quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

ELEIÇÕES VII

A política partidária dos séculos XX e XXI. no Ocidente, relativizou a verdade, a honestidade, o senso de justiça. Desvencilhou-se de preocupações morais. Indiferente ao humanismo, a atividade política distanciou-se do espírito religioso (cristão, judeu, islâmico) e aderiu ao pragmatismo mercantil. Colocou-se preferencialmente a serviço da economia. Ao partido político interessa primacialmente assumir as rédeas do governo a qualquer preço. Vale tudo. Considera a consciência moral e religiosa inoportuna e anacrônica. 

Essa realidade gerada pela fraqueza moral e espiritual da natureza humana pode ser notada no Brasil. Partidos da direita e da esquerda pretendem constituir uma frente mista para disputar as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O propósito é se opor ao bolsonarismo e ao candidato favorito do presidente da república. Paradoxalmente, o candidato posto pela frente mista para disputar a presidência da Câmara, ao exercer o seu mandato de deputado federal, mostrou-se deslumbrado apoiador do presidente da república. Na verdade, pois, a frente mista pretende lançar no aquário um tubarão ao invés de um cetáceo. Caso eleito, o tubarão continuará a agir como o seu padrinho, atual presidente da Câmara: (i) em defesa do modelo econômico neoliberal (ii) manter engavetadas as petições de impeachment, facilitando a permanência do presidente da república no cargo apesar de todos os danos causados à nação brasileira nas relações internas e internacionais. 

A carta-compromisso elaborada pelos partidos da esquerda serve para encobrir a fuga e a infidelidade aos princípios socialistas (PT, PDT, PSB, PCdoB). Os representantes desses partidos no Congresso Nacional deviam consultar os seus eleitores. O vigor da democracia depende das efetivas práticas democráticas, da coerência com a ideia de democracia, da fidelidade aos programas. Ainda que airoso, o discurso é insuficiente; requer ação efetiva, bons e concretos exemplos em sintonia com os princípios democráticos. Por atitudes corporativistas no âmbito parlamentar, os deputados e senadores da esquerda podem provocar a descrença nos eleitores e a migração destes para o imenso campo das abstenções, dos votos em branco e nulos, nas eleições de 2022. Fiel à sua ideologia, à sua estrutura ética e aos seus objetivos estatutários, o PSOL, até o momento, não aderiu a esse espúrio compromisso. 

Da referida carta, consta o seguinte compromisso: “não abrir mão dos instrumentos constitucionais para assegurar o respeito à Constituição, as leis, as instituições e a democracia”. Como acreditar nisto? Esses partidos nada fizeram junto ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil, ao Conselho de Ética da Câmara, ao Supremo Tribunal Federal (STF), para denunciar a conduta dolosa e a inconstitucionalidade por omissão do presidente da Câmara no que tange ao gravíssimo descumprimento do seu dever jurídico de despachar as petições de impeachment. A palavra oral ou escrita do líder da frente mista, atual presidente da Câmara, não merece fé.  Ora a favor, ora contra o presidente da república, ele se aproveita do imbróglio para declarar amor ao seu eleitorado e garantir êxito nas eleições de 2022 como candidato a deputado ou senador. Deixou de cumprir o seu dever de deferir ou indeferir as petições de impeachment. Aqui não se trata do poder discricionário para colocar em pauta matéria legislativa e sim do dever jurídico da autoridade pública de despachar petição que lhe seja apresentada no devido processo legal. Esse dever dos poderes públicos é correlato ao direito de petição assegurado a todos os cidadãos pela Constituição da República (art. 5º, XXXIV, a). A dolosa conduta do presidente da Câmara: (i) caracteriza inconstitucionalidade por omissão apta a ser objeto de ação direta perante o Supremo Tribunal Federal (ii) sujeita o deputado às sanções constitucionais, legais e regimentais (perda do cargo, inelegibilidade, prisão). 

