quarta-feira, 29 de abril de 2020

DIREITO DE MORRER

A Constituição da República Federativa do Brasil, ao declarar os direitos fundamentais da pessoa humana, coloca a vida em primeiro lugar. Ao tratar da família, considera dever da sociedade e do estado assegurar à criança e ao adolescente o direito à vida. A lei civil reconhece ao nascituro o direito de nascer e de herdar. A lei penal define como crime a voluntária interrupção da gravidez. Nas hipóteses de perigo de vida da gestante, de estupro e de feto sem cérebro, a lei e a jurisprudência permitem o aborto. A última e decisiva palavra neste assunto deve caber à mulher. 
A ordem jurídica supõe relações entre pessoas vivas. No mundo físico, os mortos não se relacionam, nem há interação entre vivos e mortos (salvo em sessões espíritas). A lei estabelece a obrigação dos vivos de respeitarem os mortos, seus corpos, memórias, funerais, sepulcros e a última vontade referente ao cadáver (enterro, cremação, embalsamamento) e ao destino dos bens (dinheiro, ações, móveis, imóveis, semoventes). Conforme a legislação e os costumes de cada país, aos mortos também podem ser cominadas penas. O corpo de Tiradentes foi esquartejado. O morto pode ficar sem missa, sem cerimônia funerária, sem sepultura, nos casos previstos na lei canônica.    
Matar homem ou mulher, adulto, adolescente ou criança, ainda que seja o próprio filho ao nascer, é ato definido como crime na lei penal (homicídio, infanticídio). A lei não considera crime o ato praticado em legítima defesa, em estado de necessidade, no estrito cumprimento do dever legal, ou no exercício regular de direito. No combate ao crime, os policiais tiram a vida dos delinquentes; às vezes, são os policiais que tombam. Em outros países, onde é adotada a pena de morte, o estado tem o dever de matar o criminoso na legal execução da sentença condenatória.   
O suicídio inscreve-se entre os direitos de morrer. Para quem se suicida não há punição no direito brasileiro. A lei comina pena de reclusão à pessoa que instiga alguém a se suicidar ou que presta auxílio para que outro se suicide. Há nesse dispositivo legal um reconhecimento implícito do direito de morrer, liberdade do vivente humano de encerrar a sua própria existência. Difere de pessoa a pessoa a capacidade de resistir às pressões, às desilusões, aos sofrimentos gerados no âmbito da família, da escola, da empresa, da repartição pública, do quartel, da igreja. O direito ao suicídio pode ser exercido coletivamente. Na atual pandemia, grupos de pessoas violam a quarentena, saem para as ruas, praças e praias, visitam shoppings, acabam infectadas e mortas. Em alguns países, o número de casos está diminuindo, mas em outros, como o Brasil, continua a crescer e a exigir o isolamento recomendado pelas organizações médicas nacionais e internacionais.  
A eutanásia constitui outro direito de morrer. A vítima de doença incurável tem o direito de se livrar do sofrimento e antecipar o fim da sua existência terrena. O doente não está obrigado a aguardar futura e incerta descoberta científica da cura, milagres, fórmulas mágicas, e tampouco a se submeter a paliativos e ao charlatanismo de pastores e pais-de-santo. Cabe ao doente autorizar a morte a que tem direito, quer esteja em casa, quer esteja no hospital. Soldados feridos em combate suplicam pela morte. Na camaradagem há compaixão, misericórdia, senso natural de justiça. Por outro ângulo, há o dever de morrer pela pátria. Nas batalhas fora e dentro do país, soldados e policiais arriscam a vida e a integridade física. No credo muçulmano, o