quarta-feira, 27 de abril de 2011

DESPEDIDA

Prezados leitores. Por motivo de viagem, voltarei a publicar artigos neste blog a partir de 30/05/2011. Até lá. Aceitem o meu fraternal abraço. ASLima.

terça-feira, 26 de abril de 2011

DIREITO

IMUNIDADE PARLAMENTAR

Do ponto de vista biológico, imunidade significa resistência do organismo a doenças e infecções. Do ponto de vista social e econômico, imunidade significa isenção de ônus desfrutada por pessoas e coisas. No Brasil, servem de exemplo, no que tange a tributos: os templos de qualquer culto, partidos políticos e suas fundações, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições de ensino e de assistência social sem fins lucrativos, livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão (CF 150, VI). Do ponto de vista político, imunidade significa inviolabilidade e irresponsabilidade desfrutadas por agentes políticos (parlamentares, chefes de governo, magistrados).

No Estado Democrático de Direito, a representação popular exige ampla liberdade do representante na sua função dentro e fora do palácio, no interior ou no exterior do país. Essa liberdade inclui atitudes ativas e passivas, manifestação do pensamento mediante voto, palavra, opinião. Dessa necessária liberdade decorre a imunidade para colocar o parlamentar ao abrigo de constrangimentos oriundos dos poderes executivo e judiciário, de setores da sociedade ou de indivíduos isolados. A imunidade protege o parlamentar contra freios postos indevidamente à sua atividade. A soberania popular por ele exercida desconhece limites, salvo os estabelecidos na Constituição. Ao parlamentar cabe exercer o poder político dentro dos parâmetros constitucionais.

Segundo a Constituição brasileira de 1988 (art.53) o parlamentar é inviolável por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos: não pode ser preso (inviolabilidade) nem processado (irresponsabilidade). Nos casos excluídos dessa específica imunidade, o parlamentar poderá ser processado perante o Supremo Tribunal, em se tratando de ilícito criminal, e perante a justiça comum, na hipótese de ilícito civil. A casa legislativa do parlamentar poderá sustar os trâmites da ação penal. Ele será preso em flagrante de crime inafiançável, mas a sua casa legislativa poderá examinar os autos e decidir se mantém ou se relaxa a prisão. O parlamentar não está obrigado a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que as prestaram ou que as receberam.

Embora restrita às opiniões, palavras e votos, essa imunidade pode ser afastada. O parlamentar fica ao desamparo da imunidade se exercer o mandato no interesse particular, para satisfazer sentimentos e propósitos pessoais. O mandato lhe é outorgado para defender o bem comum, o interesse nacional, o patrimônio público, os valores acolhidos pela Constituição. Ao exercer o mandato fora desses parâmetros, o parlamentar entra na movediça areia da ilicitude. Neste caso, ele poderá sofrer (1) na área social: repúdio da sociedade; (2) na área política: sanções (i) do eleitor que lhe negar o voto em futuras eleições (ii) da casa legislativa que lhe cassar o mandato por falta de decoro; (3) na área judiciária: condenações no juízo cível e criminal.

O abuso das prerrogativas, além de tipificar incompatibilidade com o decoro parlamentar [CF 55, 1º] pode violar direitos assegurados na Constituição. Neste caso, defrontam-se: de um lado, os direitos constitucionais da vítima; de outro, os direitos constitucionais do parlamentar. Cabe aos juízes e tribunais, se provocados no devido processo, a solução da controvérsia, pois, nem a lei pode excluir da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito (CF 5º, XXXV).

Toda pessoa juridicamente capaz responde por suas ações e omissões quando vigora o estado democrático de direito. Quanto aos agentes políticos, há exceções necessárias ao desempenho das suas relevantes funções. Tais exceções qualificam-se como imunidades ou prerrogativas que constituem direito do titular do cargo público. O abuso no exercício desse direito tipifica antijuridicidade, hipótese em que a imunidade não socorre o agente. A ordem jurídica republicana e democrática não tolera abuso, tanto o praticado pelo governante lato sensu (parlamentar, chefe de governo, magistrado) como o praticado pelo governado (pessoa natural, pessoa jurídica). No setor governamental, o abuso se caracteriza por: (1) excesso de poder = atuar fora das atribuições legais; (2) desvio de finalidade = buscar fins estranhos ao mandato, ao interesse público, à lei e à Constituição; (3) conduta indecorosa = contrariar normas éticas.

O parlamentar perderá o mandato se transgredir as vedações estabelecidas na Constituição (art. 54/55). Sob o manto da imunidade, o parlamentar não tem o direito de injuriar, difamar, caluniar, a pretexto de liberdade de opinião, palavra e voto, quando as ofensas são estranhas ao interesse nacional, à necessidade ou utilidade pública, ao interesse público, desligadas dos valores vigentes na sociedade tais como: honestidade, veracidade, justiça. A imunidade não foi instituída como licença ao parlamentar para exteriorizar sentimentos mesquinhos, ofensas pessoais, propósitos particulares, atitudes desonrosas, ações desonestas e criminosas.

O mandato popular não autoriza o mandatário a agir despudoradamente, sem vínculo com a moral e o direito, violando inclusive princípios fundamentais da nação, como o princípio da dignidade da pessoa humana. Tipifica abuso no exercício das prerrogativas parlamentares o agravo à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, quando desvinculado dos objetivos constitucionais do mandato. Esses objetivos estão arrolados no quadro das competências do poder legislativo (CF 48/52). Essencialmente, além de legislar, cabe ao parlamentar a fiscalização e o controle dos demais poderes no chamado sistema de freios e contrapesos, fórmula democrática do poder moderador. O mandato parlamentar deve ser exercido em sintonia com os objetivos da república brasileira: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF 3º).

Não se compadece com a ética e o direito, por exemplo: (i) fraudar o sistema de votação (ii) manter funcionário fantasma nos gabinetes (iii) embolsar verbas de despesas não realizadas (iv) turismo com dinheiro do contribuinte (v) nepotismo (vi) leviana e publicamente, fora do devido processo, atribuir a ministro de estado, a jornalista ou a qualquer pessoa, predicados desonrosos (vagabundo, mentiroso, fofoqueiro, safado) no propósito de satisfazer sentimento pessoal, interesse privado, sem compromisso com a verdade, sem atender às finalidades do mandato. Quem desse modo abusa da imunidade fica sujeito a sanções. Além da satisfação devida à sociedade em geral e ao corpo eleitoral em particular, parlamentares federais, estaduais e municipais devem responder pelos abusos praticados. O devido processo jurídico instaura-se tanto no âmbito da casa legislativa, como no âmbito dos tribunais.

O mau costume não revoga a boa norma. Ainda que o ser (conduta efetiva) discrepe do dever ser (norma), o preceito não perde vigência no ordenamento jurídico. A má conduta habitual não invalida a norma. O fato de a casa legislativa servir de valhacouto a gente indigna, desonesta, criminosa, eleita pelo voto popular, não retira a vigência do preceito contrário ao abuso. A frouxa reação ao domínio dessa gente se deve (i) à cumplicidade e à conivência (ii) à astuciosa invocação da soberania do voto popular (iii) ao atraso cultural do eleitor (iv) à inércia da cidadania (v) ao falacioso argumento da separação dos poderes (vi) à jurisprudência vacilante.

domingo, 24 de abril de 2011

POESIA

Quando o frio envolve os campos / quando nas desoladas aldeias / o longo “ângelus” se cala / sobre a natureza despida / fazei, Senhor, dos altos céus / descer os deliciosos corvos amados. / Estranho exército de graves clamores / os implacáveis ventos vos assolam os ninhos. / Ao longo dos barrentos rios / sobre as estradas de velhos cruzeiros / sobre casebres e velas / dispersai-vos, confundi-vos. / Aos milhares, sobre os campos de França / onde repousam os mortos de anteontem / voai, volteai, ao frio de inverno / para que os passantes meditem! / Sêde os pregoeiros do dever / ó nossa negra ave agoirenta! / Mas, Senhor, no alto do carvalho / - mastro perdido na noite enfeitiçada - / deixai as toutinegras de maio / para aqueles que, no fundo da floresta / sob a relva de onde não se pode fugir / estão esmagados pela derrota sem esperança! / (“Os Corvos” – Jean Nicolas Arthr Rimbaud).