Honrar a palavra empenhada, ainda que por escrito e registrada em cartório, não é da tradição dos partidos da direita. Ante a falta de bom caráter dos políticos, o cacique Juruna obrigou-se a levar consigo um gravador para registrar o que fosse tratado nas negociações dos brancos com os indígenas. Ao concorrer para a prefeitura de São Paulo, o candidato tucano assinou declaração e a registrou em cartório comprometendo-se a não interromper o seu mandato para concorrer ao governo do estado. Eleito pelos munícipes, afastou-se do cargo de prefeito para concorrer ao de governador. Essa falta de vergonha é comum no mundo político. Há centenas de exemplos semelhantes nas esferas federal, estadual e municipal. Essa gentalha não é confiável. À falta de bom caráter, de princípios éticos e cristãos, alia-se a mentalidade nazifascista de grande parcela do povo e dos seus representantes no Congresso Nacional, brotada dos italianos e alemães (originários e descendentes) que participaram do desenvolvimento nacional, principalmente sulistas (SP, PR, SC, RS). Essa mentalidade é a mesma que domina o governo federal e os parlamentares da direita. Portanto, esperar fidelidade à carta-compromisso é esperar em vão e/ou querer enganar a si próprio. Honra, boa formação moral, bom caráter, espírito público e democrático, são virtudes ausentes nessas pessoas. Nelas imperam a mentira, a violência, a traição, a hipocrisia, a discriminação ilegítima, o interesse particular.


terça-feira, 22 de dezembro de 2020

ELEIÇÕES VI

As eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal alvoroçaram o mundo político partidário. O povo brasileiro começa a perceber a importância dessas eleições intestinas. A escolha dos nomes está dificultada pela pluralidade de partidos numa frente ampla liderada pelo presidente da Câmara. Segundo o manifesto publicado, essa frente, em nome da democracia e da liberdade, pretende evitar: (i) o comando das duas casas do Congresso Nacional pelo bolsonarismo (ii) a reeleição do atual presidente da república. 

Bolsonarismo é título condutor da falsa impressão de que se trata de uma teoria científica de valor acadêmico. As ideias da pessoa da qual deriva o nome dessa corrente não constituem arcabouço de um pensamento político sistemático, próprio, original, mas sim expressão do nazifascismo, conjunto de ideias e objetivos colocados em prática no século XX por Mussolini, Hitler e outros ditadores civis e militares na Europa e na América Latina, O ideário e a pratica nazifascistas incluem: autoritarismo antidemocrático, militarismo, beligerância, violência, genocídio, racismo, subordinação do trabalho ao capital, absorção do indivíduo no estado, desprezo pela vida, saúde e integridade física das pessoas, discriminação das minorias, obtusidade obsessiva. Desperdiça-se munição ao concentrar esforços no combate ao megalômano presidente da república brasileira. Gasta-se vela com mau defunto. O alvo do combate há de ser o nazifascismo que ele e seus seguidores encarnam. Alertar a nação sobre o perigo dessa corrente política. 

A probabilidade de reeleição do atual presidente da república é pequena. Dos 57 milhões de eleitores que nele votaram em 2018, talvez 30 milhões não façam a mesma escolha em 2022, tendo em vista o descalabro da sua administração e a ilicitude da sua conduta. Os 30 milhões de desiludidos e os 42 milhões que se abstiveram nas últimas eleições presidenciais somam a metade do corpo eleitoral. A direita moderada, a esquerda e a justiça eleitoral devem convencer esses eleitores a comparecerem às urnas, a não votar em branco e a não anular o voto. Esbravejar contra a extrema direita é cinismo da direita moderada e idiotice da esquerda. Perda de tempo e de energia. Essa ala extremista composta de pobres, remediados e ricos, cuja ação contraria o preâmbulo e o artigo 1º, da Constituição da República, nada ouve que não seja louvor a si mesma e ao chefe. No entanto, essa ala não pode servir-se da liberdade e da democracia para destruir a liberdade e a democracia. Militar contra direitos fundamentais é militar contra a Constituição. Militar contra a Constituição é militar contra o estado democrático de direito.

O presidente da república pode não concorrer às eleições de 2022 (i) se morrer ou ficar incapacitado (ii) se vivo e capaz, não se candidatar (iii) se perder os seus direitos políticos por decisão judicial (iv) se o seu mandato for cassado por decisão parlamentar. Os ilícitos denunciados nas dezenas de petições apresentadas ao presidente da Câmara dos Deputados poderão ser objeto de processo judicial e de processo parlamentar caso o novo (ou a nova) presidente da Casa despache e defira tais petições dando início ao processo de impeachment. As petições já deviam ter sido despachadas. A criminosa omissão do atual presidente da Câmara ensejou a permanência do presidente da república no cargo com todas as suas idiossincrasias. 

