sábado, 28 de maio de 2016

IMPEACHMENT XI

A ordem jurídica brasileira tem sido vilipendiada nesta quadra da história. A garantia do devido processo jurídico tem sido uma das grandes vítimas, pervertida que foi nas suas duas vertentes: substantiva e processual. Os interesses políticos e econômicos de gangsteres prevalecem sobre os da nação brasileira. Em consequência, normas de direito material e processual são subvertidas.   
Do exame conjunto dos artigos 52, inciso I e seu parágrafo único, e 86, ambos da Constituição da República, verifica-se que: (I) compete privativamente ao Senado Federal processar e julgar o Presidente da República; (II) funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal (STF). Destarte, o Presidente do STF deve presidir a instrução processual e o julgamento. A Constituição de 1988 mudou o rito da lei de 1950, cuja parte processual não foi recepcionada. O Senado teve sua competência alargada para também processar e não apenas julgar. Logo, o Presidente do STF funcionará tanto na instrução processual como no julgamento, como estabelece o parágrafo único, do artigo 52, da Constituição da República.  
Processar significa dar início e sequência a procedimentos em determinada ordem para chegar a um resultado final. O processo penal (parlamentar ou judicial) consiste no conjunto de procedimentos destinado a: (1) apurar a responsabilidade da pessoa acusada de praticar algum crime; (2) chegar a uma decisão absolutória ou condenatória. No impeachment em curso se apura a responsabilidade da Presidente da República por atos supostamente ilícitos enquadrados no artigo 85, da Constituição Federal e em algum dos artigos 5º a 12, da lei 1.079/50 (créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional + “pedaladas fiscais”).
Apresentadas a petição inicial (denúncia) e a autorização da Câmara dos Deputados ao Presidente do Senado, forma-se Comissão Especial para emitir parecer. Após o parecer, o Senado, em sessão plenária, decide se recebe ou não a denúncia. Recebimento aqui tem sentido técnico de decisão judicial com efeito jurídico de instaurar o processo. O Senado decidiu receber a denúncia. Instaurou-se o processo que, a partir deste momento, fica sob a direção do Presidente do STF. A este serão remetidos os autos originais (lei 1.079/50, art. 24, p.u.). Entretanto, não foi isto o que aconteceu. O Presidente do STF continua fora do processo já instaurado e em andamento sob a inconstitucional direção do presidente da Comissão Especial. Ademais, não há falar em “pronúncia”, até porque não se trata de crime contra a vida. Ante o novo tratamento constitucional da matéria, o “libelo” referido no artigo 24, da lei 1.079/50, perdeu a razão de ser. A denúncia já recebida pelo Senado, substitui o libelo com vantagem. Além da técnica atualizada, o novo tratamento atende a constitucional exigência de celeridade e razoável duração do processo. Antes do recebimento da denúncia houve ampla produção de prova que se realizou sob o crivo do contraditório perante a Comissão Especial. Não há razão jurídica, nem sentido prático para, de modo insensato, repetir tudo perante a mesma Comissão!
Para adequar o artigo 24, da lei 1.079/50, à letra e ao espírito da Constituição de 1988, o Senado deve nomear Comissão Acusadora para acompanhar os trâmites processuais. A instrução processual deve se desenvolver sob a direção do Presidente do STF, acompanhada pelos acusadores e defensores. Ao Presidente do STF cabe deferir a juntada de documentos e a realização de perícia se necessária, colher em sessão pública os depoimentos das testemunhas e interrogar a ré, encerrar a instrução, conceder prazo para alegações finais, marcar data para julgamento em sessão plenária do Senado, permitir sustentações orais aos acusadores e defensores, ouvir o Procurador-Geral da República, disciplinar os debates entre os senadores, colher os votos dos senadores e proclamar o resultado, tudo registrado em ata que servirá de base documental à Resolução a ser publicada. Esta é a sequência que se extrai da processualística em níveis constitucional e legal, subsidiada pela prática forense e pela teoria geral do processo.    