Quando as folhas caírem e tu fores / procurar minha cruz no campo santo / hás de encontrá-la, meu amor, num canto / circundada e flores. / Colhe, então, para os teus loiros cabelos / cada flor que do peito meu florisse! / São versos que pensei sem escrevê-los / são palavras de amor que te não disse./ (“Quando as folhas caírem” – Lorenzo Stecchetti).

Não trazia a sua túnica vermelha / mas sangue púrpuro, encarnado /sangue e vinho das mãos gotejavam / quando o viram, alucinado / junto do leito dela – o seu amor / seu pobre amor apunhalado. / Ia andando entr os mais e era cinzento / o traje velho que vestia. / Usava um gorro de listas e o seu passo / ligeiro e alegre parecia. / Porém, eu nunca vi homem que olhasse / tão tristemente a luz do dia. / Jamais, jamais vi homem contemplar / com tão profundo sentimento / essa breve, essa estreita faixa azul / que os presos chamam firmamento / e as nuvens brancas, cor de prata, ao longe / - velas sem rumo, andando ao vento. / Eu, que junto a outras almas padecentes / sofria, em pátio separado / quis saber se era grande, se pequeno / o crime desse condenado / - quando alguém sussurrou atrás de mim: / “aquele, vai ser enforcado!” / Jesus! As próprias grades da prisão / rodam, de súbito, em delírio! / Pesa o céu sobre mim, qual elmo de aço / que o atormenta e o faz correr / e a minha alma, de mágoas trespassada / esquece, olvida o seu martírio. / Eu soube, então, a idéia lacerante / que o atormenta e o faz correr / e o faz olhar, tristonho, o céu radiante / radiante e alheio ao seu sofrer: / ele matou aquela que adorava / - por causa disto vai morrer. / No entanto (ouvi) cada um mata o que adora: / o seu amor, o seu ideal. / Alguns com uma palavra de lisonja / outros com um duro olhar brutal / o covarde assassina dando um beijo / o bravo mata com um punhal. / Uns matam o amor, velhos; outros, jovens; / (quando o amor finda, ou o amor começa) / matam-nos alguns com a mão de ouro / e alguns com a mão da carne – a mão possessa! / E os mais bondosos, esses apunhalam / - que a morte, assim, vem mais depressa. / Há corações vendidos e há comprados / uns amam pouco, outros demais / há quem mate a chorar, vertendo lágrimas / ou a sorrir, sem dor, sem ais. / Todo homem mata o amor; porém, nem sempre / nem sempre as sortes são iguais./ (“Balada do cárcere de Reading” – Oscar Wilde).

sexta-feira, 22 de abril de 2011

POESIA

O céu azul sobre o telhado/ repousa em calma /uma árvore sobre o telhado / balança a palma. / A voz de um sino mansamente / ressoa no ar. / Um passarinho mansamente / põe-se a cantar. / Meu Deus, meu Deus, esta é que é a vida / simples, tranqüila / como o rumor suave de vida / que vem da vila. / Tu que aí choras, que é que fizeste / dize, em verdade / tu que aí choras, que é que fizeste / da mocidade? (“Canção” – Paul Marie Verlaine).

Senhor, bem sabes como eu me dirijo ao céu / rogando pelos que a minha alma te invoca. / Venho agora pedir por alguém que era meu / meu vaso de frescor e mel de minha boca. / Cal de meus ossos e razão desta jornada / gorjeio de um ouvido e tear de minha veste. / Cuido daqueles a quem nunca devi nada. / Não te zangues, Senhor, se te peço por este. / Digo-te que era bom, digo-te que teria / o coração à flor do peito, digo que era / suave de índole, franco, e como a luz do dia / em milagres irmão da própria primavera. / Severo, tu dirás que é de rogos indigno / e que não soube ungir os seus lábios febris / e uma tarde se foi sem aguardar teu signo / partindo as veias como cântaros sutis. / Mas eu, Senhor, eu te respondo que hei tocado / como o nardo que em seu perfil vi florescer / todo esse coração inquieto e atormentado / e tinha a sede de um capulho por nascer. / Que foi cruel? Senhor, esqueces que o queria / e que sabia sua a entranha que chegava. Que secou para sempre as minhas alegrias? / Não importa, Senhor. Compreendes que eu o amava. / E amar, bem sabes disso, é um estranho exercício / manter os rostos sempre em lágrimas molhados / de beijos refrescar as tranças dos cilícios / sob elas escondendo os olhos extasiados. / O ferro, ao penetrar, tem um gostoso frio / quando abre como quilha as carnes amorosas. / E a cruz – recordarás o teu drama sombrio - / carrega-te também como um galho de rosas. / Aqui estou, Senhor, com a pálpebra caída / sobre o pó, a falar-te um crepúsculo inteiro / ou àqueles todos a que alcance minha vida / se tardas em dizer-me a palavra que espero. / Cansarei teu ouvido em soluços nervosos / lambendo humildemente as fímbrias do teu manto / nem me podes desviar os olhos amorosos / nem esquivar os pés às águas de meu pranto. / Dize o perdão, enfim. Vai espargir o vento / a palavra, e o odor de cem pomos odores / ao derramar-se, a água será um deslumbramento: / o ermo deitará flor e canteiros de flores. / De luz se molharão os olhares das feras / e, vendo tudo, estas montanhas que forjaste / chorando acordarão o chão de primaveras. / E toda a terra, então, saberá que perdoaste. (“A Súplica” – Gabriela Mistral).

quarta-feira, 20 de abril de 2011

RELIGIÃO

RESUMO DOS LIVROS DA BÍBLIA.

Comentário final.

Nota-se uma linha progressiva do Antigo Testamento (AT) ao Novo Testamento (NT). A divindade do AT é exclusivamente territorial e nacional; quem pretendesse adorar Javé fora do território palestino tinha de levar um punhado de terra consigo; o deus era do povo hebreu. Nas idades antiga e clássica, cada povo adorava seus próprios deuses. O NT traz um deus que avoca jurisdição sobre todos os povos. A conduta predominante no AT é matar e vingar; a linguagem do NT é amar e perdoar. Ao caráter maligno do deus hebreu (AT) contrapõe-se o caráter benigno do deus cristão (NT). Ao rezar, Jesus invoca o Pai que está no céu. Motivo sociológico (tradição patriarcal, papel subalterno da mulher) e psicológico (pai biológico desconhecido) leva Jesus a escolher o nome e a imagem do novo deus: Pai.

A idéia de um único deus, exteriorizada no reinado de Aquenaton, adotada por Moisés, Jesus e Maomé, continua a evoluir no Ocidente, à medida que a ciência progride e aquele duplo motivo sociológico e psicológico perde vigor. Nas doutrinas cristã e islâmica a jurisdição divina ainda é tópica, centrada na Terra, segundo a visão geocêntrica: nosso planeta fixo no espaço, os astros girando em torno dele e a atenção divina girando em torno da humanidade: nem se dirá ei-lo aqui ou ei-lo ali, pois o reino de Deus já está no meio de vós, afirmou Jesus. A mente humana projeta no céu a organização política secular (tronos, reis, príncipes, súditos). Depois, procede à inversão, como se a organização terrena fosse o reflexo da organização celeste. O advento da visão heliocêntrica e o avanço da astrofísica permitiram à mente humana perceber que: (i) a jurisdição divina se estende às galáxias, na dupla dimensão física e espiritual de um universo integrado por todos os seres (ii) os humanos e seu planeta não são o centro do universo e da atenção divina. A deusa (Isis, Kali) volta ao seu lugar na mente humana, agora como polaridade, energia feminina. Parcela da humanidade toma consciência da bipolaridade intrínseca ao Deus único: feminina e masculina, negativa e positiva. A mãe celestial e o pai celestial coexistem potencialmente na divina unidade.

