domingo, 25 de junho de 2017

DELAÇÃO

No processamento do pedido de homologação de acordo sobre colaboração premiada sob nº 7074, o Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão plenária iniciada no dia 21/06/2017, está julgando agravo regimental e questão de ordem. No primeiro dia houve relatório, sustentações orais e dois votos: o do relator, ministro Edson Fachin e o do ministro Alexandre de Moraes. No dia seguinte, mais cinco ministros votaram. Faltam quatro votos para encerrar o julgamento, o que poderá acontecer na próxima semana. Até o momento, os ministros apoiaram o voto do relator. A maioria está formada. A distribuição por dependência foi confirmada. Foram reconhecidos: [1] a competência do relator para homologar (ou não) o acordo; [2] o poder do relator para examinar os requisitos de voluntariedade, regularidade e legalidade; [3] o caráter definitivo dos termos do acordo depois da homologação. 
Apesar da relativa simplicidade do caso, a sessão dura muito mais do que o necessário. A extensão e a compreensão dos conceitos postos em discussão (distribuição de petições a órgão judiciário por dependência, prevenção, conexão, continência, decisão interlocutória, sentença homologatória, sentença de mérito, legalidade, regularidade, voluntariedade), são do comum conhecimento dos operadores do direito. Baixar uma biblioteca e arrombar os arquivos de jurisprudência para explicar tais conceitos como fazem os ministros nos seus votos, coloca sob suspeita o seu saber jurídico. Cada ministro repete várias vezes os mesmos precedentes, as mesmas lições da doutrina, as mesmas normas jurídicas, martela nas mesmas teclas como se quisesse convencer a si próprio. Os votos repetiram ad nauseam, o que está explícito na lei: os requisitos da voluntariedade, regularidade e legalidade e o dever do juiz de examiná-los.
A novidade da delação premiada em nada altera aqueles conceitos e não justifica a longa duração da sessão de julgamento, salvo pelo fato de incluir autoridades do alto escalão da república. Esta exceção afronta a regra de que: [1] todos são iguais perante a lei; [2] na relação processual situam-se no mesmo nível o autor e o réu, sejam autoridade ou cidadão, rico ou pobre; [3] o tratamento jurídico será o mesmo para todos os casos semelhantes. No plano dos fatos, se o caso envolvesse cidadão comum, a sessão duraria 15 minutos (certamente, essa classe de réu não teria foro especial).  
Os ministros reclamam da dificuldade de julgar ante a falta de doutrina e jurisprudência consolidadas sobre a matéria, posto ser novo no direito brasileiro o instituto da colaboração premiada. Destarte, confessam embaraço diante da novidade quando não há teoria e nem precedentes. Parece que ser professor (a maioria dos ministros) atrapalha o juiz. Expositor e repetidor de matérias, o professor se vê em dificuldade para enfrentar situações que não estão nos livros e desafiam o seu entendimento. Há muita papagaiada. Parece que: [1] se não houver jurisprudência e doutrina os ministros ficam no mato sem cachorro; [2] por si mesmos, eles são incapazes de extrair o significado da lei, ainda que em nível gramatical.
Dentro dos costumes da nossa época, os ministros fazem da sessão de julgamento um espetáculo, atuam como vedetes e manifestam suas vaidades. Recíprocos elogios. Mas, nem tudo é confete. Interrompem o colega que está votando, indisciplina na qual Gilmar Mendes e Marco Aurélio são contumazes. Interrupções abruptas, sem solicitar aparte. Os ministros provocam e alongam debates inoportunos que impedem o colega de concluir a sua exposição. O voto é a sentença individual que irá compor (ou não) a decisão colegiada (acórdão). O debate, quando necessário e produtivo, deve ocorrer depois do voto estar concluído e nunca durante a sua exposição. Os ministros falam ao mesmo tempo e não se entendem. Eles contam histórias e fazem graça. Eles se agridem verbal e gestualmente. Desafiam as normas do decoro e da ética judiciária sem medo de punição disciplinar. Aumentam artificialmente a importância das causas que despertam grande audiência, esticando o espetáculo o mais possível diante das câmeras de televisão. Quando, timidamente, a presidente do tribunal tenta colocar ordem naquela bagunça, a sua voz - se ouvida - não é acatada. Os ministros assemelham-se aos senadores e deputados nas tribunas das respectivas casas legislativas.
Aludindo à farsa televisiva sobre a Guerra do Golfo, o político e escritor peruano Mario Vargas Llosa cita Jean Baudrillard: “O escândalo dos nossos dias não é atentar contra os valores morais e sim contra o princípio da realidade” (A Civilização do Espetáculo. Tradução de Ivone Benedetti. Rio de Janeiro. Objetiva, 2013, p. 72). Na verdade, o escândalo dos nossos dias brasilianos e tropicalistas são as duas coisas: a imoralidade (nesta, a licenciosidade) e a virtualidade (nesta, o engodo). Provincianos, ministros têm paixão por holofotes e não se pejam do papel ridículo que às vezes desempenham.  
