais e as instituições militares daquele país. Os oficiais das forças armadas, como sustentáculos do títere entronizado no palácio do planalto, exigem aumento do soldo e reforma do seu especial regime previdenciário. Querem receber pelo serviço prestado que possibilitou a eleição do capitão do exército. Deviam reivindicar esse aumento à CIA e ao presidente dos EUA, a quem eles servem. Passariam a receber em dólares. O erário não devia sustentar quem, embora vestindo farda, toga ou terno e residindo no Brasil, está a serviço de outro país.
Os rumos tomados pelo exército brasileiro distanciam-se do patriotismo do Duque de Caxias. Se vivo estivesse, o patrono do exército certamente ficaria entristecido tal como entristecido ficou Santos Dumont ao ver o seu invento utilizado para matar pessoas (desgosto que contribuiu para o seu suicídio).         

sábado, 16 de março de 2019

JUSTIÇA & INJUSTIÇA

Brasil, Nova Zelândia, Noruega, cada país no seu continente (América, Oceania, Europa), palco de ação violenta e covarde exportada dos EUA através da televisão. Quantas vezes assistimos reportagens em que pessoas suplicam por justiça diante de tragédias desse tipo. Maridos, esposas, pais, filhos, adultos, adolescentes, crianças, mortos por balas perdidas e por balas certeiras cuspidas pelos canos das armas de fogo. As pessoas clamam por justiça diante do episódio injusto e doloroso. Se o atirador não se suicidar, exigem que ele seja punido. O ato injusto mexe com os nervos, as glândulas, a estrutura psicossomática das pessoas, provoca dor, sofrimento, ultraje, horror, reações de repúdio, indignação, desejo de vingança, revide e castigo.
Ainda que não tenha clara compreensão do conceito de justiça exposto por filósofos, toda pessoa tem senso de justiça e de injustiça. A pessoa mais se entristece com a injustiça do que se alegra com a justiça. A injustiça é intuída de imediato e causa impacto emocional. A intuição da justiça não é chocante e sim tranquilizante. Realidade lógica e psicológica. Saber intelectual e saber sensorial formam parelha na esfera do conhecimento vulgar, artístico, cientifico e filosófico. Alternam-se conforme o objeto, o assunto, o momento, o ambiente, as circunstâncias. 
Justiça consiste em “pagar o bem com o bem e o mal com o mal, na terra ou no céu” (Platão). O fulcro dessa definição é a ideia de retribuição. Justiça consiste em “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na proporção em que se desigualam” (Aristóteles). O fulcro dessa definição é a ideia de ponderação. Justiça consiste em "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Jesus). O fulcro dessa definição é a ideia de distribuição. Justiça consiste em “viver honestamente, não lesar o outro e dar a cada um o que lhe é devido” (Ulpiano, jurisconsulto romano). O fulcro dessa definição é a ideia de obrigação moral (imperativo da consciência).
Do ponto de vista individual, justiça consiste no assegurado e legítimo gozo da vida, da liberdade, da igualdade e do patrimônio. O fulcro dessa definição é a ideia de centralidade e prioridade do homem, do seu bem-estar e da sua felicidade.
Do ponto de vista social, justiça consiste na erradicação da pobreza, no afastamento da marginalização perversa, na redução das desigualdades, na ausência de discriminação arbitrária, na promoção do bem de todos (segurança, trabalho, educação, saúde, moradia, transporte, comunicação, lazer, cultura, benefícios da técnica e da ciência, proteção da família e do meio ambiente). O fulcro dessa definição é a ideia de dignidade da pessoa humana.
