segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

POESIA

Só aos lábios o reveles/ pois o vulgo zomba logo/ quero louvar o vivente / que aspira à morte no fogo. / Na noite em que te geraram / na noite que geraste, sentiste / se calma a luz que alumiava / um desconforto bem triste. / Não sofres ficar nas trevas / onde a sombra se condensa / e te fascina o desejo / de comunhão mais intensa. / Não te detêm as distâncias / ó mariposa! E nas tardes / ávida de luz e chama / voas para a luz em que ardes. / “Morre e transmuda-te”: enquanto / não cumpres esse destino / és sobre a terra sombria / qual sombrio peregrino. / Como vem da cana o sumo/ que os paladares adoça / flua assim da minha pena / flua o amor o quanto possa. (“Anelo” – João Wolfgang Goethe).

Descansa o lavrador à sua porta / e vê o fumo do lar subir contente. / Hospitaleiramente ao caminhante / acolhem os sinos da aldeia. / Voltam os marinheiros para o porto. / Em longínquas cidades amortece / o ruído dos mercados; na latada / brilha a mesa para os amigos. / Ai de mim! De trabalho e recompensa / vivem os homens, alternando alegres / lazer e esforço: por que só em meu peito / então nunca dorme este espinho? / No céu da tarde cheira a primavera / rosas florescem, sossegado fulge / o mundo das estrelas. Oh! Levai-me / purpúreas nuvens, e lá em cima / em luz e ar se me esvaia amor e mágoa! / Mas, do insensato voto afugentado / vai-se o encanto; escurece e solitário / como sempre, fico ao relento. / Vem, suave sono! Por demais anseia / o coração; um dia enfim te apagas / ó mocidade inquieta e sonhadora! / E chega serena a velhice. (“Fantasia do Crepúsculo” – João Cristiano Frederico Holderlin).

Da sua própria beleza adoece o espírito / com falsas criações febricitando: / onde a alma do escultor apanha as formas? / Em si só. Pode ser a natureza / tão bela? Onde os encantos e as virtudes / que ousamos conceber quando meninos / e em homens perseguimos – paraíso / que de alcançar desesperamos, quando / pena e pincel de mais sobrecarregam / a página, em que florido o quiséramos?
Enlouquece quem ama – é um delírio / da mocidade, porém mais amarga / sua cura, quando nossos ídolos despem / um a um os encantos, que os vestiam / e mais valor não vemos, nem beleza / fora do que ideamos; mas ainda / esse fatal condão nos prende e impele / semeando ventos e tufões colhendo. / O tenaz coração, sua alquimia / começada, mais perto julga o prêmio / e ter mais ganho, quando tudo perdeu. (Trechos de “A Peregrinação de Childe Harold” – George Gordon Noël Byron).

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

DIREITO

Problemas internos da magistratura - II.

Na sessão do dia 16/12/2010, o Supremo Tribunal Federal julgou mandado de segurança interposto de decisão do Conselho Nacional de Justiça que anulara um decreto judiciário do Estado do Paraná. Esse decreto efetivara o impetrante como titular de cartório extrajudicial. A declaração de nulidade deveu-se à falta de aprovação do impetrante em concurso público de provas e títulos para ingresso na atividade notarial e de registro (CF 236, §3º). O impetrante apóia a pretensão de cassar a decisão do CNJ no princípio da segurança jurídica e na regra da decadência qüinqüenal administrativa. Alega estável situação jurídica de 15 anos desde a expedição do ato que o efetivou no cargo; diz que a administração pública se manteve inerte; transcorreu “in albis” o qüinqüênio decadencial; a administração pública decaiu do direito de desfazer o ato.

Talvez, em homenagem ao advogado do impetrante, ex-ministro do Supremo Tribunal, os ministros não insistiram na questão preliminar: ausência dos requisitos necessários à concessão do mandado de segurança (CF 5º, LXIX). Deixaram de examinar a existência ou inexistência de: (i) direito líquido e certo a ser amparado pela via do mandado de segurança; (ii) de ilegalidade ou abuso de poder do CNJ ao apreciar a validade do decreto.

Pelo exposto na sessão de julgamento, ao direito faltavam liquidez e certeza em face da colisão com norma da Constituição Federal. A própria existência do direito estava em jogo. Nos termos da Constituição, compete ao CNJ apreciar a legalidade dos atos administrativos praticados por órgãos do Poder Judiciário, desconstituí-los, ou revê-los (CF 103-B, §4º, II). O decreto judiciário expedido pelo tribunal do Paraná enquadra-se na categoria dos atos administrativos. Ao apreciar a validade do decreto e concluir pela nulidade, o CNJ não só exerceu a sua competência como também obedeceu ao devido processo legal, como se extrai dos pronunciamentos feitos na sessão. Não se vislumbra, pois, ilegalidade ou abuso de poder na decisão do CNJ, nem liquidez e certeza do direito invocado. A via escolhida para atacar o ato do CNJ foi inadequada. Por sua complexidade, a questão de direito devia ser resolvida pelas vias ordinárias.

As alegações do impetrante foram acolhidas pelos dois ministros mais antigos e pelo presidente do STF; os demais ministros denegaram o mandado. Tanto os votos vencedores como os vencidos se arrimaram na doutrina e em precedentes do tribunal. A maioria entendeu que o decreto judiciário violou a Constituição. A ineficácia do decreto é conseqüência inarredável da nulidade. A vaga no cartório extrajudicial torna a se abrir e deverá ser preenchida mediante concurso de provas e títulos.

O tribunal de justiça do Paraná, ao fazer tabula rasa do dispositivo constitucional que exigia concurso público, contrariou os princípios da moralidade e da impessoalidade (CF 37). O impetrante não pode se beneficiar da burla a preceito constitucional. Máxima do direito: ninguém deve tirar proveito da ilicitude a que deu causa (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). O decreto judiciário privilegiou uma pessoa em detrimento de outras pessoas que poderiam candidatar-se ao cargo. A política do fato consumado não sensibilizou a maioria dos ministros. O STF não homologou o decreto viciado e não se impressionou com o tempo decorrido desde a sua expedição.

Quando o decreto foi expedido (1994) vigorava a norma constitucional que exigia concurso público. Portanto, nem o tribunal estadual, nem o beneficiário do decreto podem alegar ignorância. A administração pública pode rever os seus atos, porém, a revisão se processa no âmbito de cada poder, tendo em vista o princípio da separação dos poderes (CF 2º). Destarte, o Executivo paranaense não pode rever o ato administrativo praticado pelo Judiciário paranaense, até porque a autonomia administrativa e financeira do Judiciário é regra constitucional (CF 99). Se discordar do decreto judiciário, o Executivo poderá pleitear judicialmente a anulação ou a declaração de nulidade. Nesta hipótese, o prazo prescricional será de 10 anos, previsto no código civil (art.205) e não de 5 anos previsto na legislação específica (Decreto 20.910/1932, DL 4.597/1942, Lei 9.873/1999). O Executivo paranaense, todavia, preferiu a via administrativa para obter a desconstituição do decreto estadual.

O episódio causa estranheza. Os desembargadores não são catecúmenos e sim homens e mulheres batizados e crismados no templo de Themis. Decreto judiciário não surge do nada e sim como a culminância de um processo administrativo. Razoável presumir que as questões de fato e de direito foram nele expostas e apreciadas. O impetrante já ocupava o cargo como substituto, segundo noticiado na sessão de julgamento. Ele não estaria, pois, ingressando na atividade notarial e sim nela permanecendo, agora, como titular. Teria ocorrido ascensão interna corporis. A situação do servidor do cartório extrajudicial estava consolidada por ato jurídico anterior e pelo tempo de substituição. Provavelmente, esse fato levou o tribunal paranaense a afastar a incidência da norma constitucional e a expedir o decreto.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

DIREITO

Problemas internos da magistratura.

O Supremo Tribunal Federal, na sessão de 15/12/2010, apreciou mandado de segurança impetrado pela associação dos magistrados paulistas contra decisão do Conselho Nacional de Justiça. A questão versava indenização por férias não gozadas. O direito a férias anuais por 60 dias está previsto na lei complementar federal 35/1979. Se o julgamento da lei de imprensa for tomado como paradigma, a lei orgânica da magistratura nacional - LOMAN (LC 35/79) terá o mesmo destino, pois também lhe falta eficácia por não ter sido recepcionada pela Constituição de 1988. Assim como a lei de imprensa, a LOMAN foi gerada dentro da mentalidade autocrática, incompatível com a mentalidade democrática que permeia o posterior texto constitucional. Perceptível a hostilidade da oligarquia militar em relação aos juízes quando elaborou o projeto pelas mãos do seu ministro da justiça, submeteu-o aos trâmites ligeiros de um congresso nacional coarctado e o promulgou como lei após vetar as poucas modificações introduzidas pelos legisladores ordinários.

O caráter constrangedor e punitivo da LOMAN não se compadece com as prerrogativas necessárias ao desempenho da função judicante. Livrar o juiz de amarras políticas, de ameaças aos subsídios, ao bem estar de sua família, à estabilidade no cargo, representa segurança aos jurisdicionados e maior probabilidade de decisões justas, proferidas sem receio de represálias dos poderosos, sentenças brotadas da consciência, da boa aplicação do direito, da verdade obtida no devido processo legal em que são permitidos o contraditório, a ampla defesa, a investigação plena e a larga apreciação das provas.

O período de férias poderá ser discutido na elaboração da nova lei orgânica prevista na vigente Constituição (art. 93). Possivelmente, entre outros fatores, levar-se-á em conta: (i) o desgaste mental e emocional decorrente da atividade judicante, agudo nos juízes que trabalham nos cinco dias úteis da semana, mais aos sábados e domingos no lar, para manter o serviço em dia; (ii) o contexto social e as diferenças regionais do imenso território brasileiro.