A solução negociada é nova no direito penal brasileiro se comparada com as antigas ordenações e com os código penal (1940) e de processo penal (1941). Esse instituto foi introduzido nos anos 1990, por imitação da vetusta prática anglo-americana. A lei 9.034/1995, estabelecia a redução da pena do agente (investigado, indiciado, réu) que espontaneamente colaborasse na elucidação das ações praticadas por organizações criminosas. A lei 9.099/1995 privilegia a conciliação e a transação no juizado especial criminal. A lei 12.850/2013 revogou a lei 9.034 e disciplinou metodicamente essa matéria tomando por base a experiência nessa área nas últimas décadas.
No jargão forense, delação premiada foi substituída por “colaboração premiada” e delator por “colaborador”, quiçá para aliviar a carga de vergonha. Delatar significa apontar alguém como autor de ato censurável ou ilícito. Nunca foi um gesto grandioso, mesmo entre facínoras. O delator é visto como traidor, violador do código de honra, pessoa de caráter mal formado. O nomen juris suaviza a imoralidade congênita do acordo. Ser tratado como “colaborador” atenua a gravidade do ato, reduz a censura e facilita a sua aceitação no campo moral e jurídico. Os costumes mudam no curso da história. O que ontem era imoral, hoje é moralmente aceito e vice-versa. A delação é útil nos delitos de difícil apuração, como nos denominados crimes do colarinho branco. A utilidade supera a moralidade.   
O acordo de colaboração premiada é celebrado: [1] no inquérito, entre o delegado de polícia e o investigado com a participação do agente do ministério público, ou entre o investigado e o ministério público; [2] no processo, entre o ministério público e o réu. Em qualquer dessas hipóteses, a presença do defensor é obrigatória. A lei permite a retratação. A validade do acordo depende da homologação judicial. Homologar significa aprovar, revestir de valor jurídico o que foi negociado e lhe dar vigência. Na esfera judicial, quem homologa é uma autoridade do poder judiciário: juiz, desembargador, ministro. O regimento interno do tribunal atribui competência de homologar ao seu membro (desembargador ou ministro) responsável pela instrução do processo que lhe coube por distribuição. Portanto, a homologação é decisão monocrática. Dela pode haver recurso para órgão judiciário de superior hierarquia. 
A autoridade judiciária tem o poder jurisdicional de verificar a legalidade do acordo. Constatada qualquer ilegalidade, recusará homologação ou a condicionará a um reajuste adequado à ordem jurídica. Essa verificação é ato de fiscalização oficial que não se confunde com participação do juiz no negócio entabulado pelas partes. A lei veda expressamente a participação do juiz nas negociações (12.850/2013, art. 4º, §6º). Do exame da legalidade, a citada lei destacou a voluntariedade e a regularidade, cuja violação entra no campo da ilegalidade. A ênfase dada pelo legislador a esses dois requisitos deve-se ao seu caráter essencial nesse tipo de acordo. A vontade há de ser livre e espontânea; se constrangida por tortura, prisão, suborno, não é válida; o vício de vontade torna o ato nulo ou anulável. O acordo também será inválido se houver qualquer irregularidade (negar participação do advogado, recusar direitos fundamentais, ocultar do delator o que ficou escrito, contornar o sigilo). Em todas essas hipóteses, o juiz deve negar a homologação.
Nos termos da referida lei, cabe ao delegado ou ao agente do ministério público propor o acordo de colaboração premiada. Ao investigado (ou réu) cabe aceitar (ou não) a proposta. As partes podem negociar as cláusulas do acordo. O ministério público não é obrigado a oferecer denúncia contra o delator com o qual celebrou acordo. Caso não haja denúncia, ainda assim o acordo poderá ser utilizado na persecução criminal contra as pessoas delatadas. Proposta ação penal contra o delator e percorridos os trâmites legais, o juiz ou o tribunal (no caso de competência originária) decidirá o caso com apoio na prova produzida (testemunhal, documental, pericial) absolvendo ou condenando o réu. No momento da sentença condenatória reservado à aplicação da pena, o juiz examinará os termos e a eficácia do acordo (lei 12.850/3013, art. 4º, §11); verificará: [1] se os termos da avença: (i) ajustam-se ao conjunto probatório; (ii) foram cumpridos; [2] se foi obtido pelo menos um dos resultados enumerados na citada lei (art. 4º, I a V).  O juiz disporá das alternativas: (I) conceder o perdão judicial; (II) reduzir a pena privativa de liberdade; (III) aplicar somente: (i) a pena de multa; (ii) a pena restritiva de direitos. Isoladamente, as declarações do colaborador não servem para alicerçar sentença condenatória. Em relação ao colaborador, o acordo importa confissão da prática delituosa e confissão é um tipo de prova (CPP, 197).                  

