domingo, 28 de fevereiro de 2010

VIDA2

Segunda parte.

Para suprir demanda dos bens necessários à conservação da vida, ante a provável exaustão das fontes usuais de abastecimento e o crescimento da população mundial, buscam-se fontes alternativas de energia: eólica, solar, nuclear, vegetal (cana de açúcar, milho, beterraba). A engenharia genética contribui para que a probabilidade de faltar alimento seja reduzida. Sob técnicas adequadas e condições apropriadas são plantados vegetais transgênicos, criam-se frangos e peixes com rações vitaminadas, melhora-se a qualidade do gado pela inseminação artificial e pastos apropriados. A indústria diversifica a produção de alimentos, remédios, vitaminas e equipamentos para preservar a saúde e a vida.

O filme italiano Mundo Cão, da segunda metade do século XX, retratava a miséria moral e econômica das pessoas. Calcula-se que, atualmente, mais da metade da população mundial passa fome. Alimentos são queimados ou destruídos, às toneladas, por não obter bom preço no mercado. À falta de poder aquisitivo, milhões de pessoas ficam sem acesso aos alimentos postos à venda nas feiras, armazéns e supermercados. Diante da escassez de água, buscam-se soluções racionais à sua utilização, de modo a evitar o desperdício, preservar os mananciais e a flora que os circunda. Abrem-se canais para irrigação da terra e transposição das águas de rios a fim de abastecer regiões assoladas pela seca. Cogita-se a dessalinização da água do mar.

Na Europa do século XIX, teve larga repercussão a teoria de Thomas Malthus, publicada em 1803: a população mundial se multiplica em progressão geométrica, enquanto os recursos para alimentá-la crescem em progressão aritmética; a catástrofe será certa, se não houver controle. No século XX, ao findar a primeira guerra mundial, a França adotou política de incentivo à natalidade. O cenário mudou na segunda metade do século. O Japão adotou política de controle da natalidade. Países desenvolvidos seguiram o exemplo japonês. Onde o controle ficou mais restrito à camada rica e remediada, a população aumentou, como na América do Sul e África. O controle da natalidade na China tem caráter obrigatório: o governo estabelece o número máximo de filhos que o casal pode gerar; ultrapassado o limite, sobrevém punição aplicada pelo Estado. A imigração intervém negativamente na política de controle de natalidade do país hospedeiro. Além disso, os imigrantes concorrem com os nacionais no mercado de trabalho, o que tem gerado descontentamento e conflitos em países europeus e reacendido a chama do racismo. Nos EUA o governo faz severa fiscalização na fronteira com o México, para evitar a imigração ilegal.

As técnicas de controle da natalidade variam: relação sexual programada, pílulas anticoncepcionais, diafragma, vasectomia, laqueadura, aborto cirúrgico. A igreja cristã discorda do controle; apóia-se no mandamento bíblico: crescei e multiplicai. Opõe-se, igual e tenazmente, à interrupção da gravidez; apóia-se em outro mandamento bíblico: não matarás. Qualifica o aborto de assassinato, como se o embrião fosse pessoa. Assim procedendo, a igreja coloca-se contra o direito posto pelo Estado e faz terrorismo moral e religioso, esquecida de que ela própria torturou e matou – na fogueira, no cadafalso, no óleo fervendo – pessoas consideradas hereges. Por não tirar o chapéu à passagem de uma procissão, Jean Barre foi supliciado até a morte, em 1618, na França. No direito brasileiro, o nascimento com vida gera a personalidade civil. Considera-se com vida o ser que respira pela primeira vez fora do útero. Se não houver respiração, não haverá pessoa nem o respectivo direito hereditário.

A ex-ministra da saúde da Finlândia, Dra. Rauni Kilde, através de entrevista divulgada pela rede de computadores em 2009/2010, denunciou a técnica de redução demográfica por envenenamento coletivo. Crianças e mulheres grávidas são os alvos principais da aplicação dessa técnica que obedece a uma estratégia cuja autoria é atribuída a Henry Kissinger, ex-secretário de estado dos EUA. O suposto projeto tem por objetivo eliminar 2/3 da população mundial e, concomitantemente, aumentar os lucros da indústria farmacêutica, com o beneplácito da Organização Mundial da Saúde. A indústria produz vacinas que intoxicam o organismo humano e causam a morte dos pacientes. Servindo-se dos veículos de comunicação social, a indústria faz alarde de doenças, como a gripe suína e a gripe do frango, qualificando-as de altamente danosas à saúde. Induz os governos a baixarem leis declarando a vacina obrigatória. Vende vacinas a todos os países do mundo para consumo de milhões de pessoas, embora seja pequeno o número de doentes proporcionalmente ao de habitantes.

Suspeita-se que o vírus da AIDS resultou de projeto semelhante, cuja execução teve início no continente africano. Em direção aparentemente oposta a esse projeto, a pesquisa científica, as técnicas alopáticas e homeopáticas, orientais e ocidentais, permitiram a cura e a prevenção de várias doenças, prolongando a expectativa de vida do ser humano. Continua a luta contra o câncer, a AIDS e o diabetes. Embora sem o propósito específico, esse progresso pode camuflar aquele projeto de extinção parcial da humanidade. Realmente, apenas 1/3 da população mundial, aproximadamente, usufrui do avanço da medicina. A maior parcela está excluída. O continente africano oferece o mais dramático exemplo dessa exclusão. No continente americano, o terremoto no Haiti, em 2009, com milhares de mortos, revelou ao mundo um povo na miséria, excluído do progresso trazido pela civilização. O infortúnio talvez proporcione melhores dias, refletindo a passagem bíblica: depois da tempestade, a bonança. Algumas nações se solidarizaram com os haitianos; o povo recebeu ajuda internacional que poderá se estender por uma década, em atenção ao pleito dos seus líderes. Por outro lado, na Europa e na América, o crescente número de idosos e de desempregados preocupa os governos. Os recursos da previdência social estão no limite, segundo afirmam. A eliminação dessa parcela da população mundial seria bem vista por esses pragmáticos que valorizam mais o dinheiro do que a vida.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

VIDA

Primeira parte.

Vida é alma, energia fundamental genetriz e motor do universo. Quem diz alma, diz vida; quem diz vida, diz energia; quem diz energia, diz movimento; quem diz movimento, diz espaço e tempo. As galáxias não existiriam sem vida; o cosmos se desintegraria se perdesse vida. Alma universal, a vida cria a matéria, dá forma aos minerais, vegetais e animais e imprime movimento ao mundo. Do ponto de vista ontológico, a vida se manifesta como totalidade do ser: estrutura o mundo e o mantém em funcionamento contínuo. Essa manifestação obedece a padrões inteligentes, a uma lógica interna, que a mente humana apreende como leis da natureza. Se essas leis realmente existem fora da mente humana, não há certeza, como pondera Norbert Wiener (“Cibernética e Sociedade”): sua existência é mero postulado sobre o qual repousa o trabalho científico.