fiel tem o dever de morrer em defesa da religião. Como recompensa, ele será recebido no paraíso por huris que lhe darão prazer eternamente. Nas cruzadas, os guerreiros cumpriam o dever de lutar e morrer pela hegemonia da religião na terra santa, embora não se descurassem da conquista de bens materiais. Outrora, o marido traído tinha o direito de matar e o dever de morrer em defesa da sua honra. A trágica morte de Euclides da Cunha serve de exemplo dessa regra consuetudinária. Mais habilidoso do que o escritor, o amante da esposa venceu o duelo.   
O direito à vida e o direito à morte integram a esfera sagrada da cultura humana. O poder de decidir sobre esses direitos eleva a autoridade ao nível divino. Nessa elevada posição situa-se o médico ao decidir entre os seus pacientes, qual terá o direito de viver e qual terá o dever de morrer. Na pandemia que assola a humanidade neste ano (2020), se os recursos forem poucos para atendimento da população infectada, a seleção será necessária. Aventa-se como critério a faixa etária dos pacientes de ambos os sexos. A prioridade é dos mais jovens. Os idosos ficam sem assistência. A justiça desse critério é discutível. Nada assegura: (i) que o jovem atendido não morra logo adiante por causa distinta (ii) que o jovem seja mais necessário e útil à sociedade do que o idoso preterido. O jovem escolhido pode ser um delinquente enquanto o idoso preterido pode ser um professor. A mulher jovem escolhida pode cultivar maus costumes enquanto a mulher idosa preterida pode ser mãe e avó dedicada aos filhos e netos, aos afazeres domésticos e ao trabalho fora do lar. A escolha por faixa de idade brota do preconceito, da fé na juventude, da crença na decrepitude da velhice. 
Civil ou militar, presidente ou gari, rico ou pobre, empresário ou empregado, ninguém tem o direito de ameaçar a vida das pessoas e de lhes impor o dever de morrer. Aliás, ações e omissões do presidente da república e do ex-ministro da justiça serão investigadas no inquérito policial requisitado pelo procurador-geral da república e instaurado por despacho do decano da suprema corte (CR 129, VIII + 102, I, b). Ao deferir pedido de instauração de inquérito policial, não cabe ao magistrado (juiz de direito, desembargador, ministro) qualificar juridicamente os fatos, apontar quem deve ser investigado, quem deve servir de testemunha, quais provas devem ser realizadas. Isto é atribuição privativa do delegado e do agente do ministério público. O magistrado tem o dever de preservar a sua imparcialidade e de se manter equidistante das partes interessadas na investigação. No caso em tela, o juiz relator (ministro) manteve as necessárias equidistância e imparcialidade. A ênfase na figura do chefe de governo foi necessária em consequência das garantias constitucionais que cercam aquela autoridade (exigências especiais para ocupar o polo passivo da relação processual). Ex-ministro não goza dessas garantias especiais. O decano teve o cuidado de distinguir instauração de inquérito da instauração de processo. Concluído o inquérito com o relatório do delegado federal, o procurador fará o enquadramento legal dos fatos e, se for o caso, denunciará os investigados. Deferida a petição inicial (denúncia), instaura-se o processo por crime comum; indeferida, arquiva-se o inquérito. Ocorrida a aposentadoria do juiz relator (ministro) no segundo semestre, provavelmente o presidente do supremo tribunal sorteará novo relator dentre os ministros remanescentes, sem esperar o preenchimento da vaga, tendo em vista a urgência e relevância do caso.        

