domingo, 24 de setembro de 2023

O RETORNO DO TORNEIRO

No discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva proferido no dia 19/09/2023 na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) temas sensíveis foram abordados, tais como: democracia, direitos humanos, autodeterminação dos povos, não-intervenção, igualdade entre os estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, cooperação entre os povos, repúdio ao racismo e ao terrorismo. O presidente: 
1. Criticou: (i) os excessivos gastos com a guerra comparados com os gastos da paz (ii) a seletividade do Conselho de Segurança da ONU conforme a potência de cada estado (iii) a demora no cumprimento dos objetivos da agenda 2030 (iv) o  protecionismo dos países ricos e a consequente estagnação da Organização Mundial do Comércio (v) a desproporção nas ajudas prestadas pelo Fundo Monetário Internacional. 
2. Cobrou dos países ricos: (i) ajuda financeira para a solução dos problemas na amazônia (ii) empenho em escala planetária na defesa do meio ambiente, na erradicação da fome e da pobreza, na redução das desigualdades sociais e econômicas. 
3. Acentuou a necessidade de: (i) fortalecer os sindicatos (ii) igualar os salários de homens e mulheres que desempenham a mesma função (iii) facilitar acesso das camadas vulneráveis de cada povo à educação, à saúde e à cultura (iv) justa distribuição da riqueza, tanto no interior de cada estado como entre os estados (v) tributar os ricos. 
4. Atribuiu culpa ao neoliberalismo pelas desigualdades econômica e política nas democracias. 
Causa estranheza o elogio ao discurso do presidente feito por jornalistas da média corporativa nacional de direita que habitualmente atacam o líder progressista. Ao vivo, na TV, alguns desses jornalistas balbuciam, têm dificuldade para concatenar ideias, vocabulário pobre e mal-empregado. Disfarçam a mediocridade com poses emolduradas com vestes e calçados de griffe. Eles são “a voz do dono” [RCA Victor]. “Lula fez um discurso perfeito”, diz um; “belíssimo”, diz outra, “de Chefe de Estado” acrescenta com ênfase e entusiasmo como se o presidente da república, além de chefe de governo, não fosse também chefe de estado. A direita tem enorme dificuldade de respeitar Lula como chefe de estado e chefe de governo. O preconceito é muito forte. A elite branca civil e militar não se conforma com o status político do torneiro mecânico nordestino pobre sem curso universitário. O grupo globo marinho e seus jornalistas amestrados não se cansam de tramar golpes contra o governo. Todos eles, amestrados e amestradores, merecem ser processados judicialmente por tal ação política subversiva e injuriosa. Não só o jornalista e a empresa devem ser punidos, mas, também, o dono da empresa, cuja vontade se expressa na politica interna por ele estabelecida, caso em que se aplicam a teoria do domínio do fato e o preceito legal do concurso de pessoas. 
O presidente ressaltou a importância da liberdade de imprensa sem mencionar o exercício criminoso dessa liberdade. Em nome da liberdade de informação, ele fez corajosa defesa do jornalista australiano Julian Assange que está sob custódia da polícia londrina desde 2019, preso por haver publicado, em 2010, no WikiLeadks [site fundado pelo jornalista] vários documentos sigilosos do governo dos Estados Unidos da América. A direita está feliz também porque o presidente não censurou a Ucrânia, não elogiou a Rússia e nem falou em combater a corrupção. Aliás, no Brasil, “combate à corrupção” é bandeira da canalha corrupta que coordenou e financiou a fraudulenta operação lava-jato. Ao governo legal, legítimo, honesto e ativo, compete lutar contra todos os crimes, quer os praticados por pobres e pretos, quer os praticados por ricos e brancos. 
Nota-se um tom imperialista em alguns trechos do discurso que parecem sugerir aos outros estados o modelo constitucional brasileiro. Todavia, entre os membros da ONU há repúblicas democráticas e autocráticas; há monarquias democráticas e autocráticas; há povos cristãos, muçulmanos, budistas, hinduístas. A cultura desses povos deve ser respeitada se a proposta de paz for séria. Nesse contexto, a referência feita no discurso sobre o estado de direito foi inoportuna e equivocada. As nações componentes da ONU estão política e juridicamente organizadas. Portanto, são estados de direito ainda que não se encaixem no figurino ocidental. O presidente referia-se, talvez, ao estado democrático de direito. No entanto, compete a cada nação decidir sob qual modelo político pretende viver, sem exigir que as demais nações também o adotem. Há, por exemplo, nações em que: (i) a religião condiciona a política e a forma de governo (ii) dinastias governam desde as origens históricas por direito próprio e tradicional. 
Outros reparos: 
1. O presidente dirigiu condolências aos mortos, vítimas do infortúnio que menciona, invés de dirigi-las aos vivos (parentes e amigos). Pêsames são dados a alguém vivo em virtude da morte de outrem. 
2. Falta sentido à frase “A extrema direita surge dos escombros do neoliberalismo”. A extrema direita não surge de entulho e sim da divisão ideológica e política no seio da sociedade. Trata-se do posicionamento político estável e ideológico de um grupo humano radical, autocrata, nacionalista, racista, sexista, violento, conservador das desigualdades, adepto do capitalismo selvagem, inimigo figadal do socialismo, que se vale das crises sociais e econômicas para subverter a ordem jurídica vigente. 
3. A frase “O Brasil voltou” soa como jactância. Só volta quem antes partiu. O Brasil nunca saiu do seu território e nem da ONU. Quem saiu do governo foi o governante autoritário de extrema direita derrotado nas eleições de 2022. Quem retornou ao governo e à cena internacional foi o torneiro democrata.

