sábado, 26 de setembro de 2015

BURRICE


No tempo em que, nas cidades brasileiras, havia veículos de tração animal (carroças, charretes, gaiotas), os cavalos e os burros eram alimentados com uma planta forraginosa denominada alfafa, além do feno (planta gramínea) e milho. O burro, às vezes, mostrava-se teimoso, mas não parecia menos inteligente do que o cavalo. No entanto, costumava-se apelidar de “burro” o indivíduo teimoso, ou sem intelecto cultivado, ou de escasso grau de inteligência, moroso em aprender ou compreender as lições e as coisas. Havia indivíduos taxados de “burro” na família, na escola, no esporte, na política e em qualquer outra atividade urbana ou rural. Era comum a presença da alfafa nos comentários desairosos que incluíam a burrice.

Menciono esse fato, motivado por lembrança de história hilária que me contaram em Curitiba. Na Rua XV de Novembro, no trecho hoje conhecido como Rua das Flores, logradouro central da cidade, os homens se reuniam aos domingos a partir das 10,00 horas da manhã para dissertar sobre futebol, comentar algum escândalo ou algum crime de maior repercussão, criticar o governo, oferecer soluções para os problemas da cidade, do estado, do país e do mundo, falar mal da vida alheia, principalmente de pessoas representativas da sociedade curitibana. Em virtude disto, o local foi batizado de “Boca Maldita”. Nesse trecho, localizava-se o Cine Ópera e, ao seu lado, um café bem freqüentado nos dias frios, fato comum naquela capital, mesmo fora do inverno. Na calçada em frente, localizava-se o Cine Avenida tendo, de um lado, a Confeitaria Guairacá, famosa pela feijoada aos sábados, e de outro, um edifício comercial. Na mesma calçada do Cine Avenida, esquina com a Praça Osório, ficava o Cine Palácio.

Manifestei minha dúvida sobre a veracidade da história, tendo em vista a fama do local em que me foi contada. Entretanto, asseguraram-me que se tratava de fato verídico. Pelo sim, pelo não, vou aqui reproduzi-la de forma abreviada.

O episódio aconteceu durante um concurso para juiz de direito estadual. Na prova oral, as respostas do candidato não convenciam e nem eram do agrado dos examinadores. Depois de uma dessas respostas, o mais impaciente e desdenhoso dos examinadores, visando a insinuar a burrice do candidato, ordena ao funcionário que exercia a função de bedel:
- Aristeu! Providencie uma carrada de alfafa. 
Olhando para o bedel, erguendo o braço direito com o dedo indicador esticado e apontado para cima, com voz clara e bem audível, o candidato acrescentou:
- E para mim, um cafezinho, por favor. 

Da graça, resultou a desclassificação do candidato. Na época, não havia juiz federal e o Paraná ainda não tinha o rótulo de república fascista. A justiça federal só foi criada um ano depois do citado episódio mediante Ato Institucional expedido em 1965 pelo regime autocrático militar (AI 12/65). Até hoje, permanece intacto o cordão umbilical que mantém a justiça federal unida à sua genetriz. O primeiro concurso para juiz federal aconteceu nos anos 70.

Por duas vezes, os fascistas e os nazistas de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul haviam mostrado as caras: a primeira, foi nos anos 30 e a segunda, nos anos 60. Encerrado o último ciclo autocrático (1985), a plêiade nazi-fascista cobriu-se com a nuvem democrática. Os governos Sarney, Collor e Cardoso sintonizavam com a direita, tanto a moderada como a extremista. Quando retornou do voluntário e dourado exílio para ingressar na política partidária, o finório Fernando Henrique Cardoso recebeu as bênçãos dos militares depois que o general João Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações, informou-os de que “ele é um dos nossos”. Fernando Henrique se infiltrou na esquerda embora sendo homem da direita. Ele foi o novo “Cabo Anselmo” em aperfeiçoada e sofisticada versão. Ao ser descoberto, apelou para o academicismo a fim de justificar a esperteza fraudulenta e o sujo papel que concordou desempenhar. Sem pudor algum, afirmou: o conceito de esquerda e direita está ultrapassado. Fernando Henrique governou sem ser incomodado por fascistas e nazistas, apesar da avassaladora corrupção durante os oito anos do seu governo. 

