Ainda não foi nesta quarta-feira
(12/12/12) o esperado encerramento da ação penal 470, processo apelidado
“mensalão” em trâmites pelo Supremo Tribunal Federal - STF desde 2005. Inesperado problema de saúde do ministro que
votaria por último impediu o desfecho. A questão de mérito já foi julgada. Aos
réus condenados foram aplicadas as penas correspondentes aos crimes praticados.
Nesta fase derradeira, o tribunal cuida dos efeitos da condenação. Desse
cuidado já resultou a perda, a um dos condenados, do cargo de prefeito de
município do Estado do Paraná. Quanto aos condenados que exercem cargos de
deputado federal e senador, houve empate na votação até o momento. Quatro
ministros entendem que ao STF compete decidir sobre a perda do mandato como
decorrência da condenação em sede criminal; outros quatro entendem que a
decisão cabe ao Legislativo em decorrência da soberania popular exercida pelos
parlamentares como representantes do povo. Ambos os lados apóiam-se na
Constituição da República.
Para decidir a perda do mandato
parlamentar há duas vias independentes e igualmente válidas: a administrativa (disciplinar e punitiva)
e a judicial, ambas tributárias do
devido processo jurídico constitucionalmente assegurado.
A via administrativa começa e se
esgota no âmbito do Legislativo. Nela se apura a responsabilidade política do
parlamentar. Os deputados e senadores perdem os respectivos mandatos em
qualquer das hipóteses contidas no artigo 55 da Constituição. Ter sofrido
condenação criminal em sentença da qual não caiba mais recurso (transitada em julgado) é uma das
hipóteses ali contempladas. A iniciativa do processo cabe à Mesa (órgão
diretor) da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ou a partido político
representado no Congresso Nacional. Os trâmites são interna corporis, entre os pares, assegurada ampla defesa (CF 55,
§2º). Encerrada a instrução processual, a Câmara ou o Senado, conforme o
indiciado seja deputado ou senador, decidirá, pelo voto secreto e por maioria
absoluta dos seus membros, sobre a manutenção ou a perda do mandato do colega
indiciado.
Parlamentares que figuram como
réus na ação penal 470 perderam seus mandatos por essa via administrativa.
Quanto a eles, esse tema (perda de mandato) ficou vencido e deixou de ser
considerado na esfera judicial. Todavia, outros condenados continuam no
exercício dos seus mandatos. Quanto a estes, cabe ao STF decidir se declara ou
não os efeitos da condenação.
Na ação penal, a perda do cargo
eletivo é conseqüência do provimento da pretensão punitiva do Estado. A
finalidade do processo penal é a de apurar a autoria e a materialidade das
infrações penais e a responsabilidade dos agentes. A lei penal atribui à
sentença condenatória: (I) efeitos genéricos tais como: tornar certa a
obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; perda em favor da União dos
instrumentos e do produto do crime; (II) efeitos
específicos tais como: perda de cargo, função pública ou mandato eletivo;
incapacidade para tutela ou curatela; inabilitação para utilizar veículo. Os efeitos específicos não são automáticos
e devem ser declarados motivadamente na sentença (CP 91/92). A perda ou a
suspensão de direitos políticos inclui-se entre os efeitos específicos (CF 15,
III). O legislador tinha em mente o juízo monocrático ao usar o termo sentença. A decisão de tribunal chama-se
acórdão. Apesar da terminologia,
aquele dispositivo legal aplica-se também aos tribunais. Sob esse prisma, nas
ações penais cabe aos magistrados declarar, como efeito da condenação, a perda
de cargo eletivo (logo, a perda do mandato).
O processo administrativo
de índole preponderantemente política, que se desenrola no âmbito do
Legislativo (CF 55, §2º) e acautela o mandato parlamentar em nome da soberania
popular, da democracia e do sistema representativo, não se confunde com o processo
judicial que apura infrações penais e, como corolário da condenação,
determina a perda ou suspensão de direitos políticos (CF 15). Lá, a
responsabilidade política do parlamentar; cá, a responsabilidade penal dos
cidadãos brasileiros. Para garantir o pleno e livre exercício do mandato,
instrumento da representação popular, a Câmara ou o Senado poderá sustar o
andamento do processo penal em que deputado ou senador figure como réu. O
tribunal, então, aguarda o término do mandato do réu para dar prosseguimento à
ação penal. Enquanto isto, o prazo prescricional não flui (CF 53, §§3º e 5º).
Na ação acima referida (“mensalão”), o Legislativo permitiu que o processo
judicial seguisse os trâmites normais até o fim.
Se ao tempo da decisão penal condenatória, o
Legislativo, pela via administrativa, já houver decidido a perda do mandato do
parlamentar criminalmente processado, o Judiciário, em atenção à independência
do outro poder e em nome da harmonia, abster-se-á de declarar tal efeito. Tratar-se-á
de matéria vencida. Se ao tempo da decisão penal condenatória o Legislativo
ainda não houver decretado a perda do mandato, prevalecerá o efeito declarado
pelo Judiciário. A decisão administrativa posterior não poderá se sobrepor à
decisão judicial anterior. Todo o poder
emana do povo (CF 1º, p.u.). Logo, o poder jurisdicional tem fonte popular
e suporte institucional; não está aquém nem além dos demais poderes. No Estado
Democrático de Direito a jurisdição é vital para a ordem jurídica. As decisões
judiciais são de necessário e obrigatório acatamento por todos, governantes e
governados. Através delas os princípios e normas da Constituição se tornam
efetivos e as instituições republicanas, democráticas e o sistema
representativo recebem garantias. Ao determinar a perda de mandato de deputado
e senador condenados no devido processo jurídico, o tribunal cumpre aquela
relevante missão