O modelo físico da divindade não vai além da estatuária. Cada religião tem o seu próprio modelo. As culturas religiosas do Oriente e do Ocidente modelam seus deuses ora em forma humana, ora em forma animal, ora misturam as formas. Astros como o Sol, Júpiter, Vênus, simbolizam deuses. Seres humanos exponenciais recebem o galardão divino, como no Egito (Hermes), na Índia (Krishna), na Palestina (Jesus). A forma divina é problemática. Definir é colocar limites e predicados. Deus é infinito. Não há, pois, como defini-lo ou enformá-lo. Há noção aproximada: se Deus transcende as fronteiras do tempo e do espaço, então, Deus é atemporal e atópico; não se confina, pois, entre alfa e ômega, começo e fim, extremos do mundo material (com a exaustão da energia do Sol, por exemplo, o sistema solar chegará ao fim). Eterno e infinito, Deus vai além desses extremos. Considerando que as categorias tempo e espaço, presença e ausência, começo e fim, são próprias do mundo material, a este se circunscreve o atributo divino da onipresença, enquanto os atributos da onisciência e onipotência efetivam-se nos dois planos: material e espiritual. Nessa linha aproximativa, Deus será idealizado como energia difusa, com potencial de luz, vida e amor, sem contornos, impessoal, acessível pelas vias da fé, razão, intuição e êxtase. O bom senso recomenda cultuar Deus em nosso coração de acordo com a nossa compreensão e respeitar a crença alheia.

Na doutrina islâmica, a senda profética inicia-se com Noé passa por Abraão, Moisés, Jesus e culmina em Maomé (570/632 d.C.). Irradiaram-se pelo mundo a partir: (i) da Arábia, o islamismo (ii) da Índia, o hinduísmo e o budismo (iii) da China, as culturas taoísta e confuciana [apesar da avalanche comunista de Mao-Tse-Tung, em 1949, essas culturas milenares mantiveram-se vivas na Ásia amarela]. Essas culturas têm os seus textos “sagrados” como os Vedas+Upanishades no hinduísmo, Tao-Te-King, no taoísmo, Torah+Sefer Yetzirah no judaísmo, Novo Testamento no cristianismo, Al-Corão no islamismo. A partir da Idade Média inclusive, o cristianismo prevaleceu na Europa e na América, onde foi enorme a sua influência política, social e econômica; nos outros continentes, mostrou-se esquálido.

Católicos e protestantes guiam-se mais pelo AT do que pelo NT. Isto explica: (i) a matança e a crueldade praticadas por europeus e americanos no passado e no presente (ii) a hipocrisia como norma vigente nas relações internacionais. George W. Bush, quando governava os EUA invocava deus para justificar agressão a países do Oriente. Certamente, invocava o cruel e sanguinário deus do AT, já que o deus do NT é da paz, do amor e do perdão. Enciumado, o papa solicitou ao presidente americano que se abstivesse daquela invocação. O político e o clérigo prestam culto ao mesmo deus: Javé (Jeová). Adeptos do AT, católicos e protestantes são essencialmente judeus. O cristianismo serve-lhes de fachada. A infiltração do judaísmo no NT decorreu: (i) da cultura e mentalidade farisaica de Paulo, fundador da igreja católica (ii) do fato de Jesus, em sua pregação, se referir algumas vezes à Lei e aos Profetas.

As visões dos profetas equiparam-se aos sonhos, pois derivam do êxtase místico ou do sono. O alterado estado emocional do profeta quando se refere às coisas divinas, aos preceitos morais e espirituais, também produz alucinações que não devem ser levadas a sério. Os profetas idosos estão sujeitos às fraquezas senis. A visão de Ezequiel parece objetiva: máquina desconhecida que, à falta de vocabulário adequado, ele descreve como animal. Essa máquina saída das nuvens poderia ser descrita como nave espacial no vocabulário moderno.

Em sua carta, Judas Tadeu zela para que seu irmão, Jesus Cristo, não fique abaixo de Enoc, Moisés e Elias. Segundo a lenda, esses três ascenderam ao céu de corpo e alma. Destarte, com Jesus também tinha de acontecer o mesmo. Marcos e Lucas se encarregaram dessa tarefa nos seus respectivos evangelhos. Isto reflete a acirrada competição entre judeus e cristãos pela supremacia teológica naquela quadra da história. Sem dar espaço a outros avatares como Aquenaton, Zaratustra, Lao Tse, Sidarta, aqueles personagens cercaram deus em seu trono: Jesus à direita, Moisés à esquerda, Enoc atrás e Elias à frente. Na verdade, eles não chegaram lá. No trajeto ascensional, seus corpos se congelaram na Lua ou se torraram no Sol. Caso o rumo tenha sido oposto ao Sol, em direção à saída do sistema solar, ainda assim, sem escafandro, sem oxigênio, sem nave espacial, eles feneceriam. Outra probabilidade: na subida, envoltos em nuvens, os corpos foram vencidos pela força da gravidade, retornaram e se espatifaram no solo ou se afogaram no mar. As nuvens não sustentam corpos pesados.

Dos irmãos de Jesus, apenas Tiago e Judas Tadeu seguiram a doutrina e se dedicaram às igrejas. Não há notícia de que os outros irmãos [José e Simão] e as irmãs [nomes não mencionados nos evangelhos] estivessem envolvidos. Há notícia de que a mãe e esses irmãos foram excluídos da assembléia reunida na Galiléia. Alguém avisa: tua mãe e teus irmãos estão aí fora e querem falar-te. Jesus responde: quem é minha mãe e quem são meus irmãos? Apontando para os discípulos, acrescenta: eis aqui minha mãe e meus irmãos; todo aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe (Mateus 12: 46/50). Isto sugere que a mãe biológica e os irmãos e irmãs de sangue, não faziam a vontade do Pai Celestial; portanto, estavam excluídos da família cristã. Jesus extravasou mágoa por não ser reconhecido profeta em sua casa, no seio da família de sangue, como lamentara em outra ocasião (Mateus 13: 57 + Marcos 6:4).

O sacerdócio alterou as escrituras no curso da história, antes e depois de Cristo. Modificações decorreram, também, da série de traduções: do aramaico para o grego; do grego para o latim e o hebraico; do latim para os demais idiomas. As bíblias editadas em português também apresentam diferenças entre si, na redação, na distribuição dos assuntos e na quantidade dos livros. O significado do vocábulo espírito varia: alma, fantasma, sentido, energia, substância incorpórea, corpo astral, substância real, essência de alguma coisa. Espírito santo: força que vem do alto; energia suplementar da mente e do corpo que desperta poderes especiais nos seres humanos; atitude interior fervorosa e exaltada direcionada a Deus. Espírito de Deus: a própria divindade, sintonia do ser humano com a divindade, submissão do ser humano às leis divinas. Anjo: entidade corpórea ou etérea, boa ou má, que interfere nos assuntos humanos. Anjo do Senhor: entidade corpórea ou etérea, que aparece em vigília ou durante o sono, como portadora de mensagens do ser divino. Demônio: nome genérico que os gregos davam às entidades angelicais. Os cristãos reservam os nomes demônio, satã, diabo, para o anjo mau ou anjo decaído; imprimem-lhe forma mista de homem e animal irracional.

O elemento espiritual do ser humano compõe-se de duas forças que podem ser identificadas como angelical e demoníaca. Essas forças são bipolares. O pólo positivo da força angelical induz o ser humano a buscar o reino divino; inspira-o à santidade, à bondade, à ação altruística, a aspirar por justiça e verdade, a cultivar a beleza. O pólo negativo da força angelical induz o ser humano a se dedicar ao mundo espiritual exclusivamente, a desprezar o mundo terreno, a maltratar o corpo e privá-lo da satisfação dos apetites naturais. O pólo positivo da força demoníaca previne o ser humano dos perigos e o induz a valorizar o mundo terreno, a conservar a espécie, a viver em comunidade, a buscar e produzir alimento, abrigo e demais bens para sua manutenção, conforto e lazer. O pólo negativo da força demoníaca tolhe o caminho para o mundo espiritual, induz o ser humano a algemar-se ao mundo terreno, obceca-o por riqueza, envaidece-o, acorrenta-o ao hedonismo; estimula conflitos, guerras, a radicalização das opiniões e atitudes, a destruição da natureza; desperta ódio, inveja, cobiça; exacerba o egoísmo; provoca ações ilícitas. Ecce homo.

A inteligência tem sido vista como demoníaca. O questionamento de assuntos contidos em escrituras “sagradas” é visto como heresia e coisa do diabo. No entanto, a inteligência é dom natural e a natureza integra o reino divino. Deus é luz, no sentido espiritual de inteligência e sabedoria. Essa luz sapiente não se confunde com a luz física de uma lâmpada ou de uma estrela. Mente iluminada é a que tem acesso ao conhecimento pela via da razão, da intuição e do êxtase. O extravio no uso da inteligência humana provém dos pólos negativos das forças angelical e demoníaca. O fato de o cérebro, oficina da inteligência, estar protegido pelo crânio, indica o cuidado da natureza em preservar o entendimento. O cérebro estaria abaixo do coração (provavelmente, nos intestinos) se a fé preponderasse. A legitimidade da fé repousa na incapacidade da inteligência humana para explicar e compreender todas as coisas.