Ao juiz devem ser pagas as férias não gozadas quando o tribunal não as concede por necessidade do serviço. O Estado não tem o direito de se locupletar com o sacrifício das férias do magistrado. Quando não houver óbice ao gozo das férias, não há falar em indenização. Ao juiz cabe gozá-las e não negociá-las, sob pena de frustrar o objetivo fundamental desse direito: recuperar energias, descanso, lazer, desfrutar maior tempo junto à família. As férias também interessam aos jurisdicionados que esperam uma prestação jurisdicional ágil, lúcida e justa. Ao jurisdicionado não interessa ver o seu caso apreciado por um juiz cansado, nervoso, impaciente, irritadiço. O descanso do juiz significa maior probabilidade de decisões equilibradas.

A ministra Ellen Gracie abordou questão nevrálgica: as férias não seriam negadas por necessidade de serviço se todas as vagas da magistratura fossem preenchidas. A observação foi contestada: são realizados concursos públicos anualmente e assim mesmo as vagas não são preenchidas. A réplica da ministra foi pertinente e sensata: então, algo está errado, porque há candidatos aos milhares. Realmente, na esfera estatal, os subsídios dos magistrados estão entre os mais altos da república e isto atrai milhares de candidatos. Improvável, pois, que entre esses milhares não haja 20% preparados para exercer a judicatura.

A ministra acenou com o despreparo das bancas examinadoras como uma das possíveis causas da falta de preenchimento das vagas. Há outras, entre as quais, a reserva de vagas aos apadrinhados que estão por chegar (filhos, genros, noras, esposas, amantes, parentes, amigos). Astúcia para beneficiar os apadrinhados não falta. Os outros candidatos estudam anos a fio, atualizam-se com os códigos, a jurisprudência e a doutrina. Certamente, a maioria desses candidatos é moral e intelectualmente idônea. Perante essa maioria qualificada é possível que os examinadores se sintam inferiorizados.
Os magistrados que se beneficiaram do censurável esquema gostam de participar das bancas examinadoras. Corrigem as provas com superior espírito de magíster, embora a sua inteligência possa não superar a de um asno. Correção às pressas para eliminar o maior número possível. Ganham com isso: (i) os tribunais com as taxas de inscrição pagas por milhares de candidatos a cada concurso; (ii) os cursos preparatórios montados por juízes; (iii) os padrinhos que pouco se importam com a qualificação dos futuros juízes, desde que os seus afilhados ingressem na carreira. Questões de provas mal redigidas e estranhas ao objetivo de avaliar a experiência e o conhecimento dos candidatos e selecionar os melhores. Questões formuladas de modo extravagante com destinatários certos e que sabem a resposta desejada pela banca. Preenchidas as vagas reservadas, as sobras ficam para os sem padrinhos. Desse contexto resultam: mediocridade da magistratura, piora na qualidade da prestação jurisdicional, descontentamento da população, desmoralização da Justiça, repercussão internacional negativa.

sábado, 18 de dezembro de 2010

DIREITO

Garantia de sigilo. Reserva de jurisdição.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal debruçaram-se novamente sobre a questão do sigilo bancário ao apreciar a ação principal no recurso extraordinário (sessão de 15/12/2010). A matéria fora discutida na ação cautelar em que se pleiteava efeito suspensivo ao recurso (sessão de 25.11.2010). O tribunal decidiu que o sigilo só pode ser levantado mediante ordem judicial. Essa reserva de jurisdição é garantia atribuída pelo legislador constituinte às pessoas naturais e jurídicas a fim de protegê-las da indiscrição, da devassa e da indevida utilização dos dados. Aos juízes e tribunais cabe examinar, caso a caso, a necessidade, a utilidade e a legitimidade do interesse de acesso a dados protegidos pelo sigilo.

Da decisão do tribunal depreende-se que a transferência de dados mesmo entre instituições sujeitas ao dever de guardar sigilo tipifica violação à garantia constitucional. A transferência acarreta circulação externa de dados. Caracteriza, ipso facto, violação ao dever de sigilo do sujeito que os detém. A guarda é obrigação individual do detentor dos dados. Para fornecê-los a terceiros, tenham ou não o mesmo dever de sigilo, o depositário deverá obter autorização judicial. A rigor, o sigilo dos dados, da correspondência e das comunicações telegráficas não podia ser levantado nem por ordem judicial, porque o legislador constituinte o revestiu de inviolabilidade absoluta; só abriu exceção à inviolabilidade das comunicações telefônicas e, assim mesmo, exigiu prévia ordem judicial. Os poderes de investigação das comissões parlamentares de inquérito (CF 58, §3º) também encontram limites na inviolabilidade dos direitos e não devem ir além das exceções admitidas no texto constitucional. As exorbitâncias dos agentes públicos justificam o conceito, no plano internacional, de falta de seriedade dos brasileiros. Quando a arbitrariedade, o autoritarismo, a esperteza malandra, a relativização despudorada, a flexibilidade safada, vigoram por trás da fachada democrática, pessoa alguma está segura dos seus direitos.

O argumento da revista imposta aos passageiros nos aeroportos não convenceu a maioria dos ministros. Efetivamente, trata-se de argumento inadequado para se contrapor à garantia constitucional. A revista é procedimento policial regular observado em todos os países, com maior ou menor rigor, mormente em face do estado de necessidade decorrente do terrorismo internacional. Inclui-se nos atos executórios legítimos do agente visando à segurança pública; destina-se à verificação da existência, na bagagem e no corpo dos passageiros, de coisas com potencial ofensivo à vida, ao patrimônio e à segurança dos indivíduos e da coletividade. Não se cuida, pois, de violar sigilo de dados e mensagens.

Entra na classe dos sofismas o argumento sobre a finalidade do sigilo: impedir a interceptação das comunicações e não o acesso aos dados. O sujeito pode interceptar a correspondência sem abri-la. O sigilo estará resguardado. Objeto do sigilo é o conteúdo: a mensagem e os dados contidos em cadastros, contas e arquivos. Do acesso resulta conhecimento da coisa acessada. Se a mensagem ou os dados estiverem protegidos pelo sigilo, o acesso desautorizado entra na categoria do ilícito por transgredir norma constitucional.

Invocar a faculdade da administração tributária de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte (CF 145, §1º) é mais um cerebrino esforço para sustentar o insustentável. O verbo identificar utilizado no dispositivo constitucional significa estabelecer a identidade das coisas. Entendê-lo no sentido relacional (tornar algo igual a outro) desatende aos fins da norma. Quando essas coisas estiverem sob o manto do sigilo e houver necessidade de identificá-las para efetivar objetivos do sistema tributário, a administração tributária deverá solicitar autorização judicial. Esse é o modo de respeitar os direitos individuais, tal como determinou o legislador constituinte. O dispositivo constitucional exige que a identificação se faça nos termos da lei. Para ser válida, a lei deve se enquadrar na Constituição, formal e materialmente.

O ministro Gilmar Mendes reconsiderou o voto proferido na ação cautelar e compôs a maioria. Essa faculdade de repensar decisões é própria da maturidade, da reflexão e da consciência do ser humano. A ausência do ministro Joaquim Barbosa e a retirada do pedido de vista formulado pela ministra Ellen Gracie permitiram o julgamento definitivo do recurso extraordinário. O voto do ministro Joaquim Barbosa tanto poderia empatar a votação como aumentar o número da maioria, agora, com mais ampla visão da matéria exposta no recurso extraordinário. Na ação cautelar, o voto era para referendar a decisão do relator que concedera a medida liminarmente. Quanto ao valor do sigilo contraposto à invasão da intimidade e da privacidade no mundo contemporâneo, ao legislador constituinte originário, no exercício da soberania nacional, compete decidir se mantém ou não a garantia no ordenamento jurídico. Por enquanto, aos poderes constituídos (legislativo, executivo, judiciário) cabe respeitá-la.

A experiência forense revela judicatura de magistrados fazendários, isto é, juízes que tendem a favorecer a Fazenda Pública (municipal, estadual, federal) por serem oriundos de procuradorias e consultorias do Executivo, por gratidão ao governante que os nomeou para o cargo, ou por receberem subsídios dos cofres públicos. Esses barnabés de toga fazem manobras cerebrinas, se valem de sofismas, tiram água de pedra, no intuito de interpretar as normas e decidir os casos concretos de modo favorável à Fazenda Pública. A privacidade, a dignidade, o patrimônio e demais direitos das pessoas naturais e jurídicas são colocados em plano secundário. Essa classe de magistrados segue a linha autoritária do Executivo. O presidente Fernando Henrique se referia de modo irônico às cláusulas pétreas da Constituição. O presidente Luis Inácio se portou com igual menosprezo pelas liberdades públicas. Do anedotário nacional consta que Getúlio Vargas assim se expressava: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei (na versão punitiva). Advertido sobre óbice legal aos seus propósitos, Napoleão, com gesto de enfado e desprezo, teria dito: a lei, ora, a lei (paradoxalmente, sob o seu governo foi promulgado o Código Civil francês, monumento jurídico reconhecido internacionalmente). Mando irrestrito do governo e obediência irrestrita do povo tem sido o lema dos autocratas de todos os matizes.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

ESPORTE

Inter de Milão (Itália) x Seonam (Coréia do Sul). Partida realizada em 15/12/2010, nos Emirados Árabes. Resultado: a equipe italiana venceu a coreana. De barbas de molho ante a vitória do Mazembe sobre o xará brasileiro, o clube milanês entrou em campo com todo o seu potencial. Era visível a preocupação do técnico. Nos primeiros minutos, o melhor jogador da equipe italiana (Sneijder) se contundiu e foi substituído. Os italianos se aplicaram muito na partida (destaques para Eto´o e Lúcio) e erraram menos do que os adversários. Fizeram o primeiro gol no início do jogo e o segundo ainda no primeiro tempo. Isto lhes deu tranqüilidade. Os coreanos não se intimidaram e mostraram bom entrosamento. Briosos, lutaram até o fim, buscando um gol pelo menos. O árbitro deixou de assinalar pênalti clamoroso a favor dos coreanos e que, se marcado, poderia mudar o cenário do jogo. Gentilezas? Só depois da partida. Como tantas outras, a equipe coreana é composta de jogadores de outras nações e estava bem em campo, porém o domínio era dos italianos, que mereceram a vitória. Disputarão a partida final com o Mazembe. Brasileiros e coreanos disputarão o terceiro lugar.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

PILULAS

Futebol.

