domingo, 28 de maio de 2023

APOCALIPSE

O livro sagrado dos cristãos chama-se Bíblia, coleção de livros organizados em ordem cronológica e reunidos em dois blocos: [1] Antigo Testamento (AT) composto de 46 livros relativos à cultura hebraica [2] Novo Testamento (NT) composto de 7 livros relativos à cultura cristã. O conteúdo dos livros consiste em: [i] narrações históricas [ii] exaltação épica de episódios e de personagens de um povo [iii] literatura mundana (romance, poemas, ensaios, epístolas) [iv] literatura religiosa (mandamentos, orações, sermões, milagres) [v] regras éticas e jurídicas. Nos textos bíblicos há o pressuposto da escrita “sob inspiração de deus”. O selo da divindade outorga autoridade aos livros e torna convincentes as fantasiosas narrativas. Deus não mente. Aqueles que escrevem esses livros e/ou se autoproclamam mensageiros de deus é que são os mentirosos, estelionatários da fé religiosa, acumuladores de riquezas aqui na Terra. Na realidade, a “palavra de deus” é a palavra de homens cujo propósito é o de seduzir a massa ignara. 
A falta de certeza sobre os autores desses livros foi denunciada por Thomas Hobbes no seu clássico livro intitulado Leviatã (Madri. Editora Nacional. 1979. Pag. 448/454). Ele demonstrou que os livros foram posteriores aos acontecimentos e nenhum foi escrito pelos respectivos protagonistas. O Pentateuco (5 primeiros livros do AT) por exemplo, não foi escrito por Moisés. O filósofo inglês reproduz versículos do capítulo 14, do livro Esdras II (Neemias) da Bíblia, no qual o erudito judeu afirma ter escrito o Pentateuco sob inspiração do espírito santo, porque os originais tinham sido queimados. Esse capítulo 14 sumiu das modernas edições da Bíblia.   
Jesus, profeta israelita, nada deixou por escrito, nenhum evangelho, nenhuma carta, nenhum bilhete. Tudo foi ditado ou escrito por seus apóstolos e discípulos. Os analfabetos formavam a maioria da comunidade cristã. [O analfabetismo campeava nas idades antiga, clássica e medieval, incluindo ricos, remediados e pobres]. Os apóstolos e discípulos analfabetos ditavam as suas versões aos escribas, minoria que sabia ler e escrever e conhecia as leis do estado. Portanto, a fidelidade às palavras do profeta dependia: (i) dos ouvidos, do entendimento e da memória dos apóstolos e discípulos que o conheceram e com ele conviveram (ii) do filtro dos escribas daquilo que lhes era ditado. A partir do século IV (301-400), seleções, interpolações e ajustes hermenêuticos foram realizados nos textos religiosos pelo sacerdócio católico. O NT ficou composto de 4 evangelhos + atos dos apóstolos + 21 cartas + Apocalipse. O evangelho de Jesus destina-se aos pobres (Mateus 11:5). Servos, ovelhas, rebanho, expressões ali utilizadas para designar os pobres supõem a existência de um sujeito dominante. Quem tem servo é o dono da gleba. Quem tem ovelhas é o dono da fazenda. Quem conduz o rebanho é o pastor. Ser dono e ser pastor implica poder. Tratar o ser humano como animal irracional submetido ao poder do dono e do pastor é aviltante.