O presidente da Câmara e demais subscritores do manifesto carecem de autoridade moral para falar em nome da democracia e da liberdade. O manifesto foi gerado pela hipocrisia, assinado por falsos democratas, escória da política partidária, pessoas que promoveram golpes contra a democracia e que sem justa causa (i) destituíram a presidente da república (ii) arquitetaram processo judicial fraudulento a fim de afastar concorrente da disputa eleitoral (iii) divulgaram notícias falsas na campanha de 2018. Os partidos da esquerda têm rigor moral; a ética impregna seus estatutos. Daí, a perplexidade causada diante da submissão desses partidos à liderança de um mequetrefe da direita, ainda que seja por pragmatismo. Do ponto de vista moral, nota-se que (i) na esquerda, a maioria dos filiados tem boa formação e a minoria é desonesta (ii) na direita, a maioria dos filiados tem má formação e a minoria é honesta. A nação brasileira, inobstante a numerosa parcela de vira-latas, começa a sentir a importância do respeito a limites éticos. A direita costuma violar esses limites.  

Se o presidente da Câmara tivesse vergonha não teria pleiteado a reeleição para o cargo sabendo da vedação constitucional. Faltou-lhe escrúpulo e decência para se afastar dignamente. Descumpriu o dever de despachar as petições sobre o impeachment (deferindo ou indeferindo). Todo cidadão tem o direito de denunciar o presidente da república, direito de petição vinculado à cidadania. Cuida-se de direito entranhado na civilização ocidental desde a Magna Carta da Inglaterra de 1215 (art. 40 + 61), o bill of rights de 1689 (art. 5º) e as constituições de outros países, como EUA (primeiro aditamento em 1789) e França (1793). 

A norma jurídica caracteriza-se por sua bilateralidade atributiva. Supõe dois sujeitos na mesma relação: a um, atribui direito; a outro, atribui dever. Assim, ao direito de petição do cidadão corresponde o dever da autoridade estatal de despachá-la. Não se trata de discricionariedade e sim de dever jurídico dos poderes públicos. Ao violar esse dever, a autoridade pública fica sujeita às sanções legais. Ao engavetar as petições, o deputado frustrou também a eficácia da norma regimental que disciplina a matéria. Posicionou-se como cúmplice do criminoso: Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade. Se falta, no regimento interno, expressa menção ao prazo para o presidente da Câmara despachar as petições, isto não justifica a dolosa omissão e a abusiva protelação. O direito põe limites no tempo para atos processuais nas esferas legislativa, administrativa e judiciária. Daí, a fixação de prazos. As lacunas são preenchidas pela aplicação de princípios, regras gerais e analogia. A colmatagem é própria da atividade jurídica. Aos legisladores e aos juízes cabe colmatar eventuais lacunas do ordenamento jurídico. No caso do processo de impeachment, a solução está prevista na lei: “No processo e julgamento (...) serão subsidiários desta lei (...) o Código de Processo Penal”. Portanto, a lacuna quanto ao prazo é preenchida mediante aplicação subsidiária e analógica da regra do Código de Processo Penal; logo, o dever do presidente da Câmara é despachar no prazo legal (10 dias), seja para deferir, seja para indeferir os pedidos. 

[CR 1º, II + 5º, XXXIV, a + 51, I + 86 + Resolução 17/89, RIC Deputados, art. 217, 218 + lei 1.079/50, art. 14, 38 + CP 29 + CPP 800].


sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

VACINA II

Desde os seus primórdios, a humanidade luta contra doenças. Curandeiros, xamãs, feiticeiros, sacerdotes, buscavam a cura por meio de danças, cantos, sacrifícios, fórmulas mágicas, misturas de substâncias, beberagens. Invocavam poderes sobrenaturais, rezavam, usavam fogo, manipulavam plantas. A tradicional e pré-científica medicina asiática amarela (chinesa unificada) existe há milhares de anos. No Sri Lanka e na Índia, utiliza-se a medicina ayurvédica baseada no uso das plantas (propriedades medicinais). O metódico estudo da estrutura e do funcionamento do corpo humano, a prática do diagnóstico, a cirurgia, o tratamento com drogas e a prevenção deitam raízes na antiga civilização egípcia (Imhotep). Posteriormente, essa medicina científica foi desenvolvida na Grécia Clássica (Hipócrates). Os terapeutas pensaram na cura e também na prevenção. Cuidados foram prescritos para evitar doenças e fomentar saúde: saneamento, água potável, redução da poluição, nutrição, imunização, planejamento, leis de prevenção contra acidentes. Taxar com rigor bebidas alcoólicas e fumo no propósito de reduzir o consumo a bem da saúde pública teve pouco efeito. Mais producentes têm sido as campanhas educativas para estimular bons hábitos, sexo seguro, moderação. 

