quinta-feira, 23 de maio de 2019

DEUS E O PRESIDENTE

Depois de 6 mil anos de civilização e de 200 anos de acelerado avanço científico e tecnológico, ainda há quem faça declarações extravagantes como a do pastor evangélico congolês. Diz, ele, que Jair foi “escolhido por deus” para governar o Brasil, tal como Ciro foi “escolhido por deus” para governar a Pérsia, vencer as guerras, formar um império e libertar o povo judeu (século V a.C.). Cabe indagar: 1) O pastor estribou-se em norma diplomática? 2) Os governantes dos países africanos são escolhidos por deuses negros, brancos ou mulatos? 3) O negro pastor evangélico africano ignora a história persa ou mentiu deliberadamente por solidariedade ao branco evangélico que ocupa a presidência do Brasil? 4) De que deus o pastor está falando: do deus judeu (Javé), do deus cristão (Pai Celestial), do deus muçulmano (Alá) ou de algum deus do Congo? Todos são o mesmo deus? Evidente que não. Cada qual tem suas próprias características e jurisdições. Javé e Alá são deuses nacionais, egocêntricos, cruéis, incentivam a guerra e o genocídio. Pai Celestial é universal, benevolente, deus da paz, do amor e da fraternidade. Outros povos acreditavam em deuses monistas, ou seja, o mesmo deus é bom e mau a um só tempo.
Impressiona a vocação dos pastores pentecostais para a falsidade e o estelionato. Maior do que o tamanho da ignorância desses pastores, só mesmo o tamanho da sua esperteza em tirar dinheiro dos crentes e enriquecer com os negócios que esse dinheiro permite realizar. 
Desde a Idade Antiga até a Idade Moderna, houve faraós, imperadores, reis, chefes de estado, que se consideravam deuses, filhos de deuses, ou escolhidos por algum deus para governar os súditos de modo soberano e absoluto, com poder incontrastável. A comunidade britânica (Inglaterra + Escócia + Irlanda) também teve o seu ditador, homem rústico, protestante fanático, leitor da Bíblia, que se considerava “escolhido por deus”, um novo Moisés, com a missão de livrar o povo da monarquia e instaurar a república puritana com base no evangelho (Oliver Cromwell, 1653-1659). A forte crença dos povos no sobrenatural, alimentada pelos insaciáveis sacerdotes, pastores e missionários, propiciava esse poder aos governantes. A crença no sobrenatural continua forte em nossos dias e estimula o mercado da fé religiosa, para gáudio da classe sacerdotal e dos exploradores das fraquezas humanas.      
O povo persa e seus governantes eram dualistas, seguiam a doutrina de Zaratustra (Zoroastro) contrária ao politeísmo e ao monoteísmo. Acreditavam em duas divindades que disputavam entre si o governo do universo: (i) Ahura-Mazda, deus do bem, da luz, da verdade, da retidão (ii) Ahriman, deus do mal, das trevas, da falsidade, da perversidade. O zoroastrismo foi a primeira religião revelada da cultura ocidental (Avesta) [o hinduísmo o foi da cultura oriental (Vedas)]. Os adeptos recebiam parcela da sabedoria divina, conhecimento não alcançado por via do intelecto. O caráter ético dessa religião era novidade. Admitia o livre arbítrio, estipulava deveres tais como: dedicar-se ao trabalho, respeitar os contratos, obedecer aos governantes, procriar, cultivar a terra (“quem semeia o grão, semeia a santidade”), fidelidade, reciprocidade no amor e na ajuda, hospitalidade, amizade aos pobres (“aquele que der alimento a um crente irá para o paraíso”). Considerava pecados graves: aborto, adultério, calúnia, cobiça, dissipação, gula, indolência, luxúria e orgulho. Cobrar juros de alguém da mesma religião era o pior dos pecados. O acúmulo de riqueza era reprovado. Regra de ouro: “só é bom quem não faz a outro o que não for bom para si mesmo”.