sábado, 25 de abril de 2020

O PRESIDENTE E O POLICIAL

O tema do programa vespertino da Globo News foi a demissão do ministro da justiça (24/04/2020). Ficou visível a encenação, o cuidado na seleção da linguagem e das imagens, a ênfase em atos e fatos para encorpar e impactar, tudo no propósito de enaltecer o pupilo da emissora, de lhe devolver a capa de super-herói e de colocar o presidente da república na posição de bandido, à semelhança das histórias em quadrinhos. A tibieza dos jornalistas indicava falta de convicção, dificuldade na montagem da crítica no calor da notícia, inteligência mediana, deficiência cultural. Eles definiram como criminosos os atos do presidente narrados pelo demissionário. Atuaram como membros de um partido político em defesa do futuro candidato à presidência da república. Contam com a admiração e o apoio da numerosa parcela da população contrária aos partidos de esquerda. Certamente, a emissora, tal como acontece há mais de 30 anos, incentivará entendimentos entre o seu candidato e outros candidatos filiados à direita do espectro político. O enquadramento da conduta do ex-juiz e ex-ministro em tipos penais (concussão, corrupção passiva, prevaricação, violação de sigilo funcional) talvez impeça o êxito desse planejamento político mediático e empresarial.           
A demissão em tela alvoroçou a média nacional. [Recuso-me a falar e escrever mídia, pronúncia inglesa da palavra latina media = meios. O nosso idioma é latino. No vocabulário português existe a palavra média e não mídia como pronunciam os americanos de língua inglesa e os brasileiros colonizados]. Em ligeira e superficial análise, os jornalistas da citada emissora de TV exibem a sua simpatia pelo pronunciamento e pelas justificativas do ex-ministro. Nota-se interesse em ocultar as patifarias do seu pupilo praticadas: (i) no comando da operação lava-jato (ii) ao negociar a sua nomeação para o cargo de ministro (iii) ao exercer o cargo ministerial. Na outra ponta, essa média politiqueira demoniza a atitude do presidente da república qualificando-a de ilegal. 
Cabe lembrar que ministro é órgão auxiliar do presidente, cargo de confiança, sem garantia de estabilidade. Nomear e exonerar ministros é competência privativa do presidente da república (CR 84, I). Os motivos da nomeação e da exoneração podem ser administrativos, políticos, estratégicos, técnicos, científicos ou pessoais. O mesmo ocorre em relação a outros cargos de confiança na administração pública federal (superintendências, chefias). Para exonerar – e nisto o atual presidente mostra certa volúpia – basta perder a confiança no ministro, no superintendente de organismo administrativo, no chefe de departamento, discordar da atuação desses auxiliares, ou mudar o relacionamento pessoal. O presidente não está juridicamente obrigado a justificar ou comunicar previamente a exoneração. Em nome do povo, o presidente exerce poder político soberano só limitado pelos cânones constitucionais. Por sua vez, ministro, superintendente e chefe de departamento quando descontentes podem se demitir livremente. No governo Cardoso, o advogado e professor de direito Miguel Reale Jr., discordou do presidente e se demitiu do cargo de ministro da justiça. Exerceu o seu direito livremente sem alvoroço e sem escândalo. Hoje, no governo Bolsonaro, a demissão do bacharel Sérgio Moro do cargo de ministro da justiça causou furor na tendenciosa média corporativa. Na iminência de ser exonerado pelo presidente, o ministro antecipou-se ágil e espertamente e pediu demissão no intuito de salvar a sua imagem perante o eleitorado que rejeita o atual governo. Cedo, pela manhã, reuniu a imprensa amiga (já de prontidão) e lançou acusações contra o presidente.   
