sábado, 29 de dezembro de 2018

GENEALOGIA E REENCARNAÇÃO

Entrevistado no programa “Pinga-Fogo” da TV Tupi, em 1971, o médium espírita Chico Xavier foi questionado por pastor protestante sobre reencarnação. O pastor dizia que Adão, Eva, Caim e Abel, por serem os primeiros humanos no planeta, não eram reencarnações. Na sua resposta, o médium citou o capítulo 4, versículos 16/17 do Gênesis (primeiro livro da Bíblia), como prova das contradições.
Em assunto de fé, dificilmente alguém convence o oponente, ainda mais se houver fanatismo. Entretanto, o conteúdo das escrituras religiosas pode ser objeto de análise racional fora da órbita fiduciária e dentro da órbita da história e das ciências naturais. A parte mais extensa da Bíblia diz respeito ao mundo profano: legislação, governo, jurisdição, relatos históricos, genealogias, dietas, sermões, poesias, cânticos, epístolas. A parte menos extensa da Bíblia diz respeito à esfera do sagrado: [i] crença num deus nacional denominado Javé ou Jeová [ii] aliança desse deus com o chefe hebreu chamado Moisés [iii] mensagens desse deus reveladas a Moisés e aos profetas, inclusive os dez mandamentos [iv] crença num deus universal denominado Pai Celestial [v] aliança desse deus com o chefe da seita cristã chamado Jesus [vi] mensagens desse deus reveladas a Jesus e aos apóstolos [vii] crença num deus infernal denominado Lúcifer ou Satanás [viii] influência maligna desse deus no mundo [ix] participação desses deuses nos fenômenos naturais e nos fatos humanos [x) doutrinas, cultos e rituais estabelecidos para os judeus e para os cristãos.  
A Bíblia compõe-se de 46 livros que formam o Antigo Testamento (judeu) e de 27 textos que formam o Novo Testamento (cristão). Os textos cristãos dividem-se em 4 livros sagrados (evangelhos de Mateus, João, Marcos e Lucas), 1 livro histórico (Atos dos Apóstolos), 1 livro profético (Apocalipse) e 21 cartas escritas ou ditadas pelos apóstolos João (3), Judas (1), Paulo (14), Pedro (2) e Tiago (1).
Todos esses livros e textos refletem a fraqueza humana dos seus autores. Exageram na fantasia, nos milagres, nos elogios aos supostos êxitos e virtudes do grupo a que pertencem e dos seus líderes. Os judeus enaltecem o profeta Elias e dizem que ele subiu aos céus com o seu corpo físico. Os cristãos enaltecem o profeta Jesus e dizem que ele subiu aos céus com o seu corpo físico. Nessa viagem espacial sem nave, o frio da Lua não congelou os viajantes e o calor do Sol não os cremou. Os dois grupos rivais disputam qual dos seus heróis é o maior e qual das suas doutrinas é a verdadeira. Alguns sustentam que Jesus foi a reencarnação de Elias. Outros dizem que Jesus existia antes de Elias, desde a criação do mundo. Tudo produto da imaginação dos escritores e da competição entre as seitas. Não há prova da existência histórica desses personagens. Longe de ser “a palavra de deus”, a Bíblia é, na realidade, uma vasta obra literária para a qual não faltaram talento, esperteza e má-fé dos seus autores. 
O povo hebreu (judeus + israelitas) política e economicamente insignificante, gozando de má fama entre os demais povos seus contemporâneos (hebreu = bandido), utilizou a religião e a escritura “sagrada” para convencer a si próprio e aos estrangeiros de que era tão importante e valoroso quanto os povos dos grandes impérios (egípcio, babilônio, assírio, persa). Sustenta ser remota a antiguidade da sua escritura “sagrada” quando, na verdade, o pentateuco (cinco primeiros livros da Bíblia) foi elaborado no século IV a.C., por Esdras e seus auxiliares, ainda no exílio da Babilônia. Audácia sem limite, pretensão de superioridade, esses judeus declararam que o seu povo era o escolhido de deus para reinar sobre todos os povos da Terra. Esse deus nacional de nome Javé ou Jeová, mundano e diabólico, foi criado pelos autores dos livros bíblicos à semelhança do povo hebreu: tenebroso, cruel, genocida, vingativo, prepotente, como descrito no Antigo Testamento.   
Perceptível o intuito dos escritores bíblicos de: (i) incutir no povo o temor ao deus e aos castigos divinos (ii) lançar sobre o indivíduo a culpa por um falso pecado original (iii) fazer do templo e da igreja o caminho para a salvação (iv) tornar a massa popular um rebanho submisso (v) justificar o sustento da casta clerical pelos crentes (vi) submeter a mulher ao comando do homem (vii) considerar maldições divinas as dores do parto e o trabalho, punições aplicadas pelo “Senhor” à mulher e ao homem.
