quinta-feira, 31 de março de 2011

RELIGIÃO

ANTIGO TESTAMENTO - X.

Isaías – terceira parte (capítulos 56/66).

A terceira e última parte do livro de Isaías contém profecias relativas ao exílio dos judeus e à restauração. Entre os judeus havia facções que se rivalizavam. O Senhor exige do povo respeito ao direito e que se pratique justiça; acolhe o estrangeiro e o eunuco que observarem os sábados e se afeiçoarem à aliança; condena a indignidade das autoridades, a idolatria e os costumes imorais do povo; consola os aflitos. Isaías critica o convencional jejum, distante dos princípios essenciais; diz que o jejum que o Senhor aprecia é romper as cadeias injustas, livrar os oprimidos, repartir o alimento com o esfaimado, abrigar os desabrigados, vestir os maltrapilhos; os pecados do povo são obstáculos à felicidade, barreira entre os homens e a divindade. Há, no livro, o oráculo de glorificação de Jerusalém. Isaías se diz portador da boa nova aos humildes, com poderes para curar, anunciar aos cativos a redenção e a liberdade; que o Senhor fará germinar a justiça e a glória diante de todas as nações; exalta Sião; fala das ameaças e promessas do Senhor.

Malaquias.

Esse profeta foi precursor da reforma empreendida por Neemias. Fala do amor da divindade por seu povo, do pacto de vida e prosperidade, da violação da lei pelos sacerdotes, do desrespeito à santidade do matrimônio (casamentos com estrangeiros), da fraude no dízimo (sonegação aos cofres do clero). Malaquias fala em mensageiro que preparará o caminho do Senhor cuja presença purificará os filhos de Levi (tribo de sacerdotes). O Senhor virá para julgar mágicos, adúlteros, perjuros, os que retêm o salário do operário, os que oprimem a viúva e o órfão, os que maltratam o estrangeiro e os que afrontam e desafiam a divindade.

Comentário. Nota-se mudança no tratamento dado à divindade pelos profetas judeus a partir de Isaías e Miquéias. O nome Javé rareia; avulta o de Senhor, Senhor Deus, Senhor dos Exércitos. Verifica-se tendência a evoluir do deus nacional (hebreus) para o deus universal (humanidade), novo conceito que seria alcançado plenamente com a doutrina de Jesus. Quanto à profecia sobre o mensageiro que preparará a vinda do Senhor, há semelhança com a de Isaías; o preparo do terreno parece terraplanagem para pista de pouso de aeronaves.

Joel.

Este livro contém poema de Joel, profeta que nasceu e atuou em Jerusalém posteriormente ao exílio. Joel fala da devastação vegetal, da falta de alimento, apela para o jejum e para a penitência, promete fartura da terra por benção divina. Na segunda parte do livro, Joel fala do espírito divino, do julgamento das nações e da salvação definitiva.

Jonas.

Este livro conta a desventura do profeta Jonas. O Senhor lhe ordenara ir a Nínive e lá proferir oráculos, pois aquela cidade mergulhara na iniqüidade. Jonas desobedeceu e fugiu para Társis, cidade geograficamente oposta a Nínive. Durante a fuga, o mar ficou bravio e ameaçava a embarcação. Jonas confessou a sua culpa e foi jogado ao mar, engolido por um peixe muito grande em cuja barriga ficou por 3 dias. Jonas faz prece de arrependimento, foi vomitado pelo peixe e voltou à sua cidade para obedecer ao chamado divino. Vai a Nínive e profetiza a destruição da cidade. Sensibilizados, o rei e o povo da cidade jejuaram e se arrependeram dos pecados. O Senhor os perdoou. Isto irritou Jonas. Com a cidade salva, ele perderia credibilidade como profeta. O Senhor fala a Jonas, dando-lhe uma lição de tolerância e amor.

Jó.

Este livro trata essencialmente do sofrimento do personagem principal, que perde todos os seus filhos e todos os seus bens, fica doente, se acha injustiçado e atribui suas desgraças à vontade do Senhor. Jó passou por essas provações porque Satanás desafiara o Senhor, dizendo que Jó tinha boas qualidades porque era protegido pela divindade, mas tão logo retirada essa proteção, Jó amaldiçoaria o Senhor. Apesar das desgraças, Jó se mantém fiel ao Senhor, porém faz suas queixas. Os amigos o consolam. Ele responde com longos discursos; fala da origem da sabedoria: um véu a oculta de todos os viventes; a sabedoria vale mais do que as pérolas; não pode ser igualada ao topázio da Etiópia, nem equiparada ao mais puro ouro. Inconformado com o diálogo entre os mais velhos, o seu jovem amigo Eliu profere uma série de discursos recriminando Jó por se justificar: Deus está envolto numa majestade temível; não podemos atingir o todo-poderoso, eminente em força, em equidade e em justiça, não tem a dar contas a ninguém; que os homens, pois, o reverenciem; ele não olha aqueles que se julgam sábios. Segue-se a resposta: Então, do seio da tempestade, o Senhor deu a Jó esta resposta: Quem é aquele que obscurece assim a Providência com discursos sem inteligência?(...) Aquele que disputa com o todo-poderoso apresente suas críticas! Aquele que discute com Deus responda! O livro se encerra com uma admoestação do Senhor aos amigos de Jô, porque não souberam aconselhar e não falaram bem do Senhor. Jó é abençoado, recupera sua riqueza, tem 7 filhos e 3 filhas e vive mais 140 anos depois da benção.

Sabedoria.

Livro provavelmente dos anos 200 ou 100, a.C., dividido em 3 partes, além da introdução. O autor conclama as pessoas a amar a justiça, a ter sentimentos perfeitos com o Senhor e a procurá-lo na simplicidade do coração. Na primeira parte, trata da mentalidade e da diferente sorte dos ímpios e dos justos. Na segunda parte, fala como se fora o rei Salomão; a todos exorta a busca da sabedoria; expõe a doutrina e a oração de Salomão para obter a sabedoria. Na terceira parte, descreve o papel da sabedoria na história da humanidade, em geral, e na dos hebreus, em particular. Trata especialmente do Êxodo, da travessia do Mar Vermelho, da idolatria e da justiça divina: cada indivíduo recebe de Deus o que merece.

Provérbios.

Este livro é uma coletânea dos provérbios atribuídos ao rei Salomão e tem como fulcro o amor à sabedoria. Diz que o temor do Senhor é o princípio da sabedoria. Os insensatos desprezam a sabedoria e a instrução. Exortações do sábio: (i) fugir da companhia dos maus; (ii) utilidade da sabedoria (origem divina da sabedoria, da ciência e da prudência); (iii) prática da sabedoria; (iv) sabedoria e caridade (a glória será o prêmio do sábio; a ignomínia será a herança dos insensatos); (v) vantagens da sabedoria (examina o caminho onde colocas os pés; se na retidão, não te desvies nem para a direita nem para a esquerda e retira teu pé do mal); (vi) fugir da mulher leviana (por que hás de te enamorar de uma alheia e abraçar o seio de uma estranha?). Coisas que o Senhor abomina: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, coração que maquina projetos perversos, pés pressurosos de correr ao mal, falso testemunho que profere mentiras e quem semeia discórdia entre irmãos. Banquete da sabedoria e da loucura: se tu és sábio, é para o teu bem que o és, mas se tu és mofador, só tu sofrerás as conseqüências; a senhora loucura é irrequieta, uma tola que nada sabe. Na segunda parte do livro arrolam-se vários provérbios também atribuídos a Salomão. Na terceira e quarta partes, palavras dos sábios e coleção de provérbios cuja autoria é desconhecida. Na quinta parte, mais provérbios de Salomão. Seguem-se palavras de autores conhecidos e as máximas numéricas. O livro se encerra com um poema sobre a mulher virtuosa: a graça é falaz e a beleza é vã; a mulher inteligente é a que se deve louvar.

Cântico dos Cânticos.