No que tange à participação do Poder Judiciário, decisão monocrática do ministro Teori Zavascki livra o STF do aborrecimento de examinar a questão da existência ou não de crime de responsabilidade no caso concreto. Empurra o problema para os ombros do Senado, dizendo que a este compete o julgamento definitivo do impeachment e que a intervenção do STF deitaria por terra o artigo 86, da Constituição da República. Se tal decisão for confirmada em sessão plenária do STF, os seus juízes ficarão numa zona de conforto vendo o circo pegar fogo.
Vivemos sob uma Constituição, mas a Constituição é o que os juízes dizem que ela é”, afirmou, certa vez, Charles Evans Hughes, quando governador do Estado de Nova York (1920), depois nomeado Chief Justice da Suprema Corte dos EUA (1930). O formato sintético da Constituição dos EUA propicia elasticidade à construção jurisprudencial, fato que ensejou a opinião do douto magistrado. Entretanto, a Constituição brasileira não propicia igual elasticidade tendo em vista o seu formato analítico, com os limites éticos e jurídicos mais expostos e visíveis, acentuados pela prolixidade.
O texto constitucional brasileiro é expresso quanto à competência privativa do Senado. Todavia, competência privativa não se confunde com competência arbitrária, até porque, na linguagem jurídica, “competência” implica “limites” (perímetro traçado por lei dentro do qual se move a autoridade). A competência privativa não libera os senadores para agirem contra os princípios éticos e jurídicos. Eles devem obedecer tanto à forma (rito processual) quanto à matéria (o fato e o direito), sempre com lisura, enquanto o Brasil for um Estado Democrático de Direito.
Há outra evidência a ser considerada, conditio sine qua non estipulada pelo legislador constituinte para que o Presidente da República seja processado: a existência de crime de responsabilidade. Essa cláusula constitucional não está isenta do controle judicial. A existência do crime é questão de fato e de direito sobre a qual o Guardião da Constituição deve se pronunciar, caso a tanto seja provocado (CR 5º. XXXV + 102). Trata-se de verificar se há justa causa para o constrangimento decorrente do processo penal parlamentar. Não se trata de descabida “intervenção” do Judiciário, mas sim de atividade judicante nos limites da sua competência e segundo o institucional mecanismo de freios e contrapesos, tal como acontece quando o STF anula atos inconstitucionais do Legislativo e do Executivo. 
A autoridade processada pelo Legislativo tem o direito de defender o seu mandato perante o Judiciário, caso o crime de responsabilidade não esteja tipificado. O tribunal não pode (ou não deve) legitimamente, esquivar-se de prestar a tutela jurisdicional, abdicando da sua função primordial em favor da instância política. A jurisdição é a razão fundamental da existência de juízes e tribunais. Estes existem para prestar tutela jurisdicional (resolver controvérsias, controlar a constitucionalidade dos atos dos poderes da república, dizer o direito).
O tribunal não pode (ou não deve) jogar o jurisdicionado na cova dos leões. A mencionada decisão do ministro Teori equivale à negativa de prestar tutela jurisdicional. Espera-se que o plenário do STF reforme tal decisão em nome da segurança dos jurisdicionados e da confiança destes nas instituições judiciárias. Caso contrário, “não mais haverá juízes em Brasília” com os quais a nação possa contar na defesa dos seus fundamentais direitos contra as poderosas forças políticas e econômicas internas e externas.      
A balança da justiça não pode ter pesos diferentes para massas iguais. O tribunal “intervém” nas investigações criminais dos senadores Renan Calheiros (Presidente do Senado) e Aécio Neves (Presidente do PSDB), mas se recusa a examinar questão crucial relativa à Presidente da República! O tribunal intervém para que Renan se submeta à Polícia Federal e para que Aécio não seja incomodado pela Polícia Federal. Gravação de conversa entre figuras da República contém referência ao estado de espírito dos ministros do STF em relação à Presidente da República. Os ministros estariam “putos com ela” porque não obtiveram aumento dos subsídios solicitado pelo Presidente do STF. Este episódio seria o motivo de o STF se recusar a prestar tutela jurisdicional no caso da Presidente da República. Acreditar nisto, seria admitir um STF chantagista. “Se tu não aumentares o meu subsídio eu deixarei os bandidos te expulsarem do palácio”. Seria o fim da picada!