As coisas do mundo são vistas pelas crianças de modo simples e direto. Deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçais, porque o reino de Deus é para aqueles que se lhes assemelham (Mateus 19: 13/15). O olhar de criança desmistifica. Do conto “As Novas Roupas do Imperador” de Hans Christian Andersen, nota-se a malícia e as noções falsas da mente adulta. Espertalhões enganaram pessoas da corte e do povo sobre a roupa nova do rei. Uma criança apontou a nudez do monarca. Onde vicejam a fé cega e a credulidade, rareia o bom senso. O conteúdo das escrituras “sagradas” deve passar pelo crivo da razão e do bom senso. Ao folhear a bíblia com olhar de criança é possível ver quando “o rei está nu”.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

RELIGIÃO

NOVO TESTAMENTO – FINAL.

Apocalypse.

O vocábulo grego apocalypse significa revelação. O livro com esse nome foi elaborado por volta do ano 100 pelo apóstolo João, octogenário, homiziado na ilha de Patmos para escapar da perseguição de Domiciano, imperador de Roma. Constantemente os cristãos fugiam dos judeus e dos romanos sem que o Pai Celestial de Jesus disparasse raios sobre os perseguidores. O livro compreende o período entre o isolamento de Jesus da vida social e o seu futuro regresso. Os fiéis impacientavam-se com a demora do prometido retorno de Jesus. Os apóstolos se esforçavam para acalmá-los e impedir a vitória do paganismo. João usa linguagem ora ameaçadora, ora tenebrosa, como professor que busca obediência dos alunos pelo terror. O livro contém: (i) prólogo e epílogo (ii) as epístolas de João às sete igrejas da Ásia: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia (iii) as visões de João: o livro dos 7 selos, as 7 trombetas, os 7 portentos, os 7 anjos com seus 7 cálices, a besta de 7 cabeças, o aprisionamento do Maligno por 1.000 anos, a batalha final, a nova Jerusalém.

João diz que foi arrebatado em espírito, descreve a visão que teve de Jesus, a cujos pés ele caiu como se estivesse morto e notou que o divino mestre pousou sobre ele a mão direita [certamente, João abriu um dos olhos, viu a mão esquerda de Jesus e deduziu que era tocado pela mão direita]. João transmite, a cada igreja, as mensagens recebidas de Jesus naquela visão, nas quais o divino mestre afirma conhecer as obras de todas aquelas igrejas, as suas virtudes e fraquezas, a todas dirige palavras encorajadoras, fala das tribulações de cada uma e de como serão punidas em caso de desídia, desânimo ou desistência da fé.

O texto das visões do futuro do mundo e da igreja é uma desordenada miscelânea de dados e imagens do passado e do presente brotados da mente febril do apóstolo. Do exame desse texto conclui-se que se trata de alucinação decorrente do estado senil de João. As confusas expressões do prólogo já são sintomas do delírio. Ainda que levado a sério por gente crédula, o texto se presta a múltiplas interpretações, adaptável a qualquer época, tal como as profecias de Nostradamus, águas turvas em que navegam vigaristas de todos os quilates.

João conta que entrou por uma porta que se abriu no céu e viu: (i) um ser sentado no trono rodeado por 24 tronos e em cada trono um ancião (ii) mais 4 animais vivos e cheios de olhos [isto lembra a visão de Ezequiel] (iii) a abertura do livro de sete selos por um cordeiro que estava no meio do trono celeste (iv) os quatro animais e os vinte e quatro anciãos se prostrarem diante do cordeiro (v) milhares de anjos a bradar: digno é o cordeiro imolado de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a glória, a honra e o louvor [bens ambicionados pelos humanos na vida terrena; em sendo onipotente, onisciente e onipresente, a divindade prescinde desses bens].

Ao abrir os quatro primeiros selos saíram do templo sucessivamente: (i) um cavalo branco e seu cavaleiro portando arco (ii) um cavalo vermelho cujo ginete veio para tirar a paz da Terra e provocar guerras entre os homens (iii) um cavalo preto e seu cavaleiro portando balança (iv) um cavalo verde cujo cavaleiro chamava-se Morte. Ao abrir o quinto selo aparece sob o altar almas dos homens imolados por causa da fé a clamarem por vingança. Na abertura do sexto selo há grande terremoto, o Sol escureceu, a Lua avermelhou, as estrelas caíram, quatro anjos se posicionaram nos quatro cantos do planeta para destruí-lo, resguardando as pessoas com o divino sinal na fronte. Na abertura do sétimo selo, houve silêncio no céu, um ritual com turíbulo, 7 anjos tocam trombetas produzindo horrores na Terra, matança de seres humanos pela cavalaria imperial.

O monge leigo José Maria, da região do Contestado, no Paraná, aguardava o exército celeste de São Sebastião para defender a posse da terra e a comunidade que lá se formara (gente pobre, simples e crédula) contra as forças do governo secular. A população foi dizimada. O monge também morreu na batalha (1912/1916). A cavalaria imperial celeste referida por João também é um engodo, fruto da imaginação fantasiosa do apóstolo.

João recebe uma vara para medir o templo e o altar celestial [ação inútil]. Ele menciona a Fera vencedora que sobe do abismo; a mulher revestida de Sol tendo a Lua sob os pés e coroa de 12 estrelas na cabeça; a batalha de Miguel e seus anjos contra o Dragão; a derrota dos acusadores dos cristãos. João conta que viu: (i) uma serpente vomitar contra a mulher um rio de águas, mas sem conseguir afogá-la (ii) levantar-se do mar uma Fera com 10 chifres e 4 cabeças, semelhante a uma pantera (iii) outra Fera, cujo número é 666, levantar-se da terra, com 2 chifres como o cordeiro, a falar como dragão e fazer prodígios (iv) o cordeiro e 144 mil pessoas com o sinal divino nas frontes, todas resgatadas da Terra [não diz como contou esses milhares de pessoas] (v) 3 anjos: o primeiro exorta os homens à adoração de Deus [fato do presente], o segundo anuncia a queda da Babilônia [fato do passado] e o terceiro ameaça com punição aqueles que adorarem a Fera [fato do futuro] (vi) outro anjo sair do templo celeste e ceifar a Terra (vii) mais 7 anjos que tinham 7 flagelos através dos quais se consumou a ira de Deus [isto lembra os supostos flagelos impostos por Moisés aos egípcios, referidos no AT, capítulos 7/11 do Êxodo] (viii) a grande meretriz que inebriou os habitantes da Terra (ix) a vitória do exército celeste sobre o exército terreno da Fera (x) anjo descer do céu, acorrentar Satanás e atirá-lo no abismo, onde ficará fechado por 1.000 anos e depois será solto (xi) tronos em que se assentavam almas daqueles homens decapitados por causa da fé em Jesus (xii) aquele que se assentava em um trono branco e julgava os mortos conforme o que estava escrito no livro da vida, segundo as obras de cada um; quem não fosse encontrado no livro da vida seria lançado ao fogo (xiii) novo céu, nova terra, a descida da cidade santa, a nova Jerusalém (xiv) o ocupante do trono dizer: Está pronto! Eu sou o Alfa e o Ômega, o começo e o fim. João descreve a cidade santa mostrada por um anjo; menciona um rio de água viva resplandecente saindo do trono de Deus e a árvore da vida; não haverá mais noite; a luz de Deus iluminará a cidade santa pelos séculos dos séculos. Deus recomenda colocar em prática as palavras do livro sem que nada lhe seja acrescentado ou retirado.

Fim do resumo dos livros do Novo Testamento (NT).

sábado, 16 de abril de 2011

RELIGIÃO

NOVO TESTAMENTO – VII.

A narrativa de Marcos.