Do ponto de vista institucional, dá-se o nome de justiça ao conjunto de órgãos do estado cuja função é zelar pela eficácia do direito positivo (tribunais, procuradorias, defensorias, delegacias) embora isto não garanta decisões justas. Essa justiça humana envenenou Sócrates, crucificou Jesus, queimou Joana D´Arc, decapitou Lavoisier, enforcou e esquartejou Tiradentes, deportou e asfixiou Olga Benário, perseguiu Lula e lhe tirou a vida política, a liberdade e direitos mediante processo judicial fraudulento. A chance de um julgamento justo é maior quando não há interesse pessoal ou envolvimento emocional do juiz.
Parcela da humanidade acredita na justiça divina aplicada pela divindade (deus nacional, deus solar, deus universal) ou por um filho da divindade (Krishna, Jesus). O julgamento divino tem caráter punitivo. O pecador será castigado de acordo com a gravidade do mal que praticou. Quem com ferro fere, com ferro será ferido; olho por olho, dente por dente. A justiça divina, nos moldes cristãos, é misericordiosa, perdoa quem se arrepende dos pecados. No retorno de Jesus, o Cristo, haverá um julgamento final separando os bons dos maus e estabelecendo, em definitivo, o reino de deus. 
Outra parcela da humanidade acredita na justiça kármica. Nesse tipo de justiça não há misericórdia, perdão e nem o exclusivo propósito de punir. Justiça implacável, lei cósmica de caráter ético, inflexível, cujo mecanismo é acionado pelas ações e omissões humanas das quais podem resultar prêmios e castigos. Cada resultado vem ao seu tempo e ao seu modo. A incidência dessa lei não é apenas individual, mas, também, coletiva. Família, grupo, governo, nação, humanidade, são destinatários dos efeitos positivos e negativos do funcionamento desse mecanismo.
Na vida social, justiça vigora como valor moral, decorre da natureza emocional e racional do homem e se caracteriza pela bilateralidade. Realiza-se entre duas ou mais pessoas como experiência individual e coletiva simultânea. Ao buscar o que lhe é necessário, útil ou interessante, o indivíduo, ou o grupo, depara-se com propósitos de outros membros da sociedade em sentido contrário. Quando isto acontece, o senso de justiça e de injustiça se manifesta e a razão busca a solução adequada dentro das variáveis que se apresentam, pois tal sentimento abarca nuances objetivas e subjetivas as quais geram desacordo dos indivíduos entre si, do indivíduo em relação ao grupo, ou dos grupos entre si. O estado participa dessas relações, ora como sujeito ativo, ora como sujeito passivo, ora como fiscal, mediador, legislador ou julgador.
Na tentativa de reduzir as chances do desacordo mediante critérios objetivos de justiça, os homens elaboram normas técnicas, morais e jurídicas com base na experiência coletiva e histórica (pretérita e atual). Essas normas retornam à vida social materializadas nos costumes, nos contratos, nos regulamentos, nas leis e nas constituições. Sob este prisma, justiça consiste na obediência à ordem ética e jurídica formada por essas normas.Cabe aqui, considerar a advertência de Gustav Radbruch inspirada no jusnaturalismo de Cícero: “Há um direito superior à lei, um direito natural, divino, racional, segundo o qual a injustiça é sempre injustiça ainda quando essa injustiça venha modelada sob a forma de uma lei”. 
Frustrado o entendimento direto, as partes recorrem a mediadores e árbitros na busca de solução justa para os seus problemas. No Brasil, esse estágio conciliatório tem sido pouco utilizado. Os interessados recorrem diretamente à autoridade estatal. Todavia, o senso de justiça, a honestidade, o bom caráter, podem ser mais agudos e estar mais presentes no analfabeto do que no magistrado. Na sua metafísica dos costumes, Kant afirma exatamente isto: um rústico sem estudo sabe distinguir entre o justo e o injusto. O sentimento de justiça e de injustiça não depende da escolaridade, posto ser intuitivo, intrínseco, natural, semelhante à tendência para a verdade (lógica), para a beleza (estética), para o bem (moral), para a ordem (direito), para o sagrado (religião), para o que é bom e útil ao indivíduo e à sociedade (práxis).