Depois das eleições de 2010, cujo resultado foi favorável à esquerda autêntica e ao partido de centro, os fascistas e os nazistas começaram a mostrar a cara novamente, a se manifestar nas ruas, em locais abertos ou fechados, com apoio do poder econômico e da grande imprensa, no propósito de derrubar o governo federal. Na sua agressiva militância física, intelectual e ideológica no Congresso Nacional, no Judiciário, nos meios de comunicação social e nas ruas, o PSDB revela, através dos seus agentes, que a “social democracia” do seu nome corresponde ao nacional-socialismo alemão (nazismo).

A descoberta do pré-sal aguçou a cobiça e o ativismo das lideranças dos partidos de oposição ao governo federal. Nota-se, também, um fator psicológico: o internacional reconhecimento da qualificação de Luiz Inácio como estadista enciumou os seus vaidosos adversários internos, principalmente os que têm diploma universitário.

sábado, 19 de setembro de 2015

STF E O IMPEACHMENT



Na sessão do dia 16 de setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu seqüência ao julgamento da ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. O autor da ação pleiteia a declaração da inconstitucionalidade do preceito legal que autoriza o financiamento privado de campanha eleitoral. Sete ministros já haviam votado em sessões anteriores: 6 pela procedência e 1 pela improcedência do pedido. O ministro Gilmar Mendes pedira vista e engavetara os autos do processo por 1 ano e 5 meses. Ao retirá-los da gaveta, o ministro disse que a demora foi útil, pois durante esse período houve mudança na situação de fato. Justificativa pífia para o abuso por ele cometido. Zombou da inteligência alheia. Gastou cerca de 4 horas na exposição do voto. Abusou da paciência dos seus pares, dos advogados e do público. Sem base na prova dos autos, aproveitou a ocasião para difamar o atual governo, embora essa matéria fosse estranha ao objeto da ação judicial. Mostrou parcialidade, malícia e animosidade quando se referiu ao partido que apóia o governo. Em sintonia com a vontade do partido de oposição ao governo federal, Gilmar votou a favor do financiamento de campanha eleitoral por pessoas jurídicas de direito privado. A moralização dos costumes políticos em geral e da campanha eleitoral em particular não interessa aos corruptos.

Na sessão do dia 17 de setembro de 2015, foi encerrado o julgamento da mencionada ação judicial. Foram proferidos os votos restantes das ministras Rosa Weber e Carmen Lúcia e do ministro Celso de Mello. Como se não lhe bastassem as mais de 4 horas do dia anterior, o ministro Gilmar Mendes interrompeu várias vezes a ministra Rosa Weber só para repetir o que já havia dito e mastigado no seu longo e engajado voto. Grosseiro, irascível e contumaz, esse ministro violou o regimento e a ética judiciária quando: (1) aparteava sem prévia solicitação; (2) interrompia a exposição do voto para contrariá-la. Na forma regimental, o debate deve preceder o voto. Tolera-se, também, o debate depois do voto proferido, mas nunca durante a sua exposição. A sentença individual do juiz (voto) deve ser respeitada por todos e preservada da intervenção dos outros julgadores. Todavia, se solicitado e concedido, o aparte deverá ser respeitoso, breve e de apoio, jamais de contrariedade. A interrupção para contrariar implica abrir debate inoportuno, o que constitui afronta ao poder jurisdicional do magistrado que está votando e, além da transgressão disciplinar, caracteriza falta de educação cívica e social. Do somatório das sentenças individuais (votos majoritários) resulta a sentença coletiva do tribunal (acórdão), que também deve ser respeitada ainda que não seja unânime. A decisão judicial emana do exercício da soberania popular pelo juiz e pelo tribunal.

Ao contrariar a ministra Rosa Weber enquanto ela votava o ministro Gilmar Mendes, após considerar erradas as premissas dos votos vencedores, citou o pensamento do jurista alemão Carl Schmitt sobre a mais-valia do partido que ocupa o governo e do benefício que daí advém na disputa eleitoral. Referindo-se ao Brasil, o ministro afirmou que o partido do governo dispõe de muito dinheiro e por isto quer o fim do financiamento da campanha eleitoral por empresas privadas porque assim deixará a oposição algemada, sem recursos. Essa gratuita e leviana afirmação foi respondida de forma lúcida, serena e sensata, pela ministra Carmen Lúcia. Realmente, citar o democrático filósofo estadunidense Ronald Dworkin é menos mal do que citar o alemão Carl Schmitt, jurista e filósofo do nacional-socialismo (nazismo). Esta simpatia de Gilmar pela doutrina de Schmitt, aliada à sua conduta no tribunal, revela pendor ao nazismo.