domingo, 17 de setembro de 2023

ÉTICA NO FUTEBOL

O agir humano rege-se por impulsos instintivos e por normas convencionais. A origem dos impulsos é irracional. O pensamento, o sentimento, a vontade e a experiência dos humanos estão na origem das normas convencionais de natureza moral (obediência livre) e de natureza jurídica (obediência obrigatória). Desobedecer às regras morais enseja censura pela família e pela sociedade. Desobedecer às normas jurídicas enseja punição pelo estado. A desobediência também pode ser reprovada pelo tribunal da consciência. As normas jurídicas produzidas pelo estado são de maior extensão e estão contidas nas leis. As normas jurídicas produzidas pela sociedade são de menor extensão e estão contidas nos contratos. Inato, o senso moral está presente tanto na produção das normas jurídicas como na produção das normas éticas.

O refinamento intelectual distingue Ética e Moral. No entanto, a real distinção limita-se à origem das palavras. Ética vem do grego ethos. Moral vem do latim mores. Ambas têm o mesmo significado: costume, conjunto das regras de conduta obedecidas constante e historicamente como se fossem escritas e obrigatórias. Em nível prático, Ética ou Moral compõe-se dessas regras que orientam o comportamento humano. Em nível teórico, Moral ou Ética é a ciência do bem e do mal, estudo metódico e sistemático desse fenômeno cultural normativo.

A universal lei do movimento atua não só no mundo da natureza como também no mundo da cultura. Os costumes mudam conforme as vicissitudes sociais, econômicas e políticas das diversas nações no curso dos anos e séculos. Na cultura ocidental, valores morais como justiça, bondade, veracidade, honestidade, estão dominados pelo utilitarismo. O bem e o mal são vistos através da lente econômica e mudam de posição conforme mudam os interesses. Disto, resultou um pragmatismo divorciado dos preceitos morais que, de um modo geral, inseriu-se no lar, na escola, na empresa, no clube, enfim, nas instituições civis, militares e religiosas.