sábado, 9 de março de 2019

APLICAÇÃO DO DIREITO

Em reunião das nossas famílias em minha casa, na cidade de Pato Branco/PR, por volta de 1972, onde e quando eu exercia a judicatura como juiz substituto, o promotor de justiça da comarca revelou que havia se surpreendido ao constatar que muitos assuntos da comunidade não passavam pelo Fórum. Até então, ele imaginava que tudo o que ocorria na sociedade (local e nacional) desembocava no Fórum. Aquela revelação me fez perceber que, ao mergulhar de modo profundo e exclusivo no direito, o jurista reduz o seu horizonte, sem notar que o mundo é bem maior do que o Fórum. As pessoas naturais, as pessoas jurídicas, as instituições, tratam dos seus negócios e resolvem seus problemas diretamente sem intervenção das autoridades estatais. Na hipótese de controvérsia não resolvida diretamente, os interessados valem-se de árbitros e mediadores. As grandes corporações, por exemplo, procedem desse modo para evitar as incertezas e as delongas de um processo judicial. Os casos levados à Justiça (delegacia + promotoria + juiz) são os que restaram sem solução amigável. No entanto, o caso pode ser resolvido por acordo mesmo no curso do processo judicial. Em não havendo consenso, o processo segue os seus trâmites legais.
A conduta humana é racional (sob o domínio da razão) e irracional (sob o domínio da paixão). As normas convencionais, religiosas, morais e jurídicas têm por fim discipliná-la. Essa normatividade adquire concretude na dinâmica social. Ao adquirir medicamento na farmácia o comprador celebra contrato de compra e venda. O mesmo acontece em outros estabelecimentos com as mais variadas mercadorias. O operário celebra contrato de trabalho com o empregador. Ao viajar de trem, de ônibus ou de avião, o passageiro celebra contrato de transporte com a empresa de viação. Cuida-se do modo normal e costumeiro de se viver em sociedade. A autoridade estatal intervém quando há conflito. Quem pratica ato ilícito fica sujeito às penas da lei. A polícia e o promotor público intervêm para, em nome da lei, manter a ordem.  O juiz intervém a pedido dos interessados no devido processo jurídico para resolver o conflito e pacificar os espíritos.
O jurista, professor e filósofo espanhol Luis Recaséns Siches, no seu livro Experiencia Juridica Naturaleza de la Cosa y Logica Rasonable (México, Fondo de Cultura Económica, 1971) censura o emprego da lógica formal, especialmente do silogismo, na prática do direito. Opõe-se à concepção do direito como um sistema dedutivo fechado. Entende que a lógica formal destina-se à busca da verdade, própria das ciências exatas e das ciências naturais; que o direito exige outra lógica, a do razoável, destinada – não à busca da verdade – e sim à realização da justiça, do bem comum e dos valores éticos vigentes na sociedade. Afirma ser a lógica do razoável mais adequada para tratar dos problemas humanos; que do silogismo não resulta justiça alguma; que a mal chamada “aplicação do direito” deve ser descartada por ser uma ideia errônea; que o direito positivo não é o conteúdo da Constituição, das leis e regulamentos, prefigurado, concluso e pronto para ser aplicado; que o sistema do direito é aberto; que falar em “aplicação do direito” é o mesmo que falar em “círculo quadrado”; que “aplicação” insere-se no processo de criação da ordem jurídica.
O professor espanhol alinha-se com o pensamento do belga Chaim Perelman (Tratado da Argumentação) e do alemão Theodor Viehweg (Tópica e Jurisprudência) enquanto censura de modo severo o pensamento do italiano Norberto Bobbio e, de modo brando, o pensamento do mexicano Eduardo Garcia Maynez (seu colega de cátedra na universidade do México).
Em que pese a autoridade desses tratadistas, cumpre lembrar que a forma silogística da sentença resulta do caráter científico da produção jurídica no campo processual. A lógica formal e a lógica material conformam e informam o trabalho científico. No processo judicial, o aspecto silogístico da sentença caracteriza-se pelas seguintes exigências: (i) relatório do que foi processado (ii) análise fundamentada das questões de fato e de direito (iii) decisão. As premissas do julgamento não se confundem com as premissas do silogismo puro (“Todo homem é racional; ora, Jesus é homem; logo, Jesus é racional”). As premissas do julgamento são razões do convencimento do juiz extraídas do conteúdo do processo, fundadas na prova, constituídas de juízos de fato e de juízos de valor, voltadas para o enquadramento jurídico do caso. O aspecto lógico da sentença não se altera mesmo quando o juiz inicia a sua argumentação indicando desde logo o seu convencimento. Exemplo: “A pretensão deduzida na petição inicial merece (ou não merece) acolhimento” ou “procede (ou não procede) a denúncia”. No dispositivo (parte final da sentença) ao concluir a argumentação, o juiz cita as normas constitucionais e legais aplicadas e dita as consequentes determinações. Se a conclusão não resultar logicamente das premissas do julgamento, a sentença será anulada.  