domingo, 18 de junho de 2017

DEPOIMENTO

Em trâmites pelo Tribunal Federal da 4ª Região, sediado em Porto Alegre/RS, a apelação interposta por João Vaccari Neto, da sentença condenatória em processo criminal prolatada pelo juiz de direito da 13ª Vara Federal de Curitiba. O desembargador relator votou pelo desprovimento da apelação do réu. Confirmou a sentença e agravou a pena. O desembargador revisor votou pelo provimento da apelação e absolvição do réu. Entendeu que as declarações do agente colaborador isoladas dos meios de prova permitidos em lei não autorizam o decreto condenatório. O desembargador vogal pediu vista do processo. O julgamento foi suspenso.
A divergência surpreendeu-me. Considerando o perfil nazifascista do juiz e do tribunal daquela região, eu esperava decisão unânime confirmatória da condenação. Naquele tipo de justiça a convicção do julgador dispensa vínculo com prova alguma. Bastam indícios, boatos, notícias de jornal, pressão de emissoras de televisão, lobbies e ginástica cerebrina. Destarte, eu pensava que somente quando o caso chegasse no Supremo Tribunal Federal o processo seria anulado. A decisão anulatória fundar-se-ia no fato de os órgãos judiciários de menor jurisdição funcionarem como juízo e tribunal de exceção em frontal desobediência a norma constitucional que o proíbe.
Realmente, os processos oriundos da operação lava-jato caracterizam-se por ter dois polos apenas: (1) o polo acusador composto dos agentes do ministério público, do juiz e do tribunal; (2) o polo defensor composto por advogados. Esta é uma característica do processo inquisitório não abrigado na ordem jurídica brasileira. Tal caráter mais se acentua visualmente ao vermos o acusador sentado ao lado do julgador. Segundo a lei brasileira, a relação processual é angular: autor – juiz – réu. O juiz é a pessoa imparcial que se sobrepõe às duas partes (autor x réu). A posição central ocupada pelo juiz na sala de audiência pode disfarçar a parcialidade. A efetiva atuação do juiz pode estar - como realmente está na citada operação - em descompasso com a posição topográfica e com a relação processual angular.  
Na apelação acima citada, o revisor postou-se contra o modelo inquisitório e julgou de acordo com o direito positivo brasileiro, inaugurando a divergência. De modo inesperado, dado o caráter de juízo e tribunal de exceção assumido pela justiça federal daquela região, o revisor admitiu que o réu podia até conhecer os fatos que lhe foram imputados, porém disto não havia prova nos autos do processo. [Aliás, até confissão pode ser desconsiderada se estiver fora de sintonia com o conjunto probatório].  
A fundamentação lançada pelo revisor lembrou-me de sentença que proferi quando juiz de direito de vara criminal na capital do Estado do Rio de Janeiro na década de 80. Tratava-se de ação penal em que o réu era acusado de tráfico de drogas. Eu e demais moradores da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro sabíamos que o réu, Denis da Rocinha, era traficante. Todavia, no inquérito e na ação penal foram apresentados como prova: (1) carteira profissional em que não constava o registro do réu como trabalhador no comércio de drogas; (2) depoimentos de dois policiais sobre a diligência no morro, em local destinado à distribuição de drogas, onde encontraram a citada carteira (que podia ter sido ali plantada). Nenhuma testemunha idônea, nenhum outro documento, nenhuma perícia, que indicassem a ligação do réu com o local e com o ilícito comércio. Julguei improcedente a denúncia e absolvi o réu.
O processo judicial é uma garantia fundamental da liberdade, dos bens e direitos de todos os cidadãos, instrumento da eficácia da ordem jurídica vigente num estado republicano e democrático. A produção de prova idônea é essencial a essa garantia. A opinião circulante no meio social, ainda que respeitável e veraz, não basta para lastrear sentença condenatória criminal. Diga-se o mesmo de delações desprovidas de alicerce probatório. Necessário que opiniões e delações venham alicerçadas em idôneos testemunhos, documentos e exames periciais para valer como prova no processo judicial. Na área criminal, por especial cuidado com a liberdade e a integridade física e moral dos réus, inaplicável a regra do processo civil segundo a qual fatos notórios independem de prova. Cabe lembrar que na aplicação dessa regra no âmbito do processo civil pode ser exigida a prova da notoriedade, embora dispensável a dos fatos em si mesmos. No processo penal, notórios ou não, os fatos devem ser provados em toda a sua materialidade e autoria.          
Nos EUA, principalmente em Chicago, décadas de 1920 e 1930, era notório o fato de Al Capone ser gangster, comandar um exército de bandidos, praticar assassinatos, explorar negócios ilícitos e corromper autoridades públicas. O aparelho estatal de segurança parcialmente corrompido (policiais, procuradores, juízes) não reunia prova suficiente para processar, condenar e prender o poderoso delinquente. Este é o ônus da vigência da regra do devido processo jurídico numa sociedade democrática sob o império do direito. Ante a descoberta feita por agente federal de que Al Capone não declarava renda e nem pagava impostos, foi possível reunir prova documental e contábil do crime de sonegação fiscal. Só então ele foi processado e condenado. Cumpriu pena de prisão (1931/1939). 
Alphonse Gabriel Capone foi capa da revista Time como respeitável empresário e filantropo (1930). Durante a crise gerada pelo estouro da bolsa de valores de NY em 1929, ele prestara ajuda material aos desempregados, inclusive com restaurante que lhes oferecia refeições gratuitas. Ao sair da prisão, doente, sossegou, mudou-se para Miami Beach, onde morreu, sepultado com modesta cerimônia católica (1947).