A autoria deste livro é atribuída a Salomão, embora ele aí conste como homenageado. Poemas selecionados; nata dos cânticos. O tema é o amor entre o homem e a mulher. Eis algumas passagens do livro: “Ah! Beija-me com os beijos da tua boca! Porque os teus amores são mais deliciosos que o vinho”. “Tuas carícias nos inebriarão mais que o vinho”. “A égua dos carros do Faraó eu te comparo, ó minha amiga; tuas faces são graciosas entre os brincos e o teu pescoço entre os colares de pérolas.” “Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, pelas gazelas e corças dos campos, que não desperteis nem perturbeis o amor antes que ele o queira”. “Levanta-te, minha amiga, vem, formosa minha, eis que o inverno passou, cessaram e desapareceram as chuvas. Apareceram as flores na nossa terra, voltou o tempo das canções. Em nossas terras já se ouve a voz da rola.” “Tu és bela, minha querida, tu és formosa! Por detrás do teu véu os teus olhos são como pombas, teus cabelos são como um rebanho de cabras descendo impetuosas pela montanha de Galaad”. “O meu bem amado desceu ao seu jardim, aos canteiros perfumados, para apascentar em meu jardim e colher lírios”. “Desvia de mim os teus olhos, porque eles me fascinam”. “Como são graciosos os teus pés nas tuas sandálias, filha de príncipe! A curva de teus quadris assemelha-se a um colar, obra de mãos de artista, teu umbigo é uma taça redonda, cheia de vinho perfumado.” “Como és bela e graciosa, ó meu amor, ó minhas delícias.” “Eu sou para o meu amado o objeto de seus desejos”.

Comentário. Em alguns versos há erotismo. Intérpretes religiosos tentam amenizar a sensualidade dos poemas, qualificando-os de parábola sobre o amor entre a divindade e os crentes, ou entre Deus e a Igreja, na célebre imagem do noivado. Interpretação tendenciosa para mudar o humano em divino. Trata-se de obra poética, simplesmente, e nada mais.

terça-feira, 29 de março de 2011

RELIGIÃO

ANTIGO TESTAMENTO - IX.

Esdras e Neemias.

Estes dois livros compõem uma unidade. Cuidam do mesmo período histórico: o retorno à Judéia, por consentimento de Ciro, rei da Pérsia, dos judeus deportados (538 a 400 a.C.). Ao retornarem do exílio, os judeus formaram uma pequena comunidade religiosa em Jerusalém, sem autonomia política. Esdras, nascido na Babilônia, escriba, sacerdote, era considerado o fiscal e depositário da lei. Governou Jerusalém até a chegada de Neemias. Restabeleceu o império da lei mosaica, regulamentou o culto à divindade, incentivou a prática religiosa, vedou o casamento de judeus com pessoas de outra religião, revitalizou a aliança com o deus Javé. A classe sacerdotal adquiriu poder crescente. O culto exterior e a rigorosa obediência à lei religiosa tomaram vulto e geraram um formalismo exacerbado. Os fariseus prendiam-se a esse formalismo; tinham-se na conta de homens justos e santos porque cumpriam os ritos e seguiam a letra da lei. Além de textos de arquivos e outros documentos, estes livros contêm recordações pessoais, orações e a narrativa da reconstrução do templo.

O livro de Esdras começa recapitulando o regresso dos judeus à Judéia, graças ao edito de Ciro, prossegue com a lista dos repatriados, servos e animais, a reunião do povo judeu em Jerusalém para a reconstrução do templo e a reorganização do culto. Narra a chegada de Esdras a Jerusalém e transcreve a carta do rei persa Artaxerxes: (i) autorizando Esdras a inspecionar Judá e Jerusalém e verificar se estavam sendo bem cumpridas as obrigações para com a divindade; (ii) isentando de tributos e encargos os sacerdotes, levitas, cantores, porteiros e servos da Casa do Senhor; (iii) concedendo poderes a Esdras para nomear juízes e magistrados. O livro narra a viagem de Esdras e a reforma que ele implantou obrigando os judeus a se separarem das suas esposas estrangeiras e filhos.

O livro de Neemias também tem outro título: Esdras II. Neemias apresenta-se como copeiro do rei da Pérsia, Artaxerxes, de quem obteve autorização, salvo-conduto e escolta para retornar a Jerusalém e reconstruir a cidade. Relata os lances da reconstrução das muralhas e das portas da cidade e o recenseamento: 42.360 pessoas, 7.337 servos, 245 cantores e cantoras, 736 cavalos, 245 burros, 435 camelos, 6.720 jumentos. Menciona, ainda, a leitura da lei em praça pública trazida pelo sacerdote e escriba Esdras; a oração dos levitas; a lista dos sacerdotes e dos levitas; as reformas religiosas.

Comentários. As escrituras do AT foram postas na forma em que hoje as conhecemos por Esdras, enquanto ele ainda morava na Babilônia. Esdras é referido, no livro que leva o seu nome, como o escriba e sacerdote que liderou um grupo de judeus saído da Babilônia com destino a Jerusalém. Thomas Hobbes, filósofo inglês, no seu livro Leviatã, escrito em 1651, disserta sobre o Estado Cristão e transcreve o capítulo 14 do livro de Esdras. A intenção de Hobbes ao escrever o citado livro era a de chamar a atenção dos governantes ingleses e estrangeiros para as suas teses, com o cuidado de não ofender a religião cristã, da qual era seguidor. Confessa-se obediente à Igreja da Inglaterra. Aceita os cânones selecionados.

A Bíblia em que Hobbes se baseou continha o livro de Esdras II com o capítulo 14, versículos 21 e seguintes e versículo 45, que ele assim transcreveu: palavra do próprio Esdras ao dirigir-se a Deus: Tua lei foi queimada, portanto, ninguém conhece as coisas que fizeste, nem as obras que estão para começar. Mas, se encontre graça perante ti, envia o Espírito Santo até mim e escreverei tudo que foi feito no mundo, desde o início, todas as coisas que foram escritas na lei, para que os homens possam encontrar teu caminho e para que possam viver aqueles que irão viver nos dias mais longínquos (...) e veio a acontecer que depois de cumpridos os 40 dias, o Altíssimo falou e disse: o primeiro que escreveste publica-o abertamente para que os dignos e os indignos possam lê-lo, mas guarda os últimos 70 para que possas entregá-los apenas a aqueles de entre o povo que sejam sábios.

Tais capítulo e versículos não se encontram nas atuais bíblias católica e protestante. Sumiram. Os versículos transcritos por Hobbes combinam com o que se conhece da história: o incêndio e a destruição de Jerusalém, incluindo o templo, o que significa queima dos papiros lá existentes. Provavelmente, Esdras se baseou na tradição oral para refazer as escrituras. Segundo o dicionário prático da luxuosa bíblia editada pela Barsa (1967), a tradição fala de Esdras como restaurador dos livros sagrados, sendo que livros escritos após a sua época também foram admitidos como canônicos. Ao concluir o seu trabalho, Esdras reuniu o povo judeu em Jerusalém e procedeu à leitura. Durante horas, desde manhã, leitores se revezavam e o público ouvia (certamente, pouco assimilando depois da primeira hora). Esdras apresentou o longo texto como sendo a lei divina para o povo de Israel. Os demais povos do planeta estavam excluídos.

Esdras recebeu tratamento cerimonioso na carta do rei Artaxerxes, o que soa falso, pois esse tratamento era reservado à diplomacia, de soberano a soberano. Provavelmente, o escritor bíblico deu uma ajuda na redação para valorizar o personagem. Além disto, judeus prestavam serviços na corte persa e com algumas moedas podiam contar com a colaboração do escriba real: Artaxerxes, rei dos reis, a Esdras, sacerdote doutor eruditíssimo na lei de Deus do céu, saúde. Há dúvida se o título de doutor era usado naquela época. O rei e seu povo tinham religião própria e de antiga origem, que incluía a vinda de um messias, a ressurreição dos mortos, o juízo final, o paraíso aos eleitos. Essa doutrina se espalhou pela Ásia ocidental e influiu na religião de outros povos, inclusive dos hebreus. Essa religião espiritual e ética, fundada por Zaratustra, entranhava-se na cultura persa. Duas divindades regiam o universo: Ahura-Mazda, deus da luz, da verdade e da retidão; Ahriman, deus traidor, maligno, que presidia o reino das trevas. Aquele prólogo da carta de Artaxerxes não se ajusta à tradição persa, principalmente no que se refere ao “deus do céu”. O poderoso rei persa não se curvaria à lei de Moisés nem ao deus dos hebreus.

Esdras devia fiscalizar e controlar a Judéia e Jerusalém segundo a lei do teu Deus que está na tua mão, diz a carta. Em momento algum o rei se referiu ao deus Javé como do seu culto. Certamente, ouviu a leitura e subscreveu a carta para atender a súplica do seu copeiro, o judeu Neemias, mais tarde nomeado governador da Judéia, região minúscula, decaída, população pequena, sem qualquer importância social, política ou econômica para a Pérsia e para o mundo antigo. O território da Palestina, pelo qual tanto brigam israelenses e árabes, não é maior do que o território do Estado de Alagoas (Brasil). A Judéia ocupava uma terça parte desse território e a sua população pode ser comparada, em números, à população do município de Itatiaia – RJ. Daí, que os pomposos termos da carta beiravam ao ridículo, desproporcionais à insignificância da terra e do povo judeu naquela quadra da história.