Destarte, paira incerteza sobre a autenticidade das mensagens atribuídas ao profeta. Suprema blasfêmia é afirmar ser Jesus a encarnação de deus. Muito do que está escrito no NT provavelmente não saiu da boca desse profeta e sim (i) da tradição hebreia muito forte no “apóstolo” Paulo e (ii) da interpretação dos exegetas. Paulo tinha servido à autoridade judia, seguia a religião judaica e perseguia os cristãos antes de aderir ao movimento. Depois de trair o estado judeu, Paulo, que não conheceu Jesus, autoproclamou-se apóstolo a fim de competir na comunidade cristã com a liderança de Pedro, apóstolo da primeira hora que convivera com o profeta. Paulo promoveu a expansão do cristianismo fora da Palestina [dentro, ele seria preso por deserção]. Ao estabelecer as bases estruturais e funcionais da nova seita, ele fundou a igreja católica. Essa organização submete a massa popular à elite sacerdotal. A submissão é obtida pelo terror, pelo imperativo de temer a deus, pelo medo do castigo divino que inclui padecimento da alma no inferno. A submissão do povo facilita o acesso da classe sacerdotal ao poder político. Disto, há exemplos nas antigas e nas modernas civilizações. Cabe lembrar: Islã significa submissão
O AT é o campeão desse processo social terrificante. As apavorantes mensagens partem de um deus tenebroso, vingativo, cruel, genocida, chamado Javé (Jeová para os protestantes cristãos). Enquanto a seiva do AT é ódio, guerra, sofrimento, castigo, a seiva do NT é amor, paz, bem-aventurança, perdão. No AT prevalece o materialismo; no NT, o idealismo. O primeiro livro do AT, intitulado Gênesis, abordou a criação do mundo. O último livro do NT, intitulado Apocalipse, abordou o fim do mundo. Os dois livros foram esterilizados pela ciência moderna. Ao explicar o fato de não seguir a religião dos seus pais (judaísmo), Einstein se referiu aos textos bíblicos como “contos da carochinha”. 
A autoria do Apocalipse é atribuída ao apóstolo João, que o teria escrito ou ditado no início do século II, quando estava foragido na ilha de Patmos (Turquia). Dizendo-se “arrebatado em êxtase” o apóstolo afirma ter escutado voz forte de alguém semelhante a Jesus, postado no meio de 7 candelabros. Não mencionou goiabeira, oliveira, figueira, nem árvore alguma. Do fantasma descrito como um robô ou uma nave metálica, ele recebeu instruções. Da plácida leitura, verifica-se que se trata de um livro confuso, atabalhoado, saído de uma mente perturbada. Nos anos 100-110, João estava idoso, possivelmente senil, quando escreveu ou ditou esse livro. Apocalipse significa revelação, palavra inicial do livro que leva esse nome. “Revelação de Jesus Cristo, que lhe foi confiada por Deus para manifestar aos seus servos o que deve acontecer em breve”. O fim de 2 trilhões de galáxias tarda a acontecer. O fim da vida no planeta Terra poderá ocorrer: (i) dentro de alguns milhões de anos quando acabar o combustível do Sol (ii) antes disto, em consequência (a) de guerras nucleares ou (b) de colisão com corpos celestes. Eventos com destruição em larga escala são vistos como apocalípticos, inclusive as guerras santas cristãs e islâmicas e as guerras profanas mundiais e imperiais. Líderes religiosos como Maomé e o papa Urbano II, e líderes profanos como Átila, Gengis Khan e Hitler, são vistos como anjos do apocalipse. 