Quanto ao poder econômico do Partido dos Trabalhadores (PT) que, na opinião de Gilmar, constrange o pobre, algemado e infeliz Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Carmen Lúcia respondeu com os fatos da história brasileira que não autorizam, em terra tupiniquim, a conseqüência que se pretendeu tirar da teoria de Schmitt. A ministra lembrou, com pertinência, a luta do pigmeu Luiz Inácio (PT) com o poderoso Ulisses Guimarães (PMDB) então detentor da mais-valia. O pigmeu foi para o segundo turno e perdeu para Fernando Collor, detentor do poder econômico e apoiado pela grande imprensa nacional. A disparidade de armas se manteve no confronto eleitoral com Fernando Henrique (PSDB), detentor da mais-valia e do poder econômico e apoiado pela grande imprensa. O pigmeu Luiz Inácio (PT) foi derrotado novamente. A luta continuou e, finalmente, o gigante detentor da mais-valia (José Serra + PSDB), embora favorecido pelo poder econômico e pelo apoio da grande imprensa, foi derrotado pelo pigmeu. Depois disto, o pigmeu se agigantou, qualificou-se como estadista, tornou-se detentor da mais-valia, executor da política interna e externa do País e ajudou a eleger a sucessora.

O gigante mais antigo não se conforma com a derrota e mesmo sem força militar pretende derrubar o governo pela astúcia jurídica. Mediante manobras artificiosas, sofismas, ginásticas cerebrinas e material probatório de fraca credibilidade, o gigante abatido tenta convencer: (1) o Tribunal Superior Eleitoral de que a eleição da Presidente desobedeceu aos parâmetros éticos, legais e constitucionais; (2) o Congresso Nacional de que houve crime de responsabilidade. Na quarta-feira, Gilmar Mendes, no plenário do STF e sob os holofotes da emissora de TV oficial, vomita a sua catilinária contra a presidência da república e o PT. Na quinta-feira, o advogado do PSDB entrega volumoso pedido de impeachment ao presidente da Câmara dos Deputados, com cobertura das emissoras de TV. 
Considerando a militância agressiva desde as eleições de 2014, pelo menos, e os métodos empregados para desferir o golpe de estado, que incluem injúria, difamação, calúnia, terrorismo moral e intelectual, verifica-se que o PSDB e o DEM se enquadram nos partidos de extrema direita, nos moldes nazistas. O advogado que patrocina a causa da oposição pertence ao PSDB; prestou serviço ao corrupto governo de Fernando Henrique, inclusive como ministro. Esse advogado é parecido com o pai dele, não só na fisionomia como também na cor ideológica. O pai, jurista e filósofo, era adepto do integralismo, movimento da extrema direita assemelhado ao nazismo, liderado por Plínio Salgado nos anos 30 do século XX, cuja doutrina foi incorporada à Carta Orgânica de 1937 (ditadura civil) e às Cartas Orgânicas de 1967 e 1969 (ditadura militar). Filho de peixe, peixinho é.

Testemunha ocular do nazismo, o filósofo Ernest Cassirer (1874-1945), polonês/alemão nascido no seio de rica família judia, fugiu para a Inglaterra, Suécia e se fixou nos EUA. No seu livro “O Mito do Estado”, diz que talvez a mais importante e mais alarmante característica do desenvolvimento do pensamento político moderno (século XX) tenha sido a aparição de um novo poder: o poder do pensamento mítico. Trata-se da preponderância do pensamento irracional sobre o racional. O fascismo italiano e o nazismo alemão foram expressões máximas desse poder. No Brasil do século XXI, ocorre fenômeno semelhante, o irracional ofuscando o racional, com formidável carga de ódio contra os vencedores do pleito eleitoral. O fenômeno é provocado pela ação nefasta daqueles dois partidos políticos acima mencionados, dos grandes jornais e das privadas emissoras de radiodifusão sonora e audiovisual. O pensamento racional parece ter esgotado as suas possibilidades e não mais repercutir na sociedade. Fala-se em crise política, econômica e social sem que dados concretos a confirmem, sem considerar as peculiaridades brasileiras, a melhoria no padrão de vida da camada pobre da população, o pacífico e regular comparecimento do povo às urnas, os fatores externos e a boa posição econômica do Brasil se comparada com outras nações. Fica tudo no campo do sentimento acicatado pelos golpistas. Embora os fatos desmintam a dimensão da crise, pelo menos, na proporção alardeada, a massa e parte da elite não procedem a uma análise racional. A crise real antiga e permanente – ou seja, a crise moral – é desconsiderada ou sequer cogitada.      