Campeonato mundial de clubes. Inter do Brasil x Mazembe do Congo. Partida realizada em 14/12/2010, nos Emirados Árabes. Resultado: a equipe congolesa venceu a brasileira por 2 x 0, gols acontecidos no segundo tempo. Antes do jogo, o técnico do time gaúcho disse que assistira aos jogos do Mazembe gravados em vídeo e não temia surpresa alguma. A opinião geral de torcedores e jornalistas brasileiros era a de que seria uma vitória fácil, pois os africanos não têm tradição no futebol. A mesma confiança se estampava nos rostos dos jogadores brasileiros e do técnico; no discurso, palavras convencionais (respeito ao adversário, tranqüilidade, a equipe está preparada); no íntimo, sentimentos reais (vamos derrotar esses amadores, nosso futebol é superior ao deles, essa partida está no papo, vamos para a final com o Inter de Milão). Lição que os brasileiros demoram a aprender: (i) certeza da vitória, só depois do apito final, não importa o conceito do adversário; (ii) em campeonatos mundiais, a equipe que chega às fases finais, seja americana, européia, africana ou asiática, mostra merecimento e exige cuidados especiais de quem vai enfrentá-la, ainda que não tenha tradição no esporte. O poder da tradição é mínimo; limita-se ao âmbito psicológico; a influência gera efeitos positivos e negativos nas duas equipes. No caso de ontem, a tradição funcionou negativamente para a equipe brasileira ao gerar excesso de confiança. Os congoleses enfrentaram a tradição do adversário com extrema dedicação, inteligência e muita garra, além das qualidades técnicas; entraram em campo dispostos a vencer um adversário forte e respeitado; cuidaram muito bem da defesa (destaque para o goleiro); adotaram a tática de recuar, se manter na defensiva e avançar quando surgisse a oportunidade; estiveram com a bola por um tempo bem menor do que os brasileiros e, no entanto, venceram com mérito. Diante da resistência dos congoleses, os brasileiros ficaram nervosos e isto complicou mais ainda a situação; não conseguiam converter em gol as boas jogadas que faziam. O técnico se equivocou ao efetuar mudanças na equipe: substituiu os jogadores de melhor desempenho e que davam mais segurança à equipe; deixou em campo jogadores que não estavam bem, mas que são queridos da torcida (a tradição atrapalha). Enfim, não era o dia dos colorados.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

DIREITO

Liberdade de imprensa.

O governo federal pretende ressuscitar a lei de imprensa. O setor privado de comunicação social arrepia-se e invoca a liberdade de manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, assegurada na Constituição. Em evento público desta semana (08/12/2010) para exposição dos resultados do PAC (programa de aceleração do crescimento) o presidente Luis Inácio zombou dos profissionais da imprensa ao dizer que não via ninguém (no Brasil) defender a liberdade de expressão em favor do fundador do site WikiLeaks (Julian Assange) que publicara documentos secretos e provocara escândalo mundial. Perseguido pelos EUA e preso na Inglaterra, o australiano aguarda extradição a pedido do governo da Suécia, país em que ele foi processado pela prática de crime sexual. A expressão corporal de Luis Inácio e o tom do seu discurso evidenciavam ironia ao externar apoio a Julian. O presidente incorporou a imagem de homem providencial a suprir omissão dos jornalistas brasileiros na defesa da liberdade de informação. No bojo da ironia, o recado: (i) quando a ameaça à liberdade de imprensa parte de governo de esquerda, os jornalistas se alvoroçam, fazem escarcéu e caras de nojo; (ii) quando a ameaça parte de governo de direita (principalmente de alguma potência) os jornalistas se mostram cordatos; as notícias são desfibradas, moderadas pelo chefe, ao gosto e segundo os interesses do proprietário da empresa jornalística.

O Partido Democrático Trabalhista – PDT questionou perante o Supremo Tribunal Federal – STF a constitucionalidade da lei 5.250/67, mediante argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 130/DF). O jornalismo nacional ingressou no processo por seu órgão representativo. Legislativo e Executivo apresentaram defesa. No julgamento (30/04/2009) o STF acolheu a pretensão deduzida na petição inicial e retirou a eficácia da lei de imprensa. A decisão afirma que essa lei não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Pesou no julgamento o fato de a lei estar embebida na mentalidade autoritária, incompatível com a mentalidade liberal que impregna a posterior Constituição.

Derrotado no tribunal, o governo pretende lançar nova lei sobre a matéria, atitude própria da vocação autocrática que o caracteriza desde os primórdios da república. O governo atual qualifica a imprensa de partido político que necessita de controle; diz que esse controle acontece em outros países (dos quais omite a identificação e o regime político); afirma que não se trata de censura prévia e sim de censura post factum (como se a Constituição houvesse distinguido entre os dois tipos de censura). O governo detesta freios; aspira liberdade ampla para si e liberdade restrita para os outros; irrita-se com a crítica desfavorável; vibra quando destinatário de elogios e aplausos; mostra-se insatisfeito com a vigente legislação; cogita elaborar lei específica para controlar matéria veiculada pelas emissoras de rádio e TV, revistas e jornais impressos.

A nova lei funcionará “ad terrorem”, como cabresto ou espada de Dámocles sobre a cabeça do jornalismo brasileiro, inobstante o STF, na citada ADPF/130, haver declarado que basta a vigente legislação para inibir abusos praticados através dos meios de comunicação social. A fim de coibir abuso, o governo pretende inibir o uso da liberdade de manifestação do pensamento e de acesso à informação, apesar de a Constituição vedar censura de natureza política, ideológica e artística. Ao legislador ordinário compete apenas regular as diversões públicas e a propaganda comercial de produtos nocivos, bem como, garantir ao indivíduo e à família a possibilidade de se defenderem de programas contrários às diretrizes traçadas na Constituição. Reforçando tais preceitos, a Constituição estabelece limite específico ao legislador, proibindo-o de votar lei que cause embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social (art. 220, §1º).

Para ressuscitar a lei de imprensa com nova roupagem, o governo estriba-se no relativismo dos valores éticos e jurídicos. Esse relativismo, ao sair da teoria e adentrar a experiência, solapa os alicerces da sociedade civil e ampara as ações e omissões liberticidas. À sorrelfa, os inimigos da liberdade alteram o modelo traçado na Constituição; vilipendiam a liberdade que o sistema constitucional lhes concede; bradam em todas as direções: “não há direitos absolutos”. Com esse brado, a malta engabela a nação, desbasta o caminho que conduz ao aniquilamento dos direitos humanos, coloca os seus propósitos e a sua vontade acima dos princípios constitucionais.

A lógica bivalente do ser, a condicional lógica do dever-ser e a dialética do razoável, são instrumentos intelectuais utilizados na busca de solução para os problemas jurídicos. Na prática social, econômica e política, base empírica das normas de direito, equacionam-se os valores que se mostram absolutos em nível teórico. Liberdade e autoridade são valores políticos absolutos no plano conceitual, mas encontram limites ao se efetivarem no plano histórico. Quando aplicados às relações humanas concretas, o absolutismo da liberdade conduz à anarquia (extremo em que se localiza o direito absoluto dos governados) e o absolutismo da autoridade conduz à tirania (extremo em que se localiza o direito absoluto do governante).

No Estado Democrático há regras de organização da liberdade e da autoridade ditadas pelo legislador constituinte. Governados e governantes devem obediência a essas regras. Visando à realização do bem comum e da felicidade geral no evolver da nação, o legislador constituinte classificou de fundamentais algumas liberdades, declarou-as invioláveis e as encerrou em cláusula pétrea no texto constitucional. Circunstâncias excepcionais previstas expressamente na Constituição (como o estado de sítio) autorizam restrição ao exercício dessas liberdades. A história testemunha abusos dos agentes públicos na execução das medidas restritivas. Durante o período de exceção, as liberdades se mantêm no ordenamento jurídico, embora com eficácia reduzida. A exceção confirma a regra: intangibilidade dos direitos fundamentais. Em face da relevância dos bens e interesses nacionais a serem protegidos, o legislador constituinte atribuiu à autoridade pública prerrogativas enunciadas no texto constitucional. Imunidades dos parlamentares, chefes de governo e magistrados atendem a esse desiderato. Todavia, a ordem jurídica republicana e democrática construída pelo legislador constituinte brasileiro não tolera abuso no exercício das prerrogativas.

Liberdade e autoridade convivem e se limitam reciprocamente na Constituição. No plano conceitual, se extremam. No plano empírico, se ajustam. No caso de inerme e concreta disputa de liberdades entre membros da sociedade civil, prevalecerá a liberdade que se mostrar mais razoável e adequada à situação, segundo o senso de proporção e de justiça de quem funcionar como árbitro ou juiz. A idéia de proporção advém do senso estético e se expressa no cálculo. A idéia de justiça provém do senso ético e se expressa na conduta. Senso estético e senso ético integram a natureza humana. No conflito entre a liberdade dos governados e a autoridade dos governantes prevalecerá solução favorável à liberdade. No governo representativo, os representantes devem respeitar os representados, pois é em nome destes que exercem o poder; a soberania é dos governados e não dos governantes. O sistema constitucional brasileiro adota o governo representativo e valoriza a liberdade. Na vigente Constituição, os princípios e regras fundamentais antecedem e condicionam as regras de organização do Estado; iluminam o caminho e limitam a vontade dos governantes. Não fora assim, exceções aos princípios e regras seriam criadas ao talante dos governantes; nulificar-se-iam as garantias constitucionais dos brasileiros; a segurança das pessoas seria letra morta no texto constitucional. As fronteiras da liberdade e da autoridade são traçadas pelo legislador constituinte; aos governados e governantes cabe respeitá-las.