A polícia federal, instituída e organizada pela União Federal, zela pela segurança pública segundo as atribuições outorgadas pela Constituição da República (CR 144). Inexiste a autonomia mencionada pelos jornalistas do citado programa de TV. A autonomia da qual a polícia gozou durante o governo do PT foi deferência especial sem amparo na Constituição. Não se trata de autonomia funcional institucionalizada e sim de uma equivocada política do governo petista que redundou na perda da liberdade e dos direitos políticos do seu líder. Ele confiou na lisura dos delegados, procuradores e juízes federais. Enganou-se. Ingenuidade e política não combinam. 
A polícia da segurança pública (judiciária) integra a administração pública e está subordinada às autoridades superiores (ao presidente e ao ministro da justiça na esfera federal; ao governador e ao secretário de segurança pública na esfera estadual). No exercício das suas atribuições, a polícia não pode negar informações a essas autoridades superiores, nem delas ocultar procedimentos sigilosos, sob pena de subversão da ordem hierárquica. Além disto, a atividade policial está sujeita ao controle externo do ministério público (CR 129, VII). Como integrante da administração pública, a polícia judiciária deve obediência aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência e publicidade (CR 37). Na república democrática, o sigilo das investigações é exceção. O conhecimento do conteúdo da investigação pode ser negado ao público, mas não à autoridade superior. Na hipótese de esta autoridade usar a informação para fins ilícitos, arrisca-se a perder o cargo e a ser processado judicialmente.      
Nos termos da Constituição, ao presidente da república compete: (i) a direção superior da administração pública federal (ii) o comando supremo das forças armadas (iii) a defesa do estado e das instituições democráticas. Portanto, a restrição que a polícia federal pretende impor aos poderes do presidente da república é inconstitucional e tipifica ato de insubordinação. O fato de a polícia gozar de autonomia num governo não lhe dá o direito de exigir do governo seguinte igual privilégio. A democracia e os direitos humanos ficam ameaçados por esse inconstitucional privilégio.  
O acordo entre o ex-juiz e o presidente sobre a nomeação e o exercício da função ministerial é res inter alios acta. As questões derivadas desse acordo celebrado entre os dois delinquentes devem ser resolvidas entre eles na esfera individual e particular. A encrenca estava escrita nas estrelas (da bandeira dos EUA inclusive). Na encenação dos jornalistas no mencionado programa havia teatralidade. Ao contrário do que disse um deles, o presidente não está “desesperado”, porém, naturalmente apreensivo quanto (i) a instauração de processos parlamentar e judicial (ii) ao comprometimento da sua saúde com o vírus da moda (iii) ao destino dos seus filhos. O presidente sabe que a chance de ser reeleito é pequeníssima. Antes de findar o seu mandato ele poderá ser afastado do cargo: (i) por decisão lavrada em processo parlamentar de impeachment (ii) por decisão da suprema corte proferida em processo judicial (iii) por renúncia, doença grave ou morte. 
A cláusula do acordo relativa à pensão despertou curiosidade. Certamente, não se trata de pensão previdenciária paga por instituição pública ou privada. Provavelmente, trata-se de constituir capital cujo rendimento mensal equivalerá ao subsídio do juiz federal. A fonte pagadora não foi revelada. Para assumir o ministério, o ex-juiz pleiteou compensação pela perda das garantias da magistratura. Pensou na segurança financeira da sua família quando deixasse o ministério. Caso fosse nomeado para o supremo tribunal, ele recuperaria as garantias perdidas. Nesta hipótese, o capital constituído voltaria à origem. Satisfeita a condição securitária, o ex-juiz assumiu o compromisso de bem servir aos governos do Brasil e dos EUA, de proteger o presidente, os filhos, a tropa miliciana e os interesses dos demais indivíduos e grupos direta ou indiretamente ligados à presidência. O acordo recebeu o aval do prestígio do ex-juiz como baluarte contra a corrupção, imagem criada astuciosamente por emissora de televisão.  