quarta-feira, 14 de junho de 2017

CORPUS CHRISTI

À celebração da eucaristia instituída por Jesus, o Cristo, a Igreja dá o nome em latim: Corpus Christi. Pão e vinho representam o corpo e o sangue de Jesus presentes na sagrada comunhão. Tomai e comei (o pão), isto é o meu corpo; bebei dele (o vinho), porque este é o meu sangue; fazei isto em memória de mim (Bíblia, Novo Testamento, Mateus 26: 26/27: Marcos 14: 22/24; Lucas 22: 17/19).
Comer a carne e beber o sangue do ser humano é canibalismo e vampirismo. Jesus, se realmente existiu, seria incapaz de fazer tal recomendação. A passagem acima transcrita, se verdadeira, indica tão só a preocupação de Jesus com o esquecimento. O ritual do pão e do vinho manteria unidos os seus seguidores e vivas a lembrança e a doutrina do mestre. Considerando: [1] a sua pregação, Jesus era um profeta; [2] o seu ativismo social, Jesus era um reformador; [3] a sua vida mística, Jesus era um cristo (ungido, espiritualmente iluminado). Com o passar do tempo, o apelido cristo acabou incorporado ao nome do profeta: Jesus Cristo. Nos dias atuais, alguns políticos também incorporam os seus apelidos aos seus nomes de batismo para que os eleitores bem os identifiquem e reconheçam. 
A Igreja (crentes + sacerdotes + templos + doutrina) celebra a união com o Cristo e considera a si mesma o corpo de Cristo, ou seja, o Mystici Corporis Christi, organismo cuja cabeça é o Cristo (imagem originalmente concebida por Paulo, apóstolo de segunda hora). Daí, o aparente paradoxo: corpo incorpóreo. Entretanto, o real objeto da celebração não é físico e sim aquela espiritual união mística.
A expressão em latim é bonita, mas verdade e beleza nem sempre andam juntas. Pessoas feias ou bonitas de corpo, inclinadas às boas ações e ao amor incondicional, balizam suas condutas por preceitos morais e religiosos. Comparado ao padrão grego de beleza masculina, o corpo de Jesus era feio, estatura mediana, moreno, olhos, cabelo e barba castanhos, rosto assimétrico, narigudo. Preceitos éticos e religiosos são irrelevantes para os cultivadores do ódio e da rapina. Contra pessoas insensíveis à moral, ao direito e à religião, censura alguma produz efeito. Sensibilizam-nas tão só os argumentos e ações de caráter utilitário. 
A palavra espírito comporta diferentes significados: [1] influxo divino; [2] vigor da alma ou da mente; [3] sopro vital; [4] energia constituinte da matéria e que a esta sobrevive. Na doutrina católica, espírito santo define-se como alma do corpo místico da Igreja que abarca os seus membros. Refere-se a: [1] pessoa da santíssima trindade que coexiste na divindade do pai e do filho e que habita a alma em estado de graça; [2] força enviada por deus para o bem dos humanos e especialmente para o despertar da consciência psíquica dos apóstolos; [3] fonte (i) da santidade da Igreja como instituição e (ii) da unidade espiritual da Igreja pela graça de Cristo.
Cristo, vocábulo grego que significa ungido (untado com óleo, sagrado), aplicado às pessoas dotadas de incomum e elevado grau de espiritualidade, tais como: [1] entre os homens, o faraó Aquenáton (divulgador do monoteísmo no antigo Egito, cuja doutrina os hebreus copiaram); os sábios Zaratustra (persa), Lao-Tsé (chinês), Sócrates (grego); os místicos Sidarta, KutHuMi, Francisco de Assis, Gandhi; o papa João XXIII; o pastor Luther King; [2] entre as mulheres, a monoteísta rainha Hatshepsut (antigo Egito); as sábias Mirabai (indiana), Pan Chao (chinesa), Diotima (grega), Hipácia (alexandrina); as místicas Míriam de Magdala (apóstola discípula de Jesus), Hilde (abadessa inglesa), Rabia al Adawiya (sufi), Fátima al Nisaburiya (islâmica), Hadewijch (holandesa), Catarina de Sena (italiana), Teresa de Ávila (espanhola), Helena Blavatsky (russa), Ma Ananda (hindu), Dordjee Phagmo (tibetana). 
O pouco que se sabe acerca de Jesus vem da maliciosa tradição oral e dos tendenciosos textos bíblicos (epístolas, evangelhos, atos) escritos ou ditados por apóstolos, selecionados e retocados por eruditos do clero católico. Essa produção segue a enganadora tradição laudatória dos hebreus (judeus + israelitas). O Antigo Testamento (escritura “sagrada” dos hebreus) está coalhado de falsidades, fantasias e infantilidades. Milhões de pessoas se deixam envenenar por essa droga nelas inseminada pelos padres, pastores, missionários, rabinos; no mundo moderno é disseminada pelos meios de comunicação (imprensa, rádio, cinema, televisão, rede de computadores). Essa adoecida população acredita nas “divinas” escolha do povo e promessa da terra, apesar de a História revelar a má escolha e a enganosa promessa, conforme reação dos povos vizinhos dos hebreus na antiguidade e do povo palestino na atualidade. A tal “promessa divina” fundamenta o pretenso direito dos judeus sobre a Palestina. Poucos se dão conta da natureza diabólica do deus que fez as referidas escolha e promessa.
Na Idade Antiga e na Idade Clássica o povo hebreu, ante a sua real insignificância, sentiu necessidade de louvar a si próprio. Esse povo era satélite caudatário da superior cultura do Egito, da Pérsia, da Babilônia, da Grécia e de Roma. Povo dedicado à agricultura, ao pastoreio e ao comércio, o hebreu buscava no estrangeiro arquitetos e mestres para edificar o seu templo e formar a sua pequena elite (a massa popular permanecia ignara). Buscava também a companhia e o apoio dos estados poderosos (como acontece até hoje). Embora os seus reis fossem medíocres, adúlteros, violentos, sanguinários, como Saul, Davi e Salomão, os judeus redatores da Bíblia os enalteceram como se fossem os maiores vultos da humanidade.
As pregações atribuídas a Jesus deram relevo à escritura hebraica. A gente ignorante e medrosa foi terreno fértil para as crenças e doutrinas judias e cristãs florescerem na civilização ocidental. Admitida a existência histórica de Jesus, a pouca informação sobre ele propiciou teorias e mistificações. Quanto a nacionalidade, Jesus era palestino. Naquela época, a Palestina dividia-se em três regiões: Judeia, ao sul, outrora ocupada por duas tribos que formavam o reino de Judá e onde se localizou a cidade de Jerusalém; Samaria ao centro e Galileia ao norte, ambas outrora ocupadas por 10 tribos que formavam o reino de Israel. Jesus nasceu e cresceu na região da Galileia. Execrado na Judeia por ser galileu, Jesus nunca foi ali reconhecido como judeu, cujo povo ortodoxo e radical (não admitia deuses estrangeiros) se opunha ao povo israelita heterodoxo e flexível (admitia deuses estrangeiros). O judeu odiava o israelita.  
Quanto a raça, prevalece a opinião de que Jesus era semita. Entretanto, existe a possibilidade de Jesus descender da gente mediterrânea outrora submetida ao Império Persa, trasladada para a Galileia após expulsão dos hebreus-israelitas daquela região. Há, pois, probabilidade histórica de Jesus ser ariano. Essa tese era simpática aos intelectuais da Alemanha nazista. Quanto a religião, cresce em nossos dias a opinião de que Jesus era essênio, adepto da doutrina e dos costumes da fraternal comunidade dos essênios. Sob o ângulo político e jurídico, Jesus era judeu, porque ele e sua família estavam sob a jurisdição judia. Naquele tempo, a Palestina estava sob a tutela do Império Romano. Os imperadores e o senado de Roma permitiram a vigência parcial e eficaz da lei judaica sobre o povo palestino.


