Na sessão do dia 29/10/2015, o Supremo Tribunal
Federal (STF) apreciou recurso extraordinário interposto pelo Ministério
Público do Distrito Federal (MPDF). Em discussão, a constitucionalidade de lei
distrital que disciplinou os condomínios fechados na Capital da República. O
MPDF sustentava que essa lei contrariou o plano
diretor de Brasília e, por conseguinte, violou o artigo 182 e seus
parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal. Pelo escore de 8 a 3, o plenário do STF julgou
constitucional a referida lei e improcedente a ação proposta pelo MPDF.
O interessante é que havia mais concordância do que
discordância entre os ministros, incluindo votos vencedores e votos vencidos.
Todos estavam de acordo sobre: (1) a importância do plano diretor para as cidades com mais de vinte mil habitantes; (2)
tratar-se de instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão
urbana que deve ser respeitado pelo legislador e pelo administrador; (3) a
necessidade de o proprietário urbano atender às exigências fundamentais de
ordenação da cidade contidas no plano; (4) o censurável hábito de se sobrepor o
interesse privado ao interesse da comunidade municipal no que tange à ordenação
do solo urbano e das vias públicas [edificações e comércio fora das especificações
e dos locais estipulados no plano diretor,
com a conivência dos servidores públicos (prefeitos, vereadores,
funcionários)].
O voto do ministro Tóffoli pautou-se pela brevidade e
objetividade, incluindo tese que foi admitida pela maioria dos ministros.
Censurou o caráter de repercussão geral
atribuído ao caso, tendo em vista as peculiaridades dos 5.575 municípios
brasileiros, o que não recomendava um tratamento genérico e centralizado.
Segundo a tese aprovada, lei municipal modificativa deve ser específica e
compatível com a lei municipal anterior que aprovou o plano diretor.
Cauteloso e técnico, o ministro Barroso lembrou a
regra geral da hermenêutica jurídica: lei
posterior revoga lei anterior. Assim, a lei municipal que aprova o plano diretor, em que pese ser este
plano um instrumento básico, poderá ser modificada ou revogada por outra lei
municipal. Barroso entendeu constitucional a lei distrital impugnada e que ao
STF cabia elaborar tese que justificasse o impedimento da vigência de uma lei
posterior incompatível com o plano
diretor.
Prudente e objetivo, o ministro Fachin, em voto
divergente, decidiu pela inconstitucionalidade da lei do Distrito Federal.
Afirmou que a lei modificadora do plano
diretor devia seguir os mecanismos jurídicos que condicionam a elaboração
desse tipo de lei municipal. Posicionou-se contra a tese vencedora.
As diretrizes gerais da política de desenvolvimento
urbano devem ser fixadas em lei, conforme dispõe a Constituição da República
(art. 182). O Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República,
fixou tais diretrizes na lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) que regulamentou os artigos 182 e 183 da
Constituição. Em prol do bem coletivo, da segurança, do bem-estar dos cidadãos
e do equilíbrio ambiental, essa lei federal estabeleceu normas de ordem pública
e de interesse social reguladoras do uso da propriedade urbana.
Fundado nos princípios constitucionais e nas normas
ditadas por essa lei federal, cada município com mais de vinte mil habitantes
institui o seu plano diretor mediante
lei municipal. No processo de elaboração desse plano, os poderes Legislativo e
Executivo municipais devem garantir: (1) a realização de audiências públicas e
debates com a participação da população e de associações representativas dos
vários segmentos da comunidade; (2) a publicidade quanto aos documentos e
informações produzidos; (3) o acesso de qualquer interessado a tais documentos
e informações.
O plano diretor
deve respeitar a forma e o conteúdo previstos no Estatuto da Cidade. A lei
municipal não pode discrepar da lei federal nesta matéria, sob pena de incorrer
em ilegalidade. Lei
posterior que derroga, revoga ou de algum modo altera a lei anterior que
aprovou o referido plano, deverá ser compatível, na forma e no conteúdo, com a
lei federal. Deverá, portanto, ser precedida de audiência pública, debates,
publicidade dos documentos (laudos técnicos, pareceres, projetos) e das
informações (estatísticas, equipamentos, recursos). Do ponto de vista substancial,
a alteração não pode ser estranha aos objetivos do Estatuto da Cidade.
No caso examinado pelo STF, a questão da legalidade
devia preceder a questão da constitucionalidade. Não ficou claro se a lei do Distrito
Federal que modificara o plano diretor
atendeu ou desatendeu aos requisitos formais e materiais do Estatuto da Cidade.
Se o legislador distrital cumpriu as determinações da lei federal, então, agiu
legal e legitimamente. Se não cumpriu aquelas determinações, incorreu em
ilicitude e, de modo reflexo, contrariou a norma constitucional regulada pela
referida lei (10.257/2001).
Aqui, no Município de Itatiaia, Estado do Rio de
Janeiro, onde sou domiciliado, o plano
diretor foi revisto. Houve publicidade e amplo debate com a população nos
diferentes bairros e na Câmara Municipal. Associações de bairros e entidades
representativas dos vários setores da comunidade foram ouvidas. Prefeito e
secretários municipais estiveram presentes às reuniões. O projeto de lei foi
discutido com a municipalidade. Respeitou-se, pelo menos, formalmente, a lei
federal (Estatuto da Cidade). A nova lei municipal revogou a anterior e
instituiu novo plano diretor. O
futuro dirá se o novo plano será bem executado e se a azáfama em torno da sua
elaboração não foi encenação politiqueira visando, por exemplo, a reeleição do
prefeito e dos vereadores.
Tendo em vista os costumes brasileiros, não se
descarta a hipótese, altamente provável, de modificações introduzidas nos
trâmites finais do projeto de lei a pedido de alguma indústria, de comerciantes,
de empresários do ramo de transporte urbano ou dos setores imobiliário e
hoteleiro. Encarta-se na probabilidade, o recebimento de dinheiro pelo
prefeito, pelos secretários, vereadores e partidos, para introduzi-las. Mais
grave do que a gorda propina será o fato de essas patrocinadas modificações
colidirem com o interesse geral da comunidade.