Aos temas abordados pelo pastor protestante e pelo médium espírita cabem alguns adminículos. De acordo com a Bíblia, o “Senhor” plantou um jardim na parte oriental da região mesopotâmica denominada Éden (estepe). Ali, no jardim (paraíso na Terra), o “Senhor” colocou Adão e lhe deu Eva por companheira. Os dois violaram proibição divina ao comer o fruto da árvore plantada no meio do jardim. Caracterizada a culpa original (ou pecado original) os dois foram expulsos do jardim. Na parte ocidental daquela região, portanto, fora do jardim, os dois transaram e geraram o primeiro filho: Caim. Gostaram de transar. Geraram outro filho: Abel. Por ter assassinado o irmão, Caim foi expulso de casa (da terra) pelo “Senhor”. Se no planeta só existiam essas três pessoas, de onde saiu a mulher de Caim? (Gênesis 4: 17). Ao sair de casa (da terra habitada pelos pais) Caim temia ser morto por quem o encontrasse. Então, o “Senhor” lhe pôs um sinal para que se alguém o encontrasse não o matasse. Se no planeta só existiam ele e os pais, quem eram e de onde vieram as pessoas que ele temia encontrar?
Depois de 130 anos de convívio com Adão, Eva pariu o terceiro filho: Seth. Nada de nascer mulher. Eva era a única. Palavra de Adão: “Deus deu-me uma posteridade para substituir Abel que Caim matou”. Esse terceiro filho, o quinto humano a surgir na Terra, podia ser a reencarnação de Abel, primeiro humano a morrer no planeta.
O texto bíblico explica: “Este é o livro da história da família de Adão”. (Genesis 5:1). Esta assertiva admite implicitamente a existência de famílias chefiadas por outros homens. “Depois de haver gerado Seth, Adão viveu oitocentos anos e gerou filhos e filhas”. Finalmente, depois de centenas de anos, nasceram as primeiras mulheres. “Todo o tempo que Adão viveu foi novecentos e trinta anos”.
Da narrativa bíblica verifica-se que Adão, Eva e filhos eram assemelhados ao deus que os criou, civilizados, estrutura física e mental tipo homo sapiens, superior à dos primitivos humanos estudados pelas ciências modernas. Os escritores bíblicos gostavam de impressionar o público com grandes números e com personagens heroicos de cultura superior e dotados de superpoderes. Eles são os ancestrais dos escritores modernos de histórias em quadrinhos.   
A reencarnação, tema evocado pelo pastor protestante e tratado pelo médium espírita, supõe vida anterior. A pessoa morta torna a nascer em outro corpo. Adão, Eva e filhos não tiveram vida anterior porque foram os primeiros humanos nascidos neste planeta (segundo o Gênesis). O processo da reencarnação na Terra, portanto, começa após a morte de cada um deles. De acordo com a doutrina espírita, o propósito da reencarnação é purificar as almas num processo evolutivo. Daí se deduz que os primeiros humanos eram pecadores e suas almas deviam ser purificadas. Se, a partir da primeira geração de humanos, só vivessem pessoas reencarnadas, não haveria crescimento demográfico. O número de habitantes ficaria inalterado para sempre. Os mesmos espíritos indo e vindo. No entanto, a população mundial cresceu. Desse fato, percebe-se que além das reencarnações das almas antigas, há também encarnações de almas novas que não ocuparam corpo físico anteriormente. De onde vieram essas almas? (Não vem ao caso agora). Após essas almas novas abandonarem o seu primeiro corpo, elas voltam a encarnar (reencarnam) em um novo corpo. De acordo com a lição de Sidarta (Buda), haverá sucessivas reencarnações até as almas atingirem o nirvana.
Todo esse assunto é especulativo. Não há certeza alguma sobre a existência: (i) de almas individuais e autônomas (ii) de um mundo espiritual apartado do mundo físico (iii) de uma fonte metafísica de conhecimento acessível mediante intuição, oração, meditação ou êxtase. O cérebro humano, base da consciência e da inteligência, usina de habilidades, pensamentos, memórias e sonhos, com seus bilhões de neurônios (simetricamente aos bilhões de galáxias) com as mais variadas funções (informativa, comunicativa, associativa, controladora) pode ser a explicação de fenômenos que o senso comum rotula de espirituais e situa no plano metafísico. 