Essa doutrina foi aceita pelos povos da Ásia morena e influiu nas religiões posteriores (judaísmo, cristianismo, islamismo) copiadoras, inclusive, das crenças escatológicas (juízo final, ressurreição dos mortos, inferno para os condenados). Anunciava a vinda de um messias que precederia o deus Ahura-Mazda. Calculava a duração do mundo em 12 mil anos. Repudiava o ascetismo (“a temperança é melhor do que a abstinência”). A sua escritura sagrada era o Avesta, livro baixado do céu, mais antigo do que a Bíblia, revelado ao fundador da religião. Na época de Ciro, rei da Pérsia, a Bíblia ainda não existia. Os cinco primeiros livros estavam sendo escritos por Esdras e seu grupo durante os anos de exílio na Babilônia. Eles serviram-se das lendas e da tradição oral para compor tais livros (rolos de papiro). Quando terminou de escrever a lei judia (Pentateuco, Torá) Esdras – sacerdote doutor eruditíssimo na lei de deus do céu [assim consta da transcrição, feita pelo escriba judeu, da carta de Artaxerxes, rei da Pérsia, sucessor de Ciro] – foi autorizado a fiscalizar e controlar a Judeia, segundo a “lei do teu deus que está na tua mão”. Em Jerusalém, Esdras reuniu o povo e procedeu à leitura da lei que ele escrevera “sob a inspiração do deus de Israel”. Originalmente, os judeus não eram monoteístas. Misturavam-se e se adaptavam aos costumes, deuses e religião dos povos dominadores (egípcios, caldeus, persas). Esdras enfiou-lhes o deus Javé goela abaixo quando retornaram a Jerusalém para reconstruí-la. Apesar disto, eles prestaram culto a outros deuses sob o domínio macedônio e romano, inclusive ao deus cristão (Pai Celestial) ensejo em que foram identificados como “cristãos novos”.       
Ciro permitiu a voluntária saída dos judeus da Babilônia para a Judeia (539 a.C.). Poucos saíram. Tal como aconteceu anteriormente na saída do Egito, há centenas de anos (“êxodo”), muitos preferiram ficar onde estavam. Os que ficaram trabalhavam no palácio real ou se dedicavam ao comércio, à arte e outras atividades na Babilônia e em cidades da Mesopotâmia. Eles tinham sua vida social e econômica resolvida. Os persas, sem abrir mão da cultura que lhes era própria, respeitavam os costumes e crenças dos povos conquistados. O edito de Ciro foi transcrito por escriba judeu no Livro de Esdras do Antigo Testamento no tendencioso estilo hebraico. Menciona o “deus do céu” que teria dado ao rei persa os reinos da terra, o que exigia compensação: construir um templo “na terra de Judá” para o “deus de Israel que habita Jerusalém”. A malícia na transcrição está em sugerir que o rei persa curvou-se ao deus judeu. Ciro não diz – e rei persa algum diria – estar submisso a um deus estranho à sua religião. O rei e o povo persa consideravam a sua religião superior, inclusive à religião daquele povo mequetrefe que nem escritura sagrada tinha. Historicamente, não há notícia de que Ciro devia o seu reinado ao deus do pastor africano. Governantes e governados persas acreditavam estar protegidos por Ahura-Mazda, deus da luz. Rei de pequena tribo no sul da Pérsia (559 a.C.) Ciro, sem luta e por parentesco, tornou-se rei dos persas e dos medos. Mediante guerra, tornou-se rei da Lídia, da Babilônia, de Nínive, Damasco e Jerusalém. Enfim, conquistou um império cuja extensão, sob Dario I, só foi superada pelos impérios macedônio e romano. 