Ao contrário da disciplina estabelecida pela Constituição de 1946 e pelas Cartas Orgânicas de 1967 e 1969, no procedimento de impeachment estabelecido pela Constituição de 1988 a competência da Câmara dos Deputados limita-se ao juízo de admissibilidade da acusação contra o Presidente da República, ou seja: sem instauração do processo. Se o juízo for positivo, a Câmara envia ao Senado Federal a petição, os anexos e a resolução que autoriza a instauração do processo. Ao Senado compete processar e julgar o Presidente (e não só julgar como outrora). As decisões da Câmara e do Senado têm dupla natureza: jurídica e política. Ainda que, do ponto de vista jurídico, seja constatada base firme para a instauração do processo, a Câmara poderá negar autorização. Ainda que a Câmara autorize, o Senado poderá negar a instauração do processo. As duas casas são soberanas e independentes em suas decisões. Razões estratégicas, políticas, administrativas, econômicas, sociais, superiores às razões jurídicas, podem se sobrepor aos interesses de grupos e de partidos. O Legislativo decidirá de acordo com o superior interesse da nação. Deverá fazê-lo no devido processo legal, sob pena de nulidade. Crime de responsabilidade supostamente praticado durante mandato extinto não autoriza instauração desse tipo de processo. A autoria e a materialidade de crime de responsabilidade supostamente praticado no mandato em vigor devem ser provadas robustamente. Se a acusação for leviana, o acusador deve responder pelo crime de denunciação caluniosa, ainda mais quando o acusado é o Chefe do Estado e do Governo. Somente depois de instaurado o processo pelo Senado é que o Presidente pode ser afastado das suas funções. Ao Presidente da República é facultado o direito de pedir ao STF o exame da constitucionalidade das decisões tomadas pelas casas legislativas.  

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

DRÁGEA



Dois brasileiros, Edvaldo e Mário, conversavam sobre os seus trabalhos e viagens de férias com as respectivas famílias. Edvaldo dizia das suas seguidas viagens aos Estados Unidos com esposa e filhos para visitar a Disneylândia. Desdenhava do outro que só visitava as Cataratas do Iguaçu, o Pantanal, a serra gaúcha, as praias do nordeste, as ruínas de Machu Pichu, os Andes chilenos, limitando-se ao terceiro mundo. Sem se aborrecer com a gabolice do amigo, Mário responde com picardia:
- Sou mais natureza e cultura, meu irmão. Enquanto você, fiel representante dessa classe média colonizada, vai para a Disneylândia visitar o Pato Donald, eu vou para a Argentina visitar a Pata Gônia.

sábado, 12 de setembro de 2015

FUTEBOL



Neste mês de setembro, a seleção brasileira de futebol participou de dois jogos amistosos na América do Norte: um contra a seleção da Costa Rica e outro contra a seleção dos EUA. O objetivo foi prepará-la para disputar os jogos classificatórios à copa do mundo de 2018.

No jogo contra os brasileiros, a seleção da Costa Rica apresentou um futebol moderno, jogadores com habilidade e bem entrosados na participação coletiva. A seleção costarriquenha também exibiu um futebol de boa qualidade nas competições internacionais de que participou recentemente. Portanto, não se justifica a crítica desairosa à atual seleção brasileira por ter vencido pelo placar mínimo (1 x 0). Na retina desses críticos, a imagem do passado obscurece a imagem do presente. O preconceito em relação às seleções “sem tradição” não os deixa enxergar o que acontece no campo.

Convém não se iludir com a larga vitória da seleção brasileira diante da seleção dos EUA (4 x 1). O adversário fazia experiência em campo e não apresentou bom futebol. Os gringos não mostraram muito empenho e habilidade. Parece que eles seguem a famosa e espirituosa frase do mestre Didi: “treino é treino, jogo é jogo”.

A seleção brasileira teve melhor desempenho no segundo tempo de cada um dos dois jogos amistosos. Exibiu futebol vistoso, alegre e veloz. Salvo a entrada de Neymar, as outras substituições de jogadores durante as duas partidas foram experiências oportunas e necessárias. O treinador já pode ter uma noção mais apurada da futura formação. Aliás, o treinador deve se acostumar com as críticas desfavoráveis, desde que não ofensivas à sua honra e à sua dignidade. A crítica respeitosa há de ser tolerada ainda que fira a vaidade do criticado. Ossos do oficio.

