sábado, 31 de março de 2012

FUTEBOL


No século XX (1901-2000) a coroa de rei do futebol mundial passou de Friedenreich a Leônidas e de Leônidas a Pelé, sucessivamente, sem perda de qualidade. Até a presente data não surgiu o sucessor de Pelé. A coroa aguarda novo rei neste século XXI. Ao futuro sucessor não se exige o impossível: ser melhor do que Pelé. Espera-se o possível: semelhança a Pelé, disciplinado, completo e eficiente na arte e na técnica de jogar futebol. Sucessão no trono sem perda de qualidade. Está difícil. Ainda restam nove décadas. Há outros brasileiros compondo a constelação dos jogadores geniais. Nela se destacam: Tomás Soares da Silva, Waldir Pereira e Romário de Souza Faria.

Tomás Soares da Silva, alcunha “Zizinho”, mulato, baixa estatura, pernas arqueadas, nasceu em 1921 e faleceu em 2002. Cérebro da formidável seleção brasileira de 1950. Eleito pelo público e pela imprensa esportiva o melhor jogador da copa do mundo de 1950. Inteligência lúdica, excelente visão de jogo, mestre da arte de jogar futebol, armador, atacante e artilheiro com centenas de gols marcados, Zizinho jogou em clubes cariocas, paulista e chileno. Conquistou dezenas de títulos. Pelé e Gerson nele se miraram o que, por si só, dá a medida da magnitude desse craque.

Waldir Pereira, alcunha “Didi”, nasceu em 1928 e faleceu em 2001. Mulato, inteligência lúdica, esguio, postura elegante dentro e fora de campo, armador, atacante e artilheiro, genial criador do chute denominado “folha seca”. {Salvo engano, ninguém mais conseguiu executar esse tipo de chute}. Didi jogou em clubes cariocas, marcou centenas de gols. Com seus companheiros, conquistou vários títulos. Passes oportunos e precisos. Visão de jogo extraordinária. De modo tranqüilo e natural, liderava as equipes em que atuava. Didi foi considerado pela imprensa internacional o melhor jogador da copa mundial de 1958. Recebeu o apelido de “Mr. Football”. Brilhou na copa de 1962. Com sua experiência e talento repartiu a liderança com Garrincha, transmitiu segurança aos companheiros e contribuiu para a vitória de modo decisivo.

Romário de Souza Faria nasceu em 1966. Mulato, estatura mediana, compleição física robusta, personalidade forte, indisciplinado, arreliento, desentendeu-se com vários treinadores e colegas. Atacante excepcional, repertório de jogadas geniais, marcou cerca de 1.000 gols durante a carreira iniciada no infantil do Olaria, em 1979 e encerrada no América do Rio em 2010. Em 613 partidas anotadas, marcou 457 gols, obtendo a média de 0,74 gols por partida, abaixo das médias dos seus antecessores. Espichou a carreira até os 43 anos de idade para alcançar o milésimo gol em contagem polêmica. Exibiu seu talento dentro e fora do Brasil. Bem entrosado com os companheiros, levou a seleção brasileira à vitória na copa mundial de 1994. Foi considerado o melhor jogador do mundo, título que a FIFA passou a conceder anualmente para premiar jogadores como Cristiano Ronaldo, KK, Messi, Rivaldo, Ronaldo Gaúcho, Ronaldo Nazário, Zidane. Na Europa, a imprensa, treinadores e jogadores de diferentes clubes, colocaram Romário entre os maiores jogadores de todos os tempos. Johan Cruyff, já treinador e Stoichkow colega de equipe (holandesa), achavam insuperável o desempenho de Romário na área adversária. Ele recebeu mais de vinte prêmios por sua excelente atuação em campeonatos da UEFA, da Holanda, da Espanha e do Mercosul, obtendo o primeiro lugar da artilharia na maioria deles. Na Copa da América de 1989, jogando pela seleção brasileira contra a seleção da Argentina, Romário mostrou em campo evidente superioridade diante de Maradona, tendo o público nacional e internacional por testemunha. {Nas respectivas fases áureas, guardadas as diferenças de estilo, Jairzinho, Neto, Rivelino, Ronaldo Gaúcho, Ronaldo Nazário e Zico também exibiram futebol superior ao de Maradona}. Na copa de 1998, depois que Romário auxiliou a seleção brasileira a se classificar, Zagalo e Zico, membros da comissão técnica, quiçá por inveja, afastaram-no da competição. Conseqüência: a seleção brasileira, com 11 zumbis em campo, perdeu a partida final para a seleção francesa com 11 guerreiros em campo.