sábado, 22 de dezembro de 2018

JUSTIÇA FARDADA

Nos impérios antigos como o egípcio, o persa, o macedônio, o romano, assim como nos posteriores do Oriente e do Ocidente, os exércitos, ainda que não permanentes e de mercenários, eram imprescindíveis tanto para defesa como para fins expansionistas. Alguns comandantes militares bem sucedidos acabavam por assumir o governo do reino ou da república. Júlio Cesar e Napoleão são os mais lembrados. No mundo moderno, tanto os governos autocráticos como os governos democráticos confiam a segurança do estado e da nação às forças armadas organizadas, regulares e permanentes. A simples existência do poderio bélico funciona como fator de dissuasão. A violência institucionalizou-se para garantir a ordem interna e a defesa externa. A fim de atender aos propósitos dessa instituição, os militares são treinados e preparados para a guerra, para lutar, matar, ferir, espancar, prender, reprimir. Essa formação os torna insensíveis à vida, à liberdade e ao patrimônio dos inimigos da pátria e dos opositores ao regime a que servem ou à doutrina que os orienta. Portanto, ingenuidade esperar dos militares flores e perfumes. Para atingir seus objetivos, não há escrúpulo nem senso algum de humanidade que os detenha. Mutatis mutandis, o mesmo se aplica aos policiais civis e militares responsáveis pela segurança interna do país.
No Brasil, também a violência é o motor da atividade profissional nessa área. A moderação e qualquer freio ético e jurídico irrita os profissionais da caserna e da delegacia. A linha dura, militar ou civil, insurge-se contra limites traçados pelo direito e se vale da força. A linha moderada consegue, às vezes, manter a linha dura sob controle. Durante o período autocrático, os generais Geisel e Figueiredo conseguiram. Os agentes das forças de segurança colocam a autoridade acima da liberdade, a ordem acima do progresso, o interesse do governo acima do interesse do povo. Consideram os direitos humanos um entrave na luta contra o crime ou contra a subversão. Esse perfil também se nota nos agentes do ministério público e da magistratura. Pervertem o sentido e a finalidade da norma constitucional e da lei. Suprem a falta de prova com suposições e probabilidades revestidas de linguagem jurídica.
Todo esse procedimento dos agentes da segurança nacional (militares) e dos agentes da segurança pública interna (policiais, procuradores, juízes) comum aos países sob regime autocrático, acontece também em países sob regime formalmente democrático e materialmente oligárquico (como o Brasil). A violência estatal tem sido justificada em nome de deus, da preservação do estado, da honra nacional, do sistema político e do modelo econômico ideologicamente aceito. Usando força militar, a China invadiu e dominou o Tibete, a Rússia reprimiu a revolta na Chechênia e apoiou o governo sírio, os EUA invadiram a Coreia, o Sudeste Asiático, o Oriente Médio. Mortos e feridos aos milhares: homens, mulheres e crianças. Casas, edifícios, ruas, praças, estradas, pontes, tudo destroçado. Poderes usurpados. Culturas locais violadas. Na América Latina, os EUA apoiam e incentivam a violência da direita contra a esquerda.
Tal como a religião, a política manipula o medo das pessoas e usa o terror, virtual ou real, para garantir o domínio de um grupo civil/militar sobre a massa popular. Com esse desiderato, o grupo utiliza os meios de comunicação social, inclusive a rede de computadores. A divulgação de notícias e dados falsos como se fossem verdadeiros integra o rol das medidas para obter consenso e adesão da massa a ideias, programas e projetos. Aspirações de um grupo como se fosse da nação.   