Resumo dos livros bíblicos encontra-se neste blog, meses de março e abril de 2011, sob o título RELIGIÃO. 

domingo, 21 de maio de 2023

CANCELAMENTO

Na sessão do dia 16/05/2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por unanimidade, cancelou o registro da candidatura de Deltan Martinazzo Dallagnol, deputado federal eleito pela colônia fascista do Paraná. A decisão veio assentada na Constituição da República (direitos políticos), nas leis complementares 64/1990 (inelegibilidades) e 135/2010 (ficha limpa) e nos seguintes itens da vida pregressa do candidato: (i) condenações às penas de advertência e censura em processos disciplinares (ii) 15 processos disciplinares inacabados cujos procedimentos foram interrompidos em razão da exoneração voluntária (iii) fatos públicos e notórios de suma gravidade. Os juízes entenderam que o objetivo da voluntária exoneração foi o de escapar da inelegibilidade prevista nas leis complementares. 
Fugir da polícia não faz do bandido um inocente que merece ficar impune. A fuga não configura justa causa para extinguir a punibilidade. Isto vale também para o funcionário que pede exoneração do cargo público para fugir da punição. Amparado nas garantias constitucionais, o funcionário tem o individual direito à exoneração voluntária, ainda que estejam em trâmites processos disciplinares. Embora exonerado, ele responderá pelas consequências das suas escolhas e dos seus atos. Do acórdão do TSE, verifica-se que o direito de pedir exoneração não amparou a intensão do procurador de fugir da incidência da lei que comina a pena de cancelamento do registro da candidatura. A exoneração situa-se na instituição à qual o deputado pertencia. O cancelamento do registro da candidatura situa-se na justiça eleitoral. Cada qual no seu quadrado. 
Todo cidadão deve exercer os seus direitos em sintonia com as normas éticas e jurídicas vigentes na sociedade e no estado, sem abuso, sem excesso, sem malícia. Na justiça eleitoral, à vista da sua especial natureza e grande importância para a nação, os alicerces dos julgamentos são: (i) a prova (ii) os indícios e presunções (iii) a livre apreciação dos fatos. A preservação da lisura do processo eleitoral é missão primordial. A abundante prova dos graves atos ilícitos do então procurador convenceu os juízes de que (i) houve fraude à lei (ii) havia procedimentos no devido processo legal que apontavam para a exoneração compulsória (iii) este fato tornava o procurador inelegível.
Nota-se no acórdão nebulosidade em torno do processo e procedimento. Processo é noção dinâmica, modo ou método de se fazer alguma coisa em determinada direção mediante regras ordinárias, técnicas e/ou legais (construção civil, ensino/aprendizagem, cirurgia). No direito, o processo tem seus trâmites sob controle da autoridade pública e tem por escopo elaborar normas, resolver problemas e solucionar conflitos. Isto se faz mediante sequência de atos orientados por regras de cumprimento obrigatório. No sistema brasileiro destacam-se três tipos de processo jurídico: [1] parlamentar (legislativo + impeachment) [2] administrativo (funcional + disciplinar) [3] judicial (civil + penal + trabalhista + eleitoral). Em comum, esses tipos têm os seguintes procedimentos: sindicância, inquérito, postulação, instrução e julgamento. Cuida-se do devido processo legal garantido pela Constituição da República. Sindicância e inquérito são procedimentos preliminares que integram o processo de jurisdição contenciosa e que têm por objetivo a busca de elementos de prova da materialidade e da autoria dos fatos noticiados. 
A finalidade do processo frustra-se quando a marcha dos procedimentos preliminares ou dos procedimentos principais é interrompida (arquivamento sem exame da questão central). Foi o que ocorreu com os 15 processos disciplinares instaurados contra o procurador mencionados no acórdão. A marcha ficou prejudicada pela exoneração voluntária. A questão central dos respectivos processos ficou pendente de julgamento por tempo indeterminado. O ex-procurador pretende tirar proveito da situação que ele mesmo provocou. Todavia, há óbice a essa pretensão: o universal juízo ético e jurídico “a ninguém é lícito se aproveitar da própria torpeza” (turpitudinem suam allegans non est audiendus).
Da real, grave e dolosa conduta do postulante ao registro da candidatura presume-se culpa e não inocência. A presunção de inocência é instituto da política do direito criminal expresso na garantia da liberdade do réu até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Esse preceito constitucional supõe trâmites de um processo penal. A sua aplicação cinge-se, pois, à esfera criminal, ou seja: não inclui as esferas civil, comercial, trabalhista e eleitoral. A oposição inocência X culpa envolvida na norma constitucional relaciona-se a crime, castigo e processo penal. Antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o réu é considerado culpado pelo juiz ou pelo tribunal que o condenou. A partir daí, a presunção contida em abstrato na norma constitucional colide com a concreta afirmação do veredicto judicial. Inobstante, a garantia da presunção de inocência prevalece ex vi legis até o esgotamento das vias recursais. 
Socialmente, fora do devido processo legal, mas, com efeito moral e repercussão material e profissional, pessoas são consideradas culpadas vox populi. Isto, às vezes, causa danos irreparáveis e enseja queixas por injúria, difamação ou calúnia. 
A lei complementar citada no acórdão refere-se ao processo administrativo disciplinar (pad) sem restrição. A indevida distinção feita pelo acórdão, ainda que implícita, entre pad lato sensu e pad stricto sensu é artificiosa, pois, afronta regra da hermenêutica jurídica: “Quando a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir”. Ao incluir na redutora expressão stricto sensu os procedimentos do cerne do processo (postulação, instrução e julgamento) o acórdão excluiu os procedimentos preliminares (sindicância, inquérito) e, assim, feriu a lógica jurídica processual. O processo é unidade jurídica teleológica que não se confunde com a diversidade dos atos sequenciais que o dinamizam (procedimento). 