quinta-feira, 29 de março de 2012

FUTEBOL


Manuel Francisco dos Santos nasceu em Pau Grande, distrito de Magé, Estado do Rio de Janeiro, em 1933 e faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 1983. Foi um dos raros gênios do esporte. Caboclo, estatura mediana, pernas tortas, um fenômeno na arte de jogar futebol, recebeu da irmã o apelido de Garrincha, uma espécie de pássaro. Começou a carreira em 1947 e a encerrou em 1972, após jogar por diversos clubes e pela seleção brasileira. Dribles rápidos, desconcertantes, inigualáveis, alguns precedidos de pausa provocativa diante do adversário. Criou: (i) o “drible da vaca”, que consistia em impulsionar a bola para um lado e correr pelo outro, deixando o adversário vencido dentro de uma elipse; (ii) o drible sem bola, que consistia em deixar a bola intocada no lugar sem que o adversário se apercebesse e correr como se a bola estivesse entre os seus pés; o adversário acompanhava a corrida; Garrincha então voltava e tocava a bola. Ele brincava com os adversários. Desenvoltura hilariante que agradava ao público. Jogava descontraído, irreverente, com prazer e alegria. Deixava o público radiante. Por isso mesmo, ao seu apelido foi acrescentada a expressão “alegria do povo”. Simplesmente genial, o melhor ponta direita de todos os tempos, Garrincha prestava assistência a partir da linha lateral do campo próxima à linha de meta, mas também penetrava na área adversária. Foi autor de mais de trezentos gols, aproximadamente, em mais de setecentas partidas, a maioria pelo Botafogo carioca. Conquistou vários troféus em competições nacionais e internacionais. Ainda não surgiu no mundo jogador com as excelsas qualidades que consagraram Garrincha mundialmente nas copas de 1958 e 1962. Nesta última, no Chile, com Pelé contundido e fora da competição, Garrincha compartilha com Didi a liderança da equipe e conduz a seleção brasileira à vitória, numa atuação impecável e extraordinária. Recebeu o prêmio “Bola de Ouro” da FIFA, por sua encantadora e magnífica atuação. Garrincha atuou na copa mundial de 1966, na Inglaterra, quando Pelé foi vítima do “futebol força”. Após ter vencido a seleção da Bulgária, a seleção do Brasil perdeu para as seleções da Hungria e de Portugal. Enquanto Garrincha e Pelé atuaram juntos na mesma partida, a seleção brasileira jamais conheceu derrota.  