Como os seres humanos criaram e organizaram o seu próprio universo – o mundo da cultura – mediante leis ditadas por sua inteligência, deduziram daí que o mundo da natureza também foi criado e organizado segundo leis inerentes à vida, ditadas por uma inteligência superior. Einstein acreditava nessa inteligência (“Como eu vejo o mundo”). A teoria da grande explosão, sobre a origem do universo, se harmoniza com a equação de Einstein: matéria é energia. Essa teoria supõe um evolucionismo que coloca à margem a teoria criacionista, segundo a qual o mundo foi criado num só ímpeto e diretamente pela divindade. Para os povos que adotam a bíblia como livro sagrado, o mundo e tudo que nele se contém foram criados pelo deus Javé ou Jeová, em seis dias consecutivos. Esfalfado, apesar de onipotente, o deus descansou no sétimo dia.

Evolucionismo e criacionismo divergem quanto ao modo como surgiu o universo, porém ambos são compatíveis com a existência divina. Quanto à forma e substância de Deus, reina o desacordo tanto entre os evolucionistas como entre os criacionistas. A divergência é extrema entre materialistas e espiritualistas. Os primeiros entendem que nada existe além da matéria; não há mundo espiritual; tudo inicia e acaba no mundo da natureza. Os últimos defendem a existência do mundo divino, paralelo ou acima do mundo da natureza; após a morte física, a vida continua nesse mundo espiritual.

No planeta Terra, minúsculo ponto do sistema solar localizado na extremidade da galáxia denominada Via Láctea, reuniram-se condições ambientais que tornaram possível a manifestação da vida vegetal e animal. A ciência reserva aos vegetais e animais o tratamento de seres vivos em função do princípio vital específico que lhes dá existência. Nesta restrita noção biológica, o princípio vital proporciona aos seres vivos atributos ausentes do reino mineral, tais como: sensibilidade, duração, capacidade de reprodução, nutrição e defesa, pulsão na linha evolutiva desde as espécies germinais mais simples até os organismos mais complexos. Os seres vivos percebem e reagem ao meio ambiente; movimentam mecanismos de defesa própria e de conservação da espécie; cumprem o ciclo natural: nascimento, crescimento, maturidade, envelhecimento e morte. Os animais buscam instintivamente, alimento adequado, abrigo e acasalamento. Há saltos decorrentes de fatos internos (disfunções, processos degenerativos) e de fatos externos (terremotos, maremotos) quando o animal morre antes de envelhecer; às vezes, logo ao nascer. No que concerne ao animal racional, além dos fatos internos e externos retro mencionados, a vida pode ser abreviada por atos voluntários ou involuntários, de modo coletivo ou individual, de que são exemplos: a guerra, os conflitos armados no interior da nação, acidentes com veículos em terra, ar ou água, hábitos nocivos, pena de morte, suicídio, infanticídio, homicídio, genocídio.

Cientistas buscam sinais de vida vegetal e animal em outros pontos do universo. A presença, na Terra, de seres de outros planetas, vivos e inteligentes, bem como de objetos voadores não identificados, estaria registrada em arquivos militares dos EUA. Presente a hipótese de blefe americano ao tempo da guerra fria e da corrida espacial com os soviéticos. Há narrativas de pilotos de avião sobre esses objetos; algumas pessoas mostram fotografias pouco nítidas; outras se dizem abduzidas. A nebulosidade em torno dessa matéria gera incerteza. A falta de evidência deixa o assunto no terreno da crença e da fantasia, o que rende bilhões de dólares à indústria cinematográfica e às editoras de livros de ficção científica e esoterismo.

O excesso de população na Terra preocupa as lideranças mundiais diante da probabilidade de esgotamento dos recursos naturais. Especula-se em torno da emigração de seres humanos para outros planetas. As viagens espaciais ensaiam a possibilidade de encontrar planetas que ofereçam condições para vida vegetal e animal. Na hipótese de hecatombe na Terra, a emigração permitiria a continuidade da vida humana em outro planeta. A implantação de colônias em planetas situados fora do sistema solar seria uma solução para reduzir o número de habitantes na Terra. O que parecia fantasia no século XIX, mostra-se possibilidade no século XX, probabilidade no século XXI e poderá ser realidade no século XXII. As fronteiras da técnica e da ciência se deslocam na medida em que se expande a mente, se fortalece a coragem, cresce a ousadia e se amplia a liberdade do ser humano.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

POESIAS

Como da pira extinta a labareda / ainda o rescaldo crepitante fica / assim o ardente moço a mente acesa / na desusada luta que a excitara / ainda alerta e escaldada se revolve! / De um lado e de outro balanceia o corpo / como após da tormenta o mar banzeiro / alma e corpo repouso achar não podem./ Debalde os olhos cerra; a igreja, as casas / a vila, tudo ante ele se apresenta. / (...) / Mas a noite declina e branda aragem / começa a refrescar. Do céu os lumes / perdem a nitidez desfalecendo. / Assim já frouxo o pensamento do índio / entre a vigília e o sono vagueando / pouco a pouco se olvida e dorme e sonha. / (...) / Ele sonha... Alto moço se lhe antolha / de belo e santo aspecto, parecido / co´uma imagem que vira atada a um tronco / e de setas o corpo traspassado / num altar desse templo, onde estivera / e que tanto na mente lhe ficara. / - “Vem!” Lhe diz; e ambos vão pelos ares / mais rápidos que o raio luminoso / vibrado pelo sol no veloz giro / e vão pousar no alcantilado monte / que curvado domina o Guanabara. / (...) / (“A Confederação dos Tamoios” – Gonçalves de Magalhães).

São uns olhos verdes, verdes / uns olhos de verde-mar / quando o tempo vai bonança / uns olhos cor de esperança / uns olhos por que morri / Ai de mi! / Nem já sei qual fiquei sendo / depois que os vi! / Como duas esmeraldas / Iguais na forma e na cor / têm luz mais branda e mais forte / diz uma – vida, outra – morte / uma – loucura, outra – amor. / Mas, ai de mi! / Nem já sei qual fiquei sendo / depois que os vi! / São verdes da cor do prado / exprimem qualquer paixão / tão facilmente se inflamam / tão meigamente derramam / fogo e luz no coração / Mas, ai de mi! / Nem já sei qual fiquei sendo / depois que os vi! / São uns olhos verdes, verdes / que podem também brilhar / não são de um verde embaçado / mas verdes da cor do prado / mas verdes da cor do mar / Mas, ai de mi! / Nem já sei qual fiquei sendo / depois que os vi! / Como se lê num espelho / pude ler nos olhos seus! / Os olhos mostram a alma / que as ondas postas em calma/ também refletem os céus / Mas, ai de mi! / Nem já sei qual fiquei sendo / depois que os vi! / Dizei vós, ó meus amigos / se vos perguntam por mi / que eu vivo só da lembrança / de uns olhos cor de esperança / de uns olhos verdes que vi! Que, ai de mi! / Nem já sei qual fiquei sendo / depois que os vi! / Dizei vós: “Triste do bardo! / Deixou-se de amor finar! / Viu uns olhos verdes, verdes / uns olhos da cor do mar / eram verdes sem esp´rança / davam amor sem amar!” / Dizei-o vós, meus amigos / que ai de mi! / Não pertenço mais à vida / depois que os vi! (“Olhos Verdes” – Gonçalves Dias).