A denúncia de fraudes praticadas por sacerdotes e doutores nas “sagradas” escrituras é bem antiga. Os III e IV livros de Esdras, além de outros, foram extirpados da Bíblia. O mesmo ocorreu com o NT, quando alguns livros (Judas Tadeu, Tomé, Felipe, Madalena) foram expurgados pelos doutores da Igreja para garantir a versão mais conveniente aos interesses do clero. A crença sobrepõe-se à verdade histórica. As seleções e interpolações feitas nas escrituras desde o século IV (301/400) não eram de conhecimento público. Difundia-se a versão que interessava ao comando religioso. Os textos que discrepavam dessa versão eram afastados como apócrifos ou profanos. Disto resulta a cláusula de reserva aos sacerdotes e doutores da igreja no que tange ao conhecimento e interpretação das escrituras. Sob o pretexto de bem zelar pela vida espiritual dos devotos, a classe sacerdotal, na verdade, está a zelar pela manutenção do seu poder e da sua riqueza. A tutela da igreja sobre o povo ficou abalada a partir do iluminismo, da liberdade de pensamento e crença (século XVII). No mundo atual, o conhecimento se torna acessível ao público, graças aos meios de comunicação, divulgação e vulgarização, tais como: imprensa, telégrafo, telefone, rádio, televisão, fac-símile, rede mundial de computadores; graças, também, à multiplicação dos centros de formação (escolas, institutos, universidades) e do intercâmbio por osmose decorrente do convívio social.

Ageu.

Este livro foi redigido por algum discípulo do profeta Ageu. O ministério desse profeta aconteceu em Jerusalém, à época da reconstrução do templo (520 a.C.). Compõe-se de quatro oráculos. No primeiro, o profeta censura os judeus que moram em vivendas confortáveis enquanto o templo está em ruínas. O governador de Judá (Zorobabel) e o Sumo Sacerdote (Josué) ficaram sensibilizados com o oráculo, reuniram o povo e se puseram a trabalhar na construção da Casa do Senhor. O segundo oráculo incentiva essas autoridades e o povo a continuarem a obra e lhes promete esplendor e paz. No terceiro oráculo o deus Javé promete derramar bênçãos após o lançamento das pedras de fundação do templo. O quarto oráculo é sobre a eleição divina de Zorobabel precedida dessa promessa de Javé: Abalarei o céu e a terra, derrubarei o trono de todos os reis e aniquilarei o poder das nações, destruirei os carros e suas equipagens; cavalos e cavaleiros cairão e matar-se-ão a golpes de espada.

Zacarias.

Este profeta é contemporâneo de Ageu. Recebe os oráculos de um Anjo do Senhor. Exorta o povo a reconstruir o templo e prega uma reforma moral. Trata Zorobabel como o eleito do Senhor, o gérmen messiânico. Descreve o reino do messias, cheio de paz, a ruína dos inimigos de Judá e a conversão das nações. Fala das suas visões, incluindo a libertação de Sião e o retorno de Jerusalém como residência da divindade. Na segunda parte do livro há previsões airosas para os judeus e oráculo sobre o pastor e a libertação de Jerusalém.

Baruc.

O personagem principal, profeta judeu Baruc, é homônimo do secretário (Baruc) do profeta Jeremias. O livro foi escrito e lido para os judeus que permaneciam na Babilônia, sob o governo de Nabucodonosor II. Os ouvintes se comoveram com o precário estado de Jerusalém, juntaram dinheiro de acordo com as posses de cada um, e enviaram a ajuda ao sacerdote que pontificava na Judéia. O livro cita os pecados do povo desde que deixou o Egito e contém súplicas ao Senhor. Refere-se à sabedoria, de origem divina, como a única via que conduz à salvação. Há uma série de pronunciamentos do profeta com o objetivo de consolar os judeus. Conclui afirmando que é o próprio deus que conduz Israel, pleno de júbilo no esplendor de sua majestade, pela sua justiça e misericórdia.

domingo, 27 de março de 2011

RELIGIÃO

ANTIGO TESTAMENTO - VIII.

Isaías – segunda parte (capítulos 40/55).

Esta segunda parte do livro de Isaías também é conhecida como livro da consolação e provavelmente foi escrita por outra pessoa. Refere-se ao exílio dos judeus e ao regresso desse povo a Jerusalém, o que ocorreu em época posterior à morte de Isaías. Aliás, salvo alguma exceção (salmos, cânticos) os livros bíblicos, principalmente os históricos, não foram escritos por seus principais personagens. Nesta segunda parte do livro ora resumido, a mensagem é de esperança a um futuro melhor. Nela se vê poemas e referência constante a um Servo do Senhor, que não se sabe quem seja. Impressiona a semelhança com Jesus, em especial, os tormentos sofridos, o martírio e a morte entre facínoras, a resignação (não abriu a boca, como um cordeiro que se conduz ao matadouro). Há oráculos contra outros povos (assírios, caldeus, egípcios, filisteus) causadores de tribulações aos hebreus, porém, vistos como instrumentos da vontade divina. Os padecimentos do povo hebreu eram considerados castigos divinos pela desobediência, infidelidade, corrupção e demais violações das leis de Deus. As nações que dominassem o povo hebreu seriam dominadas por outras nações mais poderosas até que o messias aparecesse e a todas destruísse. O profeta anuncia a chegada da divindade: abri no deserto um caminho para o Senhor, traçai reta na estepe uma pista para nosso deus, que todo vale seja aterrado, que toda montanha e colina sejam abaixadas, que os cimos sejam aplainados, que as escarpas sejam niveladas. Fala da glória da nova Jerusalém e faz orações.

Crônicas I e II.

Estes dois livros compunham, originariamente, uma só obra juntamente com os livros de Neemias e Esdras. Há indícios de que foram escritos pelo mesmo autor em época posterior aos fatos ali narrados. As Crônicas I e II recebem o nome de Paralipômenos. Essas obras são eminentemente religiosas. Procuram mostrar como a divindade serve-se dos reis, profetas e sacerdotes para realizar os seus desígnios. Nota-se o primado da crença religiosa e da fidelidade à aliança com Javé, em relação a todos os demais assuntos políticos, econômicos e sociais. Supõe-se que a época desses escritos foi a do retorno dos judeus à Jerusalém, depois de 70 anos de exílio na Babilônia. Na Palestina, eles não tinham autonomia política. A religião era o laço forte que mantinha unido aquele pequeno grupo de judeus. Acreditavam na intervenção direta da divindade nos negócios mundanos. Alimentavam a esperança na vinda de uma realeza espiritual como no tempo dos juízes em que o único rei das tribos era o deus Javé. Os livros contêm orações de Davi e de Salomão.

O primeiro livro começa com a genealogia dos hebreus, desde Adão até Jacó (Israel), continua com a descendência de Judá e informa que as genealogias estão consignadas no livro dos reis de Israel. Contém a história do reinado de Davi, incluindo as guerras, o recenseamento do povo, os preparativos para a construção do templo, a organização política e religiosa, a unção de Salomão e a morte de Davi. O segundo livro relata o reinado de Salomão, a sua súplica por sabedoria, a construção do templo e sua descrição, a aparição da divindade a Salomão, a visita da rainha de Sabá, a morte do rei, o cisma das 10 tribos, os reinados dos sucessores de Salomão, a reforma religiosa, a guerra entre os dois reinos (Judá x Israel), a guerra contra os sírios, a invasão dos sírios, a reorganização política e religiosa, a ruína de Jerusalém, a deportação dos judeus para a Babilônia e o edito de Ciro autorizando o retorno dos judeus a Jerusalém.

Comentário. A genealogia dos hebreus peca pela base: parte de Adão, pessoa que nunca existiu. Desconhece-se o ponto da evolução da vida na Terra em que surgem seres humanos no mundo animal. Certamente, pelos fósseis encontrados e estudados por paleontólogos, surgiram humanóides ao longo de milhões de anos em diferentes pontos do planeta até a estrutura humana atual. Calcula-se que o cérebro humano só atingiu o atual estágio há 50 mil anos. Falta amparo à crença na intervenção direta de Deus nos assuntos humanos. Da produção científica e do bom senso extrai-se a certeza de que não existe especial desígnio divino em relação ao planeta Terra e aos seres vivos que nele habitam. As estrelas se apagam e se transformam em buracos negros, sugando o que estiver nas imediações. O Sol é uma estrela e algum dia transformar-se-á em buraco negro, sugando os planetas próximos (Mercúrio, Vênus, Terra). Antes disto, a vida vegetal e animal se extinguirá em nosso planeta pelas baixas temperaturas geradas pela redução do calor solar. Isto se a vida já não estiver extinta pela própria loucura do ser humano: hecatombe nuclear, desastre ambiental. Outra probabilidade dentro de alguns milhares de anos: construção de novo habitat na Via Láctea ou em outras galáxias possibilitada pelo avanço científico e tecnológico; êxodo da humanidade em escala astronômica. Quanto mais tomamos consciência dos milhões de galáxias existentes no universo e de que o nosso minúsculo planeta situa-se em um pequeno sistema solar no cantinho de uma dessas galáxias, mais nos convencemos dessa dura verdade: as leis divinas atuam de modo inflexível, automático e impessoal, com lógica interna própria, sem a direta intervenção de um deus personalizado.