Edison Arantes do Nascimento nasceu na cidade de Três Corações, Estado de Minas Gerais, em 1940. Recebeu o apelido de Pelé ainda criança. Negro, estatura mediana, corpo atlético, educado e disciplinado, jogou de 1955 a 1977, sempre com dedicação e amor ao esporte, exibindo vigoroso espírito de luta, sem arrogância. A maior parte desse período atuou pelo Santos FC. Ao servir o Exército (Elvis Presley também prestou serviço militar) jogou pelo clube da sua unidade e ganhou campeonatos militares. Encerrou a carreira na equipe do Cosmos (EUA), mais como professor e menos como jogador. Foi ensinar aos gringos a arte de jogar futebol. Ele atingiu a marca de 1.282 gols em 1.367 partidas, segundo registros oficiais, o que lhe dá a média de 0,93 gols por partida, abaixo das médias de Friedenreich e de Leônidas, ambas acima de um gol por partida. Marcou oito gols em uma única partida atuando pelo Santos FC contra o Botafogo de Ribeirão Preto. Entidades esportivas internacionais outorgaram-lhe o título de melhor jogador de futebol do século XX e o título de melhor atleta do século XX. Da imprensa internacional e do público ele recebeu o título de “rei do futebol” e o apelido “Rei Pelé”. Com seus companheiros e apesar de caçado em campo pelos adversários, Pelé participou da seleção vitoriosa nas copas mundiais de 1958, 1962, 1970, e da seleção derrotada na copa de 1966. Na copa de 1970, o treinador Zagalo tentou barrá-lo, quiçá por inveja do rei. Houve reação e Zagalo teve de engolir Pelé. Cautelosamente, para desestimular agressões e preservar sua integridade física, Pelé sabia quando e como retribuir a violência sofrida (certa ocasião quebrou a perna do adversário). Hábil, Pelé dominava a arte e a técnica de jogar futebol, inclusive como goleiro. Maravilhou a América e a Europa com suas jogadas geniais. Criou: (i) o passe no vazio para a chegada do companheiro e surpresa do adversário; (ii) o inesperado chute do meio do campo para encobrir o goleiro; (iii) a passagem da bola por cima da cabeça do marcador (chapéu). Tinha excelente visão de jogo, inteligência lúdica, repertório de bons dribles e passes. Ágil e atento, ele sofria poucos desarmes. Chutava bem com ambas as pernas, prestava assistência na medida certa, sabia se colocar proveitosamente em campo, eficiente no cabeceio e no amortecimento da bola no peito e nos pés. Gênio.

terça-feira, 27 de março de 2012

FUTEBOL


Nos seus respectivos países da África, América, Ásia, Europa, Oceania, jogadores podem ser considerados os melhores do mundo, porém, comparados com os jogadores brasileiros ficarão em desvantagem se, na comparação, forem aplicados critérios objetivos, consideradas: (i) a época; (ii) a arte de jogar futebol [beleza plástica, toque de bola sincronizado, inteligência lúdica, visão de jogo, habilidade no uso do corpo (cabeça, tronco, membros), capacidade de improvisar, criatividade, versatilidade]; (iii) a técnica de jogar futebol [espírito de equipe, controle do ritmo do jogo, objetividade na armação das jogadas, velocidade na execução, eficiência nos passes, dribles, desarmes, cabeceios, artilharia, cobranças de faltas e de escanteios e na reposição de bola pelas laterais do campo]. Obedecidos tais critérios, destacam-se os quatro maiores jogadores de futebol de todos os tempos: Arthur Friedenreich, Leônidas da Silva, Manuel Francisco do Santos e Edison Arantes do Nascimento. Brasileiros de humilde origem social, de excepcional habilidade, artilheiros, atuaram com êxito em diversos clubes e na seleção brasileira, conforme consta das respectivas biografias no Google e da tradição oral e escrita difundida internacionalmente nos séculos XX e XXI. 

Arthur Friedenreich – pai alemão e mãe brasileira – nasceu em 1892 e morreu em 1969, na cidade de São Paulo. Parte do povo brasileiro pronunciava seu nome assim: “frederracha”. Ele jogou dentro e fora do Brasil quando ainda o futebol era esporte amador. Posicionou-se contra a profissionalização do esporte, cuja via foi aberta nos anos 30, após a fundação da FIFA em 1904. No campeonato sul americano de 1919 (futura Copa América) no Uruguai, recebeu o apelido de “El Tigre”. Participou de quatro desses campeonatos: 1916, 1919, 1922 e 1925. Após a vitória da seleção brasileira sobre a seleção francesa, em 1925, a imprensa francesa outorgou-lhe o título de “rei do futebol”. Praticou o esporte de 1909 a 1935. Mulato, alto, magro, elegante, veloz, versátil, ele criou o drible curto, a finta de corpo e o chute de efeito. Friedenreich atuou em mais de 1.200 partidas e fez mais de 1.200 gols, média de um gol por jogo (ciência trazida por tradição oral e escrita). Em uma só partida ele fez sete gols jogando pelo Paulistano contra o clube União da Lapa.