quarta-feira, 25 de maio de 2016

CRISES PERIÓDICAS III

A extensão e a profundidade das crises guardam proporção com o grau e o tipo de cultura de cada povo. A atual crise brasileira, por exemplo, foi agravada pela ação subversiva dos vencidos nas eleições de 2014, da qual resultou o afastamento compulsório da Presidente da República. Bando de delinquentes assumiu o governo. Um dos chefes do bando, postura e aparência de gangster refinado (até na receita da companhia feminina: juventude + elegância + beleza), poderá ocupar a tribuna da ONU por exercer interinamente as funções presidenciais, façanha que daria inveja a Al Capone. Vergonha nacional? Nem tanto. Macunaímas, mazombos e vira-latas que compõem parcela da nação brasileira, distribuídos nas camadas abastada, remediada e pobre, agora representados no governo, desconhecem o caráter impoluto, o amor à pátria, o zelo pelo patrimônio nacional e se envergonham apenas quando se sentem fora de sintonia com o pensamento dos donos das emissoras de TV e seus jornalistas amestrados.  A fama do Brasil de não ser um país sério se deve a essa gentalha.
O Brasil já não é mais o país do samba, invadido que foi pelo “roquenrrol” e pela música sertaneja vestida de “caubói”; já não é mais o país do futebol, superado que foi pelo futebol platino/europeu; já não é mais o país do saci-pererê e do bumba-meu-boi, ofuscado que foi pelo “raloin”; mas ainda é o país do carnaval e dos golpes de Estado. Submisso ao império político, econômico e cultural da grande nação do Norte, o Brasil continua a ser o que sempre foi desde 1889: republiqueta de corpo grande e de alma pequena, povoada de gente colonizada que sofre de mimetismo crônico. O golpe (movimento político contrário às normas vigentes e que institui novas regras mediante poder de fato) foi desferido no corrente ano sem que, até o momento, o Judiciário o impedisse. O “Guardião da Constituição”: ou não foi provocado ou dormiu no posto ou foi conivente ou se acovardou. Os seus ministros são citados genericamente em algumas delações premiadas resultantes da Operação Lava-Jato como sendo manobráveis por parlamentares. Dois deles já são conhecidos. Haverá outras duplas? Os dois ministros mais antigos? Os dois mais novos? Os dois polacos? As duas senhoras?  
A estrutura constitucional da República Federativa do Brasil não comporta dois presidentes simultaneamente. Do ponto de vista jurídico, até o momento, a senhora Dilma Vana Rousseff é a única Presidente da República por deter mandato legítimo ainda válido e estar na posse do cargo. A Presidente apenas não está em exercício porque foi provisoriamente suspensa das funções por decisão parlamentar inconstitucional. Apesar de o mandato da Presidente estar em vigor e o seu cargo não estar vago, o Vice agiu como se já fosse o titular, mudou o ministério e nomeou um bando de delinquentes (certamente para conquistar votos dos senadores). O Vice não aguardou o final do processo de impeachment quando o Senado decidirá se a Presidente perderá ou não o mandato e o cargo. De forma arbitrária e inconstitucional, o Vice investiu a si próprio no cargo de Presidente e inaugurou um governo sob os auspícios do fato consumado contra legem, atitude configuradora do golpe. O Vice não se limitou a substituir a Presidente na função presidencial; foi além: de fato - e não de direito - sucedeu-a no cargo presidencial sem que houvesse vacância prévia, ou seja, atropelou o tribunal parlamentar (Senado). Sobrepôs-se à autoridade competente. O Vice violou o decoro, a ética e a ordem jurídica brasileira.
Nos precisos termos da Constituição, cabe privativamente ao Presidente da República (na vigência do seu mandato e na titularidade do seu cargo) nomear e exonerar os Ministros de Estado. Ao Vice, no exercício interino da função presidencial (sem mandato e sem a titularidade do cargo de Presidente), falta competência constitucional para nomear ministros e instituir o seu governo de “salvação nacional” (usual expressão messiânica para legitimar atos ditatoriais e que confirma o golpismo). Somente após a Presidente perder o mandato e o cargo é que o Vice prestaria juramento, assinaria o termo de posse e se tornaria o novo Presidente da República. Nada disto acontecerá se o Senado (tribunal parlamentar), em decisão definitiva, mantiver a Presidente no cargo e lhe preservar o mandato outorgado pelo povo, ou se o “Guardião da Constituição” (tribunal judiciário) declarar a inocorrência de crime de responsabilidade no caso concreto. Até lá, o Vice continuaria Vice, desde que respeitada a Constituição de 1988.      
Na Constituição de 1891, coube ao Vice-Presidente da República a presidência do Senado. Quando funcionasse como tribunal de justiça, o Senado seria presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal. Na visão do legislador constituinte, o Vice-Presidente da República era potencialmente suspeito para presidir o tribunal parlamentar. O legislador constituinte olhou o lado humano da questão, vislumbrando o provável interesse do Vice em derrubar o titular do cargo. Razoável presunção. A Constituição de 1946 manteve esse modelo. Na Constituição de 1988, o Vice-Presidente da República não figura mais como Presidente do Senado. No entanto, o legislador constituinte incluiu no texto constitucional a tradição de convocar o Presidente do Supremo Tribunal para presidir o processo de impeachment, embora não mais persistisse a virtual suspeição do Presidente do Senado. Prevaleceu o propósito de minimizar a influência partidária no julgamento e de proteger a liberdade individual dos senadores para votar de acordo com as suas consciências, visando ao bem-comum da nação brasileira e à integridade das instituições democráticas. O legislador constituinte partiu do pressuposto, quiçá ingênuo, porém desejável, de um Senado composto de pessoas honradas, honestas, comprometidas com a moral, com os bons costumes e com os princípios republicanos e democráticos.   
Segurança e certeza são essenciais à estabilidade das relações jurídicas e à paz social. Ao juiz compete resolver controvérsias no devido processo jurídico. Ao examinar os casos submetidos à sua apreciação, o juiz tem por missão descobrir a verdade e subsumir, com honestidade e fidelidade, os fatos à norma jurídica. No Estado em que os poderes legislativo, executivo e judiciário são independentes, ao juiz não cabe legislar, tergiversar e nem teorizar enquanto desempenha a função de aplicar o direito ao caso concreto (atividade judicante). Somente na hipótese de a legislação ser lacunosa, o juiz poderá preencher a lacuna estabelecendo a norma adequada exclusiva ao caso sub judice.
Em momentos de crise institucional, o papel do juiz assume ímpar relevância para preservar a ordem jurídica democrática. Entretanto, como no Poder Judiciário convivem magistrados justos e injustos, cultos e medíocres, honestos e corruptos, corajosos e covardes, calmos e nervosos, gentis e grosseiros, céleres e tardinheiros, a magistratura às vezes falta aos seus deveres e deixa de realizar a contento os seus mais relevantes e virtuosos fins.