A inteligência divina comanda o universo mediante essas leis, desde as partículas no interior do átomo até o aparente caos no interior das galáxias. As ações e omissões dos seres humanos estão sujeitas a essas leis. A intervenção divina é tão somente um desejo, aspiração de quem se sente impotente diante da magnitude do universo, dos fenômenos da natureza e do mundo construído pelo homem (cultura e civilização); desejo e aspiração de quem pretende alcançar objetivos superiores às suas forças, indefeso ante as forças da natureza e as armadilhas dos seus semelhantes. Os apelos à ajuda divina facilitam a ilusão. O acesso a Deus se dá pela harmonização cósmica, possível a quem merece e se prepara com a mente arejada e o coração limpo. A resposta (iluminação espiritual) orienta o suplicante, mas não o substitui no agir. A palavra vem da fonte espiritual; a ação cabe ao indivíduo.

Deus não toma partido a favor ou contra; não dá vitória a um e derrota a outro; não veste armadura e capacete para pelejar no exército árabe ou no exército israelense. Os humanos são os únicos e exclusivos responsáveis por suas ações e omissões, por seu próprio karma positivo ou negativo, individual ou coletivo; são livres para praticar o bem e o mal e arcar com as conseqüências boas e más da conduta escolhida. Os humanos se consideram distintos e nobres em face dos demais seres vivos. Entretanto, nascem, crescem, reproduzem e morrem como todo ser vivo. Por ser racional e criar o seu próprio mundo (cultura) o humano imagina destino especial reservado por Deus. Doce ilusão. Não há certeza geral do que se passa na dimensão espiritual do universo. Há crenças, suposições, opiniões. O êxtase ilumina a mente, porém é experiência pessoal intransferível e incomunicável.

sexta-feira, 25 de março de 2011

RELIGIÃO

ANTIGO TESTAMENTO - VII.

Habacuc.

Este livro refere-se ao período da invasão dos caldeus (605 a.C.). Habacuc trata do problema do mal. A solução, segundo ele, está na intervenção divina que salvará o justo e punirá o malfeitor. Profetiza a extensão do conhecimento divino à Terra inteira. Nesse livro há o diálogo do profeta com a divindade e 5 maldições: (i) ai daquele que amontoa o bem alheio (ii) ai daquele que procura lucros criminosos para a sua casa (iii) ai daquele que constrói uma cidade a preço de sangue, que funda uma cidade na iniqüidade (iv) ai daquele que dá a beber aos outros misturando um veneno que os embriague, para ver a sua nudez (v) ai daquele que diz à madeira “desperta-te” e à pedra “levanta-te”, não se ouvirá mais do que silêncio; do que serve a imagem esculpida para que o escultor a faça? O ídolo fundido que só ensina mentiras, para que o artífice nele ponha a sua confiança, fabricando divindades mudas? Mas o Senhor reside em sua santa morada; silêncio diante dele, ó terra inteira. Uma oração do profeta encerra o livro.

Jeremias.

Este profeta nasceu na Judéia, de uma família sacerdotal (650 a.C.). Iniciou o seu ministério profético no reinado de Josias e sustentou a reforma religiosa após a descoberta do livro da lei. O povo queixava-se muito do deus Javé e voltava-se para outros deuses. O profeta combatia esses abusos, profetizava desgraças e aconselhava a não resistência aos caldeus e a fuga para o Egito, o que suscitou a ira do povo e dos poderosos que quase o mataram. Preso em uma cisterna, foi salvo por um escravo do rei. Profetizou a queda de Jerusalém. O ministério de Jeremias durou 40 anos. Este livro revela fatos sobre a sua pessoa. Há relatos das suas atividades, dos seus sentimentos, dos seus sofrimentos, suas lutas interiores. Interessante a interpelação que ele faz ao seu deus sobre a prosperidade dos maus. O profeta parece duvidar da justiça divina: vós sois sumamente justo, Senhor, para que eu entre em disputa convosco. Entretanto, em espírito de justiça, desejaria falar-vos; por que alcançam bom êxito os maus em tudo quanto empreendem? E por que razão os pérfidos vivem felizes? Vós os plantastes e eles criam raízes, crescem e frutificam.

O livro conta a vocação de Jeremias para o ministério profético quando ele conversa com a divindade. O livro contém os oráculos contra Judá e Israel; qualifica as duas nações de irmãs prostituídas; condena a idolatria e os crimes praticados; promessas de restauração da unidade do reino (Judá + Israel). Na porta do templo, Jeremias admoesta o povo como se fosse o Senhor: se reformardes vossos costumes e modos de proceder, se verdadeiramente praticardes a justiça; se não oprimirdes o estrangeiro, o órfão, a viúva; se não espalhardes neste lugar o sangue inocente e não correrdes, para vossa desgraça, atrás dos deuses alheios, então permitirei que permaneçais neste lugar, nesta terra que dei a vossos pais por todos os séculos. Os judeus não libertaram os escravos; desobedeceram as demais prescrições. Jeremias adverte: o Senhor os entregará em cativeiro ao rei da Babilônia. Por ordem do Senhor, o profeta ditou todos os oráculos a Baruc, que os escreveu a tinta em um rolo. Joaquim, rei de Judá, mandou buscar o rolo, leu-o, queimou-o e mandou prender Jeremias e Baruc. Os dois fizeram outro rolo e acrescentaram mais oráculos, inclusive sobre a morte do rei. Após a invasão estrangeira, muitos judeus escaparam da deportação e permaneceram na Judéia sob as ordens do governador nomeado por Nabucodonosor II. Alguns desses judeus assassinaram o governador, fugiram para o Egito e levaram Jeremias.

Lamentações.

Atribui-se a autoria deste livro a Jeremias. O livro se compõe de 5 elegias, pequenos poemas consagrados ao luto e à tristeza. Insere-se em período posterior à destruição de Jerusalém. Este livro era lido pelos judeus no dia do aniversário da citada destruição. Exortava os judeus a reconhecer os seus pecados e a renovar a confiança no seu deus; havia súplica a Javé para que voltassem os dias felizes.

Ezequiel.

Este livro situa-se no período da conquista de Jerusalém por Nabucodonosor II (599 a.C.). O rei, os poderosos e sete mil guerreiros judeus foram deportados para a Babilônia. Receberam autorização para se estabelecer onde lhes aprouvesse, cultivar a terra, comerciar e se organizar em comunidades. Tratava-se mais de exílio do que de cativeiro. Os judeus aderiram ao politeísmo dos caldeus e se entregaram à idolatria. O ministério profético de Ezequiel no seio dos exilados coincide com o de Jeremias entre os judeus que permaneceram em Jerusalém. Ezequiel anunciou a destruição de Jerusalém. Quando esta ocorreu (586 a.C.) houve nova deportação de judeus. Isto aumentou o número de exilados na Mesopotâmia. O livro atribui esse fato ao castigo divino, censurando a infidelidade e a corrupção do povo judeu e dos seus chefes. O profeta estabelece normas sobre a partilha da terra, pesos e medidas, oferendas e outras prescrições. Ezequiel profetiza a restauração de Israel e um futuro reino de justiça, sob o comando da divindade.

Ao narrar a sua vocação para o ministério profético, Ezequiel fala da aparição de Javé, glória divina, como uma silhueta humana em uma espécie de trono situado acima de uma abóbada que havia sobre as cabeças de 4 seres vivos com 4 faces e 4 asas cada um, todos aparentando forma humana, com rostos humanos, pernas direitas, pés semelhantes aos do touro e mãos humanas que saíam por debaixo das suas asas. O deus e os seres vivos chegaram à terra em uma espessa nuvem com um feixe de fogo resplandecente. Ao lado de cada um dos 4 seres vivos havia uma roda. As rodas pareciam construídas uma dentro da outra, seus aros eram de assombrosa altura, guarnecidos de olhos em toda circunferência. As rodas se locomoviam ou se elevavam sempre que os seres vivos se locomoviam e se elevavam para qualquer lado ou altura. O espírito que animava os seres vivos animava também as rodas. Nessa aparição, o Senhor Javé instrui Ezequiel a profetizar entre os judeus e o adverte sobre a testa dura e o coração insensível desse povo. O profeta parece descrever uma nave espacial.