sábado, 18 de maio de 2019

TROVAS

Rosa de Maio curta canção
Em Maio o pequeno verão
No altar noiva de Maio
De feliz sofre desmaio
Seu nome era Rosemei
Em criança tanto amei
Nome da canção singela
Que eu cantava para ela

Eis aqui na versão brasiliana
A singela canção americana:

Rosa de Maio
É meu desejo
Mandar-te um beijo
Nesta canção
Rosa de Maio
Por qualquer preço
Eu te ofereço
Meu coração
Rosa de Maio
Eu não consigo
Guardar comigo
Tanta paixão
Rosa de Maio
Por qualquer preço
Eu te ofereço
Meu coração.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

CARTA AO ALÉM

Penedo, Itatiaia/RJ, 13 de maio de 2019.

Prezado João.

Neste 131º aniversário da abolição oficial da escravatura no Brasil, sirvo-me da via telepática para ditar e escrever estas mal traçadas linhas. Espero que elas te encontrem bem. Enquanto vou escrevendo no papel e ditando telepaticamente, tu podes ir lendo, ouvindo e respondendo. Está bem assim? Considerando que deus escreve certo por linhas tortas, acredito que eu, mísero mortal, possa merecer complacência por minhas linhas singelas. 
Jussara e eu estamos bem, assim como as crianças. O menino mais novo está com 40, a menina do meio está com 44 e o menino mais velho com 47 anos de idade. Todos bem na medida do possível neste conturbado mundo terráqueo. Faço votos que os teus familiares também estejam bem. 
Tenho a grata satisfação de informar ao meu prezado amigo que a tua profecia se realizou. Pelo menos, uma grande parcela do povo sentiu saudade do governo militar. Adivinhe só!
Espere ... Tu não precisas responder. O desafio é retórico e não para tu adivinhares de fato. O meu repto foi apenas para despertar a tua curiosidade e aumentar a tua atenção. O que eu quero te informar é incrível! Depois de 35 anos, os militares voltaram ao governo. Sabe lá o que é isto? Sim, senhor! E quer saber mais?
João, deixe eu terminar de escrever e ditar! Não... não foi novo golpe. Bem... mais ou menos. Como? Pelo voto popular, cara! 57 milhões de eleitores! Tá OK. O “mais ou menos” fica por conta dos atos da campanha eleitoral. O que aconteceu? Tu aí nessa dimensão sem fronteiras não sabes? Os teus companheiros de farda intimidaram meio mundo. Até colocaram tanques em frente ao supremo tribunal. Os togados dobraram a espinha. 
João... espere... paciência... eu explico. Esta conversa será publicada no meu blog. Portanto, não posso usar os verbos e as expressões que tu queres. Pare com isso e permita que eu prossiga nos ulteriores desta missiva.
Avalanche de notícias falsas e ameaças, inclusive por meio das redes sociais na internet. Sim, dileto amigo, agora utilizam a rede de computadores. Tu precisavas ver! Os adeptos da candidatura militar usavam de violência nas ruas e em qualquer lugar. Se tu estivesses transitando com qualquer pano de cor vermelha, fosse boné, camisa ou lenço, tu levavas pau na moleira. A coisa ficou feia. A barbárie retornou. 
Por que tudo isto? Ora, João, tu conheces bem essa gente. Lembra da Alemanha da década de 1930-1940? Pois é. Aqui ficou igual. O objetivo era impedir a candidatura do político civil cuja vitória era tida como certa. Quem era? O sapo barbudo, cara. Eu sei, tu não precisas me lembrar de que o apelido foi dado por Brizola. O metalúrgico pobre, nordestino, sem diploma universitário, já tinha sido presidente e seria novamente eleito. A direita, raivosa e preconceituosa, não tolerou o que entende por anômala, insuportável e afrontosa inversão de posições na estratificação social. Armou um processo judicial fraudulento, colocou o concorrente na prisão e, assim, cassou os seus direitos políticos. Com medo dos quartéis, os tribunais mantiveram a condenação e a prisão (até porque a magistratura federal se tornou, de fato, um informal partido político de direita, driblando a vedação constitucional e legal).
Destarte, o candidato militar saiu vitorioso das urnas. Quem? Não, meu caro João, não é general e sim um reformado capitão do exército. Sim, o mesmo que Geisel qualificou de mau militar e que pretendia explodir o gasômetro do Rio de Janeiro. Pra tu veres como são as coisas neste país. General é o vice-presidente eleito.
E agora, João? Tá bem. Não vou plagiar Drumond. Agora, esse troglodita assumiu a presidência da república, tem um guru de baixo nível, filhos políticos aloprados, ministério medíocre, incapacidade administrativa, pachorrenta indisposição para governar e disposição criminosa de guerrear país vizinho e amigo. Revela, às escâncaras, propósito de passar os negócios de estado ao governo dos EUA e de seguir orientação da CIA, o que representa grave ameaça à soberania nacional.
Porra, João... escute... mas que diabo! Calma! Deixe eu falar. Não era minha intenção perturbar os teus momentos de merecido sossego aí nessa dimensão onde te encontras. Não, João, por enquanto não há necessidade de prender e arrebentar. Diante das graves e evidentes ofensas aos interesses nacionais, basta a Câmara dos Deputados autorizar e o Senado decretar o impedimento do indecoroso presidente.
A carta ficou longa. Hora de encerrar. O quê? Não. A corrupção e a roubalheira não terminaram e a conjuntura indica que não terminarão tão cedo. As maiores? Aconteceram no governo Cardoso (1995-2002). Teve general indignado que xingou o presidente FHC com palavras de baixo calão. Disse horrores. FHC entubou. Mas, isto é assunto para outra carta. Informo-te, ainda, sucintamente, três dados estatísticos: [1] nos últimos 5 anos, o país regrediu 150 anos nas relações de trabalho e nas relações políticas (internas e internacionais) [2] nos últimos 10 anos, o pessoal da direita tem se comportado como se estivesse na Idade da Pedra [3] nos últimos 15 anos, o pessoal da esquerda anda sob os efeitos soporíferos e entorpecentes da picada da mosca azul.     
Aceite o meu fraternal e saudoso abraço.
Antonio.