domingo, 11 de junho de 2017

JUSTIÇA INDECOROSA

No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o julgamento das quatro ações propostas pelos perdedores das eleições de 2014 contra a chapa vencedora prolongou-se de 06 a 09 de junho de 2017. Os autores alegavam abuso político e econômico durante a campanha eleitoral. Ao contestar as ações, os réus Dilma Rousseff e Michel Temer, tratados delicadamente de “requeridos” ou “representados”, afirmaram a lisura das contas e a origem lícita das verbas aplicadas na campanha, desvinculadas das propinas jorradas da Petrobrás. Foi produzida prova oral, documental e pericial. O TSE, por maioria dos seus integrantes (4 x 3), julgou improcedentes os pedidos contidos nas ações. Em consequência, ficou reconhecida a legalidade da chapa vencedora nas eleições de 2014, o que não significa legitimidade do governo Temer. 
Tendo em vista o constrangimento da nação brasileira de ver a presidência da república ocupada por delinquente, cabe agora com urgência máxima: [1] ao Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a ação na qual Dilma Rousseff pretende reintegrar-se no cargo de presidente da república; [2] à Câmara dos Deputados autorizar o Senado Federal a instaurar o processo de impeachment contra o presidente Michel Temer; [3] ao Congresso Nacional promulgar emenda à Constituição antecipando as eleições diretas. 
Na sessão do TSE, que durou quatro dias, terminada a leitura do relatório, ocuparam a tribuna os patronos dos autores e dos réus para as respectivas sustentações orais. A seguir, o relator devia iniciar a leitura do seu voto. No entanto, o que se viu foi uma barafunda: [1] debates e votos misturados; [2] questões de ordem não tratadas como tal; [3] ministro interrompendo a fala do colega sem solicitar aparte; [4] ministros falando ao mesmo tempo; [5] excesso de citações e de especulação.
Ao voto do relator, muito elogiado por seus colegas, faltou síntese.  Leitura lenta com frequentes intervalos para explicação e justificação como se cuidasse de um único processo em trâmites pelo TSE e os seus ministros nada mais tivessem a fazer nos seus tribunais de origem (STF e STJ). A regra da celeridade foi para o espaço. Parecia disputa pelo troféu “mais longo da história”, à semelhança do que esporadicamente ocorre nos tribunais do júri, quando os presidentes manobram para ampliar a duração do julgamento e assim o incluir “no mais longo da história”, como se o tempo – e não a matéria – indicasse a superior importância do caso. O presidente do TSE repetia com ênfase, ser este o caso mais importante da história da justiça eleitoral. Reivindicava a glória para si próprio, mandando às favas a modéstia. Cabe aos historiadores conferir, desde o Código Eleitoral de 1932 e a Constituição de 1934 até a presente data, se realmente isto é verdade, considerado o elemento subjetivo na avaliação.
A diferença entre o caso federal e os casos ocorridos nas esferas estadual e municipal está nas casas do milhar, do milhão e do bilhão de dólares. Por motivos óbvios, o caso do presidente repercute mais do que os casos dos governadores e dos prefeitos. Os valores utilizados nas campanhas eleitorais para os governos de São Paulo e do Rio de Janeiro impressionam tanto quanto os utilizados na campanha presidencial. As questões são as mesmas nos três entes federativos: corrupção, lavagem de dinheiro, fraudes eleitorais. As regras constitucionais e legais violadas são as mesmas. Os fatos são os mesmos: relações espúrias entre o público e o privado, circulação do dinheiro via propinoduto, utilização desse dinheiro pelos partidos e candidatos. As provas são as mesmas: testemunhal, documental, pericial, roboradas por delações premiadas. Aos delatores falta credibilidade, mas podem ser admitidos como informantes, com as cautelas necessárias, pois não lhes favorece a presunção de veracidade.
Enquanto lia o seu voto, o relator apresentava explicações e justificativas como estivesse desculpando-se pela iminente conclusão: cassar a chapa. No exercício da judicatura, descabe ao juiz ficar se explicando e se justificando. O seu dever é examinar a prova e a argumentação das partes sem fraqueza de espírito e com a relativa liberdade permitida pelo ordenamento jurídico; julgar de acordo com a Constituição, a lei e a sua consciência, nos limites da pretensão deduzida na petição inicial; expor os fundamentos fáticos e jurídicos da sua decisão. O juiz deve interpretar e aplicar as regras do direito positivo sem distorção, sem ginástica cerebrina; deve decidir honestamente, sem parcialidade, no firme propósito de ser justo.