sábado, 21 de maio de 2016

CRISES PERIÓDICAS II

A atual crise brasileira inclui o compulsório afastamento da Presidente da República. Milhares de brasileiros, por diferentes meios, qualificaram esse afastamento de golpe. Alguns deputados interpelaram judicialmente a Presidente por também ela emitir essa mesma opinião. O curioso é que, nos pronunciamentos públicos, a opinião da Presidente está explicada. Diante disto, evidencia-se a real intenção dos deputados: forjar ações judiciais contra a Presidente mediante interpretação falaciosa das respostas que ela der às capciosas perguntas formuladas na interpelação. Qualificar de golpe um movimento político não é tarefa exclusiva do historiador e do cientista, mas, também, direito do cidadão de uma república democrática de expressar o seu pensamento, ainda mais quando amparado em fatos públicos e notórios.
O fato de a pessoa interpelada não estar obrigada a responder – até porque a interpelação não instaura relação processual alguma – não significa que todo pedido de interpelação tenha de ser deferido. A chancela do magistrado, por imprimir força de oficialidade à interpelação, não deve ser automática. Para não chancelar expedientes escusos, o juiz deve examinar se as formalidades legais foram observadas e se o conteúdo é compatível com a moral, o direito e o decoro. Essa operação exige do magistrado, no mínimo, perspicácia superior ao nível da anta. Malicioso pedido de interpelação merece indeferimento de plano por ofender a dignidade da Justiça. A interpelação acima citada é um motivo a mais para a Presidente, em defesa do seu mandato e no devido processo jurídico, pedir ao Supremo Tribunal que declare se os fatos pelos quais foi denunciada tipificam, ou não, crime de responsabilidade.   
Fritjof Capra, austríaco radicado nos EUA (Califórnia), físico teórico (relatividade, mecânica quântica), expositor da teoria dos sistemas, professor, ecologista, escritor, aborda a dinâmica universal no seu livro “O Ponto de Mutação” (tradução de Álvaro Cabral, SP, Cultrix). Ele se refere a um paradigma holístico que abrange fenômenos naturais e sociais. No primeiro capítulo do livro, ele menciona a crise mundial (intelectual, moral e espiritual) ocorrida nas duas décadas do século XX (1960-1980), sem precedentes na história da humanidade, que afetou todos os aspectos da nossa vida: a saúde e o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações sociais, econômicas e políticas. Pela primeira vez, diz ele, temos de nos defrontar com a real ameaça de extinção da raça humana e de toda a vida no planeta.
A Antiga e Mística Ordem Rosacruz (AMORC) abordou os aspectos econômicos, sociais e políticos da crise da humanidade nos manifestos intitulados “Positio Fraternitatis Rosae Crucis”, “Appellatio Fraternitatis Rosae Crucis” e “As Novas Bodas Alquímicas de Christian Rosenkreutz”, publicados em 2001, 2014 e 2016, respectivamente. Segundo a mensagem contida nesses manifestos, a causa principal da crise é o materialismo predominante no mundo. A solução passa pela regeneração espiritual da humanidade. A presente fase da vida dos humanos é comparada à adolescência na busca da própria identidade, suas dificuldades, seus fracassos, seus êxitos, sonhos e esperanças. Os rosacruzes acreditam que, ao se regenerar espiritualmente, a humanidade atingirá a idade adulta, amorosa, solidária, fraterna, próspera, respeitará a natureza e cultivará um meio ambiente sadio, alcançando finalmente a paz mundial. Na ciência e na técnica, o viés mercantil será superado pelo humanismo. A religiosidade dará lugar a uma espiritualidade fundada no conhecimento e não na crença. A humanidade se harmonizará com as leis divinas (naturais e espirituais) ao invés de venerar o Pai Celestial (deus dos cristãos), Jeová (deus dos evangélicos), Javé (deus dos judeus), Alá (deus dos maometanos), Brahma (deus dos hindus) e outras divindades como Ogum e Iemanjá. A humanidade viverá efetivamente o amor universal.
A leitura dos citados livro e manifestos provoca algumas reflexões. Decorridos 34 anos desde a primeira publicação do livro em 1982, a ameaça de extinção da vida no planeta ainda permanece. Novas descobertas científicas e técnicas, novos medicamentos, aparelhos e tipos de tratamento, contribuíram para maior duração da vida humana. Apesar disto, ainda morrem milhões de pessoas vítimas do câncer, da aids, das epidemias, da fome, da subnutrição, das guerras, das rebeliões, do terrorismo e dos efeitos negativos da farmacologia e da tecnologia. A economia mundial sofre solavancos como os de 1929/30 e 2007/08. A União Européia estremeceu afetada pela crise econômica, pela imigração, pela xenofobia e pelo retorno do nacionalismo exacerbado (fascismo + nazismo).