Leônidas da Silva nasceu em São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro, em 1913 e faleceu na cidade de Cotia, no Estado de São Paulo, em 2004. Começou sua carreira em 1923, jogando no infantil do São Cristóvão FC e a encerrou em 1951, jogando pelo São Paulo FC. Negro, estatura mediana, veloz, grande elasticidade que lhe valeu o apelido de homem borracha, tornou popular e mundialmente conhecida a jogada denominada “bicicleta” criada por Petronilho de Brito (1904-1983). Atacante aguerrido e habilidoso, Leônidas fez centenas de gols, alguns de “bicicleta”. Realizava essa jogada com perfeição, os dois pés despregados do solo, pedalando e acertando a bola ainda no ar. A torcida exaltou o jovem Leônidas como “o novo Petronilho”. [A comparação era honrosa, pois Petronilho de Brito era fabuloso, de baixa estatura e drible rápido, marcou muitos gols, jogou em vários clubes e nas seleções paulista e brasileira; quando jogava na Argentina, no clube San Lorenzo (1933-1935), Petronilho recebeu elogios da crônica desportiva platina que refletiam o seu apuro artístico e técnico: “El Maestro”, “El Bailarin”, “El Artista de la Pelota”, “El Malabarista”, “Fenômeno”]. Na copa do mundo de 1938 (França), o árbitro anulou gol de “bicicleta” feito por Leônidas, alegando que aquela jogada não constava das regras do futebol. Artilheiro dessa copa com nove gols (incluído o anulado pela rigidez e ignorância do árbitro) Leônidas maravilhou a Europa com a sua arte e foi considerado o melhor jogador de futebol do mundo. A imprensa francesa deu-lhe o apelido “Diamante Negro”, que se converteu em marca de chocolate e lhe rendeu royalties por dois anos.

segunda-feira, 26 de março de 2012

FUTEBOL


A imprensa esportiva costuma comparar jogadores nacionais e estrangeiros. Movidos pelo sensacionalismo e pelo complexo de inferioridade decorrente da mentalidade colonizada, jornalistas brasileiros comparam sem critério, sem considerar época, arte e técnica. Parcela da população brasileira sofre desse complexo que o dramaturgo Nelson Rodrigues apelidara de complexo de vira lata. Para essa gente, tudo o que se faz nos países da América do Norte e da Europa é superior ao que se faz no Brasil: literatura, música, esporte, tecnologia, arte, ciência, costumes. A equipe econômica do governo brasileiro enfrentou bem a crise mundial iniciada em 2008. Sem paranóia, tratou a crise de modo próprio, frio e realista. Saiu-se melhor do que os governos dos países do primeiro mundo. Mostrou que é possível superar o colonial complexo de inferioridade; não ficou à espera de solução alienígena. Na última década do século XX, na capital do Rio de Janeiro, em almoço de trabalho, foi apresentado a um deputado federal o esboço de reforma do Poder Judiciário prevendo tribunal constitucional para cada região do país a fim de desconcentrar a jurisdição, acelerar o julgamento de milhares de processos e reduzir as despesas da população decorrentes das grandes distâncias a serem percorridas até Brasília. O supremo tribunal converter-se-ia em tribunal constitucional da região central. Pois bem. O deputado perguntou se algum país adotara aquele modelo. Ante a resposta negativa, perdeu o interesse. Eis aí como pensa e age o vira lata: há que ter um modelo estrangeiro para ser imitado. Esse tipo de postura foi notado pelos argentinos que, por isso mesmo, chamavam os brasileiros de macaquitos. O contingente de vira latas compõe-se de indivíduos dos setores público e privado, de diferentes níveis sociais, faixas etárias e profissões.