Quando em meu peito rebentar-se a fibra / que o espírito enlaça à dor vivente / não derramem por mim nem uma lágrima / em pálpebra demente/ e nem desfolhem na matéria impura / a flor do vale que adormece ao vento:/ Não quero que uma nota de alegria / se cale por meu triste passamento. / Deixo a vida como deixa o tédio / do deserto, o poente caminheiro / - Como as horas de um longo pesadelo / que se desfaz ao dobre de um sineiro:/ Como um desterro da minh´alma errante / onde o fogo insensato a consumia:/ Só levo uma saudade – é desses tempos / que amorosa ilusão embelecia./ Só levo uma saudade – é dessas sombras / que eu sentia velar nas noites minhas.../ De ti, ó minha mãe, pobre coitada / que por minha tristeza te definhas!/ Do meu pai... de meus únicos amigos / poucos – bem poucos – e que não zombavam / quando, em noites de febre endoudecido / minhas pálidas crenças duvidavam. / Se uma lágrima as pálpebras me inunda / se um suspiro nos seios treme ainda / é pela virgem que sonhei... que nunca / aos lábios me encostou a face linda!/ Só tu à mocidade sonhadora / do pálido poeta deste flores.../ se viveu, foi por ti! E de esperança / de na vida gozar de teus amores./ Beijarei a verdade santa e nua / verei cristalizar-se o sonho amigo.../ ó minha virgem dos errantes sonhos / filha do céu, eu vou amar contigo!/ Descansem o meu leito solitário / na floresta dos homens esquecida / à sombra de uma cruz, e escrevam nela:/ Foi poeta – sonhou – e amou na vida./ (...) / (“Lembrança de morrer” – Álvares de Azevedo).

Minh`alma é triste como a rôla aflita / que o bosque acorda desde o olhar da aurora / e em doce arrulo que o soluço imita / o morto esposo gemedora chora./ E como a rôla que perdeu o esposo / minh´alma chora as ilusões perdidas / e no seu livro de fanado gozo / relê as folhas que já foram lidas./ (...) / Às vezes louca, num cismar perdida / minh´alma triste vai vagando à toa / bem como a folha que do sul batida / bóia nas águas de gentil lagoa!/ (...) / E como a flor que solitária pende / sem ter carícias no voar da brisa / minh´alma murcha, mas ninguém entende / que a pobrezinha só de amor precisa. / Amei outrora com amor bem santo / os negros olhos de gentil donzela / mas dessa fronte de sublime encanto / outro tirou a virginal capela./ Oh! Quantas vezes a prendi nos braços / que o diga e fale o laranjal florido!/ Se mão de ferro espedaçou dois laços / ambos choramos as num só gemido!/ (...) Minh´alma é triste como o grito agudo / das arapongas no sertão deserto / e como o nauta sobre o mar sanhudo / longe da praia que julgou tão perto!/ A mocidade no sonhar florida / Em mim foi beijo de lasciva virgem / - Pulava o sangue e me fervia a vida / ardendo a fronte em bacanal vertigem./ (...) / Dizem que há gozos no correr da vida.../ só eu não sei que o prazer consiste!/ - No amor, nas glórias, na mundana lida / foram-se as flores – a minh´alma é triste! (“Minh´alma é triste” – Casimiro de Abreu).

Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:/ - “Quem me dera que fosse aquela loura estrela / que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”/ Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:/ - “Pudesse eu copiar o transparente lume / que, de grega coluna à gótica janela / contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!” / Mas a lua, fitando o sol, com azedume:/ - “Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela / claridade imortal, que toda a luz resume!” / Mas o sol, inclinando a rútila capela:/ - “Pesa-me esta brilhante auréola de nume.../ enfara-me esta azul e desmedida umbela.../ Por que não nasci eu um simples vagalume?”. (Círculo vicioso” – Machado de Assis).

Eu passava na vida errante e vago / como o nauta perdido em noute escura/ mas tu te ergueste peregrina e pura / como o cisne inspirado em manso lago./ Beijava a onda num soluço mago / das moles plumas a brilhante alvura / e a voz ungida de eternal doçura / roçava as nuvens em divino afago./ Vi-te, e nas chamas de fervor profundo / a teus pés afoguei a mocidade / esquecido de mim, de Deus, do mundo!/ Mas, ai! Cedo fugiste!...da soidade / Hoje te imploro desse amor tão fundo / uma idéia, uma queixa, uma saudade! (“Soneto” – Fagundes Varela).

O que eu adoro em ti não são teus olhos / teus lindos olhos cheios de mistérios / por cujo brilho os homens deixariam / da terra inteira o mais soberbo império./ O que eu adoro em ti não são teus lábios / onde perpétua juventude mora / e encerram mais perfume do que os vales / por entre as pompas festivais d´aurora./ O que eu adoro em ti não é teu rosto / perante o qual o mármor descorara / e ao contemplar a esplêndida harmonia / Fídias, o mestre, seu cinzel quebrara/ (...) / O que eu adoro em ti, ouve, é tu´alma / pura como o sorriso de uma criança / alheia ao mundo, alheia aos preconceitos / rica de crenças, rica de esperança./ São as palavras de bondade infinda / que sabes murmurar aos que padecem / os carinhos ingênuos de teus olhos / onde celestes gozos transparecem / (...)/ (“Estâncias” – Fagundes Varela)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

TU4

Quarta parte.

A relação eu-tu, nós-eles, implica ordem e sistema, mesmo entre anarquistas. A organização atômica da matéria e o sistema solar como enclave de ordem na galáxia condicionam e determinam o ser vivo. A admirável organização do corpo reflete-se na arquitetura mental e na conduta do ser humano. Respondendo a essa pulsão ordenadora o tu e o eu, o nós e o eles, estabelecem convenções, costumes, leis; celebram pactos e contratos sob o pálio dessas ordenações, criando regras específicas. A Sociedade se desintegrará à falta de obediência a esse ordenamento de inarredável força coercitiva. A consciência da importância e da necessidade dessa ordem, seja do tipo monocrático, aristocrático ou democrático, leva os seres humanos a cumprirem-na espontaneamente.

Apesar da importância da ordem para a vida em sociedade, constante é a violação das convenções sociais e das normas éticas, jurídicas e religiosas. A desobediência provém do aspecto libertário da conduta humana. A desobediência civil pode mudar o regime político e gerar nova ordem em substituição à anterior. A desobediência a certas convenções sociais acarreta mudança, como acontece na moda, no sexo e hábitos comportamentais coletivos – às vezes com escândalo inicial, como no festival de Woodstock, nos EUA, ou a exposição da barriga de grávida por Leila Diniz, na praia de Ipanema. No oceano da desobediência navega o barco da liberação feminina. O poder matriarcal, na casa ou no palácio, vem de longe, ora às claras, ora camuflado pela sedução. Sócrates, filósofo heróico, submetia-se à autoridade e à impertinência de Xantipa, sua esposa. Herodíades manobrava Herodes Antipas; colocou sua filha, Salomé, a dançar sensualmente para o rei judeu e obteve a cabeça de João Batista. Os varões italianos são apegados e submissos à “mama” e à “nona”; os anglo-saxões às suas “momi”, inclusive os da América do Norte. No filme “Juventude Transviada”, estrelado por James Dean, ícone dos anos 50, o jovem norte-americano revolta-se ao ver o seu pai de avental, lavando a louça e limpando a cozinha, submisso à esposa.