No Brasil, o quadro foi semelhante nas quatro ditaduras: [i] a dos marechais, decorrente do golpe de 1889 contra a monarquia [ii] a de Bernardes, decorrente da insurgência dos tenentes e da coluna Prestes (estado de sítio 1923/1926) [iii] a de Vargas, decorrente da revolução de 1930 contra os costumes da república velha [iv] a dos militares, decorrente do golpe de 1964 contra o governo Goulart e a república sindicalista suspeitada. Mesmo nos períodos formalmente democráticos, indelével a presença dos militares na história republicana brasileira. A sombra da baioneta que se percebia no movimento paulista de 2013, aumentou no segundo governo Rousseff e culminou no golpe civil de 2016. A presença militar, ainda que pouco ostensiva, verificou-se também no processo judicial que condenou o líder popular. Em consequência, ele foi preso e privado do direito de concorrer ao cargo de presidente da república.
A presença do estamento militar ficou mais ostensiva para impedir a libertação do líder popular. A fraude processual, a prisão abusiva, a violência contra os direitos fundamentais declarados na Constituição da República, nada disso importa aos comandantes militares. Importa-lhes manter políticos da esquerda fora de combate e assegurar o domínio da direita em parceria com o governo dos EUA. Os militares desta geração não têm o mesmo apego e respeito ao “livrinho” (Constituição da República de 1946) como tinha o general Eurico Gaspar Dutra. Os oficiais superiores de 1964 mandaram às favas os escrúpulos do general Dutra e jogaram o “livrinho” no lixo. O mesmo fazem os oficiais de 2018 com a Constituição da República de 1988.
Aliás, não só os militares, também os civis, a começar por ministros do supremo tribunal, mandaram os escrúpulos às favas e jogaram a Constituição na cesta de papéis usados. Trouxeram à luz a espécie oculta: o invertebrado moral. A violação mais recente coloca nas trevas o espírito natalino. O presidente do supremo tribunal mostrou pavor ante a proximidade da baioneta. Bacharel em Direito, esse presidente foi por duas vezes reprovado em concurso de provas e títulos para juiz de direito do Estado de São Paulo. Há dúvida se conseguiria ser aprovado em concurso para escrivão de polícia. Advogado do Partido dos Trabalhadores (PT), ele foi nomeado pelo presidente de honra do partido, sucessivamente, para os cargos de Advogado-Geral da União e Ministro do Supremo Tribunal Federal. Deficiente intelectual, entrou pela janela nos referidos cargos graças à injunção política. Livrou-se de prestar concurso. No exercício do cargo, exibiu indigência cultural, erros de concordância ao falar, conceitos equivocados, despreparo para exercer a judicatura na mais alta corte de justiça do país.
Do atual presidente do supremo tribunal não se exigia favorecer, por gratidão, políticos do PT. O seu dever é guiar-se pelo direito, com imparcialidade, no espírito de justiça, como faz um bom juiz. Para mostrar imparcialidade não é necessário prejudicar o PT ou político filiado a esse partido, negando-lhes direitos fundamentais e agindo com sordidez. Opaco ao espírito de Natal, esse presidente revogou decisão proferida por seu colega de tribunal que poderia beneficiar o seu benfeitor. Provocado pela Procuradora-Geral da República no recesso, mais decente e em sintonia com o decoro judicial seria ele obedecer ao comando do direito processual e se declarar incompetente, suspeito ou impedido para apreciar a questão. Preferiu o caminho imoral e antijurídico. Nem a Constituição, nem o Regimento Interno, atribuem poderes ao presidente do tribunal para revogar decisão de outro ministro proferida em ação de controle abstrato de constitucionalidade. No recesso do tribunal cabe ao presidente apreciar pedido de medida cautelar. Entretanto, esse pedido já tinha sido atendido pelo relator da ação judicial. A revisão, pois, cabe ao tribunal em sessão plenária e não a outro ministro isolado. Inexiste hierarquia entre os ministros do tribunal. O presidente togado pretendeu alegrar o Natal do comandante fardado. O presente natalino consistiu em manter na prisão um cidadão septuagenário, estadista reconhecido internacionalmente, vítima de perseguição política no Brasil.