Agentes políticos tratam de “carta” a vigente Constituição brasileira. Subjaz a esse tratamento o espírito autoritário. Carta é um documento escrito, unilateral, de cuja elaboração o destinatário não participa. Há cartas da sociedade civil: carta de crédito, correspondência, alforria, vinhos. Há cartas do governo com finalidade oficial: carta régia, patente, rogatória, precatória. Há cartas da sociedade política: o reino e a república são organizados mediante um documento escrito e outorgado pelos governantes. No Brasil, as leis magnas de 1824, 1937 e 1967 foram cartas políticas outorgadas pelo imperador, pelo ditador civil e pela oligarquia militar, respectivamente. Quanto às leis magnas de 1891, 1934, 1946 e 1988, tiveram origem democrática, elaboradas e votadas pelos representantes do povo reunidos em assembléia nacional constituinte, motivo pelo qual se afigura inadequado apelidá-las de “carta”. O inconveniente apelido provém do impulso autoritário. Essa tendência autocrática, que reflete a necessidade dos organismos biológicos de afirmarem a si próprios, mais se acentua quando o ser humano desempenha função pública, ainda que no grau menos elevado da hierarquia estatal.

O tratamento “carta” também resulta da imitação, tendência muito forte na patuléia que menospreza a brasilidade e exulta diante de qualquer insignificância estrangeira. No século XIII, João, monarca dos ingleses, se dizendo inspirado por Deus e motivado a salvar almas (na verdade, pressionado pelos barões) baixou unilateral e soberanamente a Magna Charta Libertatum (1215), embrião da constituição consuetudinária formada mediante sucessivas conquistas de aristocratas e burgueses da Inglaterra (petição de direitos, habeas corpus, declaração de direitos, ato de estabelecimento) e que serviu de inspiração às constituições escritas da Europa continental e da América. A simiesca imitação da nomenclatura anglo-saxônica aparece quando brasileiros tratam de “carta” o democrático texto constitucional de 1988. Essa imitação exterioriza uma esquizofrênica necessidade de submissão: (i) ao grande pai estrangeiro (colonizadores, personalidades, senhores da guerra, organismos públicos e privados da Europa e dos EUA); (ii) ao grande pai nacional (imperador, presidente, ditador, governo). A raiz dessa esquizofrenia está no inconsciente coletivo, em cujas profundezas estão sedimentadas a subserviência e o complexo de inferioridade (ou de vira-latas, na dura e pejorativa expressão de Nelson Rodrigues, aplicável a considerável parcela da população). Em profundidade, na terra e no mar, o governo busca petróleo; a educação desliza na superfície social; o atavismo repousa nas profundezas da alma brasílica.

Embora a Constituição em vigor declare o Brasil uma república democrática, os governantes comportam-se autocraticamente. O traço caudilho ainda é forte na fisionomia política destas plagas. A Constituição declara inviolável o direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. No entanto e sem cerimônia, os governantes arredam essa inviolabilidade sob o capcioso argumento de que não há direito absoluto; tudo é relativo; o interesse público prevalece sobre direitos individuais. O falacioso argumento abre exceção que o texto constitucional não contempla. Na república democrática não há interesse público maior do que o de respeitar a Constituição e os direitos fundamentais que ela assegura. Somente se admitem as exceções estabelecidas pelo legislador constituinte originário.

Há direitos naturais e políticos (do homem e do cidadão) conquistados pela civilização ocidental, registrados na história, declarados em documentos internacionais e incorporados à ordem constitucional brasileira por decisão soberana dos representantes do povo reunidos em assembléia constituinte. Da soberania popular decorre intangibilidade desses direitos, limites intransponíveis pelo governo enquanto o povo for soberano e permanecerem em vigor o regime democrático e os fundamentos da república brasileira (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político).

Quanto à supremacia do interesse público, há ressalvas no direito constitucional contemporâneo; nem sempre o interesse privado está isolado; às vezes, forma rede social a ser preservada diante das investidas do governo. O interesse público também cede diante dos direitos assegurados aos governados na Constituição (ressalvadas as exceções nela contidas). Quando há confronto entre interesse de um lado e direito do outro, prestigia-se o direito, dada a superior importância de preservar a ordem jurídica. O exame da prevalência tem lugar apenas quando se confrontam interesse público e interesse privado. O caráter eventual da supremacia do público em relação ao privado deve-se à possibilidade jurídica de a sociedade civil controlar a forma e o conteúdo dos atos administrativos e políticos gerados pelo governo.

No plano dos fatos, acontece choque de liberdades entre os governados. A colisão resolve-se pacificamente pelo exame das circunstâncias e aplicação de critérios de proporcionalidade e razoabilidade ao caso concreto; prevalecerá apenas uma das normas em confronto. O exemplo mais citado é o da colisão entre a liberdade de manifestação do pensamento, de um lado e, de outro, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. O Judiciário é chamado a decidir, no devido processo legal, se houve ou se não houve abuso no exercício da liberdade de expressão e informação. Se a resposta for positiva, o autor do abuso sofrerá as penas da lei.

Regulamentar a liberdade de imprensa está no rol das ações autoritárias dos governantes. Poupe-se o Estado como instituição política, em face da sua estrutura: povo + governo + território. O vício é das pessoas investidas no poder (parlamentares, chefes de governo, ministros, eminências pardas) com suas ideologias e idiossincrasias aliadas a interesses inconfessáveis. Essas pessoas impõem sua vontade e seu modelo político, social e econômico contornando os princípios constitucionais. Nessa tarefa contam, às vezes, com apoio dos seus ministros na corte suprema. As instituições funcionam como biombos para ocultar personalidades e propósitos revolucionários, subversivos ou desonestos. Em relação aos valores éticos e jurídicos contidos na Constituição, a confraria tem atitude amoral. Graças ao voto popular que os conduziu ou reconduziu ao poder, confrades em cargos eletivos se consideram absolvidos dos desatinos do passado e do presente e autorizados a manter a censurável conduta no futuro. De acordo com essa esperta e maliciosa interpretação do voto, o povo, no exercício da soberania, homologa os atos lícitos e ilícitos praticados pelos eleitos.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

ESPORTE

Final do campeonato brasileiro.

O lapso de 26 anos entre a conquista anterior e a deste domingo (05/12/2010) pelo Fluminense deve-se ao bom futebol apresentado pelos outros clubes nos campeonatos brasileiros. Antes do jogo, os jornalistas e comentaristas esportivos e a maioria dos torcedores diziam que seria fácil a vitória do Fluminense sobre o Guarani; que a equipe de Campinas era fraca e fora rebaixada para a segunda divisão; que o seu ataque fora o pior do campeonato; que o “Bugre” (apelido do clube campineiro) não se comparava à LDU, equipe que vencera o Fluminense em 2008, no Maracanã, na partida final da taça Libertadores da América. Felizmente, o técnico e os atletas tricolores, sem dar ouvidos a tais comentários, entraram em campo sabendo que perderiam o jogo se vacilassem.

Artigo publicado neste espaço advertia: “o Guarani é um clube de jogadores brasileiros, o que significa futebol de bom nível; se o adversário vacilar, perde o jogo”. A mesma advertência em relação ao Corinthians: “se o clube de Goiás empregar todo o seu potencial vencerá o Corinthians; o título poderá ficar para o Cruzeiro”. Quem assistiu aos jogos testemunhou o sufoco pelo qual passaram o Fluminense e o Corinthians. A vitória tricolor deveu-se a um gol “espírita”, o único da partida: confusão na área; no bolo, o atacante (Émerson) chuta a bola sem apuro técnico; a bola passa entre as pernas de um defensor e do goleiro, como se transitasse por um túnel. Diante de tais circunstâncias não se há de falar em frango. O Corinthians não passou de um empate pelo placar mínimo; por muito pouco não perdeu a partida; os goianos não empregaram todo o seu potencial; os jogadores titulares foram poupados para a decisão na Argentina com o clube Independiente na próxima quarta-feira (08/12/2010).

Salvo a obscuridade do torcedor entrevado pelo fanatismo e do jornalista esportivo entrevado pela vaidade e pela frustração, ninguém viu a propalada superioridade dos favoritos. O exagerado otimismo e os sorrisos dos torcedores foram substituídos por olhares preocupados e fisionomias tensas. A certeza dos jornalistas esportivos cedeu lugar à dúvida e os seus comentários encomiásticos cederam lugar aos reparos amargos. Velha lição: no esporte, nenhuma equipe vence na véspera. Durante as partidas há inesperadas facilidades e dificuldades. A divisão dos clubes de futebol em série A e série B é ilusória do ponto de vista técnico. Em ambas as séries há partidas boas e ruins e clubes com jogadores bons e medíocres.

A citada LDU não é equipe superior à do Guarani, como disseram. O Fluminense foi vencido em 2008, mais por conta das suas próprias fragilidades apresentadas em campo do que pelas virtudes da LDU. Por boa que seja a equipe, há momentos de fraqueza. Surgem problemas de saúde, de finanças, de família, de relacionamento dos jogadores entre si ou com o técnico e assim por diante. As estrelas não brilham com a mesma intensidade em todas as partidas. Às vezes, cabe aos planetas suportar a perda de luz e calor. Além disto, a colocação do jogador no rol das estrelas é problemática. Em face da projeção do jogador durante a sua carreira e da constante excelência da sua atuação, identificá-lo como estrela não é muito difícil. Tarefa árdua é estabelecer o grau de grandeza da estrela dentro de uma constelação. Graduá-la exige quantificar, ponderar e analisar criteriosamente a presença ou ausência de alguns atributos essenciais, tais como: (1) amor ao esporte; (2) domínio dos fundamentos da arte de jogar futebol; (3) inteligência lúdica (criatividade, visão de jogo, absorção racional da orientação do técnico); (4) disciplina, esforço, dedicação, objetividade e eficiência nos treinos e jogos; (5) elegância (ética e estética); (6) cuidados com a sua forma física e psicológica enquanto jogador profissional em atividade; (7) regularidade durante sua vida útil no esporte; (8) zelo pela boa imagem da sua pessoa, da sua equipe e do seu clube.

Qualifica-se de estrela o jogador cujo brilho resulta não só do carisma como também da reunião em sua pessoa desses atributos diferenciadores. Quanto maior o número desses atributos reunidos num só jogador, maior é a grandeza da estrela. Isto não reduz a importância dos planetas para o sistema. Os demais jogadores, embora reúnam em si poucos atributos, são de importância vital para a equipe. Uma andorinha não traz verão. A solidariedade e o entrosamento entre os jogadores são de suma relevância para o desempenho eficaz da equipe. Quando esses fatores estão presentes e unificados na dinâmica do jogo, acontece uma sinfonia lúdica: os atletas jogam por música.