Na jornada terrena da raça, os humanos sonharam encontrar uma fórmula que os protegesse de todas as doenças. Isto lhes permitiria vida saudável até a morte. Como a realidade teimava em contrariar o desejo e o sonho, eles transferiram a bem-aventurança ao mundo espiritual e consideraram a morte mera passagem do mundo material para aquele outro mundo. Isto avivou a imaginação e pavimentou a crença na transmigração das almas e na reencarnação. Segundo essa doutrina, vivendo e adquirindo conhecimento no mundo do espírito (luz), a alma da pessoa regressa ao mundo da matéria para cumprir missões (vida). Enquanto aguarda a reencarnação, a personalidade anímica, baixando em sessões espíritas, faz cirurgias e dita receitas para curar ou prevenir doenças sem nada cobrar (amor). 

Sem a fórmula da imunização total, os humanos encontraram a fórmula da imunização parcial. Na China do século X (901-1000) foi inventada a técnica da insuflação nasal para proteger da varíola. Consistia em soprar pelas narinas do paciente o pó obtido da mesma doença sofrida por outra pessoa. Combatia-se o veneno que atuava no organismo com o veneno similar manipulado, homeopatia cujo princípio ativo o médico alemão Samuel Hahnemann introduziu no Ocidente no século XVIII (1701-1800), mesmo século em que o médico inglês Edward Jenner descobriu nova fórmula para, com êxito, combater e erradicar a varíola. No século seguinte (1801-1900) o cientista francês Louis Pasteur expandiu a técnica imunizadora para outras doenças (cólera, antraz, raiva). Os elementos básicos da fórmula eram micro-organismos. A vacinação tornou-se procedimento de ordem pública, necessário e obrigatório. Foram produzidas vacinas contra catapora, caxumba, febre tifoide, gripe, poliomielite, rubéola, sarampo, tétano. As pesquisas prosseguem para cura e prevenção de outras doenças (câncer, aids) inclusive para erradicação da pandemia provocada pelo coronavírus

A imunização consiste num conjunto de procedimentos para aumentar a resistência do organismo e assim proteger os pacientes contra doenças infecciosas. A vacina, a imunoglobulina e o soro anticorpos são utilizados nessa terapia. A aplicação deve atender às contraindicações. A vacina pode gerar reações adversas locais (dor, edema) sistêmicas (febre, mal-estar, cefaleia) ou alérgicas (grave, morte). O antígeno resulta de um processo artificial que inclui o cultivo do vírus e a manipulação de adjuvantes, estabilizantes e conservantes. 

À aplicação da vacina também se erguem barreiras culturais. As crenças religiosas e místicas que consideram sagrado o corpo humano como templo da alma, vedam medicamentes aos fiéis e adeptos (proíbem também, entre outras coisas, bebidas alcoólicas, certos alimentos, transfusão de sangue, saia curta, rosto descoberto, homossexualismo). Governantes com intenções eleitoreiras embaraçam a imunização (como acontece atualmente no Brasil). A bilateralidade atributiva característica da norma jurídica também pode dificultar a imunização. Ao direito do cidadão corresponde o dever da sociedade e do estado de respeitá-lo. Ao direito do estado de mandar (autoridade) corresponde o dever do cidadão e da sociedade de obedecer. Ao dever do estado de vacinar em massa corresponde o direito do cidadão de ser vacinado. Como titular desse direito subjetivo, o cidadão pode se recusar a exercê-lo em concreto sem perde-lo em abstrato (liberdade). Se tal recusa ferir direito fundamental de outro titular, portanto, do mesmo nível hierárquico no sistema jurídico, cabe à autoridade pública competente, no caso concreto, decidir qual deles deve prevalecer. 

A vida humana é essencial à existência da sociedade e do estado. Por isto mesmo e pela possibilidade de erro judiciário, a pena de morte não é adotada em alguns estados. Ante esse valor supremo, o crime contra a vida é o primeiro a ser tratado no Código Penal Brasileiro e o de maior impacto na sociedade (homicídio). No confronto entre, de um lado, o direito à vida e seu correlato direito à saúde e, de outro lado, o direito de liberdade, ocorrido no caso da pandemia provocada pelo coronavírus, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na sessão dos dias 16-17/12/2020, pela preponderância do direito à vida e à saúde. Tendo em vista a obrigatoriedade da vacinação determinada em lei, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF, o cidadão que exercer o seu direito de liberdade em sentido contrário ficará sujeito às sanções legais, destas excluídas a condução coercitiva e a violência física, vedado o emprego de força. Pais e responsáveis não podem impedir a vacinação das crianças e dos adolescentes. Em atenção ao federalismo cooperativo e à competência comum da união federal, dos estados federados e dos municípios nessa matéria, os 3 entes federativos poderão encetar a imunização. Quem pode os fins, pode os meios. 