Pela voz do profeta, o deus Javé qualifica o povo judeu de raça pertinaz, rebelde, indomável, teimosa e traiçoeira como escorpião. Para enfrentar esse povo, esse deus endurece as feições de Ezequiel e o faz engolir um rolo, doce como o mel, contendo cânticos de luto, queixumes e gemidos. Trata-se de uma visão de Ezequiel. Passados sete dias dessa visão, Ezequiel recebe a missão de Javé, que faz promessas, alerta contra os falsos profetas, refere-se à espada, à fome, às feras e à peste como os quatro funestos flagelos divinos. O profeta individualiza a responsabilidade dos homens ao declarar que os justos não merecem punição e que nenhum dos seus filhos e parentes escapará do castigo se pecar, se não observar as leis e prescrições divinas, se não agir com retidão. Pela voz de Ezequiel, Javé qualifica Samaria e Jerusalém de prostitutas. No livro há oráculos de Javé contra os amonitas (povo de Amon), os edomitas (povo de Edom), os filisteus (povo de Gaza); oráculos contra as cidades de Tiro e Sidon, contra o Egito e contra os pastores infiéis. Há referência a uma visão de ossos secos em uma planície que Javé, por intermédio de Ezequiel, une em esqueletos, cobre-os de carne e músculos, reveste-os de pele e lhes sopra espírito, dando-lhes vida. Javé diz que esses ossos representam toda a raça israelita que necessita reviver. Ezequiel descreve a visão que teve do futuro templo da nova Jerusalém.

Estér.

Xerxes (Ansuero é o seu apelido utilizado na Bíblia), rei da Pérsia e da Média, dominava partes da Ásia, África e Europa; seu governo ia da Índia à Etiópia. Após separar-se da rainha, Xerxes escolheu Estér para esposa, sem saber da sua origem judia. Às instâncias de um macedônio, seu conselheiro, o rei persa baixou edito de proscrição para exterminar os judeus. Estér salvou os judeus do extermínio graças à sua intervenção junto ao monarca. O edito foi revogado a pedido de Estér. O macedônio foi executado. Sentindo-se livres e apoiados pelo rei, os judeus mataram todos os seus inimigos em cada uma das 127 províncias do império persa. O escritor bíblico avalia em 75 mil as mortes de adultos e crianças, homens e mulheres.

Abdias.

Este é um oráculo de profeta desconhecido. Situa-se na época do exílio. Censura o povo de Edom por se alegrar com a desgraça de Jerusalém. Diz que Edom será julgado por Javé e receberá o merecido castigo. Profetiza a restauração de Israel e o triunfo da Casa de Jacó (Judá) e da Casa de José (Israel) sobre a Casa de Esaú (Edom).

quarta-feira, 23 de março de 2011

RELIGIÃO

ANTIGO TESTAMENTO - VI.

Tobias.

Os personagens centrais deste livro são: Tobit, seu filho Tobias e Sara que casou com Tobias. Pai e filho da tribo de Neftali, localizada na Galiléia, e ela da província da Média. Tobit foi removido para Nínive, juntamente com sua família, por ocasião da conquista de Israel pela Assíria. Em meio à idolatria dos israelitas que tinham aderido aos deuses dos caldeus, essa família se mantinha fiel ao deus Javé e viajava periodicamente a Jerusalém para cumprir os ritos do judaísmo. Tobit é descrito como homem bondoso e caridoso. Ele sepultava os israelitas que o rei assírio mandava matar. Isto desagradava ao monarca. Ante a expectativa de também ser morto, Tobit foge da Caldéia e só retorna após a morte do rei. Certo dia, quando repousava, caiu-lhe fezes quentes de andorinha nos olhos, cegando-o. Após a cegueira de Tobit, a esposa Ana passou a trabalhar como tecelã e trazia para casa o produto do seu trabalho. Certo dia, trouxe um cabrito. Tobit ficou cabreiro. Admoestada pelo marido (a lei mosaica proibia comer produto de roubo) Ana reagiu com indignação e palavras duras, o que mostra nível de igualdade entre marido e mulher na intimidade do lar hebreu.

Depois de aconselhar o filho, Tobit o incumbe de cobrar uma dívida na cidade de Ragés, na província da Média (empréstimo de 10 talentos de prata que Tobit fizera a Gabel). Para acompanhar Tobias na viagem, o deus Javé envia Rafael, um dos seus 7 anjos auxiliares. Do Rio Tigre salta um peixe grande. Tobias, instruído pelo anjo, segura o peixe e lhe retira o coração, o fel e o fígado. Ambos se hospedam na casa do pai de Sara. Tobias pede Sara em casamento. Sara sentia-se amaldiçoada porque tivera 7 maridos e os 7 morreram quando dela se aproximaram. Prece de Sara: (...) vós não vos comprazeis em nossa perda: após a tempestade, mandais a bonança, depois das lágrimas e dos gemidos, derramais a alegria. Para não morrer como os outros maridos de Sara, Tobias queima o fígado do peixe na primeira noite de núpcias; entra para a sociedade dos patriarcas na segunda noite; recebe a benção que lhe daria filhos saudáveis, na terceira noite; tem o primeiro relacionamento sexual com Sara na quarta noite, pensando mais na procriação do que no prazer, conforme recomendado pelo anjo Rafael. Desse modo, Tobias livrou-se dos demônios que matavam os maridos de Sara. Tobias cobra a dívida, retorna à casa paterna, coloca o fel do peixe nos olhos do pai curando-o da cegueira. As preces de Tobit e de Sara foram ouvidas. Com um cântico e com o testamento de Tobit, o livro termina.

Oséias.

Profeta do reino de Israel. O seu livro cobre o período seguinte à morte do rei Jeroboão II (746 a.C.) até a do sucessor (735 a.C.). Dirige a sua verve às infidelidades do povo de Israel em relação ao seu deus. Pela primeira vez, no ministério profético, é utilizada a imagem do noivado para se referir à união de Javé com o povo de Israel. Dessa imagem servem-se os profetas posteriores. Fala em castigos divinos (lugar comum nos discursos dos profetas hebreus) e do amor de Javé para com o povo eleito.

Amós.

Profeta do reino de Israel. Este livro contém as revelações recebidas por Amós no tempo de Ozias, rei de Judá e de Jeroboão II, rei de Israel. Tomando por referência Samaria e Sião, o profeta se insurge contra as injustiças sociais, contra a corrupção dos juízes, contra as desordens e a violência, contra a luxúria de homens e mulheres ricos. Ameaça o reino de Israel com castigos divinos e condena a idolatria do reino de Judá. Diz que Javé suscitou profetas e nazarenos dentre os descendentes de Jacó, mas o povo embriagou os nazarenos e proibiu aos profetas de profetizarem. A destruição viria sobre os hebreus e seus vizinhos. Exorta os povos de Israel e de Judá a buscarem os caminhos do senhor Javé. O livro expõe as visões de Amós. Em razão dos seus discursos pejorativos, Amós foi expulso de Israel e da corporação dos profetas. Amasias, sacerdote de Israel, mandou que Amós fosse profetizar e ganhar o seu pão em Judá.

Isaías – primeira parte (capítulos 1-39).

Profeta do reino de Judá. Isaías era filho do profeta Amós radicado em Judá depois de ter sido expulso de Israel. Isaías é considerado o maior profeta do povo judeu. Nasceu em 760 a.C. Exerceu o ministério profético por 50 anos. Morreu em 690 a.C. Assim como o pai, Isaías insurge-se contra a idolatria, as injustiças sociais, a frivolidade, a hipocrisia, os magistrados corruptos, os ricos e poderosos. Censura Jerusalém por seus pecados, anuncia a vinda do príncipe da paz (messias) e de tempos felizes. Essa parte do livro contém o episódio em que Isaías é chamado para o ministério profético e vê o Senhor sentado num trono muito elevado com as franjas do seu manto enchendo todo o templo e os serafins junto a ele. Há vários cânticos (da vitória, dos remidos, da vinha). Pela boca do profeta, o deus Javé se diz farto dos holocaustos de cordeiros, da gordura de novilhos cevados, do sangue de touros e bodes; nega qualquer serventia às oferendas; manifesta horror à fumaça dos sacrifícios e ao crime na festa religiosa; abomina as luas novas e festas, das quais se declara cansado; manda o povo cessar com as maldades, aprender a fazer o bem, respeitar o direito, proteger o oprimido e a viúva e fazer justiça ao órfão. Relata o acordo entre o reino de Israel e a Síria para atacar o reino de Judá. Isaías profetiza que isto não acontecerá porque antes Israel e Síria cairão sob o domínio da Assíria; depois, também a Assíria cairá. Referindo-se à Casa de Davi, o profeta diz: o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará a luz um filho e o chamará Deus Conosco (Emanuel). Ele será nutrido com manteiga e mel até que saiba rejeitar o mal e escolher o bem.