A forma silogística da sentença não tem apenas função lógica, pois funciona também como garantia de um julgamento correto (ainda quando injusto) e de respeito aos direitos e interesses dos litigantes (embora as partes não se conformem). A interpretação das normas jurídicas e a aplicação destas aos casos concretos são relevantes para os jurisdicionados individualmente e também para a eficácia da ordem jurídica na vida social. Entretanto, como se extrai da experiência forense, o excesso no trabalho interpretativo do juiz descamba para o arbítrio e o engodo. A interpretação judicial pode ser criadora e demolidora. Quando há suficiente clareza na letra da lei, o juiz deve encerrar aí o seu trabalho interpretativo. In claris non fit interpretatio. “Quando uma lei é clara não é lícito eludir a sua letra sob pretexto de penetrar seu espírito”. (François Gény). Se apesar da suficiente clareza do texto legal, o juiz continua o trabalho interpretativo para obter resultado mais amplo, ou mais reduzido, ou até oposto ao que está escrito, é sinal de que o julgamento está viciado pela parcialidade, esperteza enganosa, politicagem. Nessa hipótese, ao invés de aplicar o direito vigente no estado, o juiz: (i) cria para o caso sub judice o seu próprio direito segundo a sua caprichosa vontade (ii) fantasia a ordem jurídica com retórica purpurina (iii) contraria o princípio da segurança jurídica, essencial à ordem e à paz no seio da nação organizada como estado democrático de direito. Quando o significado e o sentido da norma forem obscuros, ou se aplicada no caso concreto, a norma produzir efeitos nefastos ao bem comum, ou à ordem pública, o juiz atenua a literalidade e a análise gramatical e se utiliza de outros métodos interpretativos aceitos pela moral e pelo direito a fim de chegar a resultados menos danosos. A interpretação judicial construtiva é tolerada quando compatível com os princípios estruturadores da ordem jurídica vigente. Terminado esse lavor intelectual e obtido o enquadramento jurídico adequado, o juiz prolata a sentença.               
À medida que analisa o conteúdo do processo, o juiz vai cimentando a sua convicção e acaba por chegar a uma conclusão antes mesmo de prolatar a sentença. Isto não significa que tal decisão seja precipitada. Significa, isto sim, que o conjunto probatório e a dialética travada no processo (teses de um lado, antíteses de outro) geraram o convencimento do juiz. Então, dentre as normas constitucionais e legais em vigor, o juiz escolhe aquelas que, no entendimento dele, citadas ou não pelas partes, encaixam-se na sua decisão e melhor atendem aos interesses em jogo e ao senso de justiça. Nesse mister – e sempre que sentir necessidade de encorpar os fundamentos da sua decisão – o juiz socorre-se dos precedentes judiciais (jurisprudência), das obras dos tratadistas mais qualificados (doutrina), dos usos e costumes em voga na sociedade e das cláusulas do contrato (quando houver) objeto da ação judicial. Para ajustar esse material à decisão ainda não formalizada, o juiz despende esforço hermenêutico dos fatos e das normas atinentes à demanda. Tal é a arte do direito.
A opinião pública pode impressionar, mas não é decisiva, salvo para juiz mais suscetível ao canto da sereia. Algumas vezes, quando ausente tal suscetibilidade, a sentença colide com a vontade da massa popular ou com a opinião manifestada pelos meios de comunicação social. 
Apesar de a expressão “aplicação do direito” ser considerada grave erro pelo mencionado jurista espanhol, o fato é que ela se refere à técnica jurídica, principalmente no que concerne aos órgãos jurisdicionais que aplicam princípios e normas do ordenamento jurídico aos casos debatidos no processo judicial. Portanto, não se trata do direito considerado abstrata e teoricamente, mas sim do direito posto (expressão preferida de Marco Aurélio, ministro do Supremo Tribunal Federal). Positivado na Constituição, na lei, no regulamento, esse direito prefigurado, concluso e pronto (linguagem do jurista espanhol) é aplicado pela autoridade estatal na solução de problemas públicos e privados. Cuida-se de um dos momentos da concretização do direito na vida social. Ao julgar os casos no âmbito da sua competência, o magistrado usa a sua independência, a sua inteligência, a sua estrutura moral, a sua experiência, a sua intuição, a sua sensibilidade, o seu conhecimento e a sua cultura. Durante o processo, o juiz segue os procedimentos legais, reflete sobre a tese do autor, a antítese do réu, a prova produzida e as circunstâncias do caso.
Não se há de esquecer que, no Brasil, o direito civil, penal, administrativo e processual tem suas fontes históricas no direito europeu ocidental (Itália, França, Alemanha, Portugal) e se filia à tradição romana e germânica. O direito consuetudinário e tópico (casuístico) da comunidade britânica de nações (Inglaterra, Canadá, Austrália, Nova Zelândia) não se ajusta ao sistema jurídico brasileiro. O Brasil, no período republicano da sua história, copiou da Constituição dos EUA a organização dos poderes, graças ao trabalho de Ruy Barbosa. O genial jurista brasileiro arrependeu-se de transpor para o Sul o exitoso modelo do Norte. Queixou-se do inesperado comportamento dos juízes do supremo tribunal. Esperava juízes corajosos, independentes, imparciais. No afã de trazer para o seu país o modelo que tanto admirava, Ruy não levou em conta a mediocridade e a malandragem dos seus compatriotas, o jeitinho esperto, a frouxidão moral e o caráter mal formado da grande parcela do povo brasileiro na qual os juízes e ministros são recrutados (ricos, remediados, brancos, graduados, pós-graduados). O notável jurista baiano imaginou que todo brasileiro era igual a ele e quem fosse exercer a judicatura na suprema corte seria imparcial, independente, corajoso, culto e virtuoso. Enganou-se. Admitiu o seu engano antes de morrer (1923).