No futebol, jogadores brasileiros são rebaixados por análises superficiais – algumas levianas – e por comparações impróprias feitas por esse contingente de mentecaptos.  Com objetivos políticos e financeiros, a FIFA passou a incluir na lista dos melhores, sem criterioso exame do merecimento, jogadores de todos os continentes e a manipular a escolha do melhor jogador de cada ano. Do ponto de vista ético, todavia, o correto é avaliar o merecimento dentro de critérios objetivos, sem valorizar em demasia, nem aviltar. Bem cotados, entre outros, no cenário esportivo internacional, estão: (i) os africanos Etoo, Eusébio (naturalizado português), Milla e Zidane (naturalizado francês); (ii) os americanos Batistuta, Cambiasso, Chilavert (goleiro), Cubillas, Di Stéfano (argentino hispânico), Forlán, Gamarra, Hugo Sanchez, Maradona, Mario Kempes, Messi (argentino hispânico), Riquelme, Suarez, Valderrama; (iii) os europeus Anelka, Baggio, Ballack, Barthes (goleiro), Beckenbauer, Beckham, Bobby Charlton, Bobby Moore, Casillas (goleiro), Cristiano Ronaldo, Deco (luso brasileiro), Figo, Franco Baresi, Gerd Müller, Gordon Banks (goleiro), Gullit, Hagi, Ibrahimovic, Iniesta, Johan Cruyff, Just Fontaine, Klinsmann, Klose, Kócsis, Larsen, Lato, Lineker, Lothar Mattheüs, Malouda, Marco van Basten, Mazurkiewicz (goleiro), Michel Platini, Nasry, Oliver Kahn (goleiro), Özil, Paolo Maldini, Paolo Rossi, Paul Breitner, Pirlo, Puskas, Ribery, Rijkaard, Robben, Rooney, Rummenigg, Schweinsteiger, Sneijder, Stoichkow, Totti, Vieri, Villa, Xavi, Yashin (goleiro).

Para se valorizar mais do que o merecido, há jogadores servindo-se de promoção através dos meios de comunicação social, onde são colocados maliciosamente no mesmo nível dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos. Organizações esportivas européias passaram a colocar no rol dos melhores do mundo, sem merecimento, jogadores de clubes europeus, por não se conformarem com a supremacia dos jogadores de clubes e seleções de países subdesenvolvidos. 

quinta-feira, 22 de março de 2012

POESIA


Ouvem-se gritar cem pássaros: dois ou três sabem cantar. / Todos os outros palram, vibram ou guincham num ranger de eixo sem graxa. / Isso, para os ouvidos! Para os olhos, ante a alvorada de um róseo e azul estirados por pinceladas tímidas / erguem-se – entre palmeiras e araucárias, entre as primeiras fumaradas das usinas, algodão e café – a grande poeira rubra do dia / a cor soberana que vai penetrar tudo / avermelhando as árvores do caminho, os postes telegráficos / a grande cerca de “bougainvillers” / e até mesmo as bestas, jungidas de seis em seis às carroças / conduzidas por negros, japoneses e escandinavos / as bestas brancas que ela retoca / vestidos escarlates, cabeças azuis. / Nas usinas, a prensa de algodão “feita em Burlington, Alabama, USA” / mandíbulas terríveis, cerradas, o ponteiro marcando no quadrante os décimos de atmosfera / trabalha já, soltando fardos sobre fardos. / Cada fardo vestido de estopa grossa e atado por cintas de aço, cúbico e enorme como um armário / teus futuros armários de roupa branca, velha Europa! / lençóis e lenços, ceroulas e toalhas. / E os grãos de café atrás do vidro, à ventania do catador / “feito em São Paulo” desta vez. / Orgulhoso São Paulo! Com seus homens ásperos, suas mulheres finas, seus algarismos, suas usinas, seus rancores. / São Paulo que, do golfo a Mato Grosso, pesa como um bloco de aço. / É ele que parece puxar para baixo toda a América / puxar para o Brasil, para os pensamentos frios expostos ao contato do Pólo. / Porque é em vão que o continente arfa sob o Equador / e que os trópicos incham como velas. / São Paulo pesa, mantendo o Brasil como uma âncora. / No entanto, uma vaca muge, à moda européia, no cercado de eucaliptos. / E os periquitos e as rolas esvoaçam entre as palmeiras e os cipós / enquanto as colinas perfilam por milhões seus cafeeiros / e o beija-flor vibra e se vai rodopiando como uma alma / e para o céu, como uma estrela, antecipando o Cruzeiro do Sul / sobe o sol altivo de São Paulo. (“Alvorada Paulista” – Luc Durtain = André Robert Gustave Nepveu).   