As regras sociais nas esferas judaica, cristã e islâmica oprimem a mulher. No Ocidente, a desobediência da mulher a libertou. Costumes, moda e outras convenções mudaram ou se extinguiram. No calor, pouca roupa, pernas, seios e calcinhas à mostra; sutiã dispensado; virgindade desvalorizada, relação sexual pela simples atração física, sem pecado e sem amor; exercício de qualquer profissão; acesso às escolas e universidades; atividade política, inclusive chefias de Estado e de Governo; atividade econômica como empresária e empreendedora; atividade social evangelizadora e/ou de socorro aos doentes e carentes; atividade cultural como artista, escritora, professora, organizadora de eventos, museus e bibliotecas. Eis a mulher ocidental.

Há penas privativas de liberdade e penas pecuniárias aplicáveis a quem desobedece às leis. Medidas preventivas e repressivas são tomadas para coibir a desobediência. A necessidade de preservar a ordem justifica essas medidas. Açoite, mutilação, fogueira, empalação, apedrejamento, são algumas das penas cruéis proscritas da civilização ocidental, substituídas por outras consideradas menos afrontosas à dignidade da pessoa humana, tais como: enforcamento, fuzilamento, cadeira elétrica, injeção letal, prisão perpétua, prisão temporária, multa, prestação de serviços à comunidade.

As liberdades do eu e do tu se limitam reciprocamente. A luta pelo reconhecimento pessoal e pelo direito, em nível social, corresponde à darwiniana luta pela sobrevivência, em nível biológico. Para Thomas Hobbes, o ser humano é mau por natureza; a guerra de todos contra todos só foi refreada com a passagem da vida selvagem e anárquica à bem ordenada vida civilizada. Para Jean-Jacques Rousseau, o ser humano é bom por natureza; a sua degradação começa com o pacto social, na passagem da vida selvagem à vida civilizada.

À semelhança de Hobbes, Jean-Paul Sartre considera a beligerância uma característica marcante do ser humano; afirma que o inferno são os outros; o conflito é o sentido original do ser-para-outro; o amor é a vontade de possuir o outro; masoquismo, sadismo e desejo sexual governam as ações humanas; na maioria dos casos, o altruísmo é enganoso. Em posição oposta coloca-se Emmanuel Lévinas, para quem o paraíso é o outro; a relação entre o eu e o outro não é de confronto, mas sim de reencontro que ultrapassa o visível; a visualização desse reencontro é um infinito insondável de que cada outro é portador como tal; a religião é a estrutura derradeira, no sentido etimológico de vínculo irredutível que liga o eu e o tu a uma realidade superior; a relação com o outro obriga o eu a se abrir para o infinito e a se superar em uma transcendência; o eu se constitui pelo outro; graças ao tu, o eu se eleva às alturas; a civilidade, a hospitalidade, o pudor, o sacrifício, caracterizam as ações humanas.

Na senda traçada por Lévinas, tudo que o eu é, deve ao tu, à existência do outro eu; um eu é tributário de outro eu, que por sua vez é tributário de outro eu, e assim por diante, numa relação bilateral extensa e intensa. A perícia do eu pode salvar a vida do tu. A arte do tu desperta a admiração do eu e lhe causa prazer. O nós compartilha alegrias, tristezas, vitórias, derrotas, idéias, sentimentos, crenças e hábitos. Eles devem a nós tudo o que são; nós devemos a eles, tudo o que somos; o que uma geração é, deve à geração anterior.

Tanto Hobbes como Sartre não desconheciam os aspectos altruístas do eu, porém classificam-nos como secundários e enganosos; fundamentais são os aspectos egoístas. Rousseau e Lévinas não desconheciam os aspectos egoístas do eu, porém classificam-nos como secundários; fundamentais são os aspectos altruístas. Lá, privilegia-se o aspecto demoníaco do ser humano; cá, o aspecto angelical. O meio termo aristotélico parece via segura: equilíbrio entre o egoísmo e o altruísmo, entre o demônio e o anjo. A plena harmonia entre o eu e o tu, na vida terrena, afigura-se utópica, tendo em vista a acirrada competição por bens e posição de domínio no interior da família, da comunidade, da escola, da igreja, da empresa, do Estado. O egocentrismo prevalece. Há intervalos de altruísmo e solidariedade, como no século XVIII, quando o mundo ocidental proclamou a primazia da tríade liberdade, igualdade e fraternidade, ou no século XX, quando reconheceu direitos do trabalhador, do consumidor, do deficiente físico, da mulher, da criança, do adolescente, do idoso, do índio e houve liberação dos costumes, queda de tabus, amplo combate às doenças e defesa do meio ambiente.

Nas relações amistosas a escolha certa do tu é fundamental a uma vida feliz. O acerto na escolha compara-se ao acerto na loteria, tantos são os desacertos. Fechar-se em si mesmo de modo prolongado e como estilo de vida, causa depressão e infelicita o eu. Cuida-se de atitude contrária à natural sociabilidade humana. Meditação e oração ajudam a sair desse estado mórbido. Tal como as bênçãos divinas, os bens da natureza devem ser usufruídos por todos os seres humanos. Quando a humanidade colocar-se em sintonia com a lei cósmica, egoísmo e altruísmo encontrarão seu ponto de equilíbrio; demônio e anjo celebrarão a paz; o homem deixará de ser o lobo do homem.

Após um cálice de poesia, o próximo tema será VIDA.
Que a paz e o amor estejam com todos. Assim seja!

domingo, 21 de fevereiro de 2010

TU3

Terceira parte.

O eu usa o tu como cobaia e bem de consumo, força de trabalho e instrumento da sua vontade, saco de pancadas e alvo de torturas físicas e mentais. Essa coisificação e degradação do tu pelo eu – ainda quando inconsciente e imperceptível em virtude da sua prática habitual no cotidiano – afronta a dignidade humana e evidencia atraso espiritual.

A existência do tu é imprescindível à do eu e vice-versa. Nas suas múltiplas relações, o tu e o eu podem ter conduta caridosa, solidária, valiosa do ponto de vista moral e religioso, que eleva a personalidade às cercanias de Deus. Quando não houver mais pobreza destinatária da bondade do eu, o campo da caridade ficará reduzido aos doentes, portadores de deficiência física e/ou mental. Um sorriso fraterno ou um abraço de compaixão a quem estiver sofrendo emocionalmente constitui ato de caridade mais sincero e significativo do que o frio lançamento da moeda na mão que o mendigo estende em súplica. O infortúnio do tu ou do eles, desperta a solidariedade no eu ou em nós. A ação solidária pode ser coletivamente organizada em corporações de defesa civil, de assistência social, de previdência social, em sociedades de beneficência e cooperativas de auxílio mútuo, visando ao socorro das vítimas, dos doentes, dos associados, da população carente. As vítimas dos fatos da Natureza como terremotos, maremotos, tempestades, estiagens, epidemias, pandemias, são as destinatárias do socorro humanitário que enobrece aqueles que o prestam. A ação predatória e poluidora do tu enseja ao eu, defensor do meio ambiente, o reconhecimento da comunidade.