domingo, 14 de maio de 2023

SILÊNCIO COMPULSIVO

Desde a infância, ouço opiniões sobre as minhas atitudes, escolhas, inteligência, capacidade mnemônica. Ao refletir sobre isto, constatei que, em algumas ocasiões, eu ouvi sem nada responder. O silêncio tinha sido a reação involuntária decorrente, quiçá, de algum mecanismo psicossomático inibidor. “Eu Interior”, “Anjo da Guarda”… quem sabe? 
Jovem estudante de direito em Curitiba (1964), eu discutia, na casa do meu tio, com um major reformado do exército sobre o golpe civil/militar. A certa altura ele diz: “Eu sempre desconfiei que você era meio vermelhinho”. Nada respondi. 
O presidente do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio de Janeiro baixou instrução para que os juízes visitassem os presídios (1985-1986). Juízes da capital insurgiram-se. O grupo dirigiu-se ao gabinete do presidente a fim de explicar as razões da insurgência. Quando terminei a exposição oral, o presidente diz: “Você fala como um político”. Nada respondi.
No Congresso da Magistratura Nacional em 1986 (Recife/PE) participei de forma avulsa porque não me incluíram no grupo que representava a magistratura fluminense. Despesas por minha conta. Apresentei e defendi 16 propostas para encaminhamento à Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988). As comissões temáticas eram presididas por desembargadores. Numa delas, quando terminei a minha exposição, o presidente do TJ de São Paulo, postado em pé ao meu lado, olha para mim e diz: “Interessante a preocupação dos juízes novos com a moralidade”. Nada respondi. Em outra comissão, quando eu defendia a proposta de incluir na futura Constituição o direito de voto dos juízes vitalícios nas eleições dos órgãos de direção do TJ, o respectivo presidente cassou-me a palavra: “Você não pode intervir na votação”. Nada respondi. 
Nos corredores do fórum da capital e da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (1988-1998) ouvi que me consideravam “maior constitucionalista do Brasil”. Havia notáveis constitucionalistas no Rio, São Paulo, Minas, Rio Grande do Sul, Ceará e Pernambuco, merecedores desse generoso conceito. Nunca me considerei superior a eles. Apesar disto, houve reação ciumenta a essa fama local. Certa vez, dirigindo-se a mim, braço esticado, balançando o dedo indicador, fisionomia dura, um juiz e professor mais novo do que eu na idade, na judicatura e no magistério superior, diz: “Lima, eu não acho que você está com essa bola toda”. Nada respondi.
Reunião de pais no apartamento de casal amigo na Redentor, em Ipanema. 1991. Assunto: aumento do preço das mensalidades escolares. Advogado, eu falava sobre medidas judiciais cabíveis. Uma das mães sorriu com simpatia e de modo educado, diz: “Você fala como poeta”. Nada respondi.
Em Curitiba, na casa de um amigo e compadre, juiz do tribunal de alçada do Paraná (1990), recordávamos nossas judicaturas no interior daquele estado quando, em certo momento, a esposa dele diz: “Você era um juiz bom de briga”. Nada respondi. 
Naquela época, tal opinião circulava pela magistratura paranaense. A seguir, cito alguns eventos que contribuíram para formá-la. 