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

VACINA

Na luta contra a pandemia, competindo entre si, laboratórios trabalham febrilmente para produzir vacinas no duplo objetivo: (i) social, de zelar pela saúde da humanidade (ii) econômico, de lucrar com a colocação do produto no mercado mundial. Além das dimensões social e econômica, o combate ao vírus também adquire dimensão política. Países disputam a primazia na compra dos produtos. A cada chefe de governo interessa agradar, obter a simpatia e o consenso da população. Vale qualquer negócio, por dentro e por fora. A fatura é paga pelo erário. Na confluência das três dimensões situa-se a corrupção moral. 

Aquisição, distribuição e aplicação da vacina dependem da sua existência. Notícias indicam que há pelo menos 4 vacinas diferentes e que nenhuma passou ainda pelo teste final, salvo a chinesa. A segurança das vacinas para a saúde não é plena, tal como qualquer remédio quimicamente produzido. Sempre há margem de risco, principalmente diante das distintas condições de saúde de cada indivíduo e da população de cada país e os prováveis efeitos colaterais e contraindicações. Enquanto a margem de risco não for tolerável, a vacina não deve ser ministrada ao paciente. Cabe às agências reguladoras nacionais e internacionais a aprovação de medicamentos e a concordância com as margens de risco. Depois de aprovada, a vacina é distribuída e aplicada. Do paciente, nada se há de exigir, salvo informações sobre a sua idade e seu estado de saúde. Por eventuais danos, respondem o fabricante e o distribuidor, conforme acordo entre as partes interessadas ou decisão judicial. 

No Brasil, todos os estados da federação e o distrito federal estão sob influência do vírus, com quase 7 milhões de pessoas infectadas e quase 200 mil pessoas mortas. Governantes nas esferas federal, estadual e municipal disputam exclusividade e autonomia para adquirir, distribuir e aplicar vacinas à população. Instalou-se batalha política semelhante à fiscal. Entre os seus provocadores está o autoritário, mentiroso, negacionista estúpido que ocupa a presidência da república; cria entraves à vacinação, seleciona fornecedor; cobre com o manto da política partidária, da disputa eleitoral e da safadeza, o gravíssimo problema de saúde pública. 

Do âmbito da administração pública a questão desembocou no Judiciário. Perante o Supremo Tribunal Federal: [1] o Partido Democrático Trabalhista (PDT) pede o reconhecimento da constitucionalidade da lei 13.979/2020, que autoriza a aquisição, distribuição e aplicação da vacina pelos estados e municípios [2] o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) pede a declaração de inconstitucionalidade da referida lei [3] o Partido Rede Sustentabilidade (REDE) pede que o governo federal apresente um plano de vacinação. Ao despachar, o ministro relator determinou a intimação do Presidente da República, do Ministro da Saúde, do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República. [ADI 6586, 6587 + ADPF 754]. 

A presidência da república apresentou o plano nacional de vacinação reclamado pela REDE na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). O plano foi impugnado por falta de identificação, cronograma e falsidade ideológica. Embora coubesse ao Presidente da República decidir sobre a oportunidade e a conveniência de elaborar o plano, o fato é que o pedido do autor da ADPF foi atendido. Esgotado o objeto da ação, extingue-se o processo. Aos juízes não compete avaliar se o plano é bom ou ruim. Eventuais defeitos devem ser debatidos no Legislativo. Nota-se que ficou em branco o espaço para indicar o elaborador do plano. Entretanto, o plano foi assinado pelo Ministro da Saúde; logo, existe a fonte e o responsável. Quanto aos colaboradores, não constam assinaturas. Portanto, não há falar em assinaturas falsas. Os nomes dos cientistas que figuram como colaboradores podem corresponder ou não à verdade, conforme se apurar no procedimento legal adequado. Tais nomes conferem autoridade científica ao plano. A falsidade ideológica poderá estar configurada se faltar autorização dos seus titulares (uso indevido de nome alheio). O cronograma depende dos fatos reais, de previsões e cálculo das probabilidades. O início da vacinação coletiva depende: (i) da existência da vacina (ii) da sua aprovação pela agência reguladora (iii) da sua posse e disposição (iv) da quantidade suficiente para todos ou para a maioria dos pacientes (v) dos meios necessários à boa e eficiente distribuição e aplicação das vacinas. 