No setor esportivo, ocorrências publicadas na imprensa revelam a fraqueza moral de atletas, treinadores e dirigentes. Recentemente (2023), um jogador acusado de agredir a namorada foi excluído da seleção brasileira enquanto outro jogador, acusado de estuprar a namorada, foi incluído na seleção brasileira. O critério moral do treinador e dos dirigentes mostrou-se flutuante. Certamente, a pecúnia é brisa que sopra nessa biruta. Provavelmente, por constatar essa realidade, o apresentador do programa “Os Donos da Bola”, da TV Bandeirantes, distinguiu a seleção da CBF da seleção idealizada por ele, notável craque do passado que, no presente, afoito e mal-educado, interrompe os convidados quando estão falando e opinando. A distinção permite os acréscimos: [1] Na seleção da CBF pesa mais o dinheiro no preenchimento das vagas [2] Na seleção do povo pesam mais o bom caráter, a honestidade, o talento, o refinamento técnico e a eficiência dos jogadores [3] A seleção da CBF é real [4] A seleção do povo é virtual.

Nas competições eliminatórias para a Copa do Mundo/2026, partida Brasil x Bolívia, por haver tirado doce das mãos de criança, o artilheiro foi considerado gigante pelo treinador. Com base em petulante enganação, o jogador recebeu – sem merecer – placa de maior artilheiro da seleção brasileira por ter supostamente superado a marca de Pelé. Na ocasião, o jogador disse que a placa não significava ser ele melhor do que Pelé. Isto nem precisava ser dito, salvo por falsa modéstia. Ele nunca foi melhor do que Pelé, Garrincha, Zico, Romário, Ronaldo Nazário e Ronaldinho Gaúcho. Isto sem falar de outros notáveis como Domingos da Guia, Djalma Santos, Nílton Santos, Carlos Alberto, Gérson, Júnior, Falcão, Sócrates, Ademir da Guia, Didi, Zizinho, Ademir Menezes e Leônidas. Perto destes, quer como pessoa, quer como atleta e cidadão, o emplacado é nanico.

No que tange à artilharia da seleção, o trono ainda é de Pelé com 95 gols. Seguem-se: Neymar com 79 gols, Ronaldo Nazário com 67, Zico com 66, Romário com 56. Outro é o cenário que resulta do cálculo proporcional [mais adequado para esse tipo de classificação] quando é considerada a quantidade de jogos dos quais cada jogador participou. A lista dos maiores artilheiros da seleção tem as seguintes médias: Pelé 0,93; Romário 0,77; Zico 0,68; Ronaldo 0,63; Neymar 0,62.

A lógica matemática não mente, porém, os falsificadores manipulam os números segundo os seus interesses. Eles surrupiaram 18 gols feitos por Pelé em jogos da seleção a fim de que o “gigante” deles pudesse ultrapassá-lo. Argumentaram que gols feitos em jogos da seleção contra clube ou contra selecionado de clubes não podem ser computados na artilharia. Tal vedação não consta do código do futebol e nem dos bons costumes. No futebol, artilharia é arma de ataque. O artilheiro toca na bola (chute, cabeceio) imprime força e velocidade à bola (projétil) arremessando-a contra o gol adversário (alvo). O êxito desse movimento (passagem da bola para o espaço interior das traves) entra para o cabedal do artilheiro, pouco importando se aconteceu em jogo amistoso ou de campeonato, se o adversário era um clube, um selecionado de clubes ou uma seleção nacional. 

Retirar, em proveito próprio ou de terceiros, gol da conta do artilheiro, tipifica ato ilícito sob o prisma moral e jurídico. O “gigante” deles escorou-se no prestígio de Pelé. Na carreira, o “gigante” também está longe de alcançar a marca de Pelé (1.282). Antes de pendurar as chuteiras, jogando mais deitado do que em pé [royalties para Casagrande], mais andando do que correndo, o “gigante” talvez chegue à marca do Romário. Ao sair da Europa, o “gigante” causou alívio aos europeus. Isto indica que o patrimônio material ainda não aniquilou o patrimônio moral de uma parcela da humanidade. Isto também lembra que Gulliver só era gigante no país dos liliputianos.