Comentário. Ao abolir o holocausto e as festividades, ao dar ênfase aos preceitos éticos e à caridade, o profeta traz nova concepção do deus Javé em direção à universalidade e não mais à exclusividade do povo hebreu. Fala aos judeus quando diz Casa de Davi, da mesma forma que fala aos israelitas quando diz Casa de Israel (ou Casa de José). Esse modo de falar não significa, pois, que o messias será descendente de Davi. Virgem no entendimento da época e daquele povo era moça que ainda não casara e nem tivera relacionamento sexual. A gravidez resulta desse relacionamento. No vocabulário da gente simples do sul do Brasil, quando a jovem perdia a virgindade dizia-se “não é mais moça”. O nome a ser dado ao messias era Emanuel = Deus Conosco. Ao conceber, Maria perdeu a virgindade; o seu filho recebeu o nome de Yoshua = Salvador e não há notícia de ter sido nutrido com manteiga e mel.

No livro há oráculos contra todos os povos daquela região e também sobre a primavera, as mulheres descuidadas, a angústia e a libertação de Jerusalém. Há profecias apocalípticas, inclusive a do juízo universal: a terra é feita em pedaços, estala, fende-se, é sacudida (na terra há terremotos e maremotos, mas uma hecatombe nuclear pode destruir o planeta); profecias sobre a queda da Samária, sobre a aliança com o Egito, sobre o cerco de Jerusalém. Isaías reproduz a fala de Javé: Este povo vem a mim apenas com palavras e me honra só com os lábios, enquanto seu coração está longe de mim e o temor que ele me testemunha é convencional e rotineiro, por isso continuarei a tratar este povo de modo tão estranho que a sabedoria dos espertalhões se perderá e a inteligência dos astutos desaparecerá. O profeta fala sobre a destruição dos assírios, sobre castigo dos pagãos, sobre os tempos messiânicos. No apêndice histórico (capítulos 36-39) consta o oráculo de Isaías sobre a defesa do reino de Judá pelo Senhor, deus de Israel, contra agressão dos assírios. Os assírios haviam conquistado o reino de Israel (norte) e se dirigiam ao reino de Judá (sul) quando o anjo do Senhor apareceu no acampamento assírio e feriu 185 mil homens (pode ter sido uma forte gripe ou peste que se abateu sobre as tropas). O livro de Judite, resumido no bloco anterior aqui publicado, conta outra versão: ela decapitara o comandante assírio e mandara os judeus atacarem; acéfalos, os assírios fugiram em debandada (o que também é difícil de acreditar).

Miquéias.

Profeta do reino de Judá, contemporâneo de Isaías, Miquéias profetizou a ruína da Samária e do reino de Judá (o que de fato aconteceu). Miquéias censura os poderosos, os pecados dos chefes e dos profetas, anuncia o futuro esplendor de Jerusalém, o retorno da realeza à Casa de Israel e prega reformas morais (praticar a justiça, amar a bondade, cultivar a humildade). Há uma referência a ele no livro de Jeremias (26: 18,19): Miquéias (...) assim falou ao povo: isto diz o Senhor dos Exércitos: Sião será como um campo lavrado; Jerusalém será um montão de escombros e a colina do templo um morro cheio de mato. Ezequias, rei de Judá e o povo de Judá condenaram-no à morte por causa dessa profecia!

Naum.

A biografia desse profeta é desconhecida. A sua aldeia natal, cujo nome era Elcosh, não foi localizada. O livro descreve os atributos da divindade, o oráculo de Naum sobre Nínive e a queda dos babilônios: ai da cidade sanguinária, cheia de fraude e de violência, e que não põe termo à sua rapinagem!

Sofonias.

Este livro trata do ministério profético sob o reinado de Josias (625 a.C.). Sofonias anuncia o dia do juízo final, quando os pecadores serão castigados, salvando-se apenas os justos, os humildes e os obedientes à lei do Senhor. Compara os chefes de Jerusalém a leões que rugem; os juízes, a lobos da noite. Diz que os profetas são jactanciosos e impostores; que os sacerdotes são profanadores de coisas santas e transgressores da lei. Profetiza a glorificação do Senhor pelos pagãos e a purificação do povo hebreu.

segunda-feira, 21 de março de 2011

RELIGIÃO

ANTIGO TESTAMENTO - V.

Reis I e II.

Livros de autor desconhecido. Originalmente, estes dois livros eram um só. Cobrem o período que vai da morte de Davi até a primeira destruição de Jerusalém. Descrevem os reinados de Judá e de Israel. De todos os reis, o livro traz conceito favorável a Salomão, Asaf, Josafá, Joás, Osias, Joatão, Ezequias e Josias. No governo deste último foi descoberto o livro da lei pelo sacerdote Helcias, na reconstrução do templo. A profetiza Holda atesta a legitimidade do livro. Josias empreende reforma religiosa: retorno ao culto exclusivo de Javé e abandono do culto dos demais deuses. Josias morre na peleja contra o exército egípcio. Os livros ora resumidos incluem os profetas. Esses homens e mulheres falavam em nome da divindade, aconselhavam e repreendiam os reis e o povo e tinham visão do futuro. A missão dos profetas era fazer o povo respeitar a aliança com Javé, expressar a vontade desse deus, orientar governantes e governados nas ações políticas e sociais de maior relevo. Destacam-se como profetas: Elias e Eliseu, em Israel, e Isaías em Judá.

Após as suas proezas e profecias, Elias se dirige ao Rio Jordão com seu discípulo Eliseu, bate na superfície das águas com seu manto, separa-as e o atravessa em leito seco. Continua o seu caminho e é arrebatado ao céu por um carro de fogo com cavalos de fogo. Eliseu a tudo assiste e recebe os poderes de Elias. Ao retornar, Eliseu bate o seu manto na superfície das águas do Rio Jordão, separa-as, atravessa em leito seco e cumpre a sua missão de profeta do reino de Israel (ressuscita um menino, cura pessoas enfermas e faz muitos milagres). Não há lei física, química ou biológica que detenha os profetas hebreus. Ascendem ao céu com o corpo físico, sem escafandro ou aeronave; não se queimam no fogo; com suas varas mágicas e seus mantos separam águas nos rios e mares, produzem pragas e chagas. Essas fantasias mostram que os livros bíblicos são frutos da imaginação dos seus autores; muita literatura e pouca verdade. Elias matara os sacerdotes de Baal, deus adorado pela rainha Jezabel. Furiosa, ela ordena a morte de Elias, que some do mapa. Então, Elizeu inventa o episódio da ascensão para manter Elias vivo, longe da rainha, dispensado de exibir o cadáver como prova da morte, já que o corpo do profeta estava no céu. Saída honrosa para a covardia de Elias. O corpo físico pertence ao mundo material; para ele, não há lugar no mundo espiritual. Para ter um corpo, o espírito necessita voltar ao mundo material. Mesmo quem não acredita na reencarnação (judeu, cristão ou muçulmano) aceita a idéia de que o corpo pertence ao mundo material e ao morrer será sepultado e aguardará a ressurreição no juízo final. Outros preferem a cremação do cadáver, pois não acreditam na ressurreição e no juízo final. A ciência explica que a ressurreição é impossível, pois o corpo passará pelo processo de decomposição química do qual não há volta. Diz o preceito bíblico: do pó vieste e ao pó voltarás. Diz o preceito científico: da energia fundamental vieste e à energia fundamental volverás.

Morreu Absalão, primogênito de Davi. Seu irmão Adonias passa à condição de filho mais velho de Davi. Com o apoio do general Joab, do sacerdote Abiatar e de outros conspiradores, durante um banquete, Adonias proclama-se novo rei. A mãe de Salomão, Betsabé, leva o fato ao conhecimento de Davi, pois a este cabia nomear o sucessor. Davi nomeia Salomão, determina a sua imediata unção e assunção do trono. Davi morre após ter reinado por 40 anos. Salomão pune com a morte os principais conspiradores; casa com a filha do faraó egípcio (aliança política entre os dois soberanos); edifica o palácio, o templo e o muro em torno de Jerusalém; manda trazer (da cidade de Davi) a arca da aliança para o santuário do templo de Jerusalém e a deposita no santo dos santos (sanctum sanctorum). Essas obras levaram 20 anos. Pela ajuda recebida, Salomão deu a Hiram, rei de Tiro, 20 cidades da Galiléia. Hiram ficou desgostoso porque as cidades pouco valiam. O reino unido (Israel + Judá) expandiu-se e enriqueceu. Salomão proferiu a célebre sentença entre duas mulheres que disputavam a maternidade de um menino. O rei mandou cortar o menino ao meio. Cada mulher ficaria com a metade da criança. Uma delas concordou. A outra discordou e pediu que o menino fosse entregue inteiro e vivo à adversária. Salomão entregou o menino à mulher que havia renunciado. O sentimento materno revelou a verdadeira mãe: aquela que preferiu perder a guarda do filho a vê-lo morto.