O tu pode ser amigo ou inimigo do eu. A amizade constitui um vínculo afetivo que implica reciprocidade, dever de lealdade e de apoio moral. Tu és responsável por aquele que cativas, diz Saint-Exupéry no Pequeno Príncipe. A amizade contribui para a paz e facilita o convívio ameno e construtivo. A existência de amizade entre as nações foi negada, em momentos distintos, por De Gaulle, presidente da França, e Truman, presidente dos EUA. Na opinião deles, somente interesses guiavam as relações internacionais. Realisticamente, o estadista italiano Nicolau Maquiavel expôs essa verdade já no século XVI. Na trilha ética, todavia, essa verdade perde valor. Assim como os indivíduos, as nações devem cultivar amizade. As divergências devem ser solucionadas pela via pacífica. O Brasil adota essa doutrina, conforme princípios fundamentais enunciados na Constituição. Amigos divergem, mas buscam soluções pacíficas. Quando não chegam ao consenso, guardam suas posições sem violência, num clima de mútuo respeito. Nem sempre é assim, mas deve ser assim. A ética o exige. Há valores éticos absolutos, tais como justiça, honestidade, lealdade, veracidade, vigentes em nações civilizadas e respeitados por pessoas de bom caráter.

No seu microcosmo, ao tomar consciência do tu, o eu sente ameaçada a sua posição central. Sol do seu próprio universo, o eu percebe que é satélite no universo do outro. Essa percepção abala o egocentrismo. A atitude de defesa e de auto-afirmação é a reação básica e primitiva do eu ao se defrontar com o tu. Se não houver entendimento tácito ou expresso, instaura-se o conflito.

Quando o eu e o tu desejam o mesmo bem, em sendo este bem indivisível e insuscetível de usufruto conjunto, haverá disputa se um não ceder em favor do outro. A solução pacífica advém do consenso. A uma nação interessa, por exemplo, a passagem de oleoduto através do território da outra. Se esta negar passagem, ou estabelecer condições inaceitáveis para permiti-la, os interesses conflitantes colocam a guerra como alternativa, caso a nação interessada não se conforme com a negativa.

Tanto no plano individual como no coletivo, há relações de dependência entre o eu e o tu, entre o nós e o eles. Robinson Crusoé, solitário em sua ilha, livre das leis e da autoridade do Estado, serviu-se de bens produzidos pela civilização, aproveitados do naufrágio. Depois, o tu surgiu na pessoa do nativo, afastando a solidão e gerando normas de convivência. O branco civilizado batizou o nativo: deu-lhe o nome de Sexta-Feira. Arraigado à sua cultura, o branco solitário sentia necessidade do batismo e do calendário. A dependência é um estado natural desde o nascimento até a morte do ser vivo. Em nível singular, a dependência do ser humano é física, emocional e intelectual. Em nível coletivo, a dependência é social e econômica, seja o outro conhecido ou desconhecido, nacional ou estrangeiro, esteja próximo ou distante. Bens, costumes, conhecimentos, técnicas, circulam de um povo a outro, passam de uma geração a outra. Da sucessão e reprodução dessa cultura surge um tipo de civilização.

Sobra pouco espaço à independência e à liberdade do eu e do tu. Determinados pelas leis da Natureza, da Sociedade e do Estado, ambos sofrem o condicionamento do meio ambiente em que vivem e da cultura a que pertencem. Dir-se-á que as leis da Sociedade e do Estado e os valores que as informam resultam da autonomia do ser humano. Isto é verdadeiro enquanto se tomar a vontade e a razão como gênese das leis e dos valores. Afinal, como afirmava Protágoras, o homem é a medida de todas as coisas. Do poder normativo difuso na sociedade nascem costumes que disciplinam historicamente as relações entre o eu e o tu. Do poder normativo de um chefe de Estado ou de uma assembléia brotam leis escritas carregadas de intenções nem sempre voltadas ao bem da coletividade. Leis fundamentais do Estado garantem os interesses do grupo dominante na Sociedade. Cuida-se da dimensão social e civilizada dessa lei natural e selvagem: sobrevivência do mais apto e prevalência do mais forte.

Apesar da sua independência política em face do outro, o Estado contemporâneo está vinculado a normas provenientes de pactos, de contratos e de organismos internacionais. Há intercâmbio cultural entre os povos, mesmo diante de pretensões hegemônicas. O grande desenvolvimento da mídia nos dias atuais facilita esse intercâmbio e mostra essa realidade. O comércio internacional evidencia a interdependência. A escassez de bens e serviços confere poder de troca à nação que os possui.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

TU2

Segunda parte.

Os 10 mandamentos bíblicos disciplinam as relações entre o eu e o tu, o nós e o eles. Valem tanto para quem esteja vinculado à religião que os adota, como para todo aquele que os acate por dever de consciência. O crente que os contraria deve fazer penitência neste mundo e cumprir pena no outro mundo, segundo os preceitos religiosos e os anátemas dos profetas.

O tu pode ser Deus, a quem o eu deve amar. Esse dever religioso supõe a crença na existência e no poder de Deus. Tal crença leva o eu a construir a imagem do ser divino. A imagem pode ser a de um homem forte, idoso, poderoso, como a pintada por Miguel Ângelo no teto da Capela Sistina. Essa imagem antropomórfica é a mais comum; está mais próxima dos sentidos. No Antigo Testamento consta que Moisés viu as costas de Javé. Os astros também servem à imaginação. O Sol era símbolo de Aton, no antigo Egito, sob o reinado do faraó Aquenaton. A imaginação do eu não se detém na forma. Vai além. Atribui boas e más qualidades ao ser divino: justo, bondoso, misericordioso, rancoroso, vaidoso, intervencionista, exclusivista, genocida.

A imagem mais elaborada apresenta Deus como um ser amorfo, substância inefável, pura energia cósmica dotada de vontade e inteligência. A arquitetura da mente humana é forma delineada pela categoria de espaço e suas dimensões: altura, largura, comprimento. Essa arquitetura torna difícil à mente humana imaginar matéria sem forma; imaginar Deus como substância amorfa ou pura energia. Treinada, a mente poderá romper esse limite sem o risco de adentrar o terreno da insanidade. Entretanto, o eu dessa façanha fica sujeito à incredulidade e a ser visto como demente. O êxtase é personalíssimo. A transmissão da experiência extática a terceiros exige afinidade, sinceridade, confiança e boa fé entre o emissor e o receptor, sob pena de se frustrar.