domingo, 10 de setembro de 2023

RECLAMAÇÃO

Na esfera judicial, reclamação é um processo jurídico destinado (i) a preservar a competência dos tribunais ou (ii) a garantir a autoridade das decisões dos tribunais. Baseado no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva reclamou contra o Juízo da 13a Vara Federal de Curitiba por descumprir ordens do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o acesso da defesa dele às provas no bojo da famigerada operação lava-jato. O reclamante insistiu no acesso e requereu a declaração de nulidade dos atos lá praticados. Inicialmente, o relator da reclamação deferiu os pedidos (i) de acesso ao material probatório e instrutório da ação penal e do acordo de leniência e (ii) de suspensão do prazo para alegações finais no processo da ação penal. Posteriormente, em definitiva decisão de mérito, o relator (i) confirmou a decisão inicial (ii) julgou prejudicado o pedido de declaração de nulidade dos atos praticados naqueles processos (iii) entendeu suficiente a suspensão do prazo das alegações finais e (iv) estendeu o acesso aos elementos conexos ainda que se referissem a outras pessoas jurídicas além da Odebrecht. 
Encerrado o processo de conhecimento por essa definitiva decisão, o relator se aposentou. Restava a execução do julgado. Entretanto, o novo relator reabriu a cognição. A marcha processual retrocedeu. Foram incluídos no processo: (i) o Juízo da 10ª Vara Federal de Brasília (ii) a Diretoria-Geral da Polícia Federal (iii) as mensagens apreendidas na operação spoofing (hacker). Tais mudanças violam as regras (i) da progressividade da marcha processual e (ii) das imutabilidades do pedido inaugural do processo e da coisa julgada. Em atenção ao princípio do contraditório, a parte contrária e o ministério público deviam ser cientificados da mudança operada no pedido inicial. 
O novo relator decretou a imprestabilidade: (i) das provas produzidas a partir do acordo de leniência e (ii) de todos os elementos que dele decorrem em qualquer âmbito ou jurisdição. Determinou, ainda, que fossem apresentados ao tribunal os conteúdos integrais: (i) à Diretoria Geral da Polícia Federal, das mensagens apreendidas na operação spoofing e todos os seus anexos e apensos (ii) ao Juízo da 10ª Vara Federal de Brasília, das referidas mensagens (iii) ao Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, dos documentos, anexos, apensos, relacionados ao acordo de leniência.
Os relatores atual e anterior queixaram-se do descumprimento das suas ordens, apesar dos ofícios enviados. Parece que os queixosos temiam a força dos nazifascistas da república de Curitiba. Ter medo é natural, porém, diante do relevante papel da magistratura na sociedade, o juiz não pode ser medroso, tem que vencer a fraqueza e não ocultar a sua tibieza sob aparência de delicadeza, de educação refinada, de bom-mocismo. Diante da recalcitrância dos desobedientes, os ministros tinham o dever de usar o poder jurisdicional e expedir mandado de busca e apreensão com ordem de prisão a quem oferecesse resistência. Se constatada conivência da polícia federal, eles requisitariam força ao comandante do exército para o eficaz cumprimento das ordens judiciais.
Nos fundamentos da decisão proferida pelo novo relator há dados cujo lugar adequado é o relatório. Na forma da lei: [1] Do relatório devem constar: (i) os nomes das partes (ii) o resumo do pedido da parte autora e da resposta da outra parte (iii) as principais ocorrências no curso do processo [2] Dos fundamentos devem constar as questões de fato e de direito conformadoras da lide [3] Do dispositivo deve constar a solução dada nos limites em que a lide foi proposta. A decisão judicial deve respeitar os lindes do pleito, estribar-se na prova e aplicar o direito com serenidade e imparcialidade. Dispensável mencionar os esforços do juiz na direção do processo. Basta contá-los na hora do lanche dos magistrados. A prova não pode ser utilizada se o modo da respetiva aquisição for ilícito, consoante vedação constitucional. Cabe exceção quando, apesar da mácula, a prova for essencial à inocência do réu. 
A prolixidade da decisão do novo relador [71 páginas para o relatório + 60 para os fundamentos + 3 para o dispositivo] é desproporcional à simplicidade do caso: acesso a provas obstado por juízes e procuradores embora autorizado pelo tribunal. Nota-se excesso de transcrições, algumas repetidas. O atendimento à condição estabelecida no RISTF para decisões monocráticas mostra-se insatisfatório. As graves consequências da decisão (anulação de processos, violação da coisa julgada) recomendam julgamento colegiado. Na decisão do mérito, o antigo relator indeferiu o pedido de declaração de nulidades. Em descabida e deselegante revisão horizontal, o novo relator revogou a definitiva decisão do colega quando a competência revisional era da Turma e do Tribunal Pleno. 
As apreciações do novo relator sobre: (i) a operação lava-jato, ovo da serpente, armação com fins políticos (ii) o fabuloso movimento de dinheiro (iii) a intervenção estrangeira (iv) a prisão injusta (v) o clamoroso erro judiciário [erro proposital, diga-se de passagem], correm à margem da causa petendi, sem tipificar razões próprias do ato judicial de decidir o mérito da lide efetivamente proposta. O cenário exibido pelo novo relator retira a validade das confissões. Aliás, confissão perdeu o trono de rainha das provas. O uso corriqueiro de constrangimentos físico e psicológico para obtê-la acabou por desvalorizá-la e a exigir do juíz redobrados cuidados, inclusive o de recorrer a entrevistas pessoais a fim de certificar-se da liberdade e da espontaneidade do agente ao manifestar a sua vontade de confessar. 