sábado, 15 de dezembro de 2018

SEM NOVIDADE NO FRONT

A militarização do governo brasileiro que terá início em janeiro de 2019 já era esperada depois da vitória do candidato do PSL. Desde 1889, os militares se consideram supremos zeladores da república brasileira. O candidato vencedor no pleito presidencial de 2018 sempre esteve ao lado da tropa e nunca abdicou da sua condição de militar reformado. Publicamente, ele (i) elogiou um torturador oficial do exército já falecido (ii) censurou a ditadura militar por não haver matado mais pessoas (iii) referiu-se ao estupro como aceitável conforme a aparência da mulher (iv) discriminou a mulher e o homossexual (v) postou-se como inimigo da esquerda nacional e dos governos de esquerda dos outros países (vi) portou-se com a volúpia messiânica do líder nazista (vii) mostrou-se bajulador e imitador do medíocre e estouvado presidente da Casa Grande do Norte.
Desde a década de 1940, o governo dos EUA, vitorioso na guerra mundial, potência hegemônica no Ocidente, considera-se tutor dos países latino-americanos. A presença de oficiais generais no governo brasileiro garante a continuação dessa tutela. As forças armadas brasileiras são submissas ao sistema de segurança daquele país.
O candidato eleito escolheu um general para vice-presidente e uma dezena de oficiais generais, alguns da ativa, outros reformados, para seu ministério. Certamente, nos demais escalões da administração pública haverá mais militares nomeados. Cerca de 90 milhões de eleitores nele não votaram. Esse número corresponde à população do Brasil em 1970. Ele obteve 57 milhões de votos. O candidato vencido obteve 47 milhões de votos. Os eleitores que se omitiram somam 42 milhões. Esses números indicam que [i] 39% do eleitorado brasileiro filia-se à direita (moderada + extremada) [ii] 32% do eleitorado filia-se à esquerda (moderada + extremada) [iii] 29% do eleitorado compõe-se de moderados omissos da direita e da esquerda (desiludidos, apáticos, revoltados). Possivelmente, haverá nomes de eleitores falecidos que ainda constam do registro eleitoral.
O candidato vencedor seguiu a trilha aberta por Fernando Collor: (i) fundou um partido para ele próprio a fim de realizar seus propósitos com independência dos demais partidos (ii) investiu no descontentamento de parcela da população com os desmandos dos governos que o antecederam (iii) alicerçou seu discurso na restauração da moralidade e no combate à corrupção (iv) usou a sua formação militar como garantia de um governo honrado e honesto.
As práticas ilícitas desse cidadão quando parlamentar e quando candidato à presidência da república, noticiadas na imprensa e na rede de computadores, inclusive no que tange às verbas de gabinete e à utilização de informações falsas a seu favor e contra os seus adversários, comprometem os requisitos de honradez e honestidade. A farda, tampouco, garante esses requisitos. Basta lembrar do período autocrático militar, as construções de Itaipu, Transamazônica, Ponte Rio-Niterói e das famosas comissões de Delfim Neto & Cia. No que concerne à roubalheira, a diferença entre o governo civil e o governo militar é apenas quantitativa: no civil, a ladroagem foi bem maior do que no militar. No que concerne ao patrimônio econômico e estratégico da nação, o governo da direita, tanto o civil como o militar, caracteriza-se pelo entreguismo; o governo da esquerda, pelo nacionalismo.  
A presença de oficiais generais garante a eficiência do governo. Os militares são organizados e práticos. Ainda quando fora do quartel, na administração pública, levam a sério a espinha dorsal da tropa: hierarquia e disciplina. Além disto, eles estão sempre atualizados com os problemas brasileiros e com os principais assuntos internacionais. Eles são adeptos da doutrina da segurança nacional elaborada na escola estadunidense. Serão respeitados pela população na medida em que não coonestarem a usual e costumeira ladroagem no governo federal e respeitarem as liberdades públicas.
O general vice-presidente assumirá interinamente a presidência da república durante o afastamento do titular para tratamento de saúde. Na hipótese de impedimento total, ou de incapacidade definitiva do titular, o general governará o país até 2022 e poderá ser reeleito para o quadriênio seguinte. 
A parcela do corpo eleitoral que escolheu o candidato do PSL ansiava pelo retorno dos militares sob o novo ambiente constitucional. Essa parcela materializou a profecia do general Figueiredo: “vocês ainda sentirão saudade do governo militar”. A ascensão dos militares sob tal ambiente só foi possível com o golpe civil de 2016 e a segregação do líder popular mediante processo judicial fraudulento. Esse líder teria vencido as eleições presidenciais de 2018 caso não fosse impedido de concorrer.