O nosso planeta ainda é um “vale de lágrimas” como diz a oração da Igreja Católica. O que há de bom e de ruim no caráter humano determina a tábua de valores vigente em cada época. A ascensão e a queda das nações resultam dos ciclos culturais em consonância com a flutuação dos valores. Esse movimento inclui periódicas crises no curso da história.
Regenerar supõe a existência de pessoa ou coisa impura, decaída, arruinada, que necessita de purificação, reabilitação, substituição. Os seres vivos têm força regenerativa própria. O organismo humano renova suas células e seus tecidos e cura seus ferimentos através desse natural poder regenerativo. Assim, também, um espiritual poder regenerativo expresso por valores morais e espirituais, por bons pensamentos, bons sentimentos e boa conduta, substituirá na humanidade: (i) o materialismo em que está mergulhada; (ii) os vícios; (iii) a beligerância; (iv) o egoísmo; (v) os pensamentos, sentimentos e procedimentos maldosos. O contínuo esforço pela supremacia da dimensão angelical em relação à dimensão demoníaca da natureza humana resultará em mudança genética: os humanos nascerão desprovidos dos genes da maldade. Na idade adulta da humanidade não haverá mais fome, subnutrição, miséria, conflitos armados. A indústria, lato sensu, não prejudicará a saúde e o meio ambiente; não haverá mais escassez de bens para uns e abundância para outros. Leis penais serão desnecessárias, pois não mais haverá homicídios, roubos, corrupção e outros crimes.
Sob outro ângulo, a idéia de regeneração dá azo à obsessão pela pureza, quer a racial (nazismo), quer a doutrinal (fanatismo religioso e ideológico), quer a teórica (ciência isenta de valores éticos, ambientais e espirituais). Tal obsessão também pode gerar a perseguição, tortura e morte de pessoas devotadas a crenças e práticas consideradas impuras (como aconteceu com mulheres qualificadas de bruxas). Rituais religiosos destinados à purificação do corpo e da alma são realizados em rios, terreiros e templos (às vezes, com sacrifícios de animais).
A crise mundial é uma fase do movimento cósmico de reprodução, expansão e contração. A astrofísica admite a existência de vários universos em constante reprodução. Os novos universos seguem a lei da evolução cósmica. Cada universo se expande até a máxima impulsão centrífuga após o que se contrai até a sua máxima força centrípeta quando, então, explode e dá origem a um novo universo. Esse movimento cósmico é visto como a “grande respiração do deus Brahma”, na tradição do misticismo hindu. (Semelhança com movimentos internos do corpo humano: inspirar/expirar; sístole/diástole). A fé religiosa atribui a deus a criação do primeiro universo. A fé científica defende a hipótese da geração espontânea. O excesso da fé religiosa pelo abandono da razão conduz à fantasia e à insensatez. Serve de exemplo a crença segundo a qual a mulher Maria é a “mãe de deus”, como se fosse possível a criatura gerar o seu criador. O excesso da razão pelo abandono da fé religiosa conduz ao materialismo e à insensibilidade ética. Exemplo disto é a doutrina ateísta que nega a existência de deus e a dimensão espiritual do mundo.
Como embarcações no oceano, os universos navegam na alma cósmica cuja memória contém a história da gênese e evolução de todos. Essa memória guarda as ações e os pensamentos dos seres inteligentes que viveram e vivem nesses universos. O conteúdo desses registros cósmicos seria de grande valia para a humanidade, porém a maioria dos seres humanos desconhece a senha de acesso a esse banco de dados. A inconsciência da magnitude do universo e das suas conexões internas também é fator das crises que acompanham a humanidade. Ao quimérico tempo do bom selvagem, do status naturalis inicial e inocente de um tipo de vida próximo ao dos animais irracionais, as crises provavelmente eram menos freqüentes. Todavia, ao atingir o estágio de civilização, os humanos se defrontam com problemas mais complexos e crises mais freqüentes.