Código de Processo Civil. 2015. Artigos 329 + 489/494 + 988/993.
Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Artigos 5º: LIV, LV, LVI + 142. 
Supremo Tribunal Federal: Regimento Interno. 1980. Artigos 156/162. + Súmula Vinculante 14 +  Reclamação 43.007-DF. 2ª Turma. 

domingo, 3 de setembro de 2023

PODER MODERADOR & JUDICIAL

O anseio por liberdade e poder faz pulsar a vida na comunidade humana. Liberdade vista como o poder de alguém agir sem peias, segundo diretrizes da sua vontade e da sua consciência. Poder visto como aptidão e livre disposição do sujeito (individual ou coletivo) para, com eficácia, criar, manter, modificar e extinguir coisas. Na sociedade organizada, liberdade e poder estão disciplinados por regras técnicas e normas de direito. Os costumes e as convenções sociais também orientam a conduta de governantes e governados. Nas democracias, o poder dos governantes se distribui entre órgãos distintos e independentes entre si a fim de garantir a liberdade dos governados.
Na monarquia brasileira (1822/1889) o poder político distribuía-se em quatro funções: moderadora, legislativa, executiva e judicial. A função moderadora, considerada chave da organização política, coube ao imperador. O objetivo era zelar pela independência, equilíbrio e harmonia dos outros três poderes. Moderação vista como virtude de apaziguar, mediar divergências, evitar abusos e excessos. O poder moderador consistia em (i) nomear senadores (ii) convocar a assembleia geral em caráter extraordinário (iii) sancionar as normas elaboradas pela assembleia geral para que adquirissem força de lei (iv) aprovar e suspender resoluções das assembleias provinciais (v) prorrogar ou adiar a assembleia geral e dissolver a câmara dos deputados (vi) nomear e demitir livremente os ministros de estado (vii) suspender magistrados (viii) perdoar e moderar penas de sentenciados (ix) conceder anistia. [Constituição Imperial. 1824. Art. 101].
Na república brasileira (1889/2023) o poder político distribuiu-se em três funções: legislativa, executiva e judicial. Nos períodos autocráticos (1889/1894 + 1930/1945 + 1964/1985) as funções legislativa e executiva seguiam a bússola da presidência da república. As decisões judiciais eram cumpridas enquanto não contrariassem os autocratas. No governo autocrático civil, militar, ou misto, não há falar em moderação ante a natureza ditatorial do poder. Nos períodos democráticos, a função moderadora é exercida pelos três poderes mediante a técnica dos freios e contrapesos (controle recíproco). Atribuições moderadoras do imperador passaram, mutatis mutandis, ao presidente da república. Poder moderador ao lado ou acima dos três poderes caracteriza anacronismo incompatível com a jurídica ordem constitucional em vigor. A soberania nacional é exercida exclusivamente pelos três poderes constituídos. As forças armadas são subalternas a esses poderes, têm por base a hierarquia e a disciplina e por objetivo a segurança nacional sob o comando supremo do presidente da república. Elas têm poder político quando, sob novo regime, livram-se da subordinação ao Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário.