domingo, 3 de março de 2019

BONDADE E MALDADE

Impactante a mensagem de certa mulher na rede de computadores ao se regozijar com a morte de uma criança de 7 anos de idade. Motivo da alegria: o morto era neto do ex-presidente da república a quem a autora da mensagem odeia.
Ela xingou de filho-da-puta o neto e o avô. Sabe-se, entretanto, que a bisavó, a avó e a mãe do garoto nunca rodaram bolsinha nas ruas e nem frequentaram prostíbulos. Portanto, a mãe, a esposa e a nora do ex-presidente não podem ser qualificadas de putas. Enquanto vivas, todas foram – e a mãe do garoto continua sendo – mulheres decentes, honestas e dedicadas à família.   
O garoto foi ofendido por um presumível fato que aconteceria no futuro. Segundo a ofensora, quando adulto, o garoto seria um novo filho-da-puta como o avô. Por isso é que ela considerou boa a notícia da morte do garoto.
O avô, ex-presidente da república, foi ofendido por sua vida passada e presente. Assim como milhares de brasileiros, a ofensora também não se conforma com o passado do ofendido: homem pobre, operário, líder sindical sujeito à repressão política na ditadura militar, bem sucedido como deputado constituinte e como presidente da república, sem diploma universitário, considerado o melhor chefe de estado e de governo do período republicano, estadista admirado por vários estadistas da América, da Europa, da Ásia e da África. Esse bom conceito nacional e internacional do ex-presidente despertou nos seus adversários os mais baixos instintos e sentimentos (inveja, despeito, vingança, raiva, ódio). Essas baixeza e indecência também são manifestadas por grande parcela da população brasileira situada à direita do espectro político cujo tamanho foi possível avaliar nas eleições presidenciais de 2018.
O ex-presidente também foi ofendido em razão do seu presente, posto que, enquanto viver, ele representa: (i) ameaça aos espúrios objetivos políticos e econômicos da direita nacional e internacional, principalmente estadunidense (ii) empecilho à vaidade e à presunção dos seus opositores com diploma universitário (iii) prova inconteste da odiosa discriminação, da repressão política, do baixo nível da justiça federal lato sensu (delegados + procuradores + magistrados), da parcialidade de juízes e tribunais federais, do processo judicial fraudulento, da condenação injusta, da intencional e indevida interferência no processo eleitoral. 
A bondade e a maldade integram a natureza emocional dos humanos. Tais sentimentos manifestam-se em relação: (i) aos próprios humanos (ii) aos animais irracionais (iii) às coisas. Sentimentos não brotam da razão e sim do coração. O amor e o ódio são irracionais (embora, segundo Pascal, o coração tenha razões que a razão desconhece). Nesse campo, o pensamento racional mostra-se impotente. A face demoníaca da natureza humana é capaz de amar e de odiar. Dessa natureza demoníaca fazem parte: (i) o amor às relações carnais e às coisas mundanas (ii) o ódio ao diferente e ao oponente (iii) os instintos malévolos. Da face angélica da natureza humana provém: (i) o amor incondicional desvinculado da matéria (ii) a tendência para o bem (iii) a bondade sem preço.
No triste episódio em foco, a ofensora exibiu a sua natureza diabólica, o seu ódio, os seus instintos e sentimentos malévolos, a sua motivação torpe. Certamente, haverá consequências não só para ela, mas, também, a todos que pensaram e agiram como ela. Desnecessário desejar-lhes castigo. A lei do karma disto se encarrega. Trata-se de uma lei natural voltada para os pensamentos, sentimentos, ações e omissões dos humanos semelhante à lei de causa e efeito que rege o mundo físico. Não se cuida de uma lei punitivista e sim de uma regularidade cósmica que pesa a bondade e a maldade de cada indivíduo, de cada família, de cada grupo, de cada nação. O conhecimento dessa lei integra a milenar cultura hindu e se difundiu no Ocidente. Todos recebem prêmio ou castigo, segundo o bem ou o mal que praticam. Há uma espécie de computador cósmico para o cálculo contábil. Todos recebem o merecido prêmio ou castigo. Assim funciona a justiça cósmica, sem os subterfúgios da justiça humana.