sábado, 14 de maio de 2016

CRISES PERIÓDICAS

Crise é a fase aguda de um processo de mudança na regular função dos organismos naturais e culturais. A disfunção do fígado é qualificada como crise hepática; a do sistema nervoso, como crise neurológica. A prolongada interrupção do regular fornecimento de água ou de víveres a uma comunidade em decorrência de fatores naturais ou artificiais é qualificada de crise de abastecimento. A exaustão das fontes de energia ou a redução no seu fornecimento provocam crise energética. Na democracia, a falta de sintonia entre governantes e governados enseja crise de representatividade e a desarmonia entre os poderes da república gera crise política
Em maior ou menor grau, singular ou sistêmica, toda crise é complexa. Argumentos divergentes, convincentes e/ou impactantes, detonam o pensamento sistemático e geram crise no mundo das ideias, influem na interpretação dos fatos e na visão de mundo (considerados os dois planos da consciência: o individual e o coletivo). Além dos fatores sociais e econômicos, as crises internas do Estado também derivam das lutas travadas pelos partidos fora do regular processo eleitoral.
O Brasil atravessou várias crises: (1) no Império, a reação republicana liberal (Confederação do Equador formada pelas províncias do Norte e Nordeste), o regresso de Pedro I a Portugal e os levantes populares durante a regência {cabanagem (Grão-Pará), balaiada (Maranhão), sabinada (Bahia)}, a antecipação da maioridade de Pedro II, as revoltas em Pernambuco (praieira) e Rio Grande do Sul (farrapos), a abolição da escravatura e o fim da monarquia; (2) na República, a renúncia de Deodoro da Fonseca, a revolução federalista no Rio Grande do Sul, a revolta da Armada no Rio de Janeiro, as rebeliões de Canudos (Conselheiro) e de Juazeiro (Padre Cícero), a discórdia entre Paraná e Santa Catarina e o movimento místico liderado pelo monge José Maria (contestado + vilas santas); a rebeldia dos tenentes e da coluna Prestes (reação republicana), as fraudes eleitorais que desembocaram na revolução de 1930, o confronto de integralistas e comunistas que gerou a ditadura Vargas em 1937, o suicídio de Vargas (1953), a resistência à posse de Juscelino vencida pela oportuna intervenção do general Lott (1955), a renúncia de Jânio, a resistência à posse de Jango, o confronto da direita e esquerda e a ditadura militar em 1964, a renúncia de Collor, que despertou na classe política o apetite pelo impeachment aventureiro. 
A atual crise brasileira foi agravada intencionalmente em função do golpe arquitetado pelos perdedores das eleições de 2014: (I) contra a democracia, ao desrespeitarem a vontade popular materializada no voto de mais de 54 milhões de eleitores; (II) contra o presidencialismo, ao afastarem a Presidente com base em técnica própria do parlamentarismo (descontentamento da maioria parlamentar com o “conjunto da obra”), quando a Presidente só podia ser afastada se houvesse crime de responsabilidade, o que não ocorreu no caso concreto; (III) contra o direito, ao atropelarem normas jurídicas substanciais e processuais de níveis constitucional e legal; (IV) contra a moral, ao julgarem sem idoneidade, embalados pela torpeza {excluídos os “fichas-sujas” do tribunal parlamentar (deputados e senadores delinquentes), o impeachment certamente não passaria}; (V) contra a religião, ao violarem o grande mandamento cristão: amar ao próximo como a si mesmo
A consequência do recebimento da peça acusatória pelo Senado é o afastamento das funções e não a destituição do cargo. A Presidente só perderá o cargo se condenada no final do processo que ora se instaura. Cargo e função não se confundem. A noção de cargo é estática: lugar determinado e individualizado na estrutura administrativa de pessoa jurídica pública (Estado) ou privada (corporação). A noção de função é dinâmica: atividade de pessoa, órgão ou máquina, para realizar certa finalidade (manual, intelectual, técnica). Enquanto a Presidente estiver apenas afastada, as funções presidenciais serão exercidas interinamente pelo Vice-Presidente. Somente quando vagar o cargo em decorrência de sentença condenatória definitiva é que o Vice prestará compromisso, assinará o termo de posse e se tornará o novo Presidente da República.    
Nas eleições presidenciais de 2014 foram derrotados 50 milhões de eleitores, a maior parte do Sul (SP+PR+ SC+RS). Esse número impressionante provocou sentimento híbrido nos derrotados: frustração e revolta. O inconformismo dos derrotados, manifestado nas ruas mediante ofensas morais e físicas, refletido nas ações parlamentares e judiciais impregnadas do espírito de emulação, expôs a feição oligárquica e o caráter plutocrático nada cristão da classe abastada e de parcela da classe remediada. Indivíduos dessas classes incitaram a subversão da ordem política, disseminaram o ódio no meio social, atacaram a honra da Presidente da República, prejudicaram o eficaz desempenho do Executivo. Os efeitos negativos disto na sociedade brasileira – provavelmente duradouros – já repercutem na comunidade internacional, inclusive no Vaticano, com especial pronunciamento do Papa.
A deposição da Presidente da República atende à ambição dos opositores políticos e aos interesses dos donos do quintal, dos bancos e das empresas nacionais e estrangeiras, porém, não é a forma adequada, eficiente e ética de resolver a crise econômica e social. A conduta desses opositores pode ser qualificada de criminosa e enquadrada nos pertinentes dispositivos da lei de segurança nacional (7.170/83) recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