quarta-feira, 22 de abril de 2020

TROVAS


Onde eu estou tu sempre estás
Onde estás nem sempre estou
Distância à frente tristeza atrás
Lento pensativo na senda vou

Se tu sentes minha falta
Talvez gostes de mim
Se tu sentires febre alta
Eu serei teu querubim

sábado, 18 de abril de 2020

AQUI AGORA


Quanta tristeza tu causaste
Quantas vidas tu roubaste
A causa do nosso padecer
Ficamos todos sem saber

Aqui o bem que se faz se cala
Preso no espelho posto na sala
Agora a vez de lamento e dor
Sem o doce perfume do amor

Agora que mais importa
Escrever por linha torta
Aqui se faz aqui se paga
Dispensável rogar praga

terça-feira, 14 de abril de 2020

PANDEMÔNIO NA PANDEMIA

A moléstia provocada pelo vírus da moda, cuja rápida propagação é surpreendente, não tem merecido especial atenção do presidente da república e dos seus seguidores. Para eles, há sensacionalismo dos meios de comunicação que disputam audiência e patrocínios; matéria jornalística para ser explorada por muito tempo; oportunidade para vender remédios e receitas e aumentar o preço das mercadorias, principalmente das essenciais ao consumo da população. Eles se rebelam contra a quarentena e as orientações da comunidade científica e médica nacional e internacional.  
Paira incerteza sobre a estrutura do vírus, a vacina e os remédios para cura. Os laboratórios intensificam suas pesquisas na busca de bons e eficientes resultados. Por enquanto, a quarentena e os cuidados com a higiene são fundamentais. Da crise provocada pela pandemia aproveitam-se os políticos para obter vantagens eleitoreiras. No jogo sujo da política partidária, governantes estaduais e municipais solapam a quarentena para atender financiadores de campanha e redutos eleitorais. Eles expedem decretos autorizando o funcionamento do comércio em horários distintos como se essa esperteza evitasse a aglomeração das pessoas nas ruas, nas lojas e nos meios de transporte coletivo. 
O impeachment tão urgente e necessário na atual conjuntura aguarda processamento na Câmara dos Deputados. Decisão monocrática que indeferir ou arquivar requerimento de impeachment deve ser homologada em sessão plenária da Câmara, segundo o preceito constitucional do devido processo jurídico. Cabe ao Supremo Tribunal Federal, se provocado, a decisão final sobre essa matéria.
O presidente da república lidera a rebeldia, sai para a rua, aproxima-se dos pedestres, reclama dos gastos com o combate ao vírus e cuida para não prejudicar os ganhos dos banqueiros, industriais, comerciantes, fazendeiros, mineradores, madeireiros e profissionais liberais. Na visão dele e da sua grei, os trabalhadores não podem ficar em casa porque precisam do salário no fim do mês. Os desempregados necessitam da economia informal. Todos devem voltar aos seus empregos e às suas atividades nas ruas e praças da cidade. A permanência em casa gera conflitos domésticos. O Brasil não pode parar. Carreata e passeata em Curitiba desfraldam a bandeira do Brasil e bandeira com as cores de Israel nela escrito o nome de Jesus. O estado de Israel é protegido pelo governo dos EUA, ponta-de-lança americana no Oriente Médio. Bajular o governo israelense é agradar o governo americano. O que há de comum entre os governos israelense e brasileiro? Ambos são nazistas. 
Os movimentos desses grupos em Curitiba e São Paulo são de protesto contra a quarentena e de apoio ao presidente da república. Ameaçam a saúde e a vida não só dos seus integrantes como também de toda a sociedade curitibana e paulistana. Os indivíduos que organizam e participam desses movimentos formam a minoria da população, embora numerosa e estridente. Empresários urbanos e rurais, profissionais liberais, intelectuais da direita, funcionários, religiosos, soldados, fazem parte dessa minoria à qual pertencem os evangélicos. A presidência da república está ocupada por um deles. Essa malta pretende fazer do Brasil – cujas raízes são católicas – um país protestante, à semelhança dos EUA, de modo a fortalecer o vínculo de subordinação ao governo daquele país. 
Os indivíduos desse numeroso grupo minoritário pensam que o protestantismo trará desenvolvimento econômico ao Brasil e bem-estar aos brasileiros; que o catolicismo é responsável pelo atraso do país; que a esquerda é comunista e anticristã e por isso deve desaparecer do cenário político. No discurso dos seus pastores – pilantras cujo deus é o dinheiro – abundam referências a Jesus e a Deus. O governo dos EUA também faz suas estripulias em nome de Deus. Por causa disto, anos atrás, o Papa advertiu o presidente Bush para que não justificasse os seus desatinos com o santo nome de Deus. O Papa atual adverte a humanidade contra a deificação do dinheiro. As equivocadas atitudes desses brasileiros e estadunidenses, longe de serem cristãs, são bárbaras, criminosas e reveladoras de mentalidade tacanha. Carregam a Bíblia nas mãos e Jesus na boca. Imitam profetas ungidos. Vendem a imagem de taumaturgos, terapeutas divinos. Mudar essa mentalidade mediante argumentos racionais e sensatos é o mesmo que martelar em ferro frio, mergulhar em piscina sem água; dito em linguagem bíblica: jogar pérolas aos porcos. Essa gente é movida a paixão, a fé cega, mente obnubilada numa atmosfera irracional onde vicejam o ódio, a violência, o fanatismo. Solidariedade, fraternidade, amor cristão, nem sombra. Os crentes desse tipo de religião mercadológica são o manancial dos estelionatários da fé.  
Números oficiais do Tribunal Superior Eleitoral ajudam a compreender a matéria sob a luz do cálculo matemático. 57 milhões de eleitores votaram no atual presidente. Hoje, apesar da sua notória conduta desabonadora, talvez 17 milhões ainda o apoiem e defendam. Desses 17 milhões saem os grupos que organizam e promovem manifestações pelas ruas da cidade em nome do “povo brasileiro”. No sentido jurídico e político do vocábulo, no sistema representativo, povo significa o corpo eleitoral da nação, ou seja, aquela parcela da população apta a escolher, fiscalizar e controlar os governantes. Nas eleições de 2018, o povo somava 147 milhões de eleitores. Portanto, cerca de 130 milhões de eleitores não apoiam e nem defendem o atual presidente da república atualmente. Destarte, se a maioria se organizar, tornará possível manifestações superiores aos movimentos da minoria. Considerando que o pandemônio criado por essa minoria representa ameaça à democracia, a maioria do povo brasileiro deve exibir sua força de modo convincente na defesa do estado democrático de direito. 

domingo, 12 de abril de 2020

TROVAS


O Outono chegou
Amarelo das palmas
Saudade nas almas 
Verão que passou

O tempo veio e passou
Algo no mundo mudou
Na face a ruga chegou
Doce lembrança ficou

Nesse meu andar vagabundo
Variadas coisas eu vi
Tudo muda no louco mundo
Só fica meu amor por ti

