Todo ser tem matéria e forma.
Exemplos: 1) o átomo é constituído materialmente
de elétrons, prótons e nêutrons e formalmente
de um núcleo de prótons e nêutrons em torno do qual giram os elétrons em
órbitas, semelhante ao sistema solar; 2) o ser humano é constituído materialmente de líquidos, ossos,
músculos, tecidos e órgãos e formalmente
da conexão desses elementos em uma unidade física com funções instintivas,
emotivas e intelectivas; 3) toda instituição humana é constituída materialmente de pessoas e coisas e formalmente de princípios e regras que
disciplinam a atividade dessas pessoas em torno de objetivos comuns e que
reúnem aquelas coisas em uma unidade patrimonial.
O Estado, instituição humana, se
compõe materialmente de território,
povo e governo e formalmente, de
princípios e regras que reúnem esses elementos em uma unidade política e
jurídica soberana ou autônoma. Em seu conjunto, tais princípios e regras
fundamentais formam a constituição
jurídica do Estado. A partir do século XVIII (1701-1800), na América e na
Europa continental, essa constituição assume a forma escrita, documento único e
sistemático oriundo do exercício do poder constituinte que equaciona a oposição
autoridade x liberdade e plasma a
feição política da nação.
No sentido dinâmico, o
termo constituição significa a ação
de constituir, organizar, estabelecer. Na seara política, cabe ao detentor do
poder constituinte (rei, presidente, ditador, assembléia) configurar juridicamente
o Estado.
No sentido estático, o
termo constituição significa o
produto da ação de constituir, a estrutura de um ser, a organização formada. Na
seara política, significa a obra resultante do exercício do poder constituinte;
o sistema formado pelos nexos entre princípios e regras que integram os
direitos individuais e coletivos e que distribuem competências entre diferentes
órgãos do governo (legislativo, executivo, judiciário).
Nesse contexto, poder constituinte significa aptidão do
sujeito singular ou coletivo para, mediante consenso ou força, elaborar e
colocar em vigor de modo eficaz e permanente, a constituição jurídica do Estado.
Na esteira da distinção entre ordem e ordenamento feita por Luis Legaz y Lacambra (Humanismo, Estado y Derecho.
Barcelona. Casa Editorial Bosch, 1960, pág. 144/160), os princípios
configuram a ordem constitucional
formada de proposições ontológicas que têm por cópula o ser, enquanto as
regras configuram o ordenamento
constitucional formado de proposições deontológicas que têm por cópula o dever
ser. Os princípios são proposições enunciativas dos valores fundamentais do
Estado, enquanto as regras são proposições normativas que se irradiam dos
princípios. Na opinião de Carl Schmitt, os princípios não são normas, nem leis;
mais do que isto, os princípios são decisões concretas sobre a forma de governo
e o regime político; os princípios servem de pressuposto às regras
constitucionais e legais, por isso mesmo, são intangíveis (Teoria de la Constitucion. Madri. Revista de Derecho Privado, 1927, pág. 28).
Do preâmbulo e do título primeiro do texto
constitucional brasileiro constam: (I) como valores supremos: os direitos
sociais e individuais, a liberdade, a igualdade, a justiça, a segurança, o bem-estar e o desenvolvimento (político, social, econômico); (II) como forma de
Estado e regime político: os princípios republicano, democrático e federativo;
(III) como fundamentos do Estado: a soberania, a cidadania, a dignidade da
pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo
político; (IV) como distribuição das competências entre os órgãos do governo: o
princípio da separação dos poderes; (V) como norteadores da administração
pública: os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência; (VI) como norteadores das relações internacionais: a independência
nacional, a prevalência dos direitos humanos, o asilo político, a autodeterminação
dos povos, a não intervenção, a igualdade entre os Estados, a defesa da paz, a solução
pacífica dos conflitos, o repúdio ao terrorismo e ao racismo, a cooperação
entre os povos para o progresso da humanidade.