Cada país tem os seus clubes tradicionais e as suas estrelas. Em um contexto global, as estrelas de primeira grandeza de um país podem ser classificadas de segunda ou terceira grandezas quando comparadas às de outro país. No céu da Argentina, por exemplo, Di Stéfano, Maradona, Riquelme, Messi, quatro jogadores de diferentes gerações, podem ser classificados como estrelas de primeira grandeza, porém, no céu do Brasil, eles seriam estrelas de segunda grandeza. O mesmo se diga em relação ao continente europeu. No firmamento mundial não surgiram, até o momento, estrelas com brilho igual ou superior a Leônidas, Zizinho, Didi, Garrincha, Pelé, Romário e Ronaldo Gaúcho. Rompedores como Maradona e Messi o Brasil tem às dúzias: Ademir Menezes, Vavá, Jairzinho, Zico e Ronaldo Nazário, para só citar alguns de diferentes gerações de craques. Na hora da verdade (copa do mundo e jogo amistoso contra o Brasil) Messi mostrou as suas limitações. Nem por isso deixa de ser um bom jogador. Os melhores jogadores da copa de 2010 foram os holandeses Sneijder e Robben. No entanto, oficialmente, o eleito foi o uruguaio Forlan. Na FIFA também há politicagem e corrupção.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

PÍLULAS

Povo x polícia.

Durou pouco o relacionamento saudável entre a polícia e os moradores dos morros cariocas. Como a natureza do escorpião, a natureza do policial é a de ferroar mesmo os que o tratam amigavelmente. Vândalos e ladrões, os policiais invadiram casas de gente pobre, honesta e trabalhadora, quebraram móveis e roubaram dinheiro como noticiado amplamente nos jornais e emissoras de TV. Morador recebera indenização trabalhista em torno de 30 mil reais, comprovada através de documentos. Os policiais, misto de ladrões e vândalos, apreenderam esse dinheiro que se destinava à compra de imóvel. Não há notícia de que foi lavrado termo regular dessa “apreensão”, nem de que o dinheiro foi prontamente devolvido ao seu legítimo dono. Se a devolução não ocorrer prontamente e o roubo adquirir proteção formal mediante expedientes burocráticos; se os moradores não forem imediatamente indenizados pelos danos sofridos; firmar-se-á a real posição do governador e de seus auxiliares: cúmplices da roubalheira e da destruição. Deficiente ao falar, pobre no vocabulário e nas idéias, o governador fluminense mostrar-se-á eficiente em tolerar e cobrir os abusos dos seus “heróis”.

A responsabilidade pelos danos causados a terceiros é objetiva, mesmo quando os agentes públicos agem em defesa da ordem pública e da paz social, como se depreende dos artigos 5°, XXV + 37, 6º + 135, §1º, II + 141, da Constituição Federal. Com o propósito de acompanhar as diligências policiais não há notícia de comissão especial constituída pela Assembléia Legislativa, por simetria ao disposto no artigo 140, da Constituição Federal e com fulcro no artigo 109, da Constituição Estadual, nem pela Secção do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, com fundamento no inciso I, do artigo 44, da lei 8906, de 04.07.1994 – Estatuto da Advocacia e da OAB.

Ansiosos para colocar a mão no dinheiro dos traficantes, policiais agrediram moradores. Provavelmente, os policiais imaginavam esconderijos com muitos dólares, como na mansão de Pablo Escobar. Dessas diligências, os policiais fazem questão de participar e de se mostrar eficientes, com os olhos no dinheiro, nos bens e nas drogas pertencentes à bandidagem. Dos assaltos a bancos, uma parte da importância roubada nunca é recuperada; “algum bandido” sempre escapa com uma parte do dinheiro. Parte das apreensões de drogas e armas volta à circulação econômica, tão logo os holofotes se apagam.

Pronúncia em inglês.

Apresentador de noticiário em emissora de TV erra na pronúncia da palavra WikiLeaks. Choveram protestos, diz ele. Certamente, de patrulheiros colonizados. Os estrangeiros erram a pronúncia de palavras do nosso idioma e pouco se importam com isto. Essa devia ser a atitude também dos brasileiros em relação aos outros idiomas. Acontece que o complexo de inferioridade do brasileiro e o seu espírito culturalmente colonizado, impedem-no de se conduzir com liberdade. Embora não seja obrigado a conhecer a pronúncia de palavras estrangeiras, o brasileiro age como se tivesse tal obrigação sobre os ombros. Os colonizados gostam de mostrar que sabem o idioma estrangeiro e de corrigir os seus ignorantes compatriotas. Devíamos fazer como os outros povos: abrasileirar a pronúncia e a escrita de todos os termos do idioma estrangeiro. O povo brasileiro não está obrigado a conhecer alemão, inglês, francês, italiano, japonês ou qualquer outro idioma. O brasileiro que aprenda o idioma que quiser, sem vomitar arrogância sobre quem não tem interesse algum em aprender línguas estrangeiras. Ao brasileiro, basta conhecer e falar bem o seu próprio idioma.

O esportista e a publicidade.

Coincidência ou não, depois que aparecem em filmes publicitários na TV, em revistas e jornais, os jogadores de futebol perdem eficiência no esporte. Isto aconteceu com o inglês Beckham, com o português Cristiano Ronaldo, com os brasileiros Ronaldo Nazário, Ronaldo Gaúcho, Robinho e Luís Fabiano e está acontecendo com Fred, atacante do Fluminense que atacou de galã e modelo como o inglês e o português citados, ora posando nu, com uma bola de futebol cobrindo o escroto, ora posando com o dorso nu e calça jeans, insinuando erotismo. Aí está uma explicação para o seu baixo rendimento nas partidas de futebol; volta e meia ele se atrapalha com a bola; muitas vezes a perde para os adversários; outras tantas, ele erra o gol adversário em situações altamente favoráveis. Se o técnico Muricy não providenciar um ataque mais objetivo e eficaz, o título de campeão escorrerá pelo ralo.

O Corinthians também corre o risco de perder para o Goiás, time que venceu o argentino Independiente na primeira partida da final da copa sul-americana e poderá vencer a segunda partida na Argentina. A equipe goiana pode achar mais importante manter o espírito vencedor do que facilitar as coisas para o time paulista. À equipe do Guarani foi prometida a importância de 2,5 milhões de reais para vencer o Fluminense, segundo informou, nesta semana, a Gazeta Esportiva, programa da TV Gazeta. Esse tipo de recompensa é negociado pelos cartolas, com ou sem o conhecimento dos jogadores. O Guarani é um clube de jogadores brasileiros, o que significa futebol de bom nível; se o adversário vacilar, perde o jogo. Recebendo, ou não, igual promessa de recompensa, o clube de Goiás, se empregar todo o seu potencial, vencerá o Corinthians. O título poderá ficar para o Cruzeiro.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

PÍLULAS

Costumes.

O genial carnavalesco Joãozinho Trinta surpreendeu a inteligência brasileira ao dizer que pobre gosta de luxo e quem gosta de miséria é intelectual. Na verdade, a miséria serve de matéria para: (i) estudos dos sociólogos e cientistas políticos; (ii) inspirar poetas, compositores de música e outros artistas. Agora, na guerra travada nos morros cariocas entre a autoridade estatal e a bandidagem de segundo e terceiro escalões, ficamos sabendo de outra novidade: os pobres gostam da polícia! Quem não gosta da polícia são os intelectuais (incluindo advogados, promotores e juízes), os ricos e os remediados.

Outra novidade: forças do governo pedindo licença para entrar na casa dos pobres! Mas, que reviravolta é esta? O que é que está acontecendo aqui no Rio de Janeiro? Como tais episódios são inéditos, vamos aguardar para ver quanto duram e se desta vez desmentimos o ditado: o que é bom, dura pouco. Por outro lado, ser policial educado não implica relaxar a vigilância. O relaxamento pode custar a vida do policial e dos moradores da casa e da comunidade. Todavia, ficar vigilante não implica violência. Dizia um político baiano: o preço da liberdade é a eterna vigilância. Recomenda-se vigilância até do indivíduo sobre si mesmo. O grande mestre dos cristãos recomendava: orai e vigiai. A cada dia, a cada momento, o indivíduo, ainda que não seja cristão, precisa vigiar seus pensamentos, sentimentos e conduta, a fim de se manter no bom caminho e evitar aborrecimentos, desilusões e sofrimento.

Bullying.

Se não fosse o idioma inglês, alguns jornalistas das emissoras de TV não saberiam da existência, no Brasil, da tirania, da intimidação, do maltrato, da violência, entre as crianças, adolescentes e adultos, no lar, na escola, na comunidade, na empresa, na praça ou em qualquer lugar onde estejam reunidas duas ou mais pessoas. Parece que esses jornalistas e outras personalidades do mundo intelectual jamais foram vítimas dessa conduta maldosa e nunca a perceberam nos seus amigos e colegas. Desconhecem a existência de processos nas varas de família, nas varas da infância e juventude e nas varas criminais, versando esse tipo de violência. A intelectualidade brasileira exultou quando descobriu o “bullying” nos EUA. Imediatamente aplicou a palavra em textos e programas de TV, certa de que “bullying” impressiona mais do que “intimidação”, “maltrato” ou “violência”. Esse é o seu modo de exibir cultura. Mais um episódio para os argentinos zombarem da macaquice dos brasileiros.

O amor ao idioma pátrio é um dos elementos subjetivos da independência nacional. O brasileiro menospreza o idioma português, talvez porque não exista uma língua brasileira. Havia o tupi-guarani, língua geral no Brasil até o século XVIII. O idioma português e o francês ficavam à margem, restritos à minoria. O colonizador europeu proibiu o uso da língua geral e exigiu o uso exclusivo do idioma português. O brasileiro do século XX colocou no altar o pobre e gutural idioma inglês, apesar de a língua portuguesa ter mais vocábulos e melhor sonoridade. O idioma inglês não ficou à margem no cenário mundial graças à obra literária de alguns bons escritores e ao poderio político, econômico e estratégico da Inglaterra e, posteriormente, dos EUA. Em virtude da central importância desses países, o inglês se tornou o idioma geral e comum entre as nações, para alegria dos mentecaptos.