POLÍTICA E DIREITO

Como arte, a política consiste na prática do poder na sociedade, na elaboração de leis, no funcionamento do governo, na formação e administração do patrimônio público, nas relações entre governantes e governados, na distribuição de justiça. Essa arte tem como finalidade precípua realizar o bem-comum e propiciar felicidade à nação.   
Como ciência, a política consiste no estudo racional e sistemático do fenômeno do poder na sociedade, da gênese e do desenvolvimento do Estado e das formas de governo no curso da história.     
A mesma dicotomia há no conceito de direito. Como arte, o direito é arquitetura normativa, um conjunto de regras de caráter obrigatório que disciplinam a conduta das pessoas, a estrutura e o funcionamento da sociedade e do Estado.Como ciência, o direito consiste no estudo racional e sistemático do fenômeno jurídico na sociedade e no Estado.     
No Estado Democrático de Direito, arte política e arte jurídica são coexistentes e conexas. Esse tipo de Estado adotado no Brasil é uma ordem jurídica. A discricionariedade da política encontra limite na regra de direito. Juízes e tribunais controlam a juridicidade dos atos políticos. Assim, por exemplo, o legislador pode votar lei estabelecendo a pena de fuzilamento para os parlamentares corruptos ou integrantes de organizações criminosas. A elaboração dessa lei obedeceu às normas do processo legislativo. Todavia, embora formalmente correta, essa lei padece de vício material. Ainda que correspondesse à vontade popular, essa lei seria declarada inconstitucional pelo Judiciário, porque a Constituição em vigor só admite pena de morte em caso de guerra declarada. Outro exemplo: o legislador pode votar lei estabelecendo a redução da idade para imputação criminal. O conteúdo dessa lei é perfeitamente possível e compatível com a ordem jurídica em vigor. Todavia, se na elaboração dessa lei fossem desobedecidas normas do processo legislativo, ela seria anulada por padecer de vício formal. Em ambos os casos, por vício material ou por vício formal, os juízes e tribunais podem anular os atos dos parlamentares. Nessas hipóteses, a instância judiciária se sobrepõe à instância política. 
A mais adequada tradução do "due process of law" da experiência anglo-americana é "devido processo jurídico", ao invés de devido processo legal. O âmbito desse princípio alcança tanto o direito substancial como o direito adjetivo. A instância política está adstrita a esse princípio. Assim, o processo parlamentar (legislativo, penal, disciplinar) deve obedecer às regras de direito enunciadas na Constituição e nas leis da República. Embora o Congresso Nacional com as suas casas (Câmara e Senado) seja uma instância política, as suas decisões não podem ser contrárias ao direito. Admite-se apenas uma exceção no processo de impeachment: razões de natureza política, econômica, social, inclusive quanto aos efeitos na comunidade internacional, autorizam a não aplicação da pena à autoridade processada mesmo que haja prova suficiente para condenação.
Destarte, para que o processo parlamentar penal (impeachment) seja instaurado e siga seus trâmites legais é necessária justa causa. A peça acusatória deve expor fatos que tipifiquem crime de responsabilidade, indicar a autoria e o nexo causal. Se, prima facie, verifica-se a ausência de justa causa, quer porque os fatos não tipificam crime de responsabilidade, quer porque a autoridade acusada dele não participou, cabe ao Judiciário impedir os trâmites do processo parlamentar. Cuida-se do mecanismo de freios e contrapesos. O processo penal (parlamentar ou judicial) constitui constrangimento à pessoa processada. Se não houver justa causa, esse constrangimento é ilegal, lato sensu, e não deve prosperar, sob pena de violação dos direitos fundamentais da pessoa processada.
Aos juízes e tribunais compete resolver controvérsias no devido processo jurídico. No Estado Democrático de Direito, o juiz e o tribunal devem prestar a tutela jurisdicional quando invocada pela parte legítima. O juiz e o tribunal não devem remeter à instância política questões eminentemente jurídicas como, por exemplo, decidir se uma conduta é criminosa ou não, se tais fatos, no caso concreto, tipificam ou não, crime comum ou crime de responsabilidade. Na vida de uma nação democrática, cabe ao juiz e ao tribunal dizer o direito em derradeira instância.