sábado, 8 de dezembro de 2018

PILANTRAGEM DIVINA

Nos dias atuais, nota-se a manifestação de uma rivalidade atávica entre protestantes e católicos. A Igreja de Roma enriqueceu explorando os fiéis e se aliando à nobreza. Entre outras picaretagens, vendia indulgências e fazia promessa de moradia no céu aos fiéis contribuintes. No século XVI (1501-1600), Martinho Lutero, monge agostiniano, rebelou-se contra a corrupção e a devassidão que assolavam a Igreja. Pretendia reforma-la. Foi excomungado pelo Papa e processado pelo Imperador. A rebeldia do monge alemão em prol da liberdade religiosa e da moralidade no âmbito clerical deu origem ao protestantismo, que se ramificou em seitas contrárias ao catolicismo.
No mesmo século XVI, João Calvino, filósofo francês, aderiu ao movimento rebelde, embora com alguma divergência em relação a Lutero. O seu propósito não era reformar a Igreja de Roma e sim dela se afastar e fundar uma nova igreja. Com ênfase no judaísmo do Antigo Testamento [coleção de livros da Bíblia anterior aos evangelhos cristãos] Calvino, em oposição ao voto cristão de pobreza, afirmou ser a riqueza bênção divina e defendeu a tese da predestinação segundo a qual o reino de deus é dos predestinados, independente das obras e da fé de cada pessoa. Essa válvula do materialismo nas seitas protestantes acabou por colocar o interesse pelo dinheiro acima das aspirações espirituais. Em nome de deus, justificam-se as pilhagens, os genocídios, as guerras, o domínio de uma nação sobre outra, a pobreza da maioria e a riqueza da minoria predestinada.   
A partir do século XIX (1801-1900) o capitalismo adquiriu aura de santidade, acentuada no mundo moderno, lastreada no puritanismo protestante. Conquistar o poder econômico faz do indivíduo um herói, um ente especial digno de admiração e de louvor. Essa proeminência da religião na economia foi observada e estudada pelo sociólogo Max Weber no início do século XX (1901-2000). O cientista germânico notou que o protestantismo serviu de base moral ao capitalismo. Entretanto, a partir da segunda metade do século XX (1951-2000) corroído pela desmedida ambição dos donos do capital, esse puritanismo degenerou, converteu-se num coletivo exercício de hipocrisia. O valor econômico ofuscou o político, o social, o moral e o espiritual.
Os líderes evangélicos (bispos, pastores, missionários, diáconos) das chamadas igrejas pentecostais são apegados ao dinheiro e aos truques para explorar os crentes. Esses administradores de empresas pseudorreligiosas equiparam-se aos sacerdotes católicos da época medieval contra os quais se insurgiu Lutero. Leitores da Bíblia com vocação empresarial, fundam igrejas e enriquecem nesse mercado da fé. As espertezas de que se utilizam para colocar a mão no bolso do crente tipificam-nos como estelionatários da fé. Arrancam dos crentes dinheiro e bens materiais. Garantem aos doadores lugar privilegiado ao lado de deus. Convencem-nos de que ao fazerem doações à igreja atendem a vontade de deus. Afirmam ser a prece inócua se o crente não coloca a mão no bolso em benefício da igreja. Declaram ser o dízimo instituição divina, por isso mesmo, dever impostergável do crente. Induzem os crentes a neles votar para cargos públicos eletivos (vereador, deputado, senador, chefe de governo municipal, estadual ou federal).
Sem vergonha ou constrangimento, a malta de enganadores diz conhecer e ser portadora da palavra de deus, receber ordens e conselhos diretamente de deus, saber verdades a eles reveladas por deus, ter visões do mundo divino. Invocam o nome de Jesus, ícone da religião cristã, enquanto subliminarmente passam a ideia de que eles próprios são iguais a Jesus na comunicação direta com o Pai Celestial, além do que, comportam-se como profetas modernos. 
Se a polícia federal e o ministério público resolverem investigar, certamente não sobrará bispo, pastor, missionário, fora da cadeia. Pelo menos no Brasil, trata-se de uma corja de pilantras que usa a liberdade religiosa e o nome de Jesus como escudo para explorar a boa fé e o temor a deus dos crentes. Acontece que nas instituições estatais há líderes e fiéis protestantes que se recusarão a investigar ou apoiar qualquer investigação. Bem ao contrário, tentarão impedir. Em que pese a república brasileira ser laica, grande é a influência religiosa cristã e judia no âmbito dos três poderes. O estado é laico, mas o povo é religioso. Os fiéis das igrejas pentecostais, principalmente os fanáticos, são presas fáceis dos espertalhões. 
O candidato à presidência da república eleito em 2018 é aliado aos líderes das seitas pentecostais, em especial da “Assembleia de Deus” onde recebeu o batismo depois de ter sido católico e batista. Provavelmente, nos próximos quatro anos, o Brasil será comandado pelo protestantismo em sintonia com os ricos protestantes estadunidenses. O Brasil não será mais o maior país católico do mundo. O capitalismo protestante do tipo calvinista dominará a economia brasileira. O Brasil continuará: (i) a ser apêndice do governo dos EUA (ii) a ter governantes e governados vira-latas (iii) a conviver com oligarquia de fato numa democracia de direito. Independência? Só no papel. Soberania? Só a dos oligarcas sobre a massa popular.