sábado, 11 de maio de 2019

VICE

O vice-presidente, Antonio H. M. Mourão, mostra desapego ao cargo ao dizer que pegará suas coisas e voltará para casa se a sua presença estiver incomodando. Sem dúvida, a renúncia integra o capital jurídico do vice. O motivo pode ser insatisfação com a política governamental, estado de saúde, problema familial, autoestima fragilizada, e assim por diante. O que não parece razoável, é o vice renunciar por sua presença incomodar o presidente e filhos, o guru do presidente e outros. Parece que o vice não entendeu bem o seu papel constitucional na república brasileira, quiçá pela forte presença em seu espírito dos princípios da hierarquia e da disciplina, alicerces da organização das forças armadas. O cargo de vice é civil e não impede que o seu ocupante: (i) expresse opinião livremente, segundo o seu prudente arbítrio, ainda que discordante da opinião do presidente e dos seus auxiliares (ii) exerça a sua liberdade nos limites do decoro do cargo (iii) administre, de modo equilibrado, as pressões que sofrem as autoridades públicas quando vigora o estado de direito democrático.
O prefixo vice denota posição: [i] de substituto num cargo, sem vínculo de subordinação (vice-prefeito, vice-governador, vice-presidente) [ii] de subordinação hierárquica (vice-rei, vice-almirante, vice-reitor, vice-diretor) [iii) de menor classificação (vice-campeão) [iv] de reciprocidade (vice-versa). A experiência histórica revela a tendência do vice de conspirar para tirar do cargo o presidente, vivo ou morto. No Brasil, por exemplo, o vice-presidente Michel Temer tramou o impedimento da presidente Rousseff e assumiu o governo. A encenada choradeira de Temer de ser figura decorativa no governo Rousseff era o introito do golpe de estado. Professor de direito constitucional, Temer sabia que o papel do vice-presidente é decorativo enquanto o presidente estiver em exercício. Daí, a Constituição de 1988 referir-se exclusivamente às atribuições e à responsabilidade do presidente.
O primeiro presidente do Brasil (Deodoro) renunciou ao cargo; o vice (Floriano) assumiu a presidência. Depois, outros vices também assumiram: Nilo Peçanha, em virtude da morte de Afonso Pena; Café Filho, por causa do suicídio de Getúlio Vargas; João Goulart, ante a renúncia de Jânio Quadros; José Sarney, por morte de Tancredo Neves; Itamar Franco, ante a renúncia de Fernando Collor; Michel Temer, pelo impedimento de Dilma Rousseff. Como se vê, apesar de decorativo, o cargo de vice é importante. Apenas no período autocrático, com a doença e morte do presidente Costa e Silva, o vice (Pedro Aleixo) foi impedido de assumir a presidência.   
Para evitar acefalia do governo no caso de morte, ausência temporária ou impedimento definitivo do presidente, o legislador constituinte brasileiro, seguindo o modelo estadunidense: (i) criou o cargo de vice-presidente com a exclusiva competência de substituir ou suceder o presidente (ii) autorizou o presidente a convocar o vice para missões especiais (iii) incumbiu o legislador ordinário de criar, mediante lei complementar, outras atribuições ao vice. Isto pode ensejar miragem de subordinação do vice ao titular do cargo. Entretanto, cabe ao vice, com base na sua independência funcional, aceitar ou recusar a missão e, na hipótese de aceitar, discutir as instruções. A lei complementar referida pelo legislador constituinte não pode, sob pena de inconstitucionalidade, criar atribuições que retirem a independência e autoridade do vice-presidente da república.