domingo, 18 de março de 2012

POESIA


Para que uma vez mais João Batista sorria / Senhor, eu dançarei melhor que um serafim. / Mãe, por que está imersa em tal melancolia / vestida de condessa e ao lado do delfim? / Meu coração só de escutá-lo quando eu vinha / dançar junto ao funchal, batia angustiado. / Eu lhe bordara lírios numa bandeirinha / destinada a flutuar no alto do seu cajado. / E agora, para quem farei lírios bordados? / Seu bordão refloresce às margens do Jordão. / Vieram prende-lo, ó Rei Herodes, teus soldados / e em meu jardim lírios murcharam desde então. / Vinde todos comigo, além, sob os quincôncios / Não chores mais, lindo bufão de reis / em vez do guiso, empunha esta cabeça e dança! / Mãe, sua fronte fria está. Não lhe toqueis. / Senhor, ide na frente e que a guarda nos siga. / Abriremos um fosso e nele o enterraremos / entre flores e, em roda, em torno dançaremos / dançaremos até que eu perca a minha liga / o rei, a tabaqueira, a infanta, o seu rosário/ e o cura, o seu breviário. (“Salomé”. Guillaume Apollinaire Kortrovitz).

quinta-feira, 15 de março de 2012

POESIA

Neve caindo e a noite tão depressa / tão depressa, no campo onde passei / quase coberto de macia neve / algum restolho só a distinguir-se. / Os circundantes bosques têm-na – é deles. / Os animais se encolhem pelas tocas. / Vago demais eu vou para contar / a solidão me inclui sem que eu o saiba. / Solitária como é tal solidão / sê-lo-á bem mais, por menos que antes seja / alva brancura da noturna neve / sem expressão, sem nada que exprimir. / Ninguém me assusta com o vazio espaço / entre as estrelas sem humanidade. / Tenho dentro de mim, e bem mais perto / com que assustar-me: o meu próprio deserto. (“Lugares Desertos” – Roberts Frost).

quinta-feira, 8 de março de 2012

PAZ


Paz de criança dormindo, poetava Dolores Duran. Paz de espírito para bem viver neste mundo. Devaneio poético. A civilização gerou modelos de convivência refratários à paz sonhada por Dolores. A paz entre os seres humanos implica defesa contra os estímulos que provocam ações e pensamentos destrutivos; que despertam sentimentos de inveja, raiva e ódio; que geram inquietação, horror e desespero. Nas relações humanas, a paz se obtém mediante respeito mútuo, moderação, altruísmo, controle do egocentrismo e do impulso de dominação. Exige atitudes positivas: reagir à exploração de uma pessoa por outra, ou de um povo por outro; opor a liberdade à servidão; submeter interesses ao crivo da razão; combater a criminalidade; apear do poder governante que atua contra o bem comum. Suprema arte: assumir essas atitudes positivas sem violência.

Problemas políticos, sociais e econômicos assediam a humanidade através dos séculos. São entraves à paz. Exigem constantes esforços para solução adequada. Não são insolúveis, mas se renovam. Vontade, capacidade, oportunidade e meios para resolvê-los sempre faltam. Problemas e paz não combinam embora um clima de paz ajude a solucioná-los. Superar dificuldades requer arte, paciência e reflexão. No indivíduo, restam em potência os recursos para superá-las (conhece-te a ti mesmo). Nos folguedos da comunidade, a paz é subtraída por pessoas que sentem prazer em tumultuar, atemorizar, ferir e matar. Parlamentares, chefes de governo, magistrados, funcionários de qualquer escalão, abusam do poder, criam dificuldades, causam sobressaltos e embaraços aos governados.         

No campo espiritual, há necessidade de permanente e sincera busca do reino de Deus para alcançar a paz. Ao ser invadido por uma paz profunda, o indivíduo sente que se aproximou do reino divino. Nessa experiência extática, ele vivencia a paz. Segundo os evangelhos, Jesus dizia estreita a porta que leva ao Pai e poucos seriam os escolhidos. Portanto, ele não veio salvar e sim selecionar, constituir uma comunidade de santos. A multidão excluída vai queimar no inferno. Os crentes, ainda que não sigam à risca os mandamentos, serão perdoados desde que não pequem contra o espírito santo. Ricos, remediados e pobres, desde que misericordiosos, ingressarão na morada celeste, ainda que não pertençam à comunidade dos santos. Segundo essa doutrina, os incrédulos, os hipócritas e os que zombam do espírito santo são parceiros do demônio.