quarta-feira, 8 de abril de 2020

OS PARTIDOS E A CONSTITUIÇÃO

No preâmbulo da Constituição da República estão gravados os valores supremos do povo brasileiro: democracia, liberdade, igualdade, justiça, direitos sociais e individuais, segurança, bem-estar e desenvolvimento. Visível o propósito de realizar o bem comum. Evidente a incompatibilidade desses valores supremos com o nazismo, o fascismo e o regime autocrático. A vigente ordem jurídica veda apoio e estabelece pena a quem se coloca contra esses valores. 
O partido político, fundado e organizado, só terá existência legal depois de adquirir personalidade jurídica e de registrar os seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). São requisitos necessários à obtenção do registro: organização prévia, caráter nacional, aquisição de personalidade. A organização do partido deve resguardar os direitos fundamentais da pessoa humana, o regime democrático, o pluripartidarismo e a soberania nacional. Com o registro dos estatutos em cartório, o partido adquire personalidade jurídica e o direito de praticar os atos da vida civil. Com o registro dos estatutos no TSE, o partido adquire o direito de participar do processo eleitoral, de receber recursos do fundo partidário e de ter acesso gratuito ao rádio e à televisão. 
São deveres do partido político: [1] Respeitar e defender os princípios fundamentais da república: (I) dignidade da pessoa humana (II) inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (III) trabalho e livre iniciativa (IV) cidadania e pluralismo político (V) regime democrático (VI) soberania nacional; [2] Orientar as suas ações em sintonia com os objetivos fundamentais da república: (I) construir uma sociedade livre, justa e solidária (II) garantir o desenvolvimento nacional (III) erradicar a pobreza e a marginalização (IV) reduzir as desigualdades sociais e regionais (V) promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade; [3] Obedecer aos seguintes preceitos: (I) caráter nacional (II) funcionamento parlamentar de acordo com a lei (III) prestação de contas à justiça eleitoral (IV) proibição de: (i) receber recursos financeiros de entidade ou de governo estrangeiros (ii) subordinar-se a entidade ou a governo estrangeiros; [4] Acolher os valores, princípios e normas da ordem econômica: (I) vida digna (II) trabalho humano (III) pleno emprego (IV) justiça social (V) livre iniciativa (VI) livre concorrência (VII) propriedade privada (VIII) função social da propriedade (IX) favorecimento a empresas de pequeno porte (X) defesa do consumidor e do meio ambiente. 
Ao descumprirem esses deveres, os partidos políticos colocam-se fora da lei e ficam sujeitos ao cancelamento do seu registro e à perda da sua personalidade jurídica. O passado limpo não significa presente imaculado. A honestidade de ontem se esvai com a desonestidade de hoje. As ilicitudes praticadas pelos partidos podem ser questionadas judicialmente desde que não exaurido o prazo legalmente previsto para a manifestação dos interessados (perempção). Considerando a relevância dos partidos políticos para o vigor do sistema representativo (embora partido não seja essencial à democracia, ele o é quando assim qualificado na Constituição); considerando a exigência constitucional do pluralismo político; qualquer denúncia oferecida por eleitor, por representante de partido ou pelo procurador-geral eleitoral, deve estar alicerçada em prova robusta (testemunhos, documentos, exames periciais). A prova emprestada (produzida em outro processo) também deve ser idônea. Considera-se imprestável qualquer tipo de prova advindo de procedimentos criminosos como, por exemplo, os procedimentos da operação lava-jato de Curitiba. Essa operação está com a credibilidade estremecida pela malícia, arbitrariedade e ilegalidade praticadas pelos agentes do ministério público e pelos magistrados que nela atuaram. Depoimento de doleiro altamente comprometido com a criminalidade e que obteve os benefícios da delação premiada é imprestável como prova. O denunciante que, por emulação, por sentimentos hostis ao denunciado ou para afastar a concorrência, fizer acusações falsas ou com base em provas inidôneas, merece punição severa. O valor ético do direito é incompatível com falsidades, propósitos indecorosos, pretensões imorais.  