Sob a vigência da Constituição brasileira de 1945, a eleição do vice-presidente era separada da eleição do presidente, o que acentuava a independência funcional dessas duas autoridades políticas entre si. Isto não impedia que o vice aceitasse tarefas solicitadas pelo titular, como acontece nos EUA. O exemplo mais conhecido foi dado no governo Quadros. No exercício da vice-presidência, Goulart cumpria missão na China quando Jânio renunciou (1961). Os militares tentaram impedir o vice de cumprir a sua missão constitucional, qual seja, a de suceder o presidente. O impasse foi resolvido pela introdução do parlamentarismo como sistema de governo. Goulart ficou na chefia do estado e um primeiro-ministro ficou na chefia do governo.   
O jurista e político Afonso Arinos, em judicioso parecer aceito pelo Congresso Nacional, por ocasião da morte do presidente Tancredo Neves (1985), deixou claro que entre presidente e vice não há hierarquia, ambos são órgãos da república no mesmo nível, cada qual nos limites da respectiva competência. O presidente da república é o comandante supremo das forças armadas, mas não é comandante do vice-presidente. O presidente da república é o chefe supremo da administração pública federal, mas não é chefe do vice-presidente da república. O presidente da república pode nomear e demitir ministros, mas não pode nomear e demitir o vice-presidente da república. 
Nos termos da vigente Constituição, a eleição do presidente importa a do vice com ele registrado. Portanto, a vitória do presidente também é vitória do vice. Ambos são eleitos pelo povo. Logo, o vice tem o dever de cumprir o mandato que lhe foi outorgado e de honrar a sua missão constitucional. Por isto mesmo, o vice presta, perante o Congresso Nacional, o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil. Nas últimas eleições (2018) a patente de general do vice foi decisiva, por atrair os votos daquela numerosa parcela de brasileiros desencantada com os políticos civis e que ansiava pelo retorno dos militares (57 milhões de eleitores). Destarte, ao menosprezar os militares, o atual presidente cospe no prato que comeu.
Certamente, para muitos eleitores da direita, Bolsonaro não tem o perfil do militar que eles esperavam na presidência, ou seja, o perfil de oficial superior lúcido, culto e equilibrado. Possivelmente, por lhe faltar esse perfil, Bolsonaro se compensa com os ataques raivosos aos militares. A sua postura deixa em plano inferior o papel das forças armadas de guardiãs da república no âmbito internacional (defesa da pátria) e no âmbito nacional (garantia dos poderes constituídos, da lei e da ordem). Além disto, as forças armadas: [1] atuam, em bloco, como classe social, na defesa dos valores e interesses do estamento militar, muito embora, no interior da caserna, haja divisões (linha dura versus linha moderada; liberais versus igualitários; nacionalistas versus entreguistas) [2] protegem a economia capitalista em detrimento da economia socialista [3] pressionam os poderes constitucionais, sob ameaça repressiva, para que decidam de certa forma e sigam determinadas condutas [4] ora garantem o regime democrático, ora implantam o regime autocrático [5] defendem os interesses do governo e das empresas dos EUA em prejuízo do interesse nacional [6] prestam ajuda: (i) à ONU, nas missões de paz {Suez, R. Dominicana, Haiti} (ii) aos países aliados, no conflito mundial {1939-1945}.   