Na realidade, jamais houve comunidade de santos aqui na Terra. A razão é simples: a doutrina de Jesus é impraticável por ser incompatível com a natureza bipolar do ser humano: angelical + demoníaca. Na farsa da exeqüibilidade do que é inexeqüível, a organização eclesial serve-se do terror para convencer e formar o rebanho. Mais fácil: conduzir quem se acha nas trevas da ignorância, colocá-lo em servidão, ditar-lhe regras e lhe tirar parte dos bens e dos ganhos mediante chantagem emocional. Mais difícil: conduzir quem cultiva a razão e a intuição; quem alarga o conhecimento de si, do outro e do mundo; quem busca aproximar-se de Deus com a mente e o coração abertos, escorado em conduta ilibada, com firme e sincera disposição de ânimo. Os iluminados – não só pelo cultivo do intelecto, mas que o são na quietude das suas almas, como Akenaton, Sócrates, Sidarta, Jesus, Gandhi, portadores da luz da razão divinamente inspirada – constituem ameaça às oligarquias políticas e religiosas. Daí, serem eles odiados, traídos e até privados da liberdade e da vida. A ojeriza dos oligarcas contra os ensinamentos desses mestres é óbice à celebração da paz.

domingo, 4 de março de 2012

PAZ


Paz como exigência estática jamais terá lugar no universo. A vida é o principio dinâmico que mantém o universo em eterno movimento e progresso. No mundo natural, há momentos de calmaria refletidos na superfície do lago, no cume da montanha, na solidão dos campos varridos por suave brisa, na profundidade do oceano, no céu límpido em noite estrelada e enluarada. Todavia, o fluxo é de fenômenos telúricos, de sucessões de causas e efeitos, de mutações. No mundo cultural, há momentos de calmaria nos templos místicos e religiosos, nos mosteiros, nas tréguas, no isolamento individual para meditação, contemplação, êxtase, beatitude, sintonia com o mundo divino, iluminação espiritual. Há momentos de tranqüilidade pública, sem guerra, sem competição selvagem na atividade econômica, sem confronto violento entre classes, grupos e etnias. Vige a paz nos momentos de cooperação para o bem geral, de sossego, repouso e harmonia no lar.  

Na acepção positiva, entre os seres humanos, paz implica presença de: (i) amizade, solidariedade, simplicidade; (ii) liberdade, igualdade, fraternidade; (iii) simpatia, compreensão, tolerância, bondade, serenidade, silêncio, amor.  Na acepção negativa, implica ausência de: (i) conflito, hostilidade, destempero; (ii) ódio, cobiça, desejo; (iii) maldade, crise, sofrimento, preocupação, desespero, inveja, paixão.

A paz esteja convosco! Assim se cumprimentam os místicos. Buscam o silêncio dos mosteiros e dos templos, longe do torvelinho dos centros urbanos e dos desencontros da vida em sociedade. Zelam pela paz nos seus corações e nas suas mentes, pelo controle das emoções e dos apetites. Grande vitória é manter a paz interior ao caminhar nos dias úteis pelas ruas de uma metrópole ou nelas trafegar em veículos automotores. 

Quem tem paz, amor não tem, diz a canção popular. Indaga-se de que amor o compositor está falando. Da paixão que gera o ciúme, certamente. Do amor possessivo e torturante que rouba a paz de espírito. Do exagerado afeto e apego às coisas materiais, possivelmente. Formas de amor incompatíveis com a paz interior e exterior. 

Paz e amor combinam-se no discurso e na visão de mundo dos hippies da era de aquário. O modelo era Jesus, cuja aparência nazarena era imitada pelos rebeldes e vinha estampada nas camisetas. A escolha do modelo foi infeliz, pois segundo os evangelhos, Jesus afirmava que não viera para trazer a paz e sim a espada, que viera para dividir e não para unir; viera para fundar uma comunidade de santos e atemorizar os pecadores. A imagem nazarena adequou-se mais a Che Guevara do que aos hippies.    