Boas atuações de Lucas, William, Rafinha e Coutinho, confortam os torcedores na ausência ocasional de Neymar. A posição de centroavante está deficitária. Hulk mostrou dificuldade ao tentar preencher esta lacuna. Mesmo assim, ele fez um gol em cada partida. A defesa brasileira se portou bem nas duas partidas até o gol sofrido na segunda quando, então, mostrou nervosismo e destempero quiçá reflexo psicológico das acachapantes derrotas no confronto com a Alemanha e a Holanda na copa do mundo de 2014. O gol americano foi bonito e bem executado. A defesa brasileira não merece responsabilização por esse gol e poderá sofrer outros gols nos futuros jogos. Os defensores devem estar preparados para isto a fim de não perderem a calma e o domínio do setor. O importante é a seleção brasileira fazer mais gols do que a adversária.

A convocação de Neymar foi precipitada e inoportuna. Esse jogador está impedido de disputar as duas primeiras partidas do torneio oficial. A presença dele nos jogos preparatórios não se justifica. Se a seleção perder as duas primeiras partidas, o destino da vaca será o brejo. Ele só devia ser convocado para a competição oficial, âmbito em que a sentença da justiça desportiva produz efeito. No período da suspensão punitiva, o jogador acompanharia a seleção e treinaria na equipe suplementar. Cumprida a pena, participaria da terceira partida em diante, se necessário. A infeliz convocação provavelmente atendeu aos interesses dos patrocinadores e dos dirigentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que pensam mais em si mesmos e menos no sucesso da seleção brasileira. A prioridade nos jogos preparatórios cabia aos jogadores que disputarão as duas primeiras partidas. As seleções da América do Sul têm exibido um futebol entre bom e excelente. A seleção brasileira não encontrará facilidade. 

Oportunamente, outros jogadores poderão ser convocados até as vésperas da realização da próxima copa, no prazo permitido pelo regulamento. O campeonato brasileiro revela alguns atletas eficientes, dotados não só de habilidade motora como também de inteligência lúdica. Atualmente, no referido certame, destacam-se: Ricardo (Santos FC), como goleador e Alexandre (São Paulo FC) como atacante, ambos veteranos. Daí a cautela que o bom senso recomenda: aguardar a proximidade da competição oficial para selecionar e convocar os melhores no momento (se os dirigentes da CBF e os patrocinadores permitirem). Isto não significa esquecer a lição da experiência: há estrelas e há cometas. Há estrelas que surgem e brilham por breve tempo. Depois, paulatinamente, perdem o brilho e somem. Algumas permanecem no firmamento esportivo, porém, não mais como estrelas de primeira grandeza.

Os craques também têm prazo de validade. As leis da natureza são irrevogáveis e inflexíveis. Os avanços em matéria de nutricionismo, na medicina esportiva e em tecnologia, permitem apenas ampliar esse prazo, tornando possível, por exemplo, o jogador com idade igual ou superior a 40 anos, atuar bem durante o tempo normal do jogo, como já vem acontecendo. O bom profissional cuida da sua saúde, do preparo físico e técnico, alimentação balanceada, sem consumo de cigarro e de bebida alcoólica, sem desregramentos na vida diurna e noturna, o que contribui para a sua longevidade no esporte. Por outro lado, com essa conduta saudável e disciplinada, o atleta retribui a confiança nele depositada e o investimento nele feito pelo clube que o contratou.

Entregar a braçadeira de capitão da equipe a Neymar é ato temerário e provocativo. Esta função não deve ser exercida por moleques, ainda que sejam tecnicamente bons jogadores. Aliás, embora não sendo moleques, craques do passado não foram capitães da seleção brasileira (Leônidas, Didi, Pelé, Romário). Ante a indisciplina desse jogador, colocá-lo como capitão soa como provocação e desafio à entidade que o puniu e à corporação dos árbitros. O interesse financeiro não devia prejudicar o desempenho da seleção e a imagem do esporte brasileiro. A seleção de jogadores, a escala do time principal, a escolha do capitão da equipe, não devem depender de propinas, nem da vontade dos patrocinadores e das idiossincrasias dos dirigentes.   