Futebol.

Campeonato Sul-Americano. 25.11.2010. Palmeiras x Goiás. Partida semifinal. As duas equipes aguerridas. O clube goiano venceu: 2 x 1. Disputará a partida final e poderá ser campeão do certame. Destaque para o atacante do Goiás, Rafael Moura, física e tecnicamente parecido com Ibrahimovic, jogador do Milan. Arbitragem muito boa, sem vedetismo. Os dois gols da equipe goiana foram legítimos. Quanto ao segundo gol, o jogador do Palmeiras participou do lance em que o jogador do Goiás cabeceou da linha de fundo para o centro da pequena área. Quando o atacante goiano cabeceou para dentro do gol a situação era regular em face da dinâmica do lance. Vitória merecida.

Campeonato brasileiro. 28.11.2010. Vários jogos no mesmo horário. Vitória incrível e heróica do Avaí sobre a equipe do Santos FC: 3 x 2. Livrou-se do rebaixamento para a série B, do futebol brasileiro. Foi possível notar algo de comum nos três principais jogos da rodada, em que uma das equipes era candidata ao título: os jogadores da equipe candidata se esforçavam ao máximo enquanto os jogadores da equipe adversária, por falta de interesse e de motivação, se esforçavam ao mínimo. Além disto, no jogo entre Fluminense e Palmeiras, esta última equipe tinha contra si a sua própria torcida unida à torcida adversária. A torcida palmeirense preferia que o título fosse para o Fluminense e não para o Corinthians. O Palmeiras só não levou uma goleada graças aos dois sofríveis atacantes tricolores, que perdem muitos gols e fazem jogadas bisonhas. Graças, ainda, à indisposição das duas equipes para atacar no final da partida. Se mantiver esse ataque medíocre, o Fluminense perderá o próximo jogo. Basta esforço máximo dos jogadores do Guarani (o que não é exigível de nenhum clube na sua situação). De repente, o pessoal do Guarani resolve descer vitorioso para série B do futebol brasileiro. O título ficará para o Corinthians ou Cruzeiro. O Fluminense poderá evitar o empate ou a derrota se os seus defensores e jogadores de meio de campo tiverem um bom desempenho e se encarregarem de fazer os gols. Se confiar nos dois atacantes, adiós pampa mia!

domingo, 28 de novembro de 2010

DIREITO

Sigilo bancário e fiscal.

Na sessão do dia 25.11.2010, do Supremo Tribunal Federal - STF, foi debatido o sigilo bancário. O Banco Santander comunicou à sua cliente, pessoa jurídica de direito privado, que a receita federal solicitara os dados da sua conta. A cliente propôs ação judicial para impedir o fornecimento da informação. Alegou que os dados estavam sob sigilo garantido pela Constituição. Em ação cautelar, a cliente pediu ao STF concessão de efeito suspensivo ao recurso extraordinário. Reconhecendo a urgência do caso, o relator deferiu o pedido liminarmente, atribuindo efeito suspensivo ao recurso extraordinário e determinando ao banco que nenhuma informação prestasse à receita federal até o julgamento definitivo do citado recurso. A seguir e na forma regimental, submeteu sua decisão ao plenário para referendo. Por maioria de votos, o tribunal revogou a liminar. Em conseqüência, o recurso extraordinário seguirá seus trâmites com efeito devolutivo exclusivamente; a decisão judicial poderá ser executada; nela amparado, o banco fornecerá, ao fisco, os dados solicitados.

A gravidade e a urgência do caso eram de evidência solar. Por isso mesmo, o relator concedeu a medida cautelar liminarmente. Uma vez quebrado o sigilo, o dano está consumado, sem volta. Os dados ganham publicidade. A privacidade e a intimidade restam violadas. A medida cautelar garantiria a eficácia de ulterior decisão do recurso extraordinário. Os ministros se precipitaram e avançaram o seu entendimento sobre a matéria tratada na ação cautelar e no recurso extraordinário, sem esperar o oportuno e adequado momento processual.

Os votos vencedores negam a publicidade, afirmando que se trata de simples transferência do sigilo bancário para o sigilo fiscal, o que dispensa autorização judicial nos termos da lei complementar 105/2001. Essa lei permite ao Banco Central do Brasil, à Comissão de Valores Imobiliários e às autoridades e agentes fiscais tributários, acesso a dados sigilosos existentes nas instituições financeiras (inclusive sobre as contas de depósito dos clientes, pessoas físicas e jurídicas).

Da leitura dessa lei, entretanto, nota-se que o acesso direto a dados sigilosos só é permitido ao Poder Legislativo Federal (art. 4º). As demais instituições, autoridades e agentes tributários, no exercício das suas funções fiscalizadoras, só terão acesso indireto, isto é, por intermédio de autorização judicial (art.3º e 7º), o que se harmoniza com a Constituição em vigor. Essa interpretação literal permite manter a LC 105/2001 no ordenamento jurídico, salvo a parte que permite a circulação de dados entre as instituições financeiras (art. 1º, §3º).

Equivocadamente, a maioria dos ministros entendeu dispensável autorização judicial; a minoria, acertadamente, entendeu-a imprescindível. Somente as comunicações telefônicas podem ter o sigilo afastado ocasionalmente e, mesmo assim, mediante ordem judicial (CF 5º, XII). O sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas e de dados não pode ser quebrado nem por ordem judicial. Cuida-se de mandamento absoluto. Esse dispositivo constitucional pode ser dividido em dois grupos: (1) sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas; (2) sigilo de dados e das comunicações telefônicas. Este segundo grupo estaria na ressalva “salvo, no último caso”, contida no aludido preceito constitucional que permite levantar o sigilo. Absoluta seria a inviolabilidade do primeiro grupo. A do segundo grupo poderia ser afastada por decisão judicial. Divisão contestável; situa-se no terreno da linguagem. O “último caso” certamente refere-se somente às comunicações telefônicas. De qualquer modo, estejam ou não incluídos os dados na ressalva, a ordem judicial é imprescindível ao levantamento do sigilo.

A lei infraconstitucional não pode autorizar ou permitir o que a Constituição desautoriza ou proíbe. No Brasil, vige a supremacia da Constituição. O ordenamento jurídico brasileiro é hierárquico. A validade das leis depende do ajustamento da sua forma e do seu conteúdo aos preceitos constitucionais.

O voto do ministro Celso de Mello destaca a inviolabilidade da intimidade financeira das pessoas. Trata-se de norma de valor absoluto (CF 5º, X). A discussão genérica e acadêmica sobre o caráter absoluto ou relativo do direito peca por inadequação e falta de especificidade. Para aqueles que não gostam dos freios jurídicos, tudo é relativo. A inviolabilidade da intimidade e privacidade é garantia fundamental que resulta de decisão política soberana do legislador constituinte petrificada em norma constitucional. O legislador constituinte não estabeleceu exceção alguma ao declarar essa inviolabilidade. Por isso mesmo, o legislador ordinário não pode criar exceção. Cuida-se de garantia intransponível pelo Poder Constituído (Legislativo, Executivo, Judiciário). Não há interesse público maior, no Estado Democrático de Direito, do que respeitar as garantias constitucionais dos cidadãos. O legislador constituinte as colocou entre os valores supremos da república (CF, preâmbulo). Dispensar o banco do dever de sigilo sobre os dados das contas dos seus clientes significa esvaziar garantia fundamental e conceder licença ao abuso. Ao atribuir esse poder a um órgão do Executivo, o STF abandona seu papel de guardião da Constituição. Os aloprados estarão franqueados para devassar a intimidade e a privacidade das pessoas.

A propriedade privada é assegurada às pessoas pelos artigos 5º e 170, II, da Constituição Federal. Os dados lançados na conta bancária pertencem à intimidade do titular. O banco é mero depositário e administrador financeiro de bem alheio. O poder do Estado de investigar e apurar autoria e materialidade de ilícitos encontra limite nas garantias individuais. Quando esses limites são transpostos, os cidadãos ficam inseguros, expostos aos desmandos dos agentes políticos e administrativos do Estado.

O legislador constituinte, no exercício pleno da soberania nacional, outorgou, ao Poder Judiciário, competência para zelar pela constitucionalidade das leis e pela eficácia dos direitos fundamentais. Atribuiu aos juízes e tribunais a guarda da Constituição. Estabeleceu algumas exceções aos direitos fundamentais, mas coerentemente, exigiu autorização judicial para serem efetivadas. Assegurou a estrutura do sistema. Além dos juízes e tribunais, apenas as comissões parlamentares de inquérito podem levantar sigilo (CF 58, §3º). Entretanto, o legislador ordinário elabora leis para livrar o Executivo da amarra jurídica; garante formalmente arbitrariedade ao governante. O artigo 1º, §3º, da lei complementar 105/2001, exemplifica isto; rompe o dique das garantias individuais. Informações sobre a intimidade, a privacidade, a situação financeira das pessoas circulam amplamente pelos corredores da administração pública e das instituições financeiras. Motivos ideológicos, econômicos e imorais solapam o sistema constitucional brasileiro. O anseio pelo poder absoluto, livre de freios éticos, jurídicos e religiosos, domina o espírito dos governantes e dos seus auxiliares, tanto nos países democráticos, como nos autocráticos.

Intervenção no Município.

Na mesma sessão (25.11.2010) o Supremo Tribunal Federal apreciou questão relativa à extensão dos poderes da Controladoria Geral da União. Prefeito municipal propõe ação judicial para impedir a Controladoria de intervir nos negócios do seu município. Apóia-se na autonomia municipal assegurada na Constituição Federal. A Controladoria sustenta a legitimidade da sua intervenção lastreada no controle interno e na fiscalização previstos na Constituição. Controle (dirigir, orientar) e fiscalização (examinar, vigiar) neste caso concreto referem-se às verbas federais entregues ao município através de convênio celebrado com a União Federal.