Queremos paz! Bradam as populações vítimas dos conflitos provocados pelos governos. A estupidez dos governantes entra em recesso para ceder espaço a momentos de paz. Celebram-se tratados de armistício entre as forças combatentes ou de sucumbência entre vencedores e vencidos. Na busca da paz, cessadas as hostilidades, há reivindicações de mudança na organização social, política e econômica, nas prioridades, na hierarquia dos valores e princípios morais e jurídicos.

quinta-feira, 1 de março de 2012

PAZ


O sentimento de alegria e de esperança por um futuro risonho repete-se todo final de ano. As padronizadas festas motivam reflexões de variados matizes expressas em linguagem poética ou literária, matéria de revistas, jornais, programas de televisão e de intensa propaganda comercial. Renovam-se os votos de saúde, prosperidade, amor e felicidade. Paz é palavra freqüente nesses festejos em que as pessoas se vestem de branco, se abraçam, cantam, dançam, riem, comem, bebem, soltam fogos e estouram bombas. Euforia. Costume raso.  Promessas de mudança jamais cumpridas. Para alguns, o ano velho foi muito bom e não convém mudar. Vida nova! Exclamam outros, sem convicção. Temas correlatos à paz, como o místico trinômio luz + vida + amor, o binômio eu + tu e a felicidade, foram tratados na série publicada nos meses de fevereiro, março e abril de 2010 aqui neste espaço. Dispensável, pois, a repetição. Cabem algumas considerações sobre a paz.  

Em janeiro, o livro da vida continua a ser escrito. Fevereiro: carnaval. Março: quaresma. Abril: páscoa. Junho: festas juninas. Setembro: semana da pátria. Dezembro: reveillon. Durante o ano: (i) dias santificados e outros feriados que ensejam passeios à praia ou à montanha e incrementam o turismo interno; (ii) nascimentos, casamentos, divórcios e mortes; (iii) pessoas amando, odiando, fingindo, tolerando, estudando, trabalhando, vagabundeando; (iv) homens e mulheres empregados e desempregados, saudáveis e doentes, alegres e tristes, felizes e sofrendo, sorrindo e chorando.

Abundância para uns, mendicância para outros. Crianças e adolescentes, amparados alguns, abandonados e explorados, outros. Famílias sem moradia. Habitações em regiões sem infra-estrutura e em áreas de risco. Tragédias por fatores naturais e humanos que: (i) agitam as emissoras de TV e nutrem a vaidade dos repórteres e apresentadores; (ii) enchem cofres e armazéns particulares de políticos corruptos com o dinheiro do erário destinado ao socorro e com os bens doados pelo povo; (iii) evidenciam a solidariedade da maioria e o egoísmo e a pilantragem da minoria.

Aumento de preços, tarifas e tributos. Inflação. Acidentes de veículos com lesões e morte. Assassinatos, furtos, roubos, estupros. Violência doméstica. Agressão à mulher, à criança e ao meio ambiente. Tráfico de drogas, de gente, de bicho, de madeira e de metal. Propaganda enganosa. Manipulação de dados. Corrupção no Legislativo, no Executivo, no Judiciário e nos órgãos da administração pública indireta. Impunidade. Eleição para cargos públicos de gente que não presta. Eleitor ignorante ou corrupto.

Vitórias e derrotas no esporte. Insuficiência de escolas, hospitais, professores, médicos e de verba para pesquisa científica. Despreparo de professores e alunos. Má remuneração dos professores da escola pública e dos médicos da previdência social. Má qualidade do ensino e da assistência à saúde. Aprovações escolares aos lotes. Ensino privado como negócio lucrativo. Policiais e criminosos associados. Consumo de craque, cocaína, maconha, tabaco e bebida alcoólica. Nações a cobiçar as riquezas de outras e a provocar guerras a pretexto de defesa prévia. Hipocrisia como norma das relações internacionais. Mentira como valor diplomático. Covardia das nações aliadas à grande potência.

Cada novo ano já nasce velho de 100 anos!