O fato de serem instituições permanentes não significa que as forças armadas sejam soberanas e/ou tutoras da república. A vigente Constituição não lhes dá esse poder. A maliciosa e enviesada interpretação do artigo 142 não se sustenta diante da interpretação gramatical e sistemática. Elas já tiveram poder quando se espelharam no caudilhismo das republiquetas latino-americanas e golpearam governos legítimos em 1889/1894 +  1964/1985 + 2016/2022. Fora desses períodos, elas serviram a governo civil autocrático em 1930/1945 e a governo civil democrático em 1946/1963 + 1988/2015, como garantia dos poderes da república na ordem interna e a defesa da pátria nas relações externas. 
Afirmar que as forças armadas são “carreiras de estado” é falácia igual à do “poder moderador”. Trata-se de falsa distinção entre administração do governo e administração do estado a fim de justificar desobediências e pretensas supremacias. Convém lembrar que sem governo não há estado, sem povo não há estado, sem território não há estado. Governo, povo e território são os essenciais elementos do estado. Não há estado como entidade separada dos seus elementos constituintes. A legislativa, a executiva e a judiciária são funções do governo lato sensu, por isto mesmo, funções do estado. Magistratura, ministério público, tribunal de contas, tribunal marítimo, forças armadas, forças de segurança pública, são instituições do governo lato sensu, por isto mesmo, instituições do estado. O pessoal de cada instituição está organizado em carreira, trilha ascensional de cargos e postos que os servidores civis e militares percorrem durante as suas vidas (carreira judiciária, diplomática, burocrática, militar, policial). A ascensão na carreira obedece aos critérios de merecimento e antiguidade. Na instituição militar há carreira de servidor fardado e carreira de servidor paisano. 
Na função judicial, aplica-se o direito ao caso concreto. Exercem-na os parlamentares no caso de impeachment e os juízes togados nos demais casos. As decisões devem estar alicerçadas (i) na criteriosa análise dos fatos (ii) na inteligência, sensibilidade e consciência dos julgadores (iii) na Constituição, na lei, no costume e nos princípios gerais de direito. 
Se alguém for nomeado juiz togado sem prévio concurso público não deverá, por gratidão e/ou comunhão ideológica, ficar submisso a quem o nomeou. A judicatura exige juízes independentes. Posição postulatória de advogado não se confunde com posição julgadora de magistrado. 
Afigura-se oportuno lembrar o caso Prestes. O notável advogado de defesa situava-se à direita do espectro político, era conservador e católico fervoroso. O seu cliente era engenheiro militar, capitão do exército, ateu, culto, carismático, revolucionário, situava-se à esquerda do espectro político, líder comunista entre os maiores da América. 
Cabe ao advogado, independente das suas convicções filosóficas e religiosas, o dever moral e profissional de salientar os direitos do seu cliente e defende-lo contra ilegalidades, abusos das autoridades e excessos de poder.