Esse episódio, ficto ou real, contribuiu para a fama de Salomão: o mais sábio dos homens. Nem todos os historiadores concordam com essa fama. Debitam-na ao estilo encomiástico dos escritores bíblicos, desprovida de base real. Ele prolatou cerca de três mil sentenças e compôs mil poemas. A rainha de Sabá, da raça negróide, veio pessoalmente verificar se Salomão fazia jus à fama. Trocaram régios presentes e dividiram o leito. Findo o período da hospitalidade, a rainha volta à sua pátria, quiçá grávida. Salomão teve 700 esposas da realeza estrangeira e 300 concubinas. Javé proibia os hebreus de se relacionarem com mulheres estrangeiras. Salomão desafiou a ordem divina. Como castigo pela desobediência, Javé decretou a extinção do reino: o filho de Salomão ficaria só com duas tribos. Morre Salomão após reinar por 40 anos.

No reinado de Roboão, filho e sucessor de Salomão, as tribos separam-se: dez tribos formam o reino de Israel tendo Jeroboão como rei; duas tribos formam o reino de Judá tendo Roboão como rei. Os dois reinos se hostilizavam. O livro narra a invasão assíria em Israel, a conquista de Judá pelos babilônios e a destruição de Jerusalém. Após remover o povo de Israel, o rei da Assíria enviou ao território desocupado (centro e norte da Palestina) população oriunda das várias regiões do seu reino. Essa população tinha seus próprios deuses e ídolos. Visando à tranqüilidade local, o rei assírio determinou a inclusão do deus Javé naquele panteão. Decorridos 100 anos, chegou a vez de Judá ser conquistada por exército estrangeiro. Por ordem do rei da Babilônia, Nabucodonosor II, Jerusalém foi arrasada, templo destruído, parcela considerável e influente da população removida para a Mesopotâmia. O rei nomeou governador para os habitantes que permaneceram na região. Ismael, liderando 10 homens, assassinou o governador e habitantes da cidade. Depois, em companhia de sobreviventes judeus, fugiu para o Egito.

Judite.

Este livro narra o feito heróico dessa mulher judia, viúva, rica, bela, que impediu a queda da sua cidade. As autoridades e os anciãos rasgavam as roupas, jogavam cinzas sobre suas próprias cabeças e se desesperavam ante a proximidade das forças estrangeiras (que já haviam conquistado o reino de Israel). Judite se embelezou, perfumou-se, orou e com as suas servas dirigiu-se ao acampamento do inimigo, entrevistou-se com o general comandante dos assírios (Holofernes), seduziu-o e decepou-lhe a cabeça enquanto ele dormia embriagado pelo excesso de vinho. Levou para a cidade a cabeça de Holofernes como troféu e instruiu os judeus para que atacassem, pois o inimigo estava desarvorado pela perda do comandante. Os assírios foram derrotados e a Judéia viveu em paz por um século, até ser conquistada por Nabucodonosor II. O livro menciona a alegria do povo judeu e contém um cântico de Judite.

Comentário. Dizer que Judite voltou intocada pelo assírio me parece fora da realidade. O general, longe de casa, guiado pelos costumes da sua terra, não ia manter aquela dondoca por três dias no seu acampamento sem transar com ela. O escritor bíblico tem essa mania de cercar certas mulheres dessa falsa pureza. Assim foi com Sara, esposa de Abraão, que ficava na companhia dos soberanos que dela se agradavam, mas sem ser tocada. Depois, cheia de presentes, regressava ao convívio do marido. Assim foi com a gravidez das mães de Samuel, Sansão, João, Jesus, atribuída aos anjos ou ao espírito santo. Ora, pois. Como dizem os brasileiros: “me engana que eu gosto”. O escritor bíblico exagera nas patacoadas e nos encômios aos personagens que lhes agrada. Enaltece um povo rude, pequeno, pobre e ignorante, apresentando-o sob vestes esplendorosas. Explora o fantástico, o extraordinário, confiando na fé cega dos crentes que abdicam da razão.

Salmos.

Em hebraico, a palavra salmo significa louvor. Cuida-se de uma substanciosa coleção de cinco livros conhecida como saltério. A igreja adotou o saltério como livro de oração. Este livro inclui-se entre os livros sapienciais porque nele avultam ensinamentos, meditações, além de exortações à fé, louvores à divindade, orações, lamentações, graças, messianismo. Ao todo, são 150 salmos. Sobre a autoria dos Salmos não há certeza histórica. Paira consenso sobre Davi, que seria autor de 74 salmos. Salomão seria autor de dois, apenas. Seriam autores de 10, os filhos de Coré; de 8, o rei Asaf. Autores de um salmo cada um, seriam Moisés, Hemão e Etão. Há salmos pessoais, que refletem os sentimentos do autor e outros litúrgicos, com ou sem execução musical. Como soe acontecer nas escrituras, das inúmeras traduções do hebraico para o grego, do grego para o latim, do latim para as línguas modernas, resulta perda do significado original de algumas expressões. De um modo geral, os salmos expressam veneração pela divindade, agradecimentos pelas bênçãos recebidas, crueldade da justiça divina (os inimigos dos hebreus, povo eleito de Deus, eram tratados como inimigos de Deus), vingança (santidade da violência contra o inimigo), alegria e tristeza, temor dos perigos, contrição diante dos pecados, esperança de paz e felicidade. Vejamos trechos de alguns, a título de ilustração. “O Senhor é meu pastor, nada me faltará; em verdes prados ele me faz repousar; conduz-me junto às águas refrescantes; restaura as forças da minha alma.” (Primeiro Livro). “Não foi em meu arco que pus minha confiança, nem foi minha espada que me salvou; mas fostes vós que nos livrastes de nossos inimigos e confundistes os que nos odiavam.” “Será que realmente fazeis justiça, ó poderosos do mundo? Será que julgais pelo direito, ó filhos dos homens? Não, pois em vossos corações cometeis iniqüidades, e vossas mãos distribuem injustiças sobre a terra.” (Segundo Livro). “Por pouco não escorreguei (sobre a fé na justiça divina); porque me indignava contra os ímpios, vendo o bem-estar dos maus: não existe sofrimento para eles; seus corpos são robustos e sadios; dos sofrimentos dos mortais não participam; não são atormentados como os outros homens.” “Concluí, dizeis vós, uma aliança com o meu eleito; liguei-me por juramento a Davi, meu servo; conservarei tua linhagem para sempre; manterei teu trono em todas as gerações.” (Terceiro Livro). “É bom louvar o Senhor e cantar salmos ao vosso nome, ó Altíssimo, proclamar de manhã a vossa misericórdia e durante a noite a vossa fidelidade. Com a harpa de dez cordas e com a lira, com cânticos ao som da cítara. Pois, vós me alegrais Senhor, com vossos feitos, exulto com as obras das vossas mãos.” “Cantarei a bondade e a justiça. A vós, Senhor, salmodiarei. Pelo caminho reto quero seguir; ó, quando vireis a mim? Caminharei na inocência do meu coração, no seio de minha família.” (Quarto Livro). “Feliz o homem que teme o Senhor e põe o seu prazer em observar os seus mandamentos. Será poderosa sua descendência na terra e bendita a raça dos homens retos. Suntuosa riqueza haverá em sua casa e para sempre durará sua abundância. Como luz, se eleva nas trevas para os retos, o homem benfazejo, misericordioso e justo.” “Ele (o Senhor) eleva do pó o indigente e tira o pobre do monturo para, entre os príncipes, fazê-lo sentar junto dos grandes do seu povo; e a mulher, que antes era estéril, ele a faz, em sua casa, mãe feliz de muitos filhos.” (Quinto Livro).

sábado, 19 de março de 2011

RELIGIÃO

ANTIGO TESTAMENTO – IV.

Samuel I e II.