Discípulo de Pedro, Marcos acompanhou Paulo na viagem missionária. O livro que escreveu parece resultar dos ensinamentos de Pedro em Roma (ano 63). Marcos salta os episódios relativos ao nascimento, infância e adolescência de Jesus. Começa a narrativa com a pregação de João Batista, quando Jesus já era adulto. Marcos escreve sobre o batismo de Jesus por João Batista, o recrutamento dos apóstolos e o ministério na Galiléia: (i) a questão do jejum (ii) a escolha dos 12 apóstolos que formaram o círculo interno da comunidade cristã [colégio apostólico] (iii) as curas e as parábolas (iv) a família de Jesus. Cita, pelos nomes, os irmãos de Jesus: Tiago, José, Judas e Simão; menciona as irmãs sem citar os nomes. Fala do lamento de Jesus por ser vítima do descrédito: um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus parentes e na sua própria casa (Jesus se qualifica profeta; na sua família, parece que só Tiago e Judas nele acreditaram). Marcos narra os milagres de Jesus, o prodígio sobre a tempestade (ao mar e ao vento Jesus ordenou calma), a missão dos apóstolos, a execução de João Batista, a multiplicação dos pães, a caminhada sobre as águas, as discussões com os fariseus, a transfiguração na presença de Pedro, Tiago e João.

Apesar de citado pelos outros evangelistas como testemunha ocular, João, no seu evangelho, não faz referência alguma à transfiguração. Apóstolo da primeira hora, entusiasta do mestre, João não deixaria de mencionar o espetacular episódio. Lucas narra-o com mais detalhes do que Mateus e Marcos; diz que os apóstolos se deixaram vencer pelo sono e quando acordaram viram Jesus, Moisés e Elias conversando, envoltos em glória; o rosto e as vestes de Jesus resplandeciam de alvura incomum. Foi um sonho, provavelmente. Os apóstolos não podiam identificar Moisés e Elias, pois desconheciam a sua aparência. Naquele tempo ainda não havia fotografias e filmes. Atualmente, a fisionomia de Jesus e dos apóstolos é desconhecida.

Na terceira parte do livro, Marcos trata do ministério de Jesus na Judéia: (i) matrimônio (ii) crianças abençoadas (iii) entraves da riqueza para quem pretende entrar no reino dos céus: é mais fácil passar o camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar o rico no reino de Deus (iv) profecia do julgamento e morte de Jesus (v) entrada em Jerusalém [um pouco diferente da versão de Mateus] (vi) o tributo a César (vii) debate sobre ressurreição com os saduceus, que a negavam (viii) os dois maiores mandamentos. Sobre a descendência de Davi, Jesus fala do Cristo como se não fosse ele e expõe o seguinte argumento: Davi chamou o Cristo de Senhor, que senta à direita do outro e poderoso Senhor; ora, o subalterno não pode ser pai do superior; logo, o Cristo não pode ser filho de Davi. O ungido de Deus (cristo) independe da tribo, dinastia ou raça. Marcos menciona a profecia de Jesus sobre a destruição do templo. A quarta parte do livro trata da paixão e ressurreição de Jesus; reproduz a narrativa de Mateus. Acrescenta as sucessivas aparições de Jesus após a crucifixão: (i) a Maria Madalena (ii) a dois discípulos sob outra forma [?] (iii) aos 11 apóstolos, quando sugere futura descida do espírito santo sobre eles (no dia do Pentecostes): estes milagres acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas, manusearão serpentes e, se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal; imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados.

A narrativa de Lucas.

Companheiro das missões de Paulo, Lucas escreveu este livro por volta do ano 68. No prefácio, dirige-se a Teófilo (certamente seu discípulo). Diz que escreve o que aconteceu e coloca em ordem os fatos para que Teófilo tenha certeza das verdades que lhe foram transmitidas; que a narrativa estriba-se em depoimentos de testemunhas oculares, ministros da palavra (apóstolos da primeira hora). Na parte inicial do livro, Lucas narra o nascimento milagroso de João e de Jesus; a visita de Maria (grávida de Jesus) a Isabel (grávida de João); a circuncisão do menino por exigência da lei de Moisés; a consagração do menino ao Senhor (primogenitura); a presença de Jesus, aos 12 anos de idade, no templo de Jerusalém, durante a páscoa, onde fora esquecido pelos pais que, ao retornarem para buscá-lo depois de três dias, encontraram-no sentado entre os doutores do templo, ouvindo e interrogando.

Na segunda parte do livro, Lucas escreve sobre a pregação de João Batista, o batismo de Jesus, a sua genealogia e a tentação no deserto. A terceira parte versa o ministério de Jesus na Galiléia: (i) a rejeição que sofreu na cidade onde morava (ii) as diversas curas (iii) a pesca milagrosa (iv) a escolha dos 12 apóstolos (v) o sermão da montanha (vi) a troca de mensagens entre João Batista e Jesus (vii) a mulher que lavou os pés de Jesus às lágrimas, ungiu-os com perfume caro e os secou com os próprios cabelos (viii) as mulheres que o acompanhavam pelas aldeias e cidades (Maria Madalena, Joana, Suzana) (ix) outros tópicos abordados pelos evangelistas anteriores. Na quarta parte, Lucas narra os eventos referentes à viagem de Jesus a Jerusalém: a seleção de 72 discípulos para: (i) precedê-lo em todos os lugares por onde ele teria de passar (ii) anunciarem a vinda do reino de Deus (iii) curarem os enfermos (não leveis bolsa, nem mochila, nem calçado). Refere-se ao episódio na aldeia de Betânia, na casa das irmãs Marta e Maria (enquanto Marta cuidava dos afazeres domésticos, Maria colocou-se aos pés de Jesus para ouvi-lo, o que desagradou à irmã mais velha). Jesus ensina a orar (“Pai Nosso” mais breve do que o citado por Mateus). Jesus censura os fariseus durante o jantar em casa de um fariseu (ignorou as normas do hóspede bem educado e o ditado popular: não se fala de corda em casa de enforcado). Jesus instrui os discípulos, faz novos milagres, novas curas e novas parábolas. Lucas menciona a ameaça de Herodes e a insistência de Jesus em prosseguir viagem; a hospedagem de Jesus na casa de Zaqueu, em Jericó; a lição sobre humildade; a assertiva sobre o reino de Deus: não virá de um modo ostensivo, nem se dirá ei-lo aqui ou ei-lo ali, pois o reino de Deus já está no meio de vós. Na quinta parte, Lucas narra o ministério de Jesus em Jerusalém: a entrada na cidade, a expulsão dos mercadores do templo e demais assuntos tratados por Mateus e Marcos. A sexta parte refere-se à paixão de Jesus e demais lances narrados nos outros evangelhos com diferenças acidentais e semelhança no essencial. No episódio da aparição, Lucas diz que os apóstolos ficaram espantados e perturbados, pensando ver um espírito e que Jesus os censura, mostrando estar ali em carne e osso; pede algo para comer e afirma que ficará na cidade até que eles fossem revestidos da força do alto (espírito santo).

Há discrepância quanto à ascensão. Lucas diz que Jesus levou os apóstolos para Betânia e enquanto os abençoava separou-se deles e foi arrebatado ao céu. Marcos não menciona lugar algum: depois que o Senhor Jesus lhes falou, foi levado ao céu e está sentado à direita de Deus. Mateus não fala em ascensão; diz, apenas, que a reunião foi na Galiléia (Betânia ficava na Judéia). João também não fala de ascensão; diz que os discípulos estavam reunidos no mesmo dia da ressurreição quando Jesus veio, saudou-os e soprou sobre eles dizendo: recebei o espírito santo; aqueles a quem perdoares os pecados, ser-lhes-ão perdoados, aqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos. Tomé estava ausente e ao ser informado do acontecido disse que só acreditaria se o visse e o tocasse, o que aconteceu oito dias depois.

A narrativa de João.

Dos 12 apóstolos, João era o mais novo em idade. Ele foi pintado por Leonardo da Vinci no quadro da última ceia como um adolescente imberbe. João se refere a si mesmo como o discípulo que Jesus amava. Os outros discípulos também eram amados. É possível que João, por ser muito jovem, recebesse um carinho especial do mestre. Daí, o seu evangelho um tanto diferente dos outros, inclusive pela forma entusiástica de tratar o mestre, a quem outorga o galardão de divino. João ditou o seu evangelho aos 80 anos de idade, aproximadamente. Não se descarta a hipótese de a senilidade ter afetado a expressão das suas idéias, sentimentos e recordações. No prólogo do livro, ele declara que Jesus é o Verbo e que o Verbo é Deus e que ninguém jamais viu Deus (o que faz da visão de Deus por Moisés e outros profetas uma balela). Diz, ainda, que o filho único que está no seio do Pai, foi quem o revelou.