O tu pode ser o próximo, a quem o eu deve amar como a si mesmo, consoante mandamento bíblico. Próximo opõe-se a distante. Tal oposição indica, prima facie, que o eu deve amar o tu que estiver perto, portanto, desobrigado de amar o tu que estiver longe. A dimensão psicológica, entretanto, dispensa a noção espacial: próximo é o tu membro da família e do círculo das relações fraternas e amigáveis do eu, ainda que do ponto de vista geográfico haja distância. Longe dos olhos, mas perto do coração, na poética expressão popular. A noção de distante aplica-se ao estranho, ao estrangeiro, a todo aquele que esteja fora da família, do círculo de amizade e de interesses do eu, embora possa estar ao lado, fisicamente. Ainda que estejas perto, sinto que não estás comigo, diz a canção romântica.

Amar a Deus, ao próximo e ao distante não se arrola como dever. Ninguém ama obrigado ou coagido. Como sentimento, o amor é livre, espontâneo e involuntário. O habitat do amor é o coração, via pela qual chegamos a Deus, segundo Blaise Pascal. O amor rebela-se contra a prisão ética; não se sujeita a regras; expande-se na liberdade estética. Ama-se a quem traz suavidade e meiguice ao nosso olhar e ternura ao nosso coração. O dever de amar gera hipocrisia e falsidade. Respeitar os pais e ampará-los é dever dos filhos; amá-los, cabe ao coração decidir.

Do ponto de vista biológico, próximo é o indivíduo que pertence à mesma espécie ou ao mesmo gênero. Nesta acepção e de acordo com o mandamento, o eu deve amar a todos os seres humanos ou a todos os animais. Francisco de Assis ilustra bem o eu que experimenta essa união mística. O santo católico sentia-se unido não só aos animais racionais e irracionais, como também, a todo o universo, tratando os astros fraternalmente (irmão Sol, irmã Lua). Ante a comunhão anímica do tu e do eu, o mandamento bíblico pode ser lido assim: ama ao próximo como tu mesmo. Isto implica extinguir a separação entre o tu e o eu, em nível espiritual. Aqui não se cuida de amar a si próprio e de amar ao próximo, mas sim de amar simultaneamente, como se o tu e o eu fossem uma só pessoa, unidade mística das personalidades no amor universal.

A unidade essencial do universo (múltiplo no uno) faz aparente e ilusória a separação do tu e do eu. A separação é física e contingente no plano da existência terrena. Como produtos da Natureza, o eu, o tu, o nós, o eles, nela se integram em rede de nexos físicos, emocionais, morais, espirituais. Os nexos permitem a telepatia, a comunicação por gestos, atitudes, ondas cerebrais. Súplica, humildade, conforto, amor, ódio, desprezo, arrogância, podem ser transmitidos através de um olhar, sem palavras. A clareza da mensagem é maior quando o receptor priva da intimidade do emissor. Mediante postura conveniente, no ambiente adequado e no momento propício, o eu se harmoniza com a Natureza, com outras mentes, com a alma cósmica, recebendo preciosas lições ou produzindo determinados efeitos.

Segundo as normas da moral, do direito e da religião, o tu deve ser respeitado em sua vida natural (não matarás), em seu casamento (não praticarás adultério) em sua família (não cobiçarás a mulher do próximo), em sua autoridade (honrarás ao teu pai e à tua mãe), em seu patrimônio (não furtarás), em sua vida social (não levantarás falso testemunho nem jurareis em nome de Deus; não semearás a discórdia no seio do povo, mas te ajustarás às leis; não oprimirás o próximo; não favorecerás o pobre nem terás complacência com o rico, mas julgarás segundo a justiça). Das relações intersubjetivas que se travam na vida social brotam regras de conduta cuja violação acarreta punições aos transgressores. As regras religiosas, éticas e jurídicas estabelecem deveres do eu para consigo mesmo, para com o próximo, para com Deus, para com a Natureza, a Sociedade e o Estado; declaram direitos à propriedade, à liberdade, à igualdade e à segurança. Aquele que transgredir os mandamentos religiosos sofrerá castigos no Inferno e no Purgatório. Quem violar as normas éticas ficará sujeito ao repúdio da Sociedade. A violação das normas jurídicas acarretará privação da propriedade e da liberdade, imposta pelo Estado ao transgressor.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

TU

Primeira parte.

O drama humano condensa-se na relação entre dois EUS situados simultaneamente no mundo da natureza e no mundo da cultura. TU, sujeito periférico, distinto do EU, sujeito central da relação, pode ser uma pessoa, um grupo, uma nação. O tu exclui o eu, assim como o eles exclui o nós. Eis a separação primordial. Eles são os parentes, amigos, inimigos, vizinhos, estrangeiros, tendo o eu como centro de referência. Quando estranho à mesma família, o eles pode integrar o nós da mesma cidade. Embora pertencendo a diferentes cidades, o eles integra o nós da nação; sendo de nações diferentes, o eles integra o nós da humanidade. Conforme muda o centro de referência individual ou social, muda o eles em nós e vice-versa; fronteiras, cercas e muros deslocam-se.

Ego e alter assemelham-se na essência. Ambos sentem, querem, pensam e agem; comungam tempo e espaço; relacionam-se na família, na escola, na empresa, na igreja, no clube, no quartel, no partido político, na associação civil; aproximam-se por afinidade de interesses, aspirações, crenças, idéias, coordenando ou subordinando vontades.

Na conquista de objetivos comuns, ego e alter somam esforços e trilham a mesma senda. Na consecução do bem comum, governados e governantes associam-se na instituição estatal. Onde vigora o princípio democrático, os partidos políticos submetem nomes à escolha do corpo eleitoral. Os eleitores se fiam na indicação e confiam esperançosamente na honestidade e competência dos candidatos. A liberdade e o acesso à educação e à informação permitem ao eleitor o voto consciente e lúcido. Estados associam-se para fins estratégicos e econômicos constituindo o nós no plano internacional, hipótese em que o eles são os Estados não associados. A cooperação entre o eu e o tu, o nós e o eles, ocorre mediante instituições civis, militares, religiosas, místicas. O propósito cooperativo visa, entre outras coisas, a assistência mútua, o modo compartilhado de produção, circulação e consumo de bens, a preservação da boa qualidade de vida no planeta, a transmissão de conhecimentos e de valores morais e espirituais, a paz no seio da humanidade.

A relação de subordinação entre o eu e o tu, o nós e o eles, supõe hierarquia na sociedade, como acontece na família, entre pai e filho; na escola, entre mestre e discípulo; na empresa, entre patrão e empregado; no quartel, entre o militar mais graduado e o menos graduado; na igreja entre o papa e os cardeais. No exercício dessa hierarquia verifica-se desvirtuamento quando o genitor mantém relações sexuais com a prole, abusa nos castigos, ou abandona-a materialmente; o professor sonega conhecimentos ou os transmite aos alunos tendenciosamente com tintas ideológicas; o patrão, sem justa causa, demite o empregado ou lhe paga baixo salário; o instrutor submete o soldado a exercícios exagerados que lhe causam a morte; o abade exige, do noviço, práticas ascéticas que lhe debilitam a saúde; o governante oprime os governados e comanda sob o signo do arbítrio e da desonestidade.

