quarta-feira, 28 de maio de 2008

Vitaliciedade dos magistrados

A proposta de emenda à Constituição para aumentar o tempo de permanência do juiz no exercício da judicatura (PEC nº 457/2005), provocou reação contrária. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) sustenta que há necessidade de oxigenação da magistratura e se a PEC for aprovada, haverá engessamento da carreira e falta de criatividade na jurisprudência e nas práticas gerenciais. O carreirismo inspira essa reação. Os opositores servem-se do hilário e pejorativo apelido “PEC da Bengala”. A chacota nesse relevante assunto reflete a ausência do interesse público, de seriedade e de argumentação convincente. A lucidez e a cultura do magistrado não está na bengala e sim no cérebro. Ao invés de fincados na realidade, os argumentos contrários a PEC têm suas raízes no preconceito contra os idosos. Há deficientes físicos, mentais e morais com menos de 70 anos de idade. A marcha acelerada na carreira não permite contato maior do magistrado com os problemas regionais, integração com a comunidade e um desejável amadurecimento profissional. A pressa é inimiga da boa jurisdição. A marcha moderada e firme na carreira está em consonância com a austeridade da magistratura e coloca por terra a falácia do engessamento. Aos membros dos tribunais, tanto quanto à nação, pode interessar a extinção do limite de idade. Esse interesse, que se afina com o interesse público, colide com a posição tomada pela AMB. Nessa matéria, os magistrados favoráveis à emenda não estão representados pela citada Associação.

A perda do cargo pode ocorrer por (i) determinação judicial (ii) exoneração a pedido (iii) aposentadoria voluntária e compulsória. A aposentadoria voluntária era fundada nos anos de serviço público. Com as emendas 20/1998 e 41/2003, o critério passou para idade mínima de 60 anos e 35 anos de contribuição à previdência (CF 40 + 93, VI). A compulsória, por invalidez ou limite máximo de idade, foi adotada, em nível constitucional, em 1934. A vitaliciedade era real sob as Constituições de 1824 e 1891, e nominal a partir de 1934. O limite máximo de idade coloca a estabilidade no lugar da vitaliciedade. Esse limite era de 75 anos de idade (CF 1934, art. 64, a). Posteriormente, recuou para 68 anos (Carta de 1937, art. 91, a). Depois, avançou para 70 anos (CF 1946, art. 95, §1°) e permaneceu nesse patamar até os dias de hoje. Agora, avança para 75 anos (PEC 457/2005), em sintonia com o progresso na medicina e na cultura física. O avanço é modesto. O magistrado, enquanto gozar de boa saúde, deve permanecer na função judicante sem limite de idade. Isto evitará o desperdício do patrimônio cultural formado em dezenas de anos no exercício da judicatura. Além disso, representará economia para o Estado, que não terá de gastar em dobro: com o juiz que se aposenta e com o juiz que ocupará a vaga. Em relação ao jurisdicionado, significará a tranqüilidade de ver, nos tribunais, homens e mulheres experientes, amadurecidos nas lides forenses, nos estudos e na reflexão, com a temperança própria da idade. Para assegurar o direito do jurisdicionado a célere prestação da tutela jurisdicional nos tribunais, a PEC poderá estabelecer aposentadoria compulsória do magistrado que não devolver os autos do processo até a segunda sessão posterior ao pedido de vista, ou que se licenciar para tratamento de saúde mais de duas vezes no mesmo ano.

A metáfora da oxigenação se pulveriza diante dos fatos. Com a chegada de novos membros, o ar nos tribunais permanece o mesmo. Os adventícios entram no clima. Quando se trata do ingresso direto de advogados e membros do ministério público nos tribunais, a AMB combate o argumento da oxigenação. Quando se trata de aumentar ou extinguir o limite máximo de idade, a AMB utiliza o argumento da oxigenação. Essa duplicidade significa falta de coerência. Além disso, a metáfora é injuriosa e agasalha preconceito contra os idosos. Supõe a fossilização dos setuagenários. A tese da perda do vigor intelectual após os 70 anos de idade carece de respaldo nos fatos. Pontes de Miranda, Miguel Reale, Afonso Arinos, Sobral Pinto, Barbosa Lima Sobrinho e tantos outros juristas, jornalistas, escritores, arquitetos, permaneceram lúcidos e criativos após os 80 anos de idade. No Congresso Nacional atuam parlamentares setuagenários. José Sarney ocupa a tribuna do Senado para vigorosa defesa do interesse nacional no caso Itaipu (22/05/2008). Desta Tribuna da Imprensa, o jornalista Hélio Fernandes faz intransigente defesa da Amazônia brasileira. Da prancheta de Oscar Niemeyer saem traços admiráveis e projetos que encantam o mundo.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Einstein e a religião