Na rede de computadores há informações sobre ação judicial proposta por deputado filiado a um partido nazifascista. Ele pleiteia o cancelamento do registro do Partido dos Trabalhadores. Alega que esse partido recebeu dinheiro de empresas estrangeiras. O agente do ministério público opinou favoravelmente à denúncia. O caso tem seus trâmites no TSE. As notícias não esclarecem (i) se o TSE já proferiu decisão sobre as contas do partido (ii) se a referida ação já foi admitida. O parecer do ministério público não tem força jurisdicional. Além disto, vem calcado em indícios, o que pode justificar instauração de inquérito, jamais de processo judicial. Indício não é prova. O estribo da denúncia deve ser a prova obtida no inquérito. O juízo de admissibilidade é privativo dos juízes. Cabe ao tribunal examinar a denúncia e o parecer. Compete ao juiz relator (ministro) decidir sobre admissibilidade. Dessa decisão cabe recurso. Em sessão plenária, o tribunal examinará o recurso; manterá ou reformará a decisão monocrática. Admitida a denúncia, instaura-se o processo; inadmitida, arquiva-se. Ante a insuficiência das informações veiculadas, resta trabalhar sobre hipóteses viáveis. 
Primeira hipótese: As doações inexistiram. A denúncia será rejeitada. Segunda hipótese: As doações existiram. Cabe verificar a origem: se estrangeira, a denúncia será procedente; se brasileira, a denúncia será improcedente. O nome estrangeiro da empresa doadora não significa, por si só, que ela é estrangeira; ela pode estar registrada como pessoa jurídica segundo a lei brasileira. Nesse caso, a doação ao partido terá sido legal. Há mulheres que se chamam Michelle. Embora o nome seja francês, elas são brasileiras, donas dos seus dotes e capazes de doar os seus bens a quem lhes aprouver. 
A denúncia gira em torno de dinheiro supostamente recebido pelo partido, portanto, imbricada com a prestação de contas que é o  lugar adequado à discussão da matéria financeira. Após a publicação do balanço pelo partido, os interessados têm o prazo de 5 dias para impugnar. As contas do partido foram apresentadas em abril de 2019. O deputado ofereceu denúncia em julho de 2019. Terceira hipótese: A impugnação foi apresentada no quinquídio legal inobstante o transcurso de 3 meses. Nesse caso, a questão deve ser resolvida nos trâmites da prestação de contas e não em processo judicial autônomo. Examinadas as razões do impugnante e do impugnado, ouvido o agente do ministério público, o TSE profere decisão colegiada aprovando ou reprovando as contas. Dessa decisão cabe embargos de declaração ao próprio TSE e recurso ao Supremo Tribunal Federal. Quarta hipótese: A impugnação foi intempestiva. Nesse caso, ocorreu a preclusão. O impugnante perdeu o direito de impugnar por não tê-lo exercido no prazo legal. A impugnação será arquivada. Brocardos jurídicos: jura vigilantibus subveniunt = o direito protege os vigilantes; dormientibus non sucurrit jus = o direito não socorre a quem dorme. Quinta hipótese: Perdido o prazo, o deputado serviu-se de ação judicial autônoma. Nesse caso, ele contornou o óbice jurídico da preclusão. Falta legitimidade ativa, pois, no fundo, trata-se de ação rescisória proposta sem os requisitos legais. Em havendo decisão do TSE sobre as contas do partido, a pretensão deduzida na denúncia implica: (i) rescindir a decisão do tribunal (ii) reabrir procedimentos findos. 
Da análise da conjuntura atual, brota a impressão de que tropa nazifascista abriu frente no campo judiciário a fim de impedir a queda do líder nazista que preside a república brasileira. Marcha para aniquilar a oposição. Desafia a Constituição da República. Derrubou a presidente Rousseff. Afastou da disputa eleitoral o líder do partido. Agora, pretende extinguir o partido. Se obtiver êxito, derrubará também outros partidos da esquerda e alguns da direita. Os requerimentos protocolados na Câmara dos Deputados pleiteando o afastamento do presidente da república por crime de responsabilidade serão engavetados, arquivados ou aproveitados para reciclagem dos papéis. O estado ficará sob controle dos partidários do nazifascismo. Com roupagem legal e jurisprudencial, o autoritarismo em vigor transformar-se-á em regime autocrático. A renúncia não está nos planos do presidente. 