O eu se relaciona com o tu, ora em plano de igualdade, ora em plano de desigualdade. A igualdade pode ser formal (ética e jurídica) ou material (social e econômica). Direitos iguais não significam patrimônios iguais. No plano empírico, a desigualdade econômica e social ocorre tanto nos países democráticos como nos países autocráticos, tanto no sistema capitalista como no sistema socialista. A realidade histórica dos séculos XX e XXI dá esse testemunho. O igual acesso de todos aos produtos úteis e necessários da civilização permanece no terreno utópico. A materialização desse princípio aguarda mais avançada evolução espiritual da humanidade. A pureza da teoria e da doutrina no campo da ciência, da filosofia e da religião choca-se com a miscelânea dos fatos e a contradição dos atos no mundo real. Tal pureza exercita o raciocínio, serve à propaganda e ao discurso suasório daqueles que disputam posições de mando na sociedade. Passados dois mil anos, a doutrina de Jesus ainda espera quem a pratique em sua pureza. A teoria pura do direito, exposta pelo jurista tcheco Hans Kelsen, invejável no seu rigor lógico, mostra-se insuficiente na visão cultural do fenômeno jurídico. Pontes de Miranda, notável jurista brasileiro, afirmava que o liberalismo absoluto e o socialismo apriorístico eram formas abstratas com as quais os ideólogos pretendiam moldar a matéria social.

Entre o ego e o alter, a igualdade reside na essência e a desigualdade na existência. No plano existencial, mesmo entre irmãos gêmeos, sempre haverá diferenças de natureza: (a) física, como as linhas do polegar; (b) psicológica, como a vocação; (c) lógica, como o grau de inteligência. A mesma experiência pode ser assimilada de modo diferente pelo eu e pelo tu.

A individualidade do tu acentua a individualidade do eu. Há, entre ambos, sociabilidade, afetos, satisfação dos apetites, permuta de bens, transmissão de conhecimento vulgar, técnico ou científico. Em relação ao eu, o tu pode se mostrar benéfico, maléfico, indiferente, agradável, desagradável, providencial, inoportuno, útil, nocivo, vantajoso, prejudicial, alegre, triste. Próximos no espaço, o eu e o tu podem estar distantes no tempo, por ausência de interesse, de vínculo afetivo, de comunicação. Distantes no espaço, ambos podem estar próximos no tempo, graças à memória, à saudade e aos meios de comunicação.

A inimizade entre o eu e o tu, entre o nós e o eles, surge da inveja, do ciúme, da competitividade. Atitudes que afrontam o interesse, a moral, o direito, o credo religioso, geram inimizade e litígios. Às vezes, sem intenção de ferir, violar ou magoar, o indivíduo causa ao outro, dano patrimonial ou moral; avilta o outro por palavras, gestos ou atitudes. Em concursos públicos de provas e títulos, em jogos entre duas equipes opostas, em eleições para cargos públicos ou para diretoria de associações e sociedades civis, o eu e o tu são adversários sem que haja inimizade. Estar no pólo oposto não significa ser inimigo necessariamente. Confronto de aptidões técnicas e intelectuais faz parte do processo de seleção dos mais capazes a determinada função ou tarefa.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

POESIAS

O Cura, a quem toca a cura/ de curar esta cidade/ cheia a tem de enfermidade/ tão mortal que não tem cura: / dizem que a si só se cura/ de uma natural sezão / que lhe dá na ocasião/ de ver as moças no eirado/ com que o Cura é o curado/ e as moças seu cura são./ Desta meizinha se argúi/ que o tal Cura assezoado/ mais lhe rende o ser curado/ que o Curado que possui/ grande virtude lhe influi/ o curado exterior/ mas o vício interior/ amor curá-lo procura/ porque amor todo loucura/ se a cura é de louco amor./ Disto cura o nosso Cura/ porque é curador maldito/ mas ao mal de ser cabrito/ nunca pode dar-lhe cura:/ É verdade que a tonsura/ meteu o Cabra na Sé/ e quando vai dizer “Te/ Deum laudamus” aos doentes/ se lhe resvela entre dentes/ e em lugar de Te diz me./ Como ser douto cobiça/ a qualquer moça de jeito/ onde pôs o seu direito/ logo acha que tem justiça:/ a dar-lhe favor se atiça/ e para o fazer com arte/ não só favorece a parte/ mas toda a prosápia má/ se justiça lhe não dá/ lhe dá direito que farte. / Porque o demo lhe procura/ tecer laços e urdir teias/ não cura de almas alheias/ e só do seu corpo cura: / debaixo da capa escura/ de um beato capuchinho/ é beato tão maligno/ o cura que por seu mal/ com calva sacerdotal/ é sacerdote calvino./ Em um tempo é tão velhaco/ tão dissimulado e tanto/ que só por parecer santo/ canoniza em santo um caco:/ se conforme o adágio fraco/ ninguém pode dar senão/ aquilo que tem na mão/ claro esta que no seu tanto/ não faria um ladrão santo/ senão um santo ladrão./ Estou em crer que hoje em dia/ já os cânones sagrados/ não reputam por pecados/ pecados de simonia:/ os que vêem tanta ousadia/ com que comprados estão/ os curados mão por mão/ devem crer como já creram/ que ou os cânones morreram/ ou então a santa unção. (“O Cura da Sé” – Gregório de Matos).

Pequei Senhor, mas não porque hei pecado/ Da vossa piedade me despido/ Porque quanto mais tenho delinqüido/ Vos tenho a perdoar mais empenhado./ Se basta a vos irar tanto um pecado/ A abrandar-vos sobeja um só gemido/ Que a mesma culpa que vos há ofendido/ Vos tem para o perdão lisonjeado./ Se uma ovelha perdida e já cobrada/ Glória tal e prazer tão repentino/ Vos deu como afirmais na sacra história:/ Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada. / Cobrai-a e não queirais, Pastor Divino/ Perder na vossa ovelha a vossa glória. (“Pequei” – Gregório de Matos).

Não te vás, esperança presumida/ A remontar a tão sublime esfera/ Que são as dilações dessa quimera/ Remora para o passo desta vida./ Num desengano acaba reduzida/ A larga propensão do que se espera/ E se na vida o adquirir te altera/ Para penar na morte te convida./ Mas voa inda que breve te discorres/ Pois se adoro um desdém que é teu motivo/ Quando te precipitais me discorres/ Que me obriga meu fado mais esquivo/ Que se eu vivo da causa de que morres/ Que morras tu da causa de que vivo. (“Esperança” – Gregório de Matos).

Nise, vossa formosura/ queixosa de certo agravo/ me dá hoje uma no cravo/ e a outra na ferradura/ uma verde outra madura/ achei no vosso craveiro/ que o cravo é favor inteiro/ mas cravo com queixa ao pé/ é o mesmo que dizer que/ o gosto não mas o cheiro. / Que mal fica ao meu intento/ que o cheiro me queiras dar?/ dai-mo vós sempre a cheirar/ que que co cheiro me contento:/ quando um roçagante vento/ passa de uma em outra rosa/ e de cada flor cheirosa/ lhe leva a fragrância inteira/ se assim por seu modo a cheira/ também por seu modo a goza. (“Nise e o cravo” – Gregório de Matos).