Lavrou divergência no STF. A maioria dos ministros entende legítima a ação da Controladoria no município. Estriba-se no princípio republicano, do qual é corolário o dever de prestar contas de quem utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos (CF 70, p.u.). O fornecedor da verba tem o direito de fiscalizar a respectiva aplicação e exigir prestação de contas de quem a recebe. O município que recebe dinheiro em decorrência de convênio celebrado com a União fica sujeito à fiscalização por órgão federal. Essa fiscalização convive com a exercida pelos órgãos de controle externo da prefeitura (câmara municipal + tribunal de contas). Depreende-se do caso exposto no tribunal, que essa fiscalização especial está prevista no convênio.

A minoria considerou inconstitucional a ação da Controladoria. Arrima-se no princípio federativo do qual a autonomia municipal se tornou corolário ex vi da Constituição brasileira de 1988 (art. 18 e 29). A ação da Controladoria no território municipal e nas dependências da prefeitura constitui intromissão indevida nos negócios do município; tipifica intervenção extraordinária, sem amparo constitucional.

Realmente, consoante artigo 34, da Constituição, a União só pode intervir nos Estados e no Distrito Federal. Logo, esse tipo de atividade da Controladoria – órgão do Executivo federal – é inconstitucional. Irrelevantes para a solução da controvérsia as distintas qualificações dadas à federação pelos doutrinadores (rígida, orgânica, integrada, flexível). Lex habemus. No município, a intervenção compete exclusivamente ao respectivo Estado federado, mediante decreto do governador, com assentimento da assembléia legislativa (CF 36,1º). Na hipótese de prestação de contas, a intervenção estadual só se justifica se o município for inadimplente (CF 35, II). Não há notícia, pelo menos veiculada na sessão do tribunal, de que o município se negou a prestar contas ou que as prestou sem atender aos requisitos constitucionais e legais.

Em sintonia com o princípio republicano da responsabilidade dos gestores da coisa pública, os ministros concordam com a obrigação do município de prestar contas. Discordam entre si, porém, quanto à primazia do princípio republicano sobre o federativo. Entretanto, a divergência se resolverá se abandonada a área dos princípios e adentrada a seara dos conceitos. República é um tipo de Estado cujo governo e cujos bens constituem patrimônio da nação perante a qual respondem os governantes. A responsabilidade é nota essencial do conceito de república. Federação é um tipo de Estado soberano composto de Estados autônomos. Daí a congruência do legislador constituinte ao definir o Brasil como república federativa (CF 1º): adotou a forma republicana de vida política (que poderia ser monárquica) e o modelo federativo de Estado (que poderia ser unitário). Não há sentido, pois, falar de primazia da república sobre a federação ou vice-versa. Esses conceitos formam uma unidade institucional na organização política e administrativa do Brasil (CF 18).

Em nosso país vigora a supremacia da Constituição। Contrato, lei complementar e qualquer outro ato normativo infraconstitucional não podem contrariá-la. O ordenamento jurídico brasileiro é hierárquico. O contrato ou a lei não pode: (i) autorizar ou permitir o que a Constituição desautoriza ou proíbe; (ii) disciplinar de modo diferente a dinâmica determinada na Constituição. A intervenção no município deve obedecer ao procedimento estabelecido na Constituição. O direito da Controladoria de exigir prestação de contas não pode servir de pretexto à intervenção extraordinária no município. As contas são prestadas na forma contábil, circunscritas à verba recebida. Em relação ao município, a fiscalização pela Controladoria é externa, pois o município não integra a organização administrativa do Executivo federal e sim a organização política e administrativa da república federativa. Se o dever do município de prestar contas no caso concreto refere-se a verba federal e decorre de obrigação derivada da Constituição, o controle externo compete ao Tribunal de Contas da União (além dos controles interno e externo locais); se a obrigação deriva de contrato entre órgão federal e órgão municipal, a fiscalização da respectiva execução cabe às partes contratantes, sem prejuízo dos controles interno da prefeitura e externo da câmara municipal e do tribunal de contas.
A fiscalização especial e não intervencionista decorre da exigência de legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência na administração pública (CF 37)। O desvio de verbas é corriqueiro। Verba destinada à construção de estrada, por exemplo, é aplicada em negócios particulares ou em obra distinta. Notas fiscais, recibos e faturas sem correspondência com a realidade ou registrando valores acima do valor de mercado do material e da mão de obra utilizados, são fatos notórios na administração pública. Do que foi exposto na sessão de julgamento, depreende-se que o equívoco está no caráter invasivo da fiscalização realizada pela Controladoria. Ainda que esteja previsto no contrato, tal procedimento não prevalece ante os freios constitucionais. Subjaz à conduta invasiva do agente público, a tendência de exercer o poder além dos limites traçados pelo direito e pela moral. Summum jus, summa injuria.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

PÍLULAS

Cidade maravilhosa.

“Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, cidade maravilhosa, coração do meu Brasil”. Marcha musical que virou hino. Da cidade do Rio de Janeiro, só restou fama. Os cariocas – povo e governo – acabaram com a maravilha. Emporcalharam a cidade nos últimos 60 anos. Macularam sua beleza natural. Poluíram praias. Lixo, urina e fezes nos logradouros públicos (moradores de rua e ambulantes também têm necessidades fisiológicas, apesar da miséria). Vias públicas congestionadas de pessoas e veículos. Trânsito lento. Ensino básico deficiente. Hospitais insuficientes; nos existentes faltam: higiene, equipamentos, gerência eficiente, médicos, enfermeiros e funcionários.

“Rio de Janeiro, gosto de você, gosto de quem gosta deste céu, deste mar, desta gente feliz”. Ao passar pela transição, Lúcio Alves, cantor de voz suave e melodiosa, levou com ele essa gente feliz. O carioca vive da aparência que lhe deu a fama gerada em época feliz. O “espírito carioca” tornou-se artificial; a alegria, uma impostura; o carnaval, um evento turístico sem alma. O malandro carioca foi para o túmulo com o Kid Morangueira. O seu lugar foi ocupado pelo delinqüente carioca (traficante, assassino, assaltante, estelionatário). O carioca contemporâneo vive com medo, trancado em seus apartamentos na zona sul e nas suas vilas na zona norte. Sofre no corpo, na mente e nas finanças. Arrastão nas ruas e nas praias; assaltos em casas comerciais e residenciais; batalha de torcidas de futebol; destruição do patrimônio público e particular.

“Favela que mora no meu coração, ao recordar com saudade, a minha felicidade, favela dos sonhos de amor e do samba canção”. Versos cantados por Francisco Alves, o Rei da Voz. A favela com seus barracos, teto de zinco, chão de estrelas, que inspirou os poetas do asfalto, transfigurou-se: casas de tijolos, luz elétrica, água encanada, esgoto a céu aberto, desembocando nos rios e no mar in natura. Mudou de nome: ao invés de favela, agora é comunidade. A mudança melhora a auto-estima dos moradores. Algumas favelas (a Mangueira serve de exemplo) receberam atenção maior em homenagem à sua tradição. A favela/comunidade converteu-se em fortificado território de traficantes de drogas e de armas e em abrigo para diversos tipos de delinqüentes. Fuzis e metralhadoras produzem o samba canção e embalam os sonhos de grandeza dos jovens. Os poetas ficaram sem os sonhos de amor. À população restou o pesadelo.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

PÍLULAS

Aparência.

A beleza tem um padrão na cultura ocidental fornecido pela mitologia e pela arte grega: a de Apolo, masculina e a de Afrodite, feminina. Na poesia, ambas as belezas são homenageadas. No cinema, personificam-nas atores como Rodolfo Valentino, Toni Curtis, Alain Delon, e atrizes como Greta Garbo, Sophia Loren, Elizabeth Taylor. No entanto, a aparência real da pessoa de 20, 50 ou 100 anos de idade carece de padrão. Há influência de fatores individuais (orgânicos e psicológicos), sociais, econômicos e ambientais nas marcas do rosto e na postura física das pessoas. Estes são fatos da experiência comum. O desenvolvimento físico e o funcionamento orgânico não são exatamente os mesmos entre pessoas que vivem na zona polar e as que vivem na zona equatorial; entre o civilizado e o silvícola; entre o trabalhador rural e o trabalhador urbano. Clima, etnia, dieta alimentar, estilo e ritmo de vida contribuem para a distinção. Entre pessoas da mesma idade que habitam a mesma região também os traços de envelhecimento aparecem mais em uns do que em outros. Nascemos para viver e morrer. Envelhecemos no caminho.

Carece, pois, de fundamento racional, a frase de duplo sentido: “você não aparenta a idade que tem”. A intenção do interlocutor pode ser a de: (i) ironizar ou elogiar quem está envelhecido; (ii) emitir opinião meramente convencional sobre a boa disposição física e mental da pessoa com mais de 50 anos de idade.

Sensação térmica.

Comum nas previsões meteorológicas e nos eventos esportivos transmitidos pelas emissoras de TV, a referência à temperatura do termômetro e à temperatura sensorial. Essa distinção não se sustenta racionalmente. Cada indivíduo sente a temperatura ambiente registrada no termômetro. As pessoas mais agasalhadas sentem menos o rigor do frio; outras, menos agasalhadas, sentem mais. Sob igual temperatura, no mesmo ambiente externo, umas pessoas sentem frieza ou calor mais intensamente do que outras. O frio sensibiliza mais as partes expostas do corpo (rosto, mãos) do que as partes agasalhadas. Os atletas de uma equipe esportiva, sob baixa temperatura, parados no banco de reservas, sentem mais frio do que os atletas em movimento durante o jogo. A sensação térmica quantifica-se pelo termômetro, inventado justamente para isso: medir a temperatura. Avaliar tal sensação em grau inferior quando o termômetro acusa temperatura superior serve, exclusivamente, à linguagem expressiva. Trata-se de mensura subjetiva sem espelhar a realidade.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

ESPORTE

Futebol.

Arbitragem e punibilidade.