Originalmente, esses dois livros formavam um só. Cuida-se de um período de 100 anos da história hebréia, que vai da época dos juizes à época do rei Davi. Descreve os episódios da realeza e do estabelecimento da linhagem de Davi. Destacam-se os personagens Samuel, último juiz da nação hebréia, Saul, primeiro rei daquela nação, e Davi, primeiro rei exclusivo de Judá e depois sucessor de Saul no trono nacional (tribos de Judá e Benjamin + 10 tribos). Samuel nasceu de mulher estéril. Em agradecimento pelo milagre, a mãe o consagra. Findo o período da amamentação, a mãe o entrega ao juiz e sacerdote chamado Heli, cujo governo durou 40 anos. Samuel foi criado no templo a serviço do deus Javé. Ainda menino, ele recebe a visita e a mensagem desse deus. Adulto, foi reconhecido como profeta e guia de Israel. Perdeu batalha contra os filisteus. Os vencedores levaram a Arca da Aliança, porém, devolveram-na vinte anos depois, atribuindo a ela as desgraças que sofreram. Samuel exorta os hebreus a abandonarem cultos a deuses e deusas e a se dedicarem ao culto exclusivo de Javé. O povo obedece. Em nova batalha com os filisteus, a vitória coube aos hebreus. Todas as cidades perdidas foram recuperadas. Os vencidos foram expulsos de Canaã.

O povo pediu um rei. Samuel nomeia Saul, um belo jovem da tribo de Benjamin. Diante do povo, Samuel expôs os direitos do rei e os registrou em livro. Agredida pelos amonitas, a tribo de Gad pede socorro às demais tribos. Saul marcha com 330 mil homens (o escritor bíblico exagera habitualmente) contra Amon e venceu a batalha. Samuel providenciou cerimônia de confirmação da realeza de Saul. Durante o seu reinado, Saul combateu e venceu os seus vizinhos. Samuel passa ao rei Saul ordem de Javé: votar ao interdito o reino de Amalec. Isto significava destruir cidades e matar homens, mulheres, crianças e animais (bois, ovelhas, camelos e jumentos). Saul cumpriu a ordem parcialmente. Poupou Agag, rei de Amalec e tudo que havia de melhor naquele reino. Samuel recrimina Saul, em nome de Javé: a obediência é melhor que o sacrifício; a submissão vale mais do que a gordura dos carneiros. Samuel chama Agag à sua presença e o faz em pedaços a golpes de espada. Depois disto, Samuel retira-se para sua cidade; nunca mais se avistou com Saul. Atendendo à vontade de Javé, Samuel vai à cidade de Belém (da tribo de Judá) e, em cerimônia religiosa, unge com óleo o filho mais novo de Isaí, cujo nome era Davi, para ser o novo rei de Israel. Forte, valente, louro, de boa voz e belo rosto, Davi tocava harpa muito bem. Saul chamou-o para que o som da harpa o aliviasse das angústias.

Davi foi nomeado escudeiro. Dividia o seu trabalho entre o rei e o campo (apascentava o rebanho do pai). Mobilizaram-se os filisteus para outra batalha contra os hebreus (esses dois povos viviam às turras; parecia mal resolvido caso de amor). Golias, campeão filisteu, desafiou o melhor guerreiro hebreu para luta individual. O vencedor seria senhor do povo do guerreiro vencido. Davi contou a Saul que lutara contra um leão e contra um urso (havia urso na Palestina? Ou seria quati?) que roubavam ovelhas do rebanho. Obteve, assim, autorização do rei para enfrentar o campeão filisteu, que era grande, forte e valente. De um lado, Davi, com o cajado em uma das mãos, a funda na outra, pedras lisas no alforje e roupa de pastor (recusou a armadura oferecida por Saul, porque era desconfortável). Do outro lado, Golias, com armadura, capacete, espada, lança e escudo. Trocaram palavras desafiadoras (certamente, um elogiou a mãe do outro) e avançaram. Davi arremessou uma pedra com a funda e afundou a fronte de Golias, matando-o. Saul confiou a chefia dos guerreiros a Davi, que venceu várias batalhas e ganhou a simpatia do povo. Saul deu-lhe como esposa a filha mais nova. O crescente prestígio de Davi despertou, em Saul, inveja e temor. Para não ser morto pelo rei, Davi busca refúgio em Samuel. Começa implacável perseguição. Durante a jornada, Saul entrou numa gruta para satisfazer necessidade fisiológica. Por coincidência, no interior da gruta escondiam-se Davi e seus companheiros. Davi não se deixou afetar pelo fétido odor da régia evacuação e impediu que Saul fosse morto. Morre Samuel. Em novo confronto, Davi poupa, novamente, a vida de Saul. A fim de colocar paradeiro à perseguição, Davi homizia-se com os filisteus, torna-se bandoleiro, assalta e mata homens e mulheres em cidades e aldeias.

Nova refrega, filisteus x hebreus (não há notícia da participação de Davi, que vivia entre os filisteus). Na batalha morrem alguns filhos de Saul. Ferido e não querendo morrer nas mãos dos inimigos, o rei pede ao seu escudeiro que o mate. O escudeiro se nega. Então, o rei se suicida: atira-se contra a própria espada (ou lança). Em Hebron, Davi é proclamado rei. Isboset, filho e herdeiro de Saul, também se declara rei. Em conseqüência, surgem dois reinos mutuamente hostis: Judá (tribo de Judá + tribo de Benjamin = Casa de Judá) x Israel (10 tribos restantes = Casa de Saul). A Casa de Judá se manteve fiel a Davi. A Casa de Saul se manteve fiel a Isboset. Com a morte de Isboset, os anciãos e chefes das tribos foram a Hebron e elegeram Davi rei de Israel. As 12 tribos ficaram sob um só comando. O rei Davi mobilizou seu exército contra os jebuseus, expulsou-os de Jerusalém e elegeu a cidade como sede do reino. Houve mais guerras vencidas por Davi. A Arca da Aliança foi trazida para a sua cidade. No caminho, a arca deslizou do carro que a transportava. Oza, um dos condutores, evitou a queda amparando-a com as mãos. Irado, Javé, deus cruel e sanguinário, o fulminou. Tocar na arca com as mãos significava profana-la. O zelo de Oza custou-lhe a vida. (Esta é mais uma das patacoadas do escritor bíblico. Os raios de Zeus certamente o inspiraram).

Davi teve muitas esposas, concubinas e filhos, entre os quais, Salomão, nascido em Jerusalém. Davi manteve relações adulterinas com Betsabé, esposa de Urias, oficial que estava na guerra. A mulher engravidou. Para ocultar a prova do adultério, Davi chamou Urias e tentou por duas vezes que ele fosse dormir em casa junto à esposa. Urias se recusou alegando ética militar: devia dormir ao relento, na companhia dos servos, enquanto seus comandados estivessem no campo de batalha. Davi o mandou de volta e recomendou a Joab, comandante do exército, colocar Urias na linha de frente para que ele fosse morto pelos inimigos. Assim aconteceu, porém, não se descarta a hipótese de Urias ter sido morto por flecha amiga e não por flecha inimiga. Passado o luto, Betsabé torna-se esposa de Davi. O primeiro filho do casal adoece e morre. O infortúnio foi interpretado como castigo imposto por Javé. Adonias, filho de Davi com a primeira esposa, neto de Saul, conspirou contra o próprio pai, obteve apoio das tribos do norte, marchou contra Jerusalém e assumiu o governo. Depois, saiu em perseguição do pai, que fugira, mas foi derrotado e morto. Davi retorna a Jerusalém e reassume o trono.

Apesar da união pessoal (sob o mesmo rei) a Casa de Judá e a Casa de Saul constituíam duas facções rivais e se comportavam como nações distintas. Judeus e israelitas discutiram ao atravessar o Rio Jordão, quando Davi retornava a Jerusalém. Os israelitas (Casa de Saul) reclamavam da blindagem que os judeus (Casa de Judá) faziam em torno do rei. Os judeus diziam que o rei era mais próximo deles; que Davi pertencia à tribo de Judá e fora o seu primeiro rei exclusivo. Os israelitas replicavam: tinham 10 partes do reino (10 tribos); eram os irmãos mais velhos; não havia motivo para o desprezo que lhes devotavam os judeus, seus irmãos mais novos. Os judeus treplicaram rudemente. Os israelitas declararam autonomia em relação a Davi e voltaram para os seus respectivos territórios. O exército de Davi reprimiu a revolta e assegurou a integridade do reino (Judá + Israel). A dissensão entre os dois grupos prenunciava a separação definitiva em dois reinos independentes. De fato, o cisma aconteceu depois do reinado de Salomão. No final do livro há um apêndice com poemas, façanhas de heróis e referência a um recenseamento em Israel e Judá, determinado por Davi.