Apesar das dificuldades que certamente enfrentará, a atual seleção brasileira tem chance de se classificar. Em outubro, quando começam os jogos oficiais, veremos a situação real e o que restou amorfo no espaço especulativo.

domingo, 6 de setembro de 2015

TEORIA E PRÁTICA



Na sessão do dia 02/09/2015, do Supremo Tribunal Federal (STF), estava em julgamento recurso extraordinário cuja origem era um mandado de segurança interposto por funcionários contra a administração pública. Os impetrantes tiveram cortados os seus pontos em decorrência de greve no serviço público. Os dias parados foram descontados dos seus vencimentos. Eles sustentavam o desamparo jurídico da decisão do administrador que ordenou o desconto. Venceram a demanda no grau ordinário de jurisdição. A entidade pública interpôs recurso extraordinário. O STF reconheceu a repercussão geral da matéria, ou seja: o tribunal entendeu: (1) relevante a questão do ponto de vista social e jurídico (2) que a demanda ultrapassava os interesses subjetivos dos litigantes.



Antes de examinar o mérito do recurso, o tribunal enfrentou a seguinte questão de ordem: prejuízo do recurso ante a desistência da ação apresentada pelos impetrantes do mandado de segurança. A desistência ocorrera porque o administrador público, após o processamento da ação, pagou os dias parados durante a greve. Destarte, a demanda perdera o seu objeto. Em conseqüência, não havendo mais interesse processual e havendo desistência da ação, o processo devia ser extinto sem resolução do mérito, na forma da lei processual em vigor. A questão ocupou a tarde inteira e ainda prosseguirá em futura sessão, porque um dos ministros pediu vista dos autos do processo.



A discussão teórica ofuscou o aspecto prático da questão. Isto acontece com freqüência no STF e contribui para a demora na solução das demandas. Os ministros confundem erudição com cultura e proferem votos extensos, como se fossem monografias e livros acadêmicos, repletos de citações de doutrina nacional e estrangeira e de dezenas de julgados, em linguagem rebuscada e com muitas repetições. Eles pouco oferecem de si mesmos, do pensamento lavrado na experiência e no bom senso; evitam estabelecer, mediante o seu próprio raciocínio e com olhos postos no caso sub judice, os nexos entre princípios e normas do sistema jurídico. A maioria dos ministros é, ou foi, professor universitário. Paralelamente à judicatura, alguns deles produzem textos doutrinários e livros, o que representa ganhos oriundos dos direitos autorais e das palestras que a toga prestigia e favorece. De um modo geral, os ministros também confundem magistério com magistratura ao exercerem a função judicante. Sabem a diferença, pois conhecimento não lhes falta, porém não sabem moderar a doutrinação e as citações, pois, se soubessem, concentrar-se-iam mais nos aspectos práticos da controvérsia em busca da solução conforme o direito em vigor no Brasil.



Exato e percuciente exame de qualquer caso deve preceder à sua explicação e interpretação. Memorável decisão de poucas páginas, proferida pela Suprema Corte dos EUA, sem invocação de doutrina e jurisprudência, repercutiu no mundo e se integrou ao direito constitucional, alicerçada na lógica, na interpretação sistemática e na autoridade moral e intelectual dos seus juízes (caso Marbury x Madison, 1808). Nessa decisão, a Suprema Corte firmou: (1) o princípio da supremacia da Constituição escrita em face das leis ordinárias; (2) a competência dos tribunais para, no devido processo legal, examinar e declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis. Essa doutrina fora exposta anteriormente por Hamilton no Federalista, coleção de artigos publicados na imprensa, da lavra dele, de Madison e de Jay, em defesa da Constituição dos EUA.         



Gilmar Mendes censurou um ministro por emitir opinião. Segundo o rabugento censor, “opinião se dá em livro”; ou seja: no processo judicial não cabe ao juiz opinar e sim julgar. No entanto, Gilmar emite opiniões nas sessões do tribunal seguidamente e o faz, muitas vezes, interrompendo o colega que está com a palavra sem pedir aparte, violando o regimento e a ética judiciária. O irascível censor gosta de impor o seu entendimento sobre todas as questões e mostra desagrado e irritação com opiniões contrárias. Outrossim, julgar significa formular juízos sobre coisas, pessoas e relações. Opinar significa formular juízos sobre coisas, pessoas e relações. Logo, opinar é um modo de julgar. A censura caberia sob outra luz: o hábito dos ministros de se valerem do processo judicial para dar vazão aos seus pendores literários e magisteriais, em prejuízo da concisão e da objetividade. “Vaidade, tudo é vaidade”, dizia Salomão, o rei hebreu que rogava a deus, a graça de ser um bom juiz.   