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

POESIAS


(I) Não chores, meu filho;/ Não chores, que a vida/ É luta renhida:/ Viver é lutar./ A vida é combate,/ Que os fracos abate,/ Que os fortes, os bravos,/ Só pode exaltar.
(II) Um dia vivemos!/ O homem, que é forte/ Não teme da morte;/ Só teme fugir;/ No arco que entesa/ Tem certa uma prêsa,/ Quer seja tapuia,/ Condor ou tapir.
(III) O forte, o cobarde/ Seus feitos inveja/ De o ver na peleja/ Garboso e feroz;/ E os tímidos velhos/ Nos graves conselhos,/ Curvadas as frontes,/ Escutam-lhe a voz!
(IV) Domina, se vive;/ Se morre, descansa/ Dos seus na lembrança,/ Na voz do porvir./ Não cures da vida!/ Sê bravo, sê forte!/ Não fujas da morte,/ Que a morte há de vir!
(“Canção do Tamoio” – Gonçalves Dias)

Minha terra tem palmeiras,/ Onde canta o sabiá;/ As aves que aqui gorjeiam,/ não gorjeiam como lá./ Nosso céu tem mais estrelas,/ Nossas várzeas têm mais flores,/ Nossos bosques têm mais vida,/ Nossa vida mais amores./ Em cismar, sozinho, à noite,/ Mais prazer encontro eu lá;/ Minha terra tem palmeiras,/ Onde canta o sabiá./ Minha terra tem primores,/ Que tais, não encontro eu cá;/ Em cismar, sozinho, à noite,/ Mais prazer encontro eu lá;/ Minha terra tem palmeiras,/ Onde canta o sabiá./ Não permita Deus que eu morra,/ Sem que eu volte para lá;/ Sem que desfrute os primores/ Que não encontro por cá;/ Sem qu´inda aviste as palmeiras,/ Onde canta o sabiá.
(“Canção do Exílio” – Gonçalves Dias)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

AURA

AURA HUMANA
Em termos de energia, o ser vivo assemelha-se a um dínamo em torno do qual se irradia um campo de força denominado aura. Cada ser humano tem a sua aura.
O uso das palavras requer algum cuidado. A mesma palavra pode encerrar distintos significados. Os místicos cuidam da pronúncia das palavras, em atenção aos efeitos vibratórios dos sons vocálicos no interior do corpo e no ambiente externo.
O vocábulo aura admite mais de um significado. Vento brando e aprazível, aragem, brisa, na acepção física. Aplicado socialmente, esse vocábulo significa popularidade, rumor, fama quando, por exemplo, citamos a aura popular de uma pessoa que é alvo da admiração, do aplauso ou do favor do povo. Na área da saúde, aura significa a sensação que produz sobre o corpo o desprendimento de eletricidade. Usa-se a expressão aura vital para o alento, a respiração, o hálito. Na acepção mística, aura é a emanação ao redor do ser vivo, como se fora uma fosforescência, produzida pela energia vital. A esse campo de força que circunda o corpo humano, denominamos aura humana.
A semelhança entre aura e auréola pode gerar confusão. Convém, pois, distinguir os dois conceitos. Auréola significa o círculo de luz em volta da cabeça dos santos da igreja católica. Usa-se, também, esse vocábulo, na acepção de diadema, glória, prestígio, brilho ou esplendor moral. Auréola acidental é o nome que se dá ao conjunto de cores luminosas que se notam, algumas vezes, nos contornos de um objeto quando o fitamos de modo firme e concentrado.
O conceito de aura humana prescinde da idéia de círculo que supõe um espaço entre o centro e a circunferência. Embora contorne o corpo humano, a aura é um campo magnético contínuo de cor uniforme. A cada estado físico, mental ou emocional da pessoa corresponde determinada cor. A fonte energética da aura é interna, procede do corpo e da alma do ser vivo. A fonte da auréola pode ser externa como, por exemplo, a que se forma em torno da lua em certas noites. As cores que vemos em torno de objetos quando os olhamos fixamente, podem se formar no cérebro, como efeito dos estímulos sobre nossos olhos e refração dos raios luminosos na retina. Trata-se de fenômeno ótico.
Como emanação da energia vital do corpo humano, a aura pode ser notada sob determinadas condições de luminosidade do ambiente. A luz fraca, a semi-escuridão, permitirá o contraste necessário à visibilidade da aura humana. A intensidade vibratória da aura varia de acordo com o estado físico, mental ou emocional da pessoa. Assim, por exemplo, a aura colada ao corpo e quase imperceptível indica que o seu portador está fortemente ligado a assuntos materiais e às funções do organismo.
Há exercícios criados pelos místicos que fortalecem a aura e aumentam a sua extensão, o que permite e facilita a projeção da personalidade anímica no mundo físico e no mundo espiritual. Quanto mais forte e extensa a aura, maior será a facilidade para projetar a personalidade e expandir a consciência. Alimentação balanceada, forma adequada de respirar, exercícios físicos e mentais freqüentes e regulares, regime de trabalho bem organizado, repouso e lazer, tudo sob o signo da moderação, contribuem para o fortalecimento e expansão da aura humana. Servem a esse desiderato, por exemplo, a pausada concentração da mente em todas as células do corpo ou segurar o copo com água à altura do plexo solar por alguns minutos, num ambiente tranqüilo, pouco iluminado e com música suave.
O contato da nossa aura com a de outras pessoas pode gerar simpatia ou antipatia, atração ou repulsão. Pela reação da aura tomamos consciência dos pensamentos e sentimentos das outras pessoas, ainda que de modo imperfeito ou pouco nítido. O mesmo acontece em relação ao ambiente em que nos encontramos. A aura reage às vibrações do ambiente, produzindo sensação de conforto ou desconforto. O ambiente pode ser atraente ou repulsivo à aura. Conforme a reação da aura pode advir, ao seu portador, o ímpeto de mudança de lugar, de fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
Mediante sons vocálicos, concentração nos centros psíquicos, preces, harmonização cósmica e outras técnicas, os místicos provocam alteração na aura e nas vibrações do ambiente. Pelo que percebem através da aura da outra pessoa, podem tomar precauções, tais como: desviar o rumo de uma conversa, alterar o pensamento e a conduta, evitar acontecimentos desagradáveis e assim por diante. Pela coloração da aura é possível diagnosticar o estado geral da pessoa.
A aura, pois, se constitui em rica fonte de informação sobre a pessoa e sobre o que há de invisível no ambiente externo; permite a leitura do pensamento do outro; percebe ocultas intenções. Por meio da aura, o indivíduo toma conhecimento antecipado de coisas prestes a acontecer em seu redor.
O tema do nosso próximo encontro será o EU.
A paz esteja com todos. Assim seja!