sábado, 7 de maio de 2016

A ESCOLHA

A aeronave para Estocolmo levantaria vôo dentro de duas horas. Reginaldo e seu amigo André conversavam no aeroporto enquanto aguardavam o embarque.
André – Quem você escolheria para administrar os seus negócios: um economista ou um gari? É claro que você escolheria...
Reginaldo – O que foi? Continue o que você estava dizendo.
A – Acho que devo reformular a pergunta. Afinal, economistas levam empresas à falência, ou arruínam a economia de uma nação para beneficiar bancos e corporações privadas. 
R – Então, melhor é contratar o gari?
A – Talvez, pois o gari faz milagre com a sua pequena renda.
R – Será que por bem administrar o pouco, o gari também administrará bem o muito? Sugiro que a escolha recaia sobre a recatada e remediada dona-de-casa. Bela ou não, a dona-de-casa costuma administrar bem a economia doméstica.
A – Agora, eu é que pergunto: será que, bela ou não, a dona-de-casa poderia bem administrar uma grande empresa?
R – Conforme o seu grau de inteligência e de sensibilidade para o bem-comum, a dona-de-casa é capaz até de administrar um país melhor do que muito marmanjo por aí. A beleza ajuda na eleição e eventualmente na cama, porém, conta pouco na capacidade administrativa. 
A – Sei não. Vamos deixar a beleza e os lençóis pra lá. Você cogita de um estágio mais avançado. Eu me referia aos negócios da vida privada: compra e consumo de mercadorias, aluguel de coisas, contratação de empregados e assim por diante. Da minha pergunta inicial eu excluí os negócios amorosos e outras relações sociais. Eu não me referia à administração pública. O nível estatal é mais complicado. No que tange ao fator humano, por exemplo, a dona-de-casa necessitaria lidar com auxiliares estranhos à sua escolha pessoal e dependeria da honestidade e da capacidade de cada um deles. Além disto, se bonita e gostosa, ela necessitaria de hábil jogo de cintura para resistir às cantadas e escapar do assédio sexual.
R – Considere também o nível, bom ou ruim, de maturidade e cultura do povo, a influir nas políticas públicas e na estabilidade governamental. O Chile e a Alemanha são governados por mulher e, ao que parece, muito bem. Os EUA poderão ser governados por mulher caso a candidata seja eleita. Porém, tenho dificuldade em classificar essas mulheres como “donas-de-casa”. Num país de merda como o nosso, a situação é ainda mais complicada.
A – Desculpe, mas não posso concordar contigo. O nosso não é um país de merda e nem de açúcar, embora produtor das duas substâncias. País é um pedaço de terra sobre o qual vive um povo. A nossa terra é fértil, banhada por oceano e rios, rica em minérios, petróleo e outras fontes naturais de energia. Há riqueza biológica em regiões como o pantanal e a floresta amazônica com imensa diversidade de plantas e animais. Para ser franco, digo que o governo do povo desta terra também não é de merda e nem de açúcar, pois governo é apenas uma organização política. Os senadores, deputados, vereadores, governadores, prefeitos, juízes e demais servidores públicos é que são de merda ou de açúcar, tanto os eleitos como os usurpadores, tanto os que prestaram concurso como os que entraram pela janela. 
R – Tudo bem. Contudo, vejo aí um complicador. Entre os membros desta nação não há só merda e nem tampouco açúcar exclusivamente. De qualitativa, a questão passa a ser quantitativa: qual o monte maior, o de merda, ou o de açúcar? Creio que da resposta podemos obter um aproximado perfil moral e cultural dos eleitores, legisladores, chefes de governo e magistrados.
A – Pois é. Virtudes e vícios do povo e dos seus representantes, somente um trabalho estatístico confiável poderá medir. Necessário estabelecer critérios para o recenseamento. Tarefa difícil. 
R – Difícil, nem tanto; trabalhosa, sem dúvida. A merda está no DNA desse povo por ter nascido da escória europeia, da negra escravidão e do aculturamento degenerador do silvícola. A gente nativa, produto do excremento europeu, da dor africana e do amesquinhamento do índio, sempre teve os olhos voltados para a Europa. O mimetismo integrou os costumes desse povo desde a origem. O faz-de-conta acompanha esse povo há 400 anos.
A – Nesse ponto, a história abona o teu pensamento. Ao tempo do Reino e ao tempo do Império, foi adotado o modelo das monarquias europeias. Ao tempo da República, foi adotado o modelo republicano, democrático e presidencialista da nação norte-americana.   
R – É isso aí. Sob esse aspecto, nada veio da realidade local. Importaram modelos sem adequação a essa realidade. Faltou autenticidade. A massa popular nunca se portou como dona deste grande pedaço de terra e sim como simples habitante, espectadora do espetáculo encenado pelas famílias abastadas e por aventureiros. A reduzida minoria, dona do dinheiro, sempre foi a real proprietária do país, subordinada aos interesses das potências estrangeiras de cada época.
A – Apesar dos emigrantes oriundos da Europa e da Ásia, o monte de merda não diminuiu e o monte de açúcar não aumentou, em termos proporcionais. Na esfera política, comandam os donos do dinheiro e os delinqüentes do colarinho branco. Às vezes, o rico e o delinqüente estão encarnados na mesma pessoa. A canalha parlamentar é integrada majoritariamente por homens providos da ousadia dos canalhas, se me permite usar a expressão do jornalista e dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues. Mulher é minoria. A democracia é de fachada. O que vigora de fato, desde 1889, é uma república oligárquica.  
R – Realmente, no papel, a nação se declara república democrática. Todavia, no plano dos fatos, comporta-se como republiqueta de corpo gigante e de alma pequena.
A – Os periódicos golpes de Estado, à base do fuzil e da caneta, desferidos por militares e civis, mostram a verdadeira fisionomia desta nação, cuja experiência política corresponde à opinião de Ferdinand Lassalle: a Constituição escrita é uma folha de papel. Então, pode ser rasgada ou utilizada para fim higiênico.
R – Quem é esse cara? Pelo nome, deve ser francês.
A – Não. O cara nasceu na Alemanha, estudou economia, doutorou-se em filosofia, advogava, fazia conferências, era socialista, nacionalista, revolucionário, agitador preso algumas vezes, participou da revolução de 1848 na Prússia, morreu na Suíça num duelo por causa da namorada. Ele dizia que a verdadeira Constituição eram os fatores reais do poder.
R – Já sei: os banqueiros, os industriais, os grandes comerciantes e fazendeiros.
A – Sim, o polo mais forte, incluindo o exército, sendo a classe operária e parcela da classe média o polo mais fraco. Os nexos entre essas classes compõem a verdadeira e real Constituição, segundo o turbulento pensador alemão. 
R – Anunciaram o meu vôo. Preciso embarcar. Antes, ouça a minha opinião sobre tal assunto. A folha de papel é tão somente o suporte material sobre o qual a Constituição é escrita. Na verdade, trata-se de um documento jurídico com princípios e normas que regem a vida de uma nação.
A – Concordo, com pequena ressalva: princípios e normas de direito que “devem reger” a vida de uma nação, mas que nem sempre regem de fato, pelo menos, em nosso país. Quando esse documento jurídico básico discrepa da têmpera do povo, da realidade histórica e social da nação, pouca segurança oferece, enseja violações e modificações freqüentes gerando instabilidade.
R – Aliás, essa tem sido a tônica da nossa experiência política. Depois do recente golpe desferido pela quadrilha de bandidos que domina o Congresso Nacional, mostramos ao mundo, mais uma vez, que o Brasil não é uma república séria e confiável e sim uma republiqueta carnavalesca. Esqueça a candidatura desta nação a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O esforço, neste século XXI, para melhorar o conceito do Brasil perante o mundo, foi para o brejo.
A – Dá cá um abraço. Boa viagem!
R – Obrigado. Até a volta!