A seguir, João discorre sobre João Batista e o batismo de Jesus. Silencia sobre o nascimento, a infância e a adolescência de Jesus. Menciona os primeiros discípulos indicados por João Batista. Narra: (i) o primeiro milagre ocorrido em uma festa de casamento na aldeia de Cana, na Galiléia [transformação da água em vinho] (ii) a conversa de Jesus com Nicodemos sobre o renascer da água e do espírito para entrar no reino de Deus (iii) o episódio da samaritana que deu água a Jesus (iv) a pregação de Jesus na Samária [região central da Palestina] (v) as diversas curas realizadas por Jesus (vi) o discurso em que Jesus diz aos judeus que fala e age em nome de Deus (vii) a festa dos tabernáculos, em Jerusalém, quando Jesus dá lições no templo e é questionado pelos judeus que o ameaçam de prisão e morte (viii) o julgamento da mulher adúltera: quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra [o adultério era punido com a morte por apedrejamento, segundo a lei dos hebreus] (ix) o debate entre Jesus e os fariseus e a fuga para não ser apedrejado por haver dito: eu sou a luz do mundo, aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida (x) a parábola do bom pastor (xi) a ressurreição de Lázaro (xii) a fuga de Jesus para Efraim, porque o Grande Conselho pretendia prendê-lo e matá-lo (xiii) a ceia na casa de Lázaro e de suas irmãs Marta e Maria, na aldeia de Betânia, quando Maria derrama bálsamo de nardo puro nos pés de Jesus e os enxuga com os cabelos, sob os protestos de Judas Iscariotes [tesoureiro do grupo] que alega desperdício (xiv) a entrada de Jesus em Jerusalém para a páscoa.

Na última parte do livro, João conta como Jesus lavou os pés dos apóstolos durante a última ceia e deu pão embebido em vinho a Judas Iscariotes para indicar que era ele o traidor. João não esconde o seu ódio pelo Iscariotes, atiçado, quiçá, pelo ciúme: Judas era alvo da atenção e da confiança de Jesus. A se acreditar em João, ter-se-ia de admitir que Jesus agira de modo teatral. Depois da ceia, ordenou a Judas que fizesse o que tinha de fazer (como se houvesse acordo entre eles dois). Os outros evangelistas narram o episódio de forma singela e diferente. Jesus falou a todos em tom de despedida. Ao notar inveja e competição entre os apóstolos, deu novo e específico mandamento: amai-vos uns aos outros. João menciona ainda: (i) o amor de Cristo (ii) o amor fraterno e o ódio ao mundo (iii) a vinda do Paráclito (espírito santo) e a recepção pelos apóstolos (iv) prisão, julgamento, crucifixão, sepultamento e ressurreição de Jesus (v) aparição a Maria Madalena e aos discípulos (vi) a incredulidade de Tomé (vii) a derradeira aparição junto ao lago de Tiberíades (viii) a pesca milagrosa e a reunião com os discípulos. João dá testemunho dos fatos e da fé em Jesus. Apóstolos da primeira hora, ele e Mateus não deixariam passar in albis evento da magnitude da ascensão. No entanto, ambos encerram seus evangelhos sem falar sobre o destino de Jesus após a última reunião.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

RELIGIÃO

NOVO TESTAMENTO – VI.

O evangelho.

O vocábulo grego evangelho significa boa nova. Esse vocábulo é utilizado em diferentes acepções: (i) a novidade em si mesma (ii) o livro que a contém (iii) todo o NT. Na bíblia, a boa nova se refere à chegada do messias e à mensagem de salvação, amor e paz. No sentido de livro (rolo de pergaminho ou de papiro em que se escrevia) há vários evangelhos, ou seja, narrativas de diferentes autores sobre o mesmo assunto. O clero organizou o NT como unidade teológica e selecionou, além de outros textos, quatro narrativas para integrá-lo: de Mateus, Marcos, Lucas e João. Foram desprezadas narrativas como as de Tiago, Felipe, Judas Tadeu, Tomé e Maria Madalena. No que tange ao conteúdo, o evangelho consiste nos ensinamentos oralmente transmitidos por Jesus aos galileus, samaritanos e judeus nos anos 29 a 33, na Palestina. A partir dos anos 50, os ensinamentos passaram à forma escrita, mediante cartas e rolos (livros) de autoria dos apóstolos. Distintas culturas da Idade Antiga mencionam a vinda de messias. A novidade estava na chegada real de um deles no seio da sociedade hebraica. Jesus foi reconhecido como enviado de Deus apenas pela minoria do povo palestino (galileus + samaritanos + judeus). Da maioria, Jesus recebeu escárnio, incredulidade, agressões, tentativas de morte, acusações de blasfêmia e subversão, que acabaram por levá-lo à prisão e à crucifixão. Além desses acontecimentos, as narrativas incluem milagres, circulação pelo território palestino e os embates com a nobreza judaica.

A narrativa de Mateus.

Este livro foi redigido em aramaico e traduzido para o grego. O nome original do autor era Levi, coletor de impostos. O livro começa com a genealogia a partir de Abraão, passando por Davi até chegar a José, pai adotivo de Jesus: 14 gerações. Narra o nascimento de Jesus, cuja mãe era casada com o carpinteiro José. Antes de o casal transar sexualmente ela ficou grávida; concebeu do espírito santo. Um anjo apareceu ao inconformado José e o convenceu a manter o casamento. José e Maria não se relacionaram sexualmente até a criança nascer em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes Magno. O menino recebeu a visita dos magos (não diz quantos nem os nomes) em casa (não diz estrebaria nem manjedoura): Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe; prostrando-se diante dele, o adoraram; depois, abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe como presentes: ouro, incenso e mirra (Mateus 2: 11). O Anjo do Senhor apareceu em sonho a José e o instruiu a fugir para o Egito porque Herodes ia procurar e matar o menino, tendo em vista o anúncio do nascimento do rei dos judeus. Para não ver a sua dinastia ameaçada, Herodes mandou matar, em Belém e arredores, todas as crianças com menos de 2 anos de idade. Após a morte de Herodes, José retorna à Palestina, vai para a Galiléia e escolhe a cidade de Nazaré para morar e assim se cumprisse o que foi dito pelos profetas: será chamado Nazareno.

De acordo com a narrativa, José era da linhagem de Davi; casou com Maria, mas não a tocou; portanto, não era o pai biológico de Jesus; logo, Jesus não pertencia à linhagem de Davi. Estranha-se a falta de registro histórico do morticínio de crianças em Belém. Ademais, esta cidade localizava-se na Judéia, jurisdição do tetrarca romano que o tetrarca da Galiléia (Herodes) ou qualquer outro, não ousava desrespeitar. Invadir território sob jurisdição romana para matar crianças ou qualquer pessoa, equivalia desafiar a lei e o poder de Roma; as autoridades judias estavam proibidas de decretar a morte de pessoas. Lucas, no seu evangelho, conta o nascimento de Jesus de modo diferente: menciona a manjedoura, os visitantes não eram magos e sim pastores que se encontravam na vizinhança. Lucas, Marcos e João não mencionam em seus respectivos evangelhos fuga de José e Maria para o Egito. Marcos e João nada falam sobre o nascimento de Jesus. Há dúvida sobre a existência de uma cidade ou aldeia com o nome de Nazaré no território palestino, no tempo dos pais de Jesus. Nazareno não significa naturalidade. Independente da cidade natal, o homem consagrado a Deus recebia a alcunha de nazareno. Lucas cita a lei mosaica (2: 23): Todo primogênito do sexo masculino será consagrado ao Senhor. Essa lei consta do AT (Êxodo 13:2) com redação diferente: Consagra-me todo primogênito; todo que abre a madre de sua mãe entre os filhos de Israel, assim de homens como de animais, é meu (bíblia da editora da Sociedade Bíblica do Brasil, RJ, s/d). Consagra-me todos os primogênitos, que abrem o útero de sua mãe entre os filhos de Israel, assim de homens como de animais, porque todos eles são meus (bíblia da editora Barsa, RJ, 1967). Consagrar-me-ás todo primogênito entre os israelitas, tanto homem como animal, ele é meu (bíblia da editora Ave Maria, SP, 1987).