Além de indelicada, a censura do ministro foi obtusa. A opinião do juiz integra a prestação da tutela jurisdicional. Nos tribunais, a divergência sobre o mesmo assunto é comum; há votos convergentes e votos divergentes; ou seja: opiniões contrárias sobre a matéria em julgamento. A decisão judicial se compõe: (I) do relato sobre: (i) a pretensão do requerente; (ii) a resistência do requerido; (iii) as principais ocorrências; (II) da análise das questões de fato e de direito trazidas pelas partes; (III) da resolução dessas questões. Ao fundamentar a decisão, baseado no seu conhecimento, na sua experiência, na sua convicção e na sua consciência, o julgador emite opinião sobre: (1) a tese do requerente e a antítese do requerido; (2) a idoneidade da prova produzida na instrução processual; (3) a lei aplicável ao caso. 



A partir da fundamentação, geralmente encorpada com citações de jurisprudência e doutrina, às vezes com exagero, o juiz lança o dispositivo da decisão (nos tribunais, a decisão recebe o nome de acórdão). Tal decisão representa certeza processual baseada na evidência extraída do que ficou provado nos autos do processo. Nem sempre a certeza processual corresponde ao que acontece ou aconteceu fora do tribunal. Enquanto a solução da ação originária ou da respectiva ação rescisória não transitar em julgado, a certeza processual poderá ser alterada. Em outras palavras: enquanto for passível de recurso, a decisão reflete a opinião do prolator (juízo singular ou juízo colegiado) e somente se converte em certeza judicial após o trânsito em julgado (depois de esgotadas as instâncias recursais).        



A opinião e a certeza são dois estados em que se coloca o entendimento humano perante o problema da verdade. Na opinião, ao expor suas razões, o sujeito não afasta a possibilidade da concorrência de razões contrárias. A opinião assenta-se no convencimento do sujeito de que a maior probabilidade está ao lado das suas razões e não ao lado das razões opostas. Na certeza, ao expor suas razões, o sujeito não deixa margem a razões contrárias e não admite equívoco. A verdade brota da evidência (intuitiva ou racional), da clareza e firmeza com que o objeto se apresenta à consciência do sujeito (o que não afasta a cautela com a evidência aparente, superficial). A verdade pode ser: (1) ontológica, segundo o princípio da identidade: o que é, é; a verdade nesse caso é a expressão do ser das coisas tais como elas se apresentam no seu existir; (2) materialmente lógica: consiste na concordância do conteúdo do pensamento com o objeto; (3) formalmente lógica: consiste na concordância do pensamento consigo mesmo (coerência, ausência de contradição).



No caso examinado na referida sessão, o STF elaborou a tese de que, uma vez reconhecida repercussão geral, a parte não pode mais desistir da ação. A prestação da tutela jurisdicional escapa ao interesse subjetivo das partes e passa a interessar objetivamente à coletividade. Destarte, o STF julga a ação contra a vontade das partes, ainda que não haja mais interesse ou mesmo quando perdido o seu objeto. Essa tese parece violar: (1) a liberdade das pessoas para dispor dos seus bens, direitos e interesses; (2) o preceito que proíbe o juiz ou tribunal de prestar a tutela jurisdicional sem que a parte o requeira.



Havia solução prática para o caso, menos onerosa para a lógica jurídica, sem necessidade da ginástica cerebrina. O viés da lucubração acadêmica tem esse efeito de empalidecer o bom senso e de distanciar o pensador do contacto com realidades menos complexas. (Conta-se que Einstein se embaraçava com o troco nas compras de varejo que fazia no mercado). O presidente do STF declarou que havia recursos sobre idêntica controvérsia sobrestados nos tribunais. Bastava, então, o STF, na forma da lei, extinguir aquele processo e determinar a subida de um ou dois dentre os recursos sobrestados. O reconhecimento da repercussão geral seria mantido e o tribunal daria a solução esperada. Aliás, bom alvitre será a prática de manter no STF dois recursos representativos da mesma controvérsia para o caso de qualquer deles ser extinto sem resolução do mérito. A vigente processualística autoriza o tribunal de origem a encaminhar ao STF um ou mais recursos representativos.