Fontes.
Constituição da República. Artigos 1º, 3º, 5º, 17 + 121 §3º + 128 §5º, II, e + 142 §3º, V + 170. 
Lei 9.096/1995. Partidos Políticos. Artigos 1º a 7º, 12, 28, 30 a 37.
Lei 4.737/1965. Código Eleitoral. Artigo 22, I, a + f
Lei 13.105/2015. Código de Processo Civil. Artigo 966.    

quinta-feira, 2 de abril de 2020

VÍRUS POLÍTICO

Eliminar o vírus político é tão urgente quanto eliminar o vírus natural. O impeachment do presidente brasileiro é urgentíssimo. Vários requerimentos com esse objetivo foram protocolados na Câmara dos Deputados. A conduta criminosa desse político é intolerável. Ele se opõe, mediante ações e omissões, às orientações médicas e científicas de organizações nacionais e internacionais. Atua em prejuízo da vida, da saúde e do bem-estar da população brasileira. Além disto, agride os poderes Legislativo e Judiciário, a imprensa, as minorias e governos de países amigos, hostiliza para provocar guerra, submete-se às diretrizes do governo dos EUA, tudo em frontal violação à Constituição da República.  
No que tange à pandemia, a intervenção do Supremo Tribunal Federal tem sido necessária para impedir efeitos nefastos dos atos ilícitos desse governante. Entretanto, isto não basta. Há que remover a causa do infortúnio: a presença desse indivíduo na presidência da república. A sua resistência criminosa contra as medidas essenciais ao combate do coronavirus provocou um conflito interno e inoportuno. A sua atitude é contrária ao interesse nacional. Incentivada por ele, a elite econômica saiu às ruas em carreatas pleiteando o fim da quarentena e a volta dos trabalhadores aos seus empregos sob pena de não receberem salários e ficarem sem meios de subsistência. O presidente espalha notícias falsas (inclusive sobre desabastecimento) com o fim precípuo de amparar as pretensões da elite econômica, alarmar a população e desqualificar a legítima e humanitária ação dos governadores. Ele minimiza a gravidade da situação nacional e mundial; coloca o seu projeto eleitoreiro acima da segurança e do bem-estar da população. Nota-se a intenção de se desvencilhar dos freios jurídicos estabelecidos pelo legislador constituinte e dos freios morais gerados pela experiência civilizatória do Ocidente. O caos na sociedade favorece tal desiderato. Inseguro, instável, sedento por visibilidade e aplauso, por imagem de herói mitológico, messiânico, salvador da pátria, vocacionado para o comando autocrático, avesso à participação do povo no governo. Ele merece tratamento em hospital psiquiátrico e análise psicanalítica. Vírus político a ser isolado.                 
Juristas, cientistas, intelectuais, jornalistas e representantes do povo no Congresso Nacional, fazem excelentes análises da conduta do presidente da república. Tais análises alicerçam os pedidos de impeachment. Cabe ao presidente da Câmara dos Deputados agilizar os procedimentos constitucionais, legais e regimentais cabíveis. Engavetar os requerimentos numa situação gravíssima como esta vivida pela população caracteriza crime. Esse tipo de esperteza eventualmente utilizada por quem preside a Câmara, retira do plenário a competência constitucional para tratar da matéria. A retenção serve também para chantagem politiqueira. O engavetamento e/ou a protelação autorizam a destituição do presidente da Casa mediante processo parlamentar, sem prejuízo do processo judicial penal cabível. Aliás, há notícia de que o atual presidente da Câmara está sendo investigado por prática de delitos. Em prol da moralização e do eficaz tratamento da matéria, a Casa devia proceder à eleição extraordinária de um novo presidente mais sintonizado com o interesse do povo.
As decisões finais (i) sobre a admissibilidade dos requerimentos (denúncias contra o presidente da república) e (ii) sobre o mérito (conceder ou negar autorização), não podem ser tomadas por um só e único parlamentar sem ferir o sistema representativo adotado pelo legislador constituinte. Essas decisões devem ser colegiadas e não monocráticas. De acordo com a Constituição, a lei e o regimento interno, tais decisões devem ser tomadas pela Câmara, por maioria, com os deputados reunidos em sessão plenária. A vontade popular é expressa pelo órgão colegiado. Norma regimental alguma pode contrariar princípios fundamentais do estado democrático de direito.  
O presidente da Câmara tem o dever constitucional, legal e regimental de apreciar o requerimento (denúncia) fruto do direito de cidadania de quem o formulou. Qualquer cidadão pode denunciar o presidente da república por crime de responsabilidade. A cidadania é um dos fundamentos da república brasileira. Antes de emitir o juízo de admissibilidade, o presidente pode ouvir a Comissão de Constituição e Justiça. 
Se o juízo de admissibilidade for positivo, o presidente da Câmara envia a denúncia com a documentação que a instrui a uma comissão especial eleita na forma regimental. Com o parecer dessa comissão, a denúncia é submetida à apreciação do plenário da Câmara. Caso a autorização seja negada pelo plenário, o pedido de impeachment será arquivado. Caso a autorização seja concedida, o pedido e a resolução da Câmara serão enviados ao Senado Federal para os fins de direito.    
Se o juízo de admissibilidade emitido pelo presidente da Câmara for negativo, o caso será submetido à apreciação do plenário pela via recursal, de ofício ou mediante provocação do autor da denúncia. O que não pode, de modo algum, é o presidente engavetar a denúncia ou protelar os seus trâmites. A relevante importância da matéria para a segurança da nação brasileira exige pronunciamento imediato e urgente.  

Fontes. 
Constituição da República Federativa do Brasil. Artigos 1º, 51, 86. 
Lei 1079/1950. Artigos 14 a 23. 
Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Artigos 32, III + 218.