A descoberta de uma carta escrita em 1954, por Einstein, destinada a um alemão chamado Eric Gutkind, foi notícia neste mês de maio (O Globo). A carta estava há 50 anos na posse de um colecionador. Manuscrita em alemão, foi leiloada em Londres por 400 mil dólares, conforme publicou o jornal Tribuna da Imprensa (17/05/2008). De acordo com as notícias, na referida carta Einstein se confessa judeu pela raça e não pela religião e diz que: (i) o povo judeu não é o escolhido de Deus e só se diferencia dos outros povos porque livre do poder, o pior tipo de câncer (ii) a religião judaica e demais religiões encarnam superstições (iii) a Bíblia é uma coleção de lendas primitivas e infantis, embora bem intencionadas (iv) a palavra Deus é a expressão e o produto das fraquezas humanas.

O especialista inglês (Universidade de Oxford) diz ignorar a existência da carta. O leiloeiro inglês atesta a autenticidade da carta. O comprador acreditou. Pondere-se que Einstein era autoridade em Física e nada via de excepcional na teoria da relatividade. Cuida-se de teoria do movimento no espaço e no tempo, com base na Física Matemática, segundo a qual, somente o movimento relativo pode ser comprovado e medido (W. Brugger, Dicionário de Filosofia, SP, Pedagógica e Universitária, p.353). No livro “ABC da Relatividade”, B. Russell adverte sobre o equívoco de se universalizar o conceito de relatividade (Rio, Jorge Zahar, 2005, p.29). Einstein não descarta a idéia de movimento absoluto. No seu livro “Como Vejo o Mundo” (Rio, Nova Fronteira), diante das imutáveis leis do universo e da inteligência que delas emana, ele sente a necessidade lógica da existência de Deus. Para ele, o universo é uma ordenação inteligente onde o acaso não tem lugar. Daí, a metáfora do jogo de dados. Carta de Einstein para Max Born: “Você acredita num Deus que joga dados e eu, em lei e ordem absolutas” (Ian Stewart, Será que Deus Joga Dados? Rio, Jorge Zahar, 1991, p.7). Referindo-se à nova matemática do caos, Ian Stewart assim se expressa: “Estamos começando a descobrir que sistemas que obedecem a leis imutáveis e precisas nem sempre atuam de formas previsíveis e regulares (...) A questão não é tanto se Deus joga dados, mas como ele o faz” (p.8).

Quanto à religião, a posição de Einstein identifica-se com a dos pensadores deístas que se manifestam, desde o século XVI, na Inglaterra e Alemanha. Para esses pensadores, Deus cria o universo, nele projeta sua inteligência e não mais interfere. Já para os pensadores teístas, Deus cria e se mantém ligado ao universo, nele interferindo mediante a providência. Afigura-se trivial a assertiva de que a fraqueza humana seja um dos componentes da crença em Deus. Desde prístinas eras, as religiões exploram essa fraqueza, lidam com a metafísica, com o mundo da fantasia e com a fé cega. O medo e a ignorância se tornaram os pilares da religião, fortalecidos pelo clericalismo. A opinião de Einstein mostra-se correta. A Bíblia é mesmo uma coleção de contos da carochinha. Segundo Thomas Hobbes (1588-1648) os livros atribuídos a Moisés foram escritos por um erudito judeu de nome Esdras, por volta do ano 400 AC. Declarando que os originais haviam sido queimados, Esdras pede a Deus que o inspire a reescrever os livros (Leviatán, Madri, Editora Nacional, 1979, p.453). Percebe-se, dos livros bíblicos, inclusive do que leva o nome de Esdras, a intenção de obter a obediência de um povo rude e licencioso, ameaçando-o com a cólera divina. No livro “O Evangelho da Irmandade”, o personagem Zenon refere-se a esse episódio (A S Lima, Resende, RTN Editora, 2007, p.127).

Sobre o câncer (poder) do qual os judeus estariam livres, Einstein se equivocou. Desde os primórdios da sua história, esse povo busca o poder, ora diretamente, atacando e submetendo outros povos, ora indiretamente, sob a proteção dos imperadores (egípcios, persas, romanos). Sem lembrar da história, quiçá obnubilado pelo holocausto promovido pelos nazistas, Einstein não imaginava que, sob a proteção do governo dos EUA, os judeus pudessem invadir o território palestino e massacrar os habitantes. A índole perversa desse povo vem descrita em várias passagens do Antigo Testamento. Esdras não fazia bom juízo da sua gente. A razão está com Einstein quando diz que o povo judeu não foi escolhido por Deus. Realmente, de acordo com a Bíblia escrita por Esdras, esse povo foi escolhido por Javé, um deus exclusivista, cruel, vingativo, genocida, interesseiro, voltado para os bens terrenos. Esse deus assemelha-se ao que tentou Jesus e que os cristãos chamam de Satanás. Segundo o Gênesis, os judeus são a imagem e semelhança desse deus. Decididamente, Esdras não gostava do seu povo.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Coisas da magistratura

A proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 457/2005, visa a permanência do juiz no exercício da judicatura após os 70 anos de idade. Falta a contrapartida: incluir, na PEC, norma compensatória como direito dos jurisdicionados à célere e eficiente tutela jurisdicional. O teor da norma pode ser este: “O artigo 93, inciso VI, passa a vigorar com a seguinte redação: a aposentadoria dos magistrados e a pensão dos seus dependentes atenderão ao disposto no artigo 40, observado o que segue: (a) os magistrados permanecerão em atividade enquanto o estado de saúde permitir o normal desempenho da judicatura, independentemente de limite de idade; (b) nos tribunais, será compulsoriamente aposentado o magistrado que, por motivo de saúde, força-maior, acúmulo de serviço ou qualquer outro, deixar de devolver os autos do processo até a segunda sessão seguinte ao pedido de vista; (c) na hipótese da letra anterior, o presidente do tribunal, sob pena de responsabilidade, expedirá o ato da aposentadoria imediatamente após a exaustão do prazo para devolução dos autos; (d) a aposentadoria compulsória dar-se-á, também, após o segundo pedido de licença para tratamento de saúde no mesmo ano”.

Os juízes acumulam valiosa experiência na judicatura. Aposentá-los em razão da idade significa duplo prejuízo: (i) perda da experiência e do conhecimento acumulados (ii) gasto em dobro, pois o Estado continuará a pagar o juiz aposentado e terá de pagar o juiz que ocupar a vaga. A melhor solução consiste na ausência de limite máximo para aposentadoria do magistrado, como acontece na Suprema Corte dos EUA. Os magistrados devem permanecer na ativa enquanto bem servirem à nação. Aplica-se, aqui, o adágio de Cícero: os vinhos bons ficam melhores quando velhos. Com os atuais recursos da medicina, não há restrição à atividade física moderada e ao trabalho intelectual após os 70 anos de idade. Há testemunho disso em diversas atividades (advocacia, jornalismo, política).

Contra a PEC, alega-se que o aumento do limite máximo “inviabiliza a renovação dos quadros da cúpula dos tribunais, causando assim a paralisação do processo de criação e renovação da jurisprudência, além de prejudicar a modernização das práticas gerenciais”(AMB Informa, nº 103, março/2008, p.3). O argumento discrepa da realidade forense. O adventício se incorpora ao modo de funcionar do órgão judicante e adere a uma das distintas correntes sobre questões jurídicas que ali se confrontam. A permanência dos juizes por mais tempo no primeiro grau contribui para a maturidade profissional. A marcha acelerada para chegar ao tribunal é inconveniente e dispensável. Quanto à gerência, os tribunais acompanham a evolução tecnológica, independentemente da idade dos seus membros. Funcionários e empresas bem qualificadas auxiliam com idéias e técnicas inovadoras. Supor que, no juiz, o potencial criativo se esgota aos 70 anos de idade, implica muito preconceito e pouca ciência. A criatividade não está sob domínio de Cronos. Arquitetos, músicos, escritores, políticos, entre outros, apesar da idade avançada, continuam criativos. Aliás, na maioria das ações judiciais, quanto menos “criatividade” do juiz, tanto mais segurança dos jurisdicionados. Ao bom juiz basta a boa saúde para situar-se no seu tempo e decidir de acordo com a sua consciência, com base na prova, na lei, na Constituição e nos princípios gerais de direito.

Na idade provecta, a ciência tende a se aliar à sabedoria. Na certeza do magistrado jovem, dura lex sed lex. Na opinião do magistrado experiente, lex sem jurisprudentiae é formalismo cômodo. A jurisprudentiae advém da maturidade, do “saber de experiência feito” (Camões). O presidente do Tribunal Regional Eleitoral/RJ diz ser triste a moralidade necessitar de lei (“O Globo”, 1º cad., 04/05/2008, p.3). O Ministro Paulo Brossard, advogado octogenário, da tribuna do Supremo Tribunal Federal, no debate sobre titularidade do mandato eletivo e a necessidade de lei para exigir moralidade aos políticos, indagava: “é preciso lei?”. A tristeza do desembargador e a perplexidade do ministro revelam um substrato inquietante: a incapacidade dos magistrados de interpretar o direito em horizonte mais amplo do que a letra da lei. Parece que, se não houver lei dizendo expressamente que o bem deve prevalecer, a prática do mal será permitida até que seja promulgada lei que a proíba.