O excesso de cuidados praticado pelos julgadores (como se estivessem pisando em ovos), a insistência perturbadora visando a convencer os colegas, a carga emocional sombreando a análise racional, o exagero na citação da doutrina e da jurisprudência (como tábua de salvação) podem traduzir insegurança, tendenciosidade, particular interesse na causa, fumaça para ocultar o veio principal. A vaidade dos magistrados compõe esse quadro. A transmissão dos trabalhos por emissoras de televisão lhes dá enorme visibilidade. Aproveitam-na para falar de si próprios, dos seus feitos, ideias e crenças, contar histórias, fazer piadas, exibir virtudes. Nessa embriaguez, às vezes descuidam-se e deixam escapar alguns defeitos e atos falhos. 
O mandato presidencial não justifica excessos praticados pelos juízes, nem tratamento diferenciado em relação aos mandatos de governador e prefeito. Os juízes têm o dever de, com ânimo isonômico e mesmas objetividade e celeridade, apreciar os fatos à luz do direito vigente, precavidos contra as cores partidárias e ideológicas, os lobbies, a sedução de pessoas elegantes, a cambiante e difusa opinião popular.     
A serenidade ausentou-se da sessão de julgamento. Notável a grosseria do presidente do TSE: interrompia o relator e demais ministros sem solicitar aparte; criticava-os de forma arrogante e indelicada; discutiu de modo áspero com o representante do ministério público, censurando-o por haver arguido a suspeição de um ministro. Posto que o motivo era adrede conhecido (o ministro fora advogado da presidente Dilma Rousseff em 2010), a exceção de suspeição devia ser apresentada no primeiro dia, ao iniciar a sessão e não depois de o ministro ter acompanhado a leitura do relatório, as sustentações orais, o voto do relator e de participar dos debates entre os julgadores. Quanto à substância, assiste razão ao ministério público: a chapa em julgamento era da antiga cliente do ministro. Neste caso, a suspeição é juris et de jure; decorre do fato em si, independente da qualificação ética e do senso de justiça do magistrado. Houve tumulto motivado não só pela exceção de suspeição como também pela “ira do profeta”, protesto inflamado do ministro Napoleão Maia ante a notícia de que seu nome constara de delação premiada. O presidente suspendeu os trabalhos.
O presidente cumpriu mal a sua função de organizar e dirigir os trabalhos quando: [1] impediu o julgamento em separado de cada preliminar; [2] tolerou interrupções durante o voto do relator sem prévio pedido de aparte; [3] permitiu polêmica durante o voto do relator. O momento oportuno do debate entre os magistrados precede a votação. Com certa frequência, há debates também no intervalo entre um voto e outro, o que tipifica exceção à norma. Todavia, enquanto o juiz expõe o seu voto, constitui grave defeito deontológico provocar debate. O voto é a sentença individual que prevalecerá ou será vencida na decisão colegiada (acórdão). Portanto, o voto não pode ser atacado enquanto não estiver concluído.
Há magistrados que usam a oportunidade do debate para adiantar e defender o seu próprio voto. Interferem assim na sequência legal e regimental do julgamento causando confusão e desvio do foco da demanda. No caso em tela, somente no quarto dia e após cessada a bagunça motivada pela exceção de suspeição e pela “ira do profeta” é que os ministros proferiram os seus votos sem interrupção.   
As preliminares levantadas pela defesa e rejeitadas pelo relator deviam ser objeto de pronta decisão do colegiado. Algumas delas podiam prejudicar o exame do mérito. No entanto, procedeu-se ao exame conjunto das preliminares e do mérito, impropriedade técnica censurável. Embora a solução do mérito seja o escopo da demanda, o vício de forma deve ser saneado com precedência como fase do devido processo jurídico. Entra aí, o critério da economia processual, uma vez que não se gastará tempo e fosfato com o exame do mérito se acolhida a preliminar que o prejudica.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