As ações propostas pelo PDT e pelo PTB referem-se à mesma lei federal e aos mesmos preceitos constitucionais (vida, liberdade e saúde), porém, abordados por ângulos opostos. Os ministros federalistas votarão a favor da tese do PDT: os estados e municípios têm autonomia para elaborar o seu próprio plano de imunização e para adquirir, distribuir e aplicar as vacinas. Os ministros unitaristas votarão a favor da tese do PTB: é inconstitucional a lei que autoriza estados e municípios a comprar, distribuir e aplicar vacinas. Atendendo ao interesse nacional e ao direito da população, alguns ministros votarão a favor da obrigatoriedade da vacina. Atendendo ao interesse de cada cidadão e ao direito individual à liberdade, alguns ministros declararão ser facultativa a aplicação da vacina. Quem obtiver mais votos leva a taça.


quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

ESTUPRO FRUSTRADO

Estuprada algumas vezes por seu guardião, a Constituição brasileira foi novamente violentada na semana passada (01-06/dez). Duas mulheres e quatro homens impediram a consumação do delito: Rosa, Carmen, Mello, Fux, Barroso e Fachin. Ao ler o texto constitucional, pessoa de mediana inteligência fica sabendo que os deputados e senadores componentes das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não podem ser reeleitos para os cargos que nelas ocupam. Os votos contrários ao expresso comando da norma constitucional lançados neste e em outros casos, criaram a imagem (i) de uma assembleia de politiqueiros ao invés de uma corte de justiça (ii) de um permanente congresso constituinte ao invés de um tribunal de juízes de direito (iii) de legisladores sem mandato popular (iv) de violadores contumazes do constitucional princípio da separação dos poderes. Esse reincidente comportamento dos ministros recomenda a dissolução do Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto esta não acontece, nem a exoneração dos ministros (impeachment), os cidadãos podem exercer, ad cautelam, o seu natural direito à desobediência civil no tocante às decisões abusivas desse tribunal.  

Em artigo intitulado “Lamaçal Republicano” publicado neste blog (04/11/20) lê-se: “Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal movimentam-se para permanecer no cargo. Seus mandatos terminarão em janeiro/2021. Os dois mequetrefes pretendem reeleição expressamente vedada pela Constituição da República. Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse dos seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. [CR 57, §4º]. Como não se trata de cláusula pétrea, o óbice pode ser afastado por emenda à Constituição. Ante a supremacia da Constituição na hierarquia das leis, a norma regimental está em nível inferior. Portanto, a mudança nos regimentos internos da Câmara e do Senado para acolher a pretendida reeleição tem que aguardar a mudança na lei superior. Ainda que os interessados recorram ao STF, só uma decisão escatológica poderá salvá-los”. 

A “decisão escatológica” materializou-se nos votos de 5 ministros, mas não salvou os dois espertalhões. Sem pudor algum, o quinteto de ministros “interpretou” a norma constitucional como se mandato de 2 (dois) anos fosse igual a 4 (quatro) anos e a expressão vedada a recondução fosse equivalente à expressão permitida a reeleição. A aberração serviu para alertar o povo sobre a importância administrativa e política das chefias da Câmara e do Senado. Não é demais lembrar que (i) ao chefe da Câmara cabe assumir a presidência da república na ausência do presidente e do vice-presidente (ii) ao chefe do Senado cabe a chefia do Poder Legislativo. Afastada a reeleição, a esquerda provavelmente votará em bloco contra a hegemonia da direita nas duas Casas. Na correta opinião de Jobim, ex-presidente do STF, a matéria sequer merecia atenção do tribunal ante a clara e inequívoca redação da norma constitucional. No entanto, ao invés de indeferir a petição inicial “in limine”, o relator admitiu o processamento. Esse ato despertou suspeita. Ademais, a postulação disfarçava consulta. Responder consulta jurídica é atividade privativa dos advogados; vedada, pois, aos juízes. [Lei 8906/94, art. 1º, II]. 