sábado, 1 de dezembro de 2018

INDULTO III

O Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão do dia 29/11/2018, julgou constitucional o decreto do presidente da república que concedeu indulto natalino a inúmeros presos no final do ano de 2017. No julgamento, seis ministros votaram a favor do decreto: Alexandre Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso Mello. Dois ministros ficaram vencidos: (i) Roberto Barroso, relator que votou pela redução do número de beneficiados (ii) Edson Fachin, que o acompanhou. Faltam os votos de três ministros: Luiz Fux, Carmen Lúcia e Dias Toffoli (presidente do tribunal).
Segundo a ordem de votação prevista no regimento interno do tribunal, primeiro votam os juízes mais novos e depois os mais antigos até chegar ao decano. Cuida-se da ordem inversa da antiguidade. O juiz que preside o tribunal vota por último, independente da antiguidade; dele, é o Voto de Minerva. Quando chegou a vez de votar, o ministro Fux pediu vista do processo. Ele e Barroso formam a dupla Cosme e Damião do STF. Provavelmente, ele acompanhará o voto do Barroso (relator). O mesmo fará Carmen Lúcia, que presidia o tribunal no início do processo e fez a lambança que retardou a liberdade dos presos contemplados com o indulto (decisão monocrática suspendendo os efeitos do decreto presidencial). 
Em consequência do pedido de vista, o julgamento foi suspenso. Fux tem o prazo de duas sessões para devolver os autos na forma regimental. Os ministros não costumam submeter-se a prazos. Às vezes, eles demoram anos “vendo” os processos nas gavetas.
No caso em tela, se houvesse meia dúzia de judeus presos aguardando a execução do decreto de indulto, certamente Fux não teria pedido vista. Ele votaria na própria sessão tal como os seus colegas. Da atitude desse ministro depreende-se que a liberdade de quem não é judeu é menos valiosa. Os beneficiários do indulto podem amargar a prisão por mais alguns meses ou anos. Estamos no final de 2018 e o benefício de 2017 ainda não foi recebido graças ao procedimento inquisitorial e politiqueiro de procuradores, juízes federais e ministros do STF. A suspensão do decreto pedida pela Procuradora-Geral da República e concedida liminarmente pela Presidente do STF, significou um castigo a mais aos presos. O decreto havia dado a eles o direito à liberdade com base em preceito constitucional. Apesar disto, foram mantidos no cárcere ilegalmente.       
O placar de 6 x 2 já definiu a posição do tribunal sobre a validade do decreto. Isto mais se acentua quando os ministros mais antigos votaram sem esperar o voto do ministro mais novo. Eles não se deixaram embromar pelo malicioso e protelatório pedido de vista [de cujo direito juízes têm usado e abusado] nem prestigiaram as idiossincrasias e a politicagem da minoria. A maioria dos juízes da suprema corte também não se deixou enganar pelas falácias acusatórias dos procuradores e pelas manobras cerebrinas dos inquisidores sulinos. 
Provavelmente, alguma defensoria pública ou algum advogado pedirá a imediata liberdade dos presos com base nas garantias constitucionais, sustentando que a decisão da maioria do tribunal deve ser respeitada e executada sem delongas, ainda que o acórdão não tenha sido lavrado. Basta a ata da sessão que registrou a decisão da maioria. Depois que a maioria dos juízes do STF admitiu a constitucionalidade do decreto presidencial do indulto natalino, ficou insustentável ante o direito, a lógica e o bom senso, manter a decisão cautelar provisória que impediu a liberdade dos presos beneficiados com o indulto. Ao lado da igualdade, a liberdade é um dos pilares da democracia cuja preservação cabe aos cidadãos, inclusive juízes.