MEA CULPA

Nesta semana foi inaugurado o retrato de Joaquim Barbosa na galeria dos ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF). No discurso laudatório, o ministro Roberto Barroso referiu-se ao homenageado como "negro de primeira linha". Certamente, na África negra essa expressão seria recebida com naturalidade. Todavia, no Brasil e em países como os EUA, essa expressão tem conotação pejorativa reveladora de preconceito racial, mormente se retirada do contexto onde foi manifestada. Tal preconceito é incompatível com uma sociedade democrática. 
A repercussão do discurso na sociedade brasileira foi imediata. No início da sessão do STF realizada no dia 08 de junho de 2017, Barroso pediu a palavra e apresentou suas desculpas ao povo brasileiro. A sua evidente intenção foi a de enaltecer a qualificação moral e intelectual do ex-presidente e a sua notável contribuição para o prestígio da suprema corte.
No meio em que vivemos, há ideias, imagens e frases introduzidas de modo subliminar em nossas mentes. Criança e adolescente no Paraná, eu ouvia a respeito de pessoas negras, frases como estas: “Arlindo é negro de alma branca”; “Tenório é negro, mas é gente fina”; “Luís é negro, mas trabalhador; “Eduarda é negra, mas honesta e excelente cozinheira”; “negra é boa de cama”; “negro quando não caga na entrada, caga na saída”; “isto é serviço de negro”, e assim por diante. Pessoa negra não frequentava clube de pessoa branca, nem era atendente em loja ou recepcionista em hotel. Na escola primária e secundária, o estudante negro era objeto de curiosidade e condescendência, quando não assediado maldosamente e discriminado acintosamente.
Desse modo, ficou gravada na minha mente a impressão de que a pessoa negra faz parte de uma espécie animal inferior; que negro só é merecedor de alguma atenção e admiração quando se aproxima das superiores qualidades dos brancos. A imagem predominante é a de que o negro é sujo, vagabundo, bandido; a negra só é boa na cozinha e na cama; negros e negras gostam de sambar e tomar cachaça. Embora eu seja radicalmente contrário a essa imagem e ao preconceito que está na sua base, a minha expressão verbal pode com ela se embaralhar, caso eu afrouxe a vigilância num momento de descontração.
De primeira linha, há brancos, negros, amarelos, vermelhos, pardos, neste imenso país. Pessoas que enfrentaram e superaram preconceitos e toda sorte de obstáculos no curso das suas vidas. Triunfaram no campo do direito, da medicina, da engenharia, das ciências naturais, da literatura, das artes, dos esportes e em outros setores da vida nacional. Exerceram com excelência relevante papel na sociedade. Destarte, referir-se a uma dessas pessoas como cidadão ou cidadã de primeira linha é mais adequado do que mencionar a cor da pele. De segunda linha, são os cidadãos e cidadãs sem aquele destaque nas suas respectivas existências, embora todos mereçam respeito por integrarem a espécie humana e serem destinatários dos mesmos direitos fundamentais.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

TROVAS



Lá, os lusos cantam proezas
Da gente graúda do Tejo
Cá, se louvam as safadezas
Da gente graúda sem pejo

Mestre Xampong advertia
Do alto da sua sabedoria
Quem calvo não quer ficar
Do cabelo deve cuidar