Sob a ótica da isonomia na prestação da tutela jurisdicional, a afirmação de que certo processo é o “mais importante da história deste tribunal” afigura-se inconveniente. O escalonamento há de ficar a cargo dos historiadores. O enfoque de cada avaliador pode suscitar divergência.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Anjo e demônio.

A energia fundamental que deu origem à matéria manifesta-se no universo de modo bipolar: positiva e negativa no ser físico, macho e fêmea no ser animal, corpo e alma no ser humano. O corpo é domínio do demônio. A alma é domínio do anjo. O demônio ama a vida terrena. O anjo ama a vida celestial. Demônio e anjo não são entes personalizados; são os pólos opostos da energia que estrutura e dá vida ao ser humano. Ambos são construtivos e destrutivos. O demônio, vida instintiva do ser humano, mostra-se construtivo quando adverte a pessoa do perigo oculto, zela pela preservação do corpo, orienta na busca da pureza do ar e da água e na escolha do alimento, do abrigo, do parceiro e desperta o amor à natureza. O anjo mostra-se construtivo quando inspira bons pensamentos, bons sentimentos e atitudes de elevação moral, religiosa e mística e desperta o amor universal. Demônio e anjo são destrutivos quando há excesso nas funções; quando o ser humano torna-se cativo de um dos pólos. Enquanto encarnado, vivendo neste planeta, o ser humano pertence aos dois mundos simultaneamente: físico e espiritual. A boa qualidade de vida na trajetória terrena exige harmonia entre esses dois pólos. No final, ao demônio caberá a parte física e ao anjo, a parte espiritual. Antes disso, porém, o animal racional deve utilizar a sua inteligência para tirar bom proveito dessa bipolaridade. Evitar que o demônio se torne feroz e que o anjo voe alto demais; que um deles assuma o domínio do ser integralmente. A natureza animal, quando livre, ofusca a razão, guia-se pelos instintos e pelas paixões desenfreadas. A natureza racional, quando livre, pode afastar-se da realidade e fazer da imaginação a sua praia favorita.
Moderação é preciso. Navegar com emoção. Dirigir com a razão. Ouvir a intuição. Vigiar e orar. Amor por princípio, ordem por base e progresso por fim (Comte). Essência e existência, sem exclusões (Aristóteles + Hegel). Sociedade de consumo: paraíso do demônio. Nela predomina a força demoníaca do ser humano. A força angelical fica cerceada. O ambiente criado pelo mercado, competição acirrada, endeusamento do dinheiro e do patrimônio, prazer em excesso, luxúria, vaidade, tudo estimulado pela propaganda, ostensiva ou subliminar, nos meios de comunicação, cujos proprietários acumulam fortunas, como o diabo gosta. Sem laço espiritual, a família se desagrega e as pessoas se hostilizam diante de situação financeira adversa, da ausência de respeito entre os companheiros ou entre pais e filhos, da falta de boa educação, da equivocada noção do epicurismo e dos maus costumes apoiados pela propaganda e pelos meios de comunicação.
A diferença entre os que têm patrimônio econômico, bom padrão de vida, e os que não têm, desperta inveja, sentimento de injustiça e desejo de vingança ou de compensação. A paixão obnubila a razão. Sexo, violência, traição, sensualidade são os ingredientes de filmes e novelas para satisfazer a natureza demoníaca do consumidor. Diante de tanto estímulo, o demônio assume o comando tão logo reunidas condições propícias. A besta invade outros países, rouba, pratica genocídio, depreda e polui. Enfurecida, a força demoníaca lança criança viva do alto de edifício, estrangula e faz picadinho de pessoas, pratica incesto, assalta, seqüestra, estupra, consome droga. Se a fera pertencer à camada média ou alta da sociedade, a cobertura da mídia será intensa e dura semanas. Se pertencer à camada pobre, haverá, quando muito, notícia na parte interna da última página do jornal.
Passado o furor, a força angelical recupera o seu lugar e a força demoníaca volta à sua função construtiva. O criminoso passa a ser visto como ser humano comum, faz amizade com o policial, recebe apoio da pastoral e das entidades defensoras dos direitos humanos, recebe os benefícios da lei, cumpre pequena parte da pena e volta para o convívio dos seus iguais na sociedade justa e fraterna. Nem todos os presídios estão à altura da dignidade da pessoa humana. Quanto antes o preso ganhar liberdade, melhor para o Estado. A preferência é pela troca da pena de prisão por pena alternativa. Bom mesmo, se não houvesse prisão, nem criminoso, mas isto é sonho de uma noite de verão.