1. Jantar da magistratura. Dia da Justiça. Dezembro/1971. Acompanhado de três juízes, eu me dirigi ao Corregedor e pedi brandura no caso do juiz substituto de Foz do Iguaçu. Esse juiz respondia a processo disciplinar porque, fora das suas atribuições, saíra em diligência policial até a comarca de Cascavel a fim de prender o réu que ele havia condenado. O Conselho da Magistratura (CM) foi rigoroso. Sem garantia de vitaliciedade, o juiz substituto perdeu o cargo.
2. Correição na vara cível da comarca de Pato Branco. 1972. Ao constatar corrupção da escrivã e condescendência do juiz titular, relatei o fato por escrito ao TJ que decidiu pela remoção: (i) da escrivã, para comarca vizinha (ii) do juiz titular, para comarca próxima da capital (iii) minha, para circunscrição longe da capital, na fronteira com o Paraguai. 
3. Correição no cartório do registro de imóveis de Castro. 1973. Recolhimento das custas da cédula rural destinadas ao juiz de direito. Eu fiz a correição e recebi as custas. O juiz titular da comarca, ao voltar das férias, mandou oficial de justiça me conduzir ao gabinete. Mandei o oficial retornar à origem e levar breve e pouco amistoso recado ao meu colega de toga. Quando minha disponibilidade permitiu, compareci ao fórum e tomei conhecimento do assunto. O juiz titular exigia que eu lhe entregasse o dinheiro das custas porque a correição devia ser feita por juiz de direito e não por juiz substituto. No seu gabinete, exibindo o seu corpanzil, bufando, tentou me intimidar. Ante a minha peremptória recusa, representou contra mim. Tese da minha defesa: a expressão juiz de direito usada na lei, refere-se ao juiz togado, indiferente se titular ou substituto. O CM decidiu ser válida a correição feita por juiz substituto no período da efetiva substituição. 
4. Centenas de ações cíveis estocadas nas comarcas de Pato Branco e Coronel Vivida. Causa: lerdeza dos juízes titulares. Movimentei todas mediante despachos e sentenças. Os juízes titulares interpretaram o meu trabalho como prejudicial à imagem deles e também como esperteza para minha ascensão na carreira. Tal opinião desmoronou quando me desliguei da carreira no Paraná. Aprovado no concurso público, ingressei na magistratura do Estado da Guanabara (1973).
A minha produtividade acima do padrão incomodou também alguns colegas cariocas. Nesse quesito (produtividade) apenas dois juízes igualavam-se a mim: (i) um da turma anterior à minha, oriundo da magistratura catarinense (ii) outro da minha turma, oriundo do ministério público gaúcho. Ambos, pelos nomes, descendiam de alemães. Os juízes incomodados tranquilizaram-se quando, bem perto de ser promovido a desembargador por antiguidade, eu me aposentei voluntariamente (1990). Faltavam ainda 18 anos para a minha aposentadoria compulsória. Carreirismo burocrático, ambição, preguiça, inveja, ciumeira, hipocrisia, caracterizam os barnabés de toga.
Reunido na minha casa em Penedo/Itatiaia/RJ no ano de 2012 com casal da década de 1960, eu falava das ocorrências daquela época quando o meu amigo mostrou-se admirado pelo volume das recordações: “Você tem memória de elefante”. Nada respondi. Ainda funciona aquele involuntário movimento interno que gera em mim o silêncio compulsivo.