sábado, 3 de junho de 2017

JUSTIÇA MOROSA

Na sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) realizada no dia 1º/06/2017, estava em julgamento questão de ordem na ação penal 937, sobre prerrogativa de foro decorrente da função pública exercida pelo réu, matéria disciplinada no artigo 102, letras b) e c), da Constituição da República. Cuida-se da competência originária do STF para processar e julgar, nas infrações penais, as autoridades ali mencionadas.
Toda ação judicial deve ser proposta perante o juiz natural (singular ou coletivo, indicado na Constituição e na lei) sob cuja jurisdição deve permanecer o respectivo processo até sentença final (perpetuae jurisdictio). Esta regra processual é exigência da segurança jurídica. Se no curso do processo, o réu deixa a função pública, ele perde o foro especial. A direção do processo passa para outro juiz ou tribunal no foro comum.
A questão acima citada versa o limite das modificações da competência quando alterada a situação funcional da autoridade infratora. O STF busca interpretação sensata dessa norma constitucional para evitar o que Marco Aurélio apelidou de “elevador”: o interminável sobe-desce-sobe-desce do processo, de um grau de jurisdição a outro, de uma esfera a outra do Judiciário. Desse passeio do processo pode resultar a prescrição do crime, a impunidade do réu, efeito negativo da morosidade a frustrar o princípio da celeridade constitucionalmente assegurado.           
O ministro Roberto Barroso, no seu voto como relator, afirma que a Constituição não autoriza esse deslocamento do processo de um órgão julgador a outro todas as vezes que muda o status funcional do réu. Destarte, nos crimes praticados no exercício da função pública e com esta relacionados, o respectivo processo deve permanecer no foro primitivo sempre que a instrução estiver concluída, ainda que haja mudança na situação funcional do réu.
Todavia, penso que a solução a espelhar mais fielmente as regras da estabilidade e da celeridade é a que fixa a competência em definitivo ao ser proposta a ação. Desse modo, mantém-se o mesmo foro até a sentença final, independente da eventual alteração do status do réu, esteja ou não concluída a instrução.    
O ministro Alexandre de Moraes, primeiro a votar depois do relator, falou por quase duas horas, com sotaque paulista e oratória cheia de repetições. Ao invés de concluir o que parecia ser o seu voto, pediu vista com a maior cara-de-pau. Moraes pareceu brincar de “pegadinha”, de “enganei um bobo com uma casca de ovo”. Consumiu aquele tempo enorme para no final pedir vista do processo! Moraes abusou da paciência alheia e frustrou a expectativa de todos que aguardavam um voto conclusivo após a longa peroração. O julgamento foi suspenso depois dos votos de Marco Aurélio, Rosa Weber e Carmen Lúcia, que acompanhavam o entendimento do relator. 
O pedido de vista é facultativo e independe de justificação. Bastam 7 (sete) segundos para ser formulado: “Senhora Presidente. Peço vista dos autos”. A padronização de formulas, a imitação de precedentes, inclusive o plágio, na discussão das causas no tribunal, são permitidos aos juízes a bem da objetividade, da celeridade e de um rumo estável e previsível. Ao alegar repercussão reflexa (?) no seu extenso e irritante discurso, Moraes se afastou do ponto central da controvérsia. A questão está sob o manto da repercussão geral. Logo, os efeitos da decisão do STF se estenderão a todos os casos sobre foro especial, presentes e futuros, sendo inócua a especificação pretendida por Moraes. A tese do relator, já apoiada por 3 (três) colegas, é abrangente (erga omnes); resolve a questão nas esferas federal e estadual.
O episódio em tela exemplifica um dos fatores da morosidade no Judiciário: a qualificação dos servidores (magistrados e funcionários). Os juízes estão submetidos às leis da natureza e da sociedade, aos vícios e às virtudes humanas. Na referida sessão, os ministros discutiram eficiência e ineficiência da justiça. Divagaram e se esforçaram para tapar o sol com peneira. Em todas as instâncias do Judiciário há magistrados (juízes, desembargadores, ministros) mui dedicados à judicatura, honestos, cultos, eficientes, de satisfatória produtividade, sensíveis ao drama dos jurisdicionados. Por outro lado, há também magistrados que negligenciam a pontualidade, faltosos, preguiçosos, politiqueiros, carreiristas, desonestos, barnabés de toga, dedicados mais aos seus particulares interesses do que aos processos sob sua direção. Esta é uma praga de profundas raízes na história do poder judiciário brasileiro, presente a seiva do nepotismo.
A ação de todos os servidores da justiça, desde o detetive até o ministro da corte suprema, está balizada por regras constitucionais e legais. Nas comarcas do interior e nas varas das capitais, os juízes se deparam com locais de trabalho insalubres, instalações precárias, com a falta de pessoal e de material. No que tange ao pessoal, à insuficiência quantitativa soma-se a deficiência qualitativa: servidores despreparados técnica, intelectual e moralmente (incultos, negligentes, desonestos).
Eficiência, no sentido positivo de produzir bom e desejável efeito, é predicado das pessoas naturais e, por extensão, das pessoas jurídicas e demais entidades desprovidas de personalidade. Nessa extensão entram os sistemas que se dizem eficazes ou ineficazes no cumprimento das suas finalidades. Destarte, a eficiência e a ineficiência podem provir dos indivíduos, dos grupos, das instituições e dos sistemas.
A morosidade da justiça é notória, antiga, endêmica e sistêmica. São bem conhecidos os seus malefícios. Essa lentidão, própria da justiça, deve ser debitada não apenas ao modo de atuação dos juízes e serventuários, mas também ao sistema processual, ao excesso de zelo pelos direitos fundamentais e a fatores políticos e econômicos. A maior ou menor velocidade na solução dos casos criminais depende da boa ou da má atuação dos policiais, dos peritos e dos membros do ministério público. Trata-se aqui da justiça orgânica como instituição estatal: delegacias de polícia, presídios, departamentos e laboratórios de exames periciais, ministério público, defensoria pública, magistratura. Pontualmente, pode haver celeridade em algum caso, ainda mais se houver tráfico de influência e pressão dos meios de comunicação social.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

CONVITE

Acesse também o site www.antonioslima.com
Contém do autor:
1. textos;
2. sinopses dos seus 3 livros;
3. biografia.