Se a Constituição permite a reeleição do presidente da república por que há de proibir a reeleição dos congressistas? 

Como Fux, atual presidente do STF, bem acentuou, o lugar adequado para discutir essa questão é o Congresso Nacional e não o Judiciário. Houve motivo para o legislador constituinte vedar a reeleição dos congressistas naqueles cargos. Se novos fatos surgiram a exigir mudança, cabe ao Congresso Nacional, no uso da sua competência constituinte, emendar a Constituição. O aludido quinteto de ministros pretendeu usurpar competência privativa do Poder Legislativo. Não fora a reação das duas ministras e dos quatro ministros, o STF teria cometido novo abuso de poder. Essencialmente, a função judicante tem natureza política, qual seja, a de, em nome do estado e no devido processo jurídico, distribuir justiça mediante a racional, correta e serena aplicação das leis aos casos submetidos à apreciação dos juízes. Trata-se do exercício do poder estatal no campo jurisdicional incompatível com a política partidária. Lato sensu, quando praticada segundo a ampla extensão do conceito, a política implica discricionariedade, arbitrariedade e despotismo. Stricto sensu, quando praticada segundo a compreensão restrita do conceito, a política implica determinismo ético e jurídico.

Guardião da Constituição, o STF deve primar pelo respeito aos princípios e normas constitucionais. Jamais contraria-los. No caso em tela, ao sopro da política partidária, o quinteto exerceu o poder estatal além dos limites éticos e jurídicos vigentes na sociedade brasileira. Os abusos do STF asseguram-lhe lugar na História: o monturo. Justificam a sua dissolução. Em seu lugar, seria criada uma Corte Constitucional. Aos membros dessa Corte seriam exigidos: honestidade, decência, conduta ilibada, elevado nível cultural, idade mínima de 50 anos, respeito à ordem jurídica, distanciamento da política partidária, real e efetiva experiência como parlamentar, magistrado, advogado, defensor público, agente do ministério público, profissional de graduação superior civil ou militar (médico, engenheiro, economista, almirante, general, brigadeiro). Essa Corte seria composta de 21 membros assim distribuídos: 3 parlamentares, 3 desembargadores federais, 3 desembargadores estaduais, 3 agentes do ministério público, 3 advogados, 3 profissionais civis de formação universitária, 3 militares de alta patente. A escolha dos membros dessa Corte seria feita por comissão especial composta de cidadãos comuns e de agentes políticos e administrativos. A competência da Corte guardaria estrita sintonia com a sua finalidade. A competência do atual STF que não coubesse à Corte seria absorvida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Convocar-se-ia assembleia constituinte com o precípuo objetivo de criar a Corte Constitucional, reorganizar o Poder Judiciário, proibir expressamente julgamentos monocráticos nos tribunais, reconhecendo assim, o direito dos cidadãos ao exame colegiado dos seus recursos. 


sábado, 5 de dezembro de 2020

ELEIÇÕES V

Os resultados das eleições municipais de 2020 não são determinantes para as eleições estaduais e federais de 2022. Provavelmente, o desenho não será o mesmo. A influência do presidente da república nem sempre é decisiva como se viu nas eleições ora encerradas (29/11/2020). Nas eleições de 2022, tanto a direita como a esquerda, em proporções distintas, preencherão vagas nas assembleias legislativas, na câmara dos deputados e no senado federal, pois é assim que a banda toca. Cuida-se do território da incerteza onde grassa a quiromancia sensacionalista muito ao gosto de brasileiros ligados à magia e à adivinhação. Gangorra política. Nos EUA, ora o democrata fica no alto e o republicano no solo, ora acontece o inverso, segundo a pendular vontade dos eleitores de cada estado da federação. No Brasil, a direita tem ficado mais tempo no alto. Durante o período republicano (1889/2020) a direita esteve 114 anos no governo federal; a esquerda, 17 anos (1961/1964 + 2003/2016). A esquerda tem um crédito de 97 anos para ficar no alto e empatar com a direita. No regime democrático, a direita e a esquerda são partes legítimas no processo eleitoral; ambas têm o direito de participar do jogo político sintonizadas com as normas éticas e jurídicas em vigor. 

[O nazifascismo não tem esse direito. Essencialmente autocrático, portanto, antidemocrático, ele está em rota de colisão com a Constituição da República (Preâmbulo + Art. 1º)].