domingo, 5 de maio de 2019

FILOSOFIA & SOCIOLOGIA

Há notícia divulgada pela imprensa de que o governo federal pretende extinguir os cursos de filosofia e sociologia nas universidades. Caso a proibição não seja universal, essa área do conhecimento ficará restrita às universidades estaduais e às particulares. Há um irônico ditado italiano que diz: “Filosofia é a ciência com a qual ou sem a qual o mundo resta tal e qual”. O filósofo alemão Karl Marx concordou com esse ditado ao afirmar que a filosofia limitara-se a explicar o mundo (século XIX), porém, agora, era preciso modificá-lo. Esta função dinâmica da filosofia pretendida por Marx e posta em prática por seus seguidores apavora o brucutu que hoje governa o Brasil. Ordena raivosamente: por ameaçarem a segurança nacional, ficam proibidos os estudos filosóficos e sociológicos no Brasil.
No Colégio Estadual do Paraná, na década de 1951-1960, concluído o curso ginasial, você cursava o curso científico ou o clássico. No curso cientifico você estudava Matemática, Física, Química, Biologia, História, Geografia, Filosofia e idiomas (português, inglês, francês e espanhol). Em nível superior havia cursos de Filosofia, Ciências, Letras, Medicina, Engenharia e Direito. Posteriormente, vieram os cursos de Economia, Administração, Sociologia, Psicologia. Esses cursos, nos séculos XX e XXI, em nada mudaram a vida política nacional. Durante todo o período constitucional republicano (1891-2019) predominou a elite econômica rural e urbana. A elite intelectual seguiu a reboque. A elite moral ficou na sombra. Essa realidade cultural se manteve inclusive no curto governo da esquerda (2003-2016).
A extinção dos referidos cursos pode ser debitada à estupidez do autocrata que preside a república e dos seus auxiliares, bando de nazifascistas. Poucos são os alunos que se dedicam à filosofia e à sociologia. A maior parte dedica-se a outros cursos, tais como: educação física, nutricionismo, fisioterapia, turismo, belas artes, psicologia, odontologia, medicina, engenharia, agronomia, economia, administração, direito, ciências políticas. Os cursos universitários não impediram os brasileiros de votar no general Dutra, no fazendeiro Vargas, no médico Kubitscheck, no professor Quadros, no estancieiro Goulart (na época, o vice-presidente era eleito pelo voto direto em chapa própria, independente da chapa do candidato a presidente), no advogado/empresário Neves, no jornalista/empresário Collor, no sociólogo Cardoso, no metalúrgico Silva, na economista Rousseff e no capitão Bolsonaro. Possivelmente, alguns professores e estudantes de filosofia e sociologia votaram nessas pessoas ou nos seus adversários, ou se abstiveram. O mitológico brucutu devia submeter-se a um transplante de neurônios para acrescentar aos dois que já possui. Os doadores poderiam ser professores e estudantes de filosofia e sociologia.
Não custa lembrar, entretanto, que a presidência da república já foi ocupada por sociólogo camaleônico cuja administração desastrosa conviveu com corrupção estratosférica e enganação aos montes (1995-2002). Os cursos universitários, contudo, não podem levar a culpa pela corrupção endêmica da administração pública municipal, estadual e federal. Esses cursos disseminam a luz, desenvolvem nos alunos o espírito crítico, fazem-nos pensar sobre a vida, o homem e a sociedade, possibilitando a formação de bons e lúcidos cidadãos. Como dizem os místicos: “Deus é luz, vida e amor”. Luz como símbolo do conhecimento, entendimento e sabedoria. Oportuno lembrar: filosofia significa amizade ou amor à sabedoria, ao conhecimento (do grego: filo = amizade, amor + sofia = sabedoria, conhecimento). Platão reservava ao filósofo (amigo do saber, sábio, mestre, cientista) o comando da sua república ideal. Contudo, no plano dos fatos, a história humana fornece exemplos de povos governados por mentecaptos.     
No Brasil, os setores industrial, comercial, agropecuário, bancário, especulativo, mediático, todos localizados à direita do espectro político, prosperaram tanto nos governos de direita como nos governos de esquerda. Houve oscilações em decorrência dos acidentes econômicos na esfera internacional e de eventuais erros na política econômica interna. Ampliou-se o caminho socializante a partir da Era Vargas. Avenidas socializantes foram abertas na Era Lula. Os comunistas brasileiros desistiram da luta armada desde o fracasso das guerrilhas durante a ditadura militar. Perceberam que o poder político lhes é acessível pelas vias democráticas e que ditaduras são perniciosas e anacrônicas. O socialismo moderado tornou-se a via mais adequada para o bem-estar, a paz e a felicidade da população brasileira.
Apesar disto, o pessoal civil e militar da direita não dorme de touca. Cultiva ojeriza ao pessoal da esquerda. Quando está fora do poder, o pessoal da direita conspira diuturna e incessantemente para nele entrar, servindo-se de todos os meios legais e ilegais, sem compromisso algum com a ética e com o bem comum. Costumeiramente, associa-se ao governo e ao empresariado dos EUA nas suas empreitadas contra os interesses da nação brasileira. Vimos isto recentemente com: [I] o ilegítimo e imoral processo de impeachment da presidente Rousseff [II] o indecoroso e fraudulento processo criminal instaurado contra o presidente Silva do qual resultou a sua precipitada e inconstitucional prisão [III] a manobra para tirar Lula da disputa eleitoral [IV] a enganosa eleição de Jair Bolsonaro para presidente da república [V] a cessão de parte do território e do petróleo ao estrangeiro [VI] a postura subalterna e subserviente do presidente do Brasil ante o presidente dos EUA e o diretor da CIA. Tudo isto se tornou fato público e notório. Convém lembrar: ceder a soberania nacional, total ou parcialmente, a governo estrangeiro, tipifica crime de responsabilidade.