domingo, 7 de maio de 2023

TEMPO E TRABALHO

Diz o poeta à menina-moça: “Tudo tem seu tempo certo, tempo para amar”. Outro poeta, irônico: “O amor é eterno enquanto dura”. Outro poeta, trágico: "Tudo passa tudo passará e nada fica nada ficará", Há tempo para plantar e tempo para colher. Há tempo para trabalhar e tempo para descansar. 
Governar é trabalhar com o cérebro e com o coração. Obras e serviços previstos no plano de governo e no orçamento do estado exigem tempo de variável duração. O atual presidente da república está no governo há menos de 6 meses e os opositores já se apressam a fazer cobranças. Nestes 4 meses iniciais, o presidente já trabalhou mais do que o seu antecessor em 4 anos. Ainda restam 44 meses. Se aprovado por 80% do povo, o presidente tornar-se-á forte cabo eleitoral da candidata Janja à presidência da república em 2026. A oposição treme na base. Acoitada por partidos e pela média corporativa, a direita tudo fará para o fracasso do presidente. 
No vigor do regime democrático, a existência de oposição ao governo é normal e necessária. Entretanto, nem sempre os opositores estão interessados no bem comum da nação; falta-lhes espírito público, decência, honestidade, bom caráter. A atividade governamental é avaliada de modo positivo pela situação e de modo negativo pela oposição, o que demanda vigilância diuturna. Sob o prisma ético, nota-se que baixo clero existe e funciona tanto no Legislativo como nas corporações privadas. O trabalho de campo do jornalismo político acontece onde proliferam mentiras, sedução, desonestidade. Destarte, o jornalista fica sujeito ao contágio, o que influi na sua análise dos fatos políticos. Neste setor não há neutralidade. Importa o agir correto do jornalista, sem estratagemas para ocultar a verdade, sem tergiversar, sem deturpar os fatos, sem destruir reputações. No programa noturno Central da Política de 04/05/2023, no canal 40, GloboNews, havia 5 mulheres e 1 varão, todos jornalistas, em duas fileiras, uma de frente para a outra. Convescote da direita. Os jornalistas são petulantes quando ditam regras ao governante. Vaidosos, ao serem contrariados ou ignorados, ficam raivosos e rancorosos. Assim foi com Brizola, governador do Rio de Janeiro e assim é com Lula, presidente do Brasil. 
Os jornalistas consideraram “derrota” do governo a rejeição pelo Legislativo do projeto sobre saneamento e do projeto sobre notícias falsas. Na verdade, nenhum desses projetos foi rejeitado. O do saneamento sofreu modificações; o das notícias falsas foi adiado. O insucesso nas demandas políticas é normal e corriqueiro. Regularmente, o Executivo e o Legislativo trabalham em harmonia. Cumprem o preceito constitucional. Divergências entre eles são passos lícitos do processo político de decisão, confronto de ideias, interesses, propósitos, sem hostilidade e sem violência. Na opinião dos jornalistas do citado programa, o governo deve trazer o presidente da república de 2003 para 2023 “porque o mundo mudou”. 
O processo de mudança ocorre tanto no mundo da natureza como no mundo da cultura. Os efeitos da mudança para a natureza são indiferentes ao valor, mas, para os humanos, podem ser bons ou maus. Há mudanças que resultam da vontade e da ação dos humanos. Nos seus 523 anos de existência, o Brasil mudou de colônia portuguesa para reino unido a Portugal; depois, para estado independente monárquico; depois, para estado republicano liberal de matiz oligárquico; depois, para estado autocrático; depois, para república democrática social de matiz plutocrático; depois, para estado autocrático; depois, para república democrática social; depois, para república democrática de matiz autoritário; depois, para a atual república democrática social de matiz igualitário. A feição do Brasil muda na proporção em que mudam as relações entre a elite capitalista, a elite trabalhista, a elite técnica e científica, a elite intelectual e a massa popular. Essas mudanças, ora para melhor, ora para pior, influem na atividade governamental. 
Do ponto de vista político, social e econômico, o Brasil de 2003-2010 era muito melhor do que o Brasil de 2016-2022. Portanto, há sensatez em palmilhar agora a senda progressista da primeira década deste século XXI. Nesse diapasão, o atual governo se dedica: [1] à defesa da vida e da paz [2] à solução do problema da fome de mais de 30 milhões de crianças, jovens, adultos e idosos [3] à redução do desemprego [4] à efetiva defesa do meio ambiente [5] a impedir o desmatamento abusivo [6] a retirar das terras indígenas os agricultores, pecuaristas, madeireiros e garimpeiros que as invadiram e as exploram ilegalmente [7] a atenuar a atmosfera de ódio [8] a restabelecer as boas relações com os outros países. Há todo um trabalho de reconstrução sendo realizado pelo governo federal. Estão sendo resolvidos os casos graves (i) da atuação dos militares como classe política (ii) da intentona de 8 de janeiro/2023 (iii) da improbidade do governo anterior (iv) da cristalização social e econômica.
O presidente da república e a presidente do seu partido atacam a alta taxa dos juros. Todavia, parece que o fazem apenas para agradar o eleitorado, isto porque eles são omissos quanto à iniciativa de medidas concretas e eficazes tais como: (i) arguir a inconstitucionalidade da lei complementar que concedeu soberania – e não só autonomia – ao Banco Central (ii) providenciar a exoneração do subversivo funcionário público federal que preside o BC (iii) intervir no Conselho Monetário Nacional por intermédio dos seus ministros da área econômica. Ao presidente da república compete a direção superior da administração federal. Lei complementar não pode retirar nem reduzir a eficácia dessa norma constitucional. O presidente tem o legítimo poder de exonerar o presidente do BC ante a dolosa conduta desse funcionário prejudicial ao desenvolvimento econômico do Brasil. Ter preferência política é direito de todo cidadão. No Brasil, diferente da tolerância na cultura estadunidense, a preferência por regime autocrático e ideias nazifascistas não pode ser objeto de propaganda, de divulgação pública e nem impregnar a função pública, por frontal colisão com o sistema constitucional em vigor. A Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988) ao blindar o regime democrático deixou fora da juridicidade o regime autocrático com suas ideias e propósitos nazistas e fascistas.    
Constituição da República. Preâmbulo + Artigos: 1º caput e parágrafo único + 17 + 60, 4º + 84, II + 85 + 90, II + 97 + 102.