O Partido dos Trabalhadores (PT) desde a sua fundação tem sido o mais representativo da esquerda brasileira (1980/2020). Da sua costela saíram outros partidos formados por dissidentes. O citado partido continua vivo para tristeza daqueles que desejam a sua morte. Notam-se fortes e persistentes sentimentos de ódio e intolerância contra o PT; expedientes injuriosos, notícias falsas, comentários desairosos, referências capciosas. Campeiam inveja e preconceito contra o líder. Enfrentar esses ataques exigirá temporário recolhimento, repensar a prática partidária interna e externa, buscar soluções fundadas nas expectativas da massa popular, estabelecer diretrizes sob o consenso dos filiados no propósito de palmilhar o caminho a fim de mudar a desfavorável e injusta opinião do corpo eleitoral. 

Se é verdade que partido político não deve ter dono, também é verdade que o PT não deve prescindir da liderança, do carisma, da experiência, do conhecimento e da faculdade intuitiva de Lula. Ambições pessoais devem ser tratadas mediante a elevação do espírito de humildade, fraternidade, solidariedade, visando ao bem geral. Acautelar-se contra os vícios que caracterizam os tucanos e demais políticos da direita (desonestidade, vaidade, arrogância, inveja, mesquinhez, hipocrisia, violência). Essa fauna guia-se por oportunismo, sentimentos egoísticos e interesses particulares. Nela incluem-se políticos desassossegados que trocam várias vezes de partido, saltando da direita para a esquerda e desta para aquela, sem traço algum de pudor, coerência e sinceridade. 

Convém, às vezes, ainda que por breve tempo, fechar-se em si mesmo obedecendo a um imperativo posto pelas circunstâncias. Viver no interior do partido a amizade de modo autêntico, sincero, educado, amoroso, sinal positivo para eventual e satisfatória mudança estrutural e/ou funcional. Reunir lideranças internas e com elas planejar ações para serem executadas com entusiasmo e sem ufanismo. A unidade do partido é essencial ao fortalecimento. Associar-se a outros partidos é ato ocasional. A autoridade de Lula está sendo contestada. Isto agrada aos partidos da esquerda e da direita e a alguns setores da sociedade. A democratização do comando talvez seja uma das principais vias para o fortalecimento do partido. Todavia, o poder de decisão final na hipótese de divergência há de caber ao líder. O partido deve ajustar-se à constituição republicana, à coexistência do capital e do trabalho, às peculiaridades regionais, ao cenário internacional, aos efeitos da pandemia sobre os costumes, às novas necessidades, utilidades e prioridades nos campos social e geopolítico; estudar meios efetivos de atender a população sem ancorar na utopia socialista e no discurso ideológico rancoroso. Igualdade e liberdade estão equacionadas no sistema constitucional democrático do Brasil. 

De 2018 a 2020, o corpo eleitoral teve um acréscimo de 600 mil eleitores e agora se compõe de 147.918.483 (100% dos eleitores). Nestas eleições municipais compareceram às urnas: 113.757.199 (76,91% dos eleitores). Abstiveram-se: 34.161.284 (23,09%). Dos que compareceram às urnas, 3.909.363 votaram em branco (3,0% dos votantes) e 7.044.790 anularam o voto (6,21% dos votantes). Nas eleições municipais de 2016 houve maior número de comparecimentos (118 milhões) e menor de abstenções (25 milhões). Nas eleições presidenciais de 2018, houve 42 milhões de eleitores omissos (abstenções + votos em branco + votos nulos); nas eleições municipais de 2020 foram 45 milhões, aumento de 3 milhões. Os números são preocupantes e mostram que, no plano dos fatos, o voto facultativo abrange todo o eleitorado embora no plano do direito o voto facultativo seja privativo dos menores de 18 e dos maiores de 70 anos de idade. Seria conveniente o Tribunal Superior Eleitoral incrementar campanhas periódicas que salientem a importância do voto; despertem o espírito de cidadania; exibam imagens e citem reais exemplos das consequências negativas da omissão e da passividade; neutralizem o sentimento de revolta, as decepções, as desilusões, dos eleitores omissos e passivos. 

Em grandes e pequenos municípios, inclusive capitais como as dos estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, houve jogo sujo, revelando baixo nível moral dos políticos e dos seus partidos. Apesar disto, é necessário insistir no esforço para convencer os eleitores omissos e passivos de que pastor, missionário, padre, rabino, pai-de-santo, não são sinônimos de político honesto e capacitado. Por outro lado, mostrar que nem todo político é ladrão e safado. Insuflar razão no emotivo.