Mateus refere-se: (i) à pregação de João Batista, precursor de Jesus e arauto do reino dos céus (ii) ao batismo de Jesus por João Batista (iii) à experiência extática de Jesus no deserto depois de jejuar 40 dias e 40 noites. Com a prisão de João Batista, inicia-se a pregação e o trabalho terapêutico de Jesus na Galiléia, onde recrutou os seus apóstolos. Para lá convergiam pessoas de outras localidades. Diante do povaréu, Jesus profere o sermão que contém sua doutrina.

Bem-aventurados: os que têm um coração de pobre, porque deles é o reino dos céus; os mansos, os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacíficos, os que padecem perseguição por amor da justiça; sois o sal da terra e a luz do mundo. Jesus se pronuncia sobre os mandamentos e os amolda à sua doutrina: Não vim para abolir a lei, mas para aperfeiçoá-la. (Lei = Pentateuco = cinco primeiros livros do AT). Recomenda servir ao próximo em silêncio e não agir como hipócrita, sob pena de perder a recompensa divina: Guardai-vos de fazer vossas boas obras diante dos homens para serdes vistos por eles. Ensina a orar: pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu, o pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Aconselha: não ajunteis para vós tesouros na terra, a cada dia basta o seu cuidado, olhai como crescem os lírios do campo, não trabalham nem fiam, entretanto vos digo que o próprio Salomão no auge da sua glória não se vestiu como um deles; buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo; não julgueis e não sereis julgados; não atireis aos porcos as vossas pérolas; tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles; entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduzem à perdição; guardai-vos dos falsos profetas, pelos seus frutos os conhecereis. Jesus conclui o discurso advertindo que não basta ouvir as palavras dele; há necessidade de colocá-las em prática.

Ficar no deserto por 40 dias e 40 noites era uma provação que santificava. Jejuar todo esse tempo sem morrer de fome, de sede ou sem ser atacado por animal faminto, parece impossível sob critério natural. Certamente, trata-se de número esotérico (40 = tempo indeterminado). A localização da montanha onde Jesus proferiu o sermão é desconhecida; talvez, ao Norte da Galiléia, alguma elevação montanhosa próxima a Cafarnaum, ou ao Sul da Galiléia, no Monte Tabor, posto que, o sermão antecedeu o ministério na Judéia.

A igreja católica adotava a oração “Pai Nosso” como está acima (e na bíblia protestante), porém, na segunda metade do século XX, visto que ninguém estava disposto a abrir mão dos seus créditos junto aos devedores, mesclou-a com o “Pai Nosso” mais breve de Lucas, na passagem que fala das dívidas: perdoai-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos aqueles que nos ofenderam (Lucas 11: 4). João e Marcos não mencionam essa oração.

Seguem: (i) a narrativa de diversas atividades de Jesus, como o episódio da barca em que ele acalma a tempestade pelo vigor da sua voz (ii) a discussão com fariseus e com discípulos de João Batista que praticavam o jejum e por isso censuravam Jesus por compartilhar a mesa de publicanos e pecadores (iii) as instruções e outorga de poderes aos 12 apóstolos (iv) as discussões com escribas (v) as parábolas (vi) a mensagem e a morte de João Batista (vii) a multiplicação dos pães (viii) a transfiguração na presença de três apóstolos (ix) os anúncios da paixão (x) a formação de igrejas: onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.

Mateus narra o ministério de Jesus na Judéia: a entrada em Jerusalém no lombo de um jumento; a expulsão dos mercadores do templo; o tributo a César; as discussões com escribas e fariseus; o resumo da lei nos dois maiores mandamentos: amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito; amarás teu próximo como a ti mesmo; a profecia sobre a destruição de Jerusalém e o juízo final. Na sexta parte do livro, Mateus relata: (i) a conspiração dos sacerdotes (ii) o episódio em que sob os protestos dos discípulos, certa mulher (sem identificação) derrama perfume caro na cabeça de Jesus (outro apóstolo diz que foi nos pés e a mulher era irmã de Lázaro) (iii) a traição de Judas (iv) a última ceia (v) a angústia no Getsêmani (vi) a prisão e os julgamentos sucessivos perante o Sinédrio, Herodes e Pilatos (vii) o suicídio de Judas Iscariotes (viii) a ajuda prestada a Jesus por Simão de Cirene para carregar a cruz (ix) a crucifixão, sepultura e ressurreição (x) a aparição de Jesus a Maria Madalena e aos apóstolos (xi) a outorga aos apóstolos da missão de ensinar a doutrina a todas as nações e batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

terça-feira, 12 de abril de 2011

RELIGIÃO

NOVO TESTAMENTO – V.

Paulo escreve à igreja de Corinto, por volta do ano 65, solicitando que os crentes acabem com os abusos e as disputas internas. Diz que foi enviado por Cristo, não para batizar e sim para pregar o evangelho (menosprezo a João Batista); para os crentes, Cristo se tornou sabedoria, justiça, santificação e redenção; Cristo é o único fundamento do edifício de Deus; cada um receberá o louvor que merece de Deus quando o tempo chegar. Paulo conjura os crentes a imitá-lo; refuta os que o denigrem; recrimina a igreja de Corinto pela luxúria. Os crentes devem submeter suas desavenças à irmandade, sem recorrer aos tribunais infiéis. Quem se ajunta a uma prostituta torna-se um só corpo com ela; o corpo do crente é o templo do espírito santo; o corpo da mulher pertence ao marido e o do marido à esposa. Os solteiros e as viúvas, se não puderem se conter, devem casar, pois melhor casar do que se abrasar. Cada um permaneça como estava quando Deus o chamou: circunciso ou incircunciso, solteiro, casado ou viúvo. O celibato convém a quem se dedica ao Senhor. Por seu trabalho espiritual, os missionários têm direito a colher bens materiais dos crentes.

Outras prescrições: (i) os crentes não devem comer alimento oriundo do sacrifício a ídolos (ii) as mulheres devem orar com a cabeça coberta e os homens com a cabeça descoberta (iii) nas assembléias, os irmãos devem se comportar bem, um esperando o outro, e as mulheres devem permanecer caladas e submissas (iv) na ceia, todos devem comer com moderação, pois quem tiver fome, coma em casa (v) diversos são os dons, mas o espírito é um só; preferir o dom da profecia ao dom das línguas (vi) quem não acredita na ressurreição de Cristo está em pecado. Jesus morreu por nossos pecados, foi sepultado, ressurgiu no terceiro dia, apareceu sucessivamente a Pedro, aos doze apóstolos, a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a Tiago, novamente aos apóstolos e por último, a ele, Paulo, como a um abortivo que, por ser o menor dos apóstolos, não se considera digno de ser chamado de apóstolo, pois perseguiu a igreja de Deus (modéstia desmentida por suas próprias epístolas; ademais, Jesus nunca apareceu a Paulo; Madalena, a quem Jesus aparecera por primeiro, não foi mencionada por Paulo, cuja aversão às mulheres é epidérmica). Carne e sangue não participam do reino de Deus, diz ele, dissipando a lenda sobre a ascensão em carne e sangue de Enoc, Moisés, Elias e Jesus. Diz mais: quando soar a trombeta, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e os vivos serão transformados. Ele instrui os coríntios sobre a coleta em benefício dos santos (ajuda à igreja de Jerusalém); promete visitá-los depois de passar pela Macedônia; solicita bom tratamento e consideração a Timóteo, à família de Estéfanas e a outros discípulos.

Na segunda missiva aos coríntios, Paulo segue no mesmo diapasão. Fala do consolo dos angustiados, da tribulação que sofreu na Ásia, da sua sinceridade pessoal; defende-se da acusação de ser leviano, alude à dificuldade que encontra no seu ministério e à confiança na morada espiritual. Pede aos crentes que se reconciliem com Deus, pois não pode haver acordo entre a luz e as trevas. Faz referência à carta anterior que causou sofrimento aos crentes pelas reprimendas. Mostra-se grato pela coleta em favor da igreja de Jerusalém. Exorta os crentes à mansidão, à bondade e ao respeito à sua autoridade, da qual confessa se orgulhar. Justifica o seu sustento pessoal pelas igrejas. Esclarece que não é louco. Apelou a Deus para que o apartasse de Satanás e obteve a seguinte resposta: Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se revela toda a minha força. (Esta é mais uma passagem em que Paulo tenta se nivelar a Jesus e impressionar os crentes, porque Jesus também fora tentado por Satanás). Fala de um homem que há 14 anos atrás (por volta do ano 50) foi arrebatado ao paraíso – com ou sem o corpo, não sabe dizer – e lá ouviu palavras inefáveis que não é permitido a um homem repetir. Paulo deixa subentendido, em subliminal falsa modéstia, que esse homem é ele próprio. O objetivo é sempre o mesmo: nivelar-se a Jesus, que também fora arrebatado, para impressionar e convencer os crentes. Diz que foi insensato ao elogiar a si próprio; que às igrejas cabia elogiá-lo, porque ele em nada era inferior aos apóstolos (pedir para ser elogiado ou elogiar a si próprio é expediente solerte e de mau tom). Avisa que visitará a igreja de Corinto, ouvirá testemunhas e desta vez não haverá perdão pelas faltas apuradas; que os crentes não devem exigir, como vêm exigindo, prova de que é Cristo que fala por ele (o que indica a desconfiança dos crentes em relação a Paulo e sua apregoada autoridade).

Por volta dos anos 60/62, quando estava preso, Paulo escreve para os efésios, filipenses, colossenses e a Filêmon. Aos efésios, ele repete a ladainha da salvação por Jesus Cristo, da união de circuncidados e incircuncisos na comunidade cristã, das virtudes dos crentes, da saída das trevas para a luz, dos deveres dos servos, dos patrões, da família (submissão da mulher ao marido, honrar pai e mãe). Recomenda que os crentes revistam-se da armadura de Deus para resistir às ciladas do demônio. Informa que está enviando Tiquico, ministro do Senhor, para levar notícias e confortar o coração dos fiéis. À igreja de Filipos, Paulo fala das suas orações em favor da igreja, tal qual nas epístolas anteriores, em que faz referência aos seus padecimentos por amor a Cristo, na visível intenção de comover os crentes. Pede união e perseverança. Repete isto a todas as igrejas, o que indica laços frouxos entre os fiéis. Fala de si mesmo, da sua vida farisaica e da sua vida cristã e pede aos crentes que o imitem (pedido que já fizera alhures e continuaria a fazer, como se imitado devesse ser ele e não Jesus). Agradece a ajuda que recebe da igreja. Na epístola à igreja de Colossos, Paulo faz as saudações e os agradecimentos de praxe em nome de Jesus Cristo. Consola os crentes pelas tribulações sofridas, contando os seus próprios padecimentos por anunciar o evangelho. Paulo glorifica a si próprio ao falar da missão evangélica. A essa igreja, a mesma advertência que faz às outras: cautela contra as falsas doutrinas, os falsos profetas, o falso ascetismo; fala do sacrifício de Jesus pelos pecadores. Paulo repete as recomendações e pede que esta e as outras epístolas circulem pelas igrejas. A Filêmon, cristão rico, Paulo escreve pedindo que recebesse e perdoasse o escravo fugitivo de nome Onésimo, que ele convertera à fé cristã; que Onésimo fosse recebido não mais como escravo e sim como irmão de fé. Diz que podia usar da sua autoridade em Cristo para prescrever o que era da obrigação de Filêmon, porém, prefere apenas fazer um apelo à sua caridade. Compromete-se a pagar qualquer prejuízo que Onésimo tenha causado. Paulo solicita pouso na casa de Filêmon, pois espera sair da prisão em breve.

Ao escrever a Timóteo, a Tito e aos hebreus, Paulo já estava fora da prisão. Timóteo e Tito foram colocados à frente das igrejas de Éfeso e Creta, como bispos. Paulo alinha vários conselhos e regras de conduta aos homens, mulheres, anciãos, viúvas, escravos, diáconos e bispos. Expõe a hierarquia eclesiástica e a organização da igreja. Qualifica o episcopado de função sublime. O bispo deve ser irrepreensível, prudente, sóbrio, hospitaleiro, regrado no seu proceder, capaz de ensinar, casado uma só vez, governar bem a sua casa, educar os seus filhos na obediência e na castidade. Os bispos devem perseverar na sua missão, apesar das dificuldades do ministério, e não se enredar em controvérsias. O diácono também há de ser virtuoso. Orienta o ministério dos bispos, a especial atenção que devem dar aos idosos e às viúvas. Paulo dita normas aplicáveis aos presbíteros: merecem dupla remuneração quando dedicados à pregação e ao ensino; são necessárias duas testemunhas, no mínimo, para ser recebida acusação contra eles; ao faltarem às suas obrigações, devem ser repreendidos diante de todos, para que os demais se atemorizem; cautela ao impor as mãos, para não se tornarem cúmplices dos pecados alheios. Coloca o amor ao dinheiro na raiz de todos os males. Recomenda que a piedade seja distribuída sem qualquer interesse pecuniário. O homem de Deus combate o bom combate da fé. Exorta os ricos a abdicarem do orgulho e a não depositarem na riqueza as suas esperanças; que pratiquem o bem e façam boas obras; que sejam generosos e comunicativos. Paulo informa que só Lucas está com ele e pede a Timóteo que traga Marcos para auxiliá-lo e os pertences que deixou em Éfeso. Reclama que foi maltratado pelo ferreiro Alexandre, opositor ferrenho do trabalho apostólico; diz que ficou desamparado. Pede a Tito preparar a viagem do jurista Zenas e do discípulo Apolo e recomenda que nada lhes falte. (Paulo não dispensou a assistência de advogado, apesar da sua formação jurídica). Informa que está em Nicópolis, onde pretende passar o inverno.

No que tange à epístola aos hebreus, o propósito era o de consolar os convertidos que se afastaram do templo e das sinagogas. A carta expõe a magnificência de Jesus, a sua condição de filho de Deus, fato que o sobrepõe aos anjos, aos profetas e aos sacerdotes. (Paulo diviniza Jesus, no que foi imitado por alguns apóstolos, inclusive João). Censura aqueles que saíram do Egito, conduzidos por Moisés, por se revoltarem contra a pregação de Jesus (certamente, a censura era dirigida aos descendentes dos hebreus do êxodo). Lembra que Jesus esteve indignado com os judeus durante 40 anos (ou Jesus tinha mais de 33 anos quando foi crucificado, ou Paulo errou na conta, ou o número 40 é esotérico = “por muito tempo”). O sacrifício de Jesus esvaziou de importância os sacrifícios do culto hebraico. Na opinião de Paulo, os personagens do AT não obtiveram o cumprimento de todas as promessas feitas pela divindade, enquanto que os do NT vê-las-ão todas cumpridas. Pede que os crentes se cuidem para não ser excluídos da companhia de Deus, como foram os judeus.

Na carta, Paulo solicita atenção à mensagem trazida por Jesus, pontífice eterno segundo a ordem de Melquisedec (e não segundo a ordem hebraica de Aarão). Rei de Salém (Rei da Paz, significado do seu título), Melquisedec também era o Rei da Justiça (significado do seu nome). A esse rei estrangeiro, sem genealogia, sem pai, sem mãe, cuja vida não tem começo nem fim, Abraão foi prestar tributo de vassalagem, pagar o dízimo e pedir as bênçãos. Argumento de Paulo: se a perfeição tivesse sido realizada pelo sacerdócio levítico (porque é sobre este que se funda a legislação dada ao povo) que necessidade havia ainda de que surgisse outro sacerdote segundo a ordem de Melquisedec e não segundo a ordem de Aarão? Pois, transferido o sacerdócio, forçoso é que se faça também a mudança da lei. Segundo Paulo, a antiga lei está revogada por sua ineficácia e inutilidade; a igreja cristã tem um Sumo Sacerdote (Cristo) que está sentado à direita da majestade divina, cujo tabernáculo está localizado no próprio céu e não foi construído por mãos humanas; Cristo é o mediador do NT e a sua morte expiou os pecados cometidos na vigência do AT. Paulo exorta os crentes à fidelidade, à perseverança, à assistência mútua. Aos apóstatas está reservado o fogo ardente. O fundamento da esperança é a fé, certeza a respeito do que não se vê; o mundo formou-se pela palavra de Deus; as coisas visíveis se originaram do invisível. Pela fé, Enoc foi arrebatado sem ter conhecido a morte. Os que claudicam, tornem ao bom caminho e não se desviem. Paulo repete as virtudes e as recomendações (hospitalidade, benemerência, liberalidade, obediência, fidelidade conjugal, viver sem avareza, fortificar a alma pela graça). Informa que Timóteo saiu da prisão. Roga a todos que, de boa mente, recebam as exortações.