Campeonato brasileiro. Série B. 20/11/2010. Portuguesa x Ipatinga. Defensor da Portuguesa entra de carrinho no adversário. Árbitro o expulsa imediata e diretamente; aplica o cartão vermelho sem esperar pelo amarelo. Jogadores protestam por ser a primeira falta do companheiro. Árbitro mantém a punição. Durante a partida exibe autoridade sem autoritarismo e sem panos quentes. Virilidade e contacto físico são características do futebol. O jogador que disto se aproveita para dar tapas, cotoveladas, pancadas nos adversários afronta a ética esportiva e merece punição. O argumento de que bateu no adversário sem querer, sem intenção, serve exclusivamente à impunidade, pois não convence. O bom jogador prima pela categoria e se envergonha de algum lance que a não demonstre. O jogador profissional tem a obrigação moral de exibir bom nível técnico, de visar exclusivamente o domínio da bola e de movimentar o corpo sem desferir golpes no adversário. A punição é cabível quando a ofensa física, tentada ou consumada, resultar da malícia, má fé ou da falta de habilidade do jogador. A graduação da pena é normativa: advertência verbal, advertência com cartão (amarelo) e expulsão (cartão vermelho). A graduação, porém, não vincula o árbitro à seqüência. Cabe-lhe aplicar a pena adequada ao caso concreto, segundo sua interpretação. Destarte, o árbitro pode aplicar a pena de expulsão mesmo que o jogador não tenha sido advertido previamente. Na jogada sob apreciação do árbitro, pesa mais a violência do que a intenção do jogador. Ainda que o adversário não seja atingido, o jogador deve ser punido por assumir o risco de ferir. Nesta hipótese, a intenção pesa mais e pode até causar a expulsão, conforme as circunstâncias e a avaliação do árbitro. Agredir, no sentido de atacar, insultar, ofender física e moralmente o adversário, é comportamento incompatível com o esporte. Atacar a equipe adversária, no sentido técnico e estratégico, de modo aguerrido e algumas vezes até ríspido, porém sem violência, é próprio do esporte. Alguns jogadores são useiros e vezeiros em simular faltas, principalmente dentro da área do gol adversário. Diante dessa realidade, pode acontecer de o árbitro: (i) não se deixar enganar e advertir o espertalhão; (ii) marcar infração que não existiu (vitória da safadeza; árbitro induzido a erro); (iii) deixar de marcar infração que existiu (safadeza derrotada; hábito de enganar prejudica o enganador; plausível erro do árbitro).

Campeonato brasileiro. Série A. 21/11/2010. (1) Fluminense x São Paulo. Confronto dos tricolores carioca e paulistano. Primeiro tempo com bom desempenho das duas equipes. No segundo tempo dois jogadores do clube paulista foram expulsos: um por ofensa ao árbitro; outro por derrubar o adversário quando este tinha à sua frente apenas o goleiro. O árbitro acertou ao aplicar o cartão vermelho diretamente nas duas infrações. A sua atuação foi excelente durante a partida. Numericamente superior, o clube carioca dominou a equipe adversária e fez mais gols. Placar final: 4 x 1. Alex Silva, defensor do São Paulo, foi o destaque. Jogou muito bem; lutou bravamente. Fred e Washington, atacantes do Fluminense, perderam gols e tiveram um desempenho sofrível. Quando o Fluminense perdeu a chance de ser campeão da copa Libertadores da América jogando no Maracanã, o atacante Washington também não conseguia fazer gols há algumas partidas e mesmo assim, o treinador Renato Gaúcho o manteve em campo durante os 90 minutos de jogo. Agora, no jogo de domingo, o treinador Muricy o substituiu oportuna e acertadamente. (2) Cruzeiro x Vasco. Bom nível técnico. Superioridade inconteste do clube mineiro. O carioca controlou a bola por muito tempo, porém, faltou objetividade. Conseguiu fazer apenas um gol. O mineiro finalizou com maior precisão e número de gols. Forte candidato ao título de campeão brasileiro. As duas equipes ofereceram um bom espetáculo ao público.

sábado, 20 de novembro de 2010

ESPORTE

Amizade há de prevalecer no mundo esportivo. A rivalidade entre equipes não se confunde com inimizade, como bem demonstrou a confraternização entre Ronaldo Gaúcho e Messi após o encerramento do jogo amistoso da seleção brasileira contra a seleção argentina na quarta-feira (17/11/2010). Durante o jogo houve pancadaria e ofensas verbais de ambos os lados. Na linguagem esportiva, amistoso significa jogo fora de campeonato, sem implicar troca de gentilezas, beijos e abraços entre os jogadores. Essa troca, quando acontece, há de ser moderada para resguardar a virilidade. Censura-se o oposto: botinadas, cotoveladas, tapas, carrinhos. A desculpa recorrente de que o contato físico é inevitável camufla a deslealdade. Dessa desculpa o jogador se aproveita para agredir o adversário. Essa conduta ilícita se espalhou como praga nos campos de futebol, com o beneplácito dos árbitros. A expulsão do jogador deve ser resposta imediata à violência praticada, sem panos quentes. As comissões de arbitragem nacional e internacional devem instruir os árbitros a esse respeito e exigir obediência à sua orientação. O futebol feminino, até o momento e enquanto não seguir o péssimo exemplo do masculino, mostra como é dispensável a violência; bastam técnica e boa educação, sem prejuízo do espírito guerreiro. O espetáculo ganha em beleza e proporciona maior satisfação aos apreciadores do esporte.

O jogo amistoso tolera menor empenho dos atletas, admite especial cuidado para evitar lesões e aceita exibição de talento despreocupada com o resultado. Apesar disto, jogo é jogo. Ainda que não haja troféu à vencedora e o início da partida seja cuidadoso, ambas as equipes atuam para vencer. Em campeonato, a equipe só joga para perder: (i) em troca de dinheiro; (ii) com o propósito de entrar em grupo constituído de equipes mais fracas e, desse modo, assegurar boa classificação; (iii) por determinação superior dos dirigentes do esporte (cartolas). A seleção brasileira de futebol parece ter sofrido tal experiência na copa de 1998. Afastaram Romário. A responsabilidade passou para Ronaldo Nazário, que amarelou e passou mal. Os jogadores brasileiros pareciam zumbis na partida contra a seleção francesa. Ficou a impressão de que os dirigentes da federação internacional de futebol (cartolas) favoreceram a equipe da casa (França).

Depois de vencer 5 copas do mundo, a seleção brasileira não precisa provar mais nada. Convém livrar-se do sentimento de inferioridade. Ante as provocações dos argentinos ou de qualquer outra equipe, os brasileiros devem ficar indiferentes e altaneiros. Em campo, jogando leal e eficazmente, os brasileiros mostrarão o seu valor. Para acalentar amor próprio, os brasileiros têm a seu favor a realidade histórica. Além das vitórias em campeonatos e jogos amistosos, o Brasil dispõe das únicas estrelas de primeira grandeza do futebol mundial: Leônidas, Zizinho, Didi, Garrincha, Pelé, Romário, Ronaldo Gaúcho, na ordem da antiguidade. Argentina e países europeus só possuem estrelas de segunda grandeza e, assim mesmo, em número pequeno: Beckenbauer, Bob Charlton, Cristiano Ronaldo, Di Stefano, Eusébio, Fontaine, Gerd Muller, Kócsis, Maradona, Messi, Platini, Puskas, Riquelme, Zidane, enquanto o Brasil tem dezenas: Ademir Menezes, Ademir da Guia, Amarildo, Cafu, Djalma Santos, Domingos da Guia, Falcão, Gerson, Giovane, Jairzinho, Júnior, Nilton Santos, Paulo César, Reinaldo, Rivaldo, Rivelino, Roberto Carlos, Robinho, Sócrates, Tostão, Vavá, Zé Roberto, Zico, para citar apenas alguns na ordem alfabética. Na constelação das estrelas de terceira grandeza incluem-se americanos, europeus e africanos como Anelka, Baggio, Ballack, Batistuta, Beckham, Breitner, Cambiasso, Cruyff, Cubillas, Deco, Eto´o, Klinsmann, Klose, Lato, Lineker, Malouda, Nasri, Ribery, Robben, Rummenigg, Sneijder, Totti, Valderrama, Vieri, enquanto o Brasil tem uma plêiade: Adriano, Alex, Bebeto, Careca, Carlos Alberto, Clodoaldo, Coutinho, Diego Tardelli, Dirceu Lopes, Edmundo, Edu, Felipe Coutinho, Ganso, Juan, KK, Leivinha, Lúcio, Luis Fabiano, Luis Pereira, Maicon, Miller, Nelinho, Neymar, Nilmar, Palhinha, Pato, Pepe, Pinheiro, Raí, Renato Gaúcho, Roberto Dinamite, Ronaldo Nazário, Zagalo, Zito, e por aí vai.

Os argentinos foram campeões mundiais. Como qualquer outra seleção, a brasileira não é invencível. Cedo ou tarde, os argentinos a venceriam. Melhor agora do que nos jogos da copa do mundo. Os argentinos são habilidosos, têm muita garra, empenham-se muito nas partidas. O último jogo entre as duas seleções foi equilibrado. O gol no minuto final da partida foi acidental. De modo algum evidenciou superioridade. Resultou de uma bela trama dos adversários e da característica rompedora de Messi na seqüência dos dribles. O gol foi produto do acaso. No decorrer da partida, Messi teve melhor oportunidade e errou. Esse jogador foi desarmado inúmeras vezes pela defesa brasileira. Ronaldo Gaúcho sofreu menos desarmes.

A convocação de Ronaldo foi acertada, porém, como estrela de primeira grandeza na história do futebol, ele precisa readquirir confiança no seu potencial. Ao passar a bola para Neymar, quando podia ter chutado diretamente no gol, Ronaldo mostrou insegurança ou excesso de solidariedade decorrente, quiçá, de eventuais pressões que sofre na Europa. Às vezes, ele se excede nas gentilezas quando, por exemplo, apanha a bola com as mãos e a entrega nas mãos do adversário para cobrança de falta ou reposição de bola na lateral do campo, o que pode ser mal interpretado como sinal de fraqueza ou atitude de menosprezo. O adversário que vá buscar a bola onde ela se encontra, ou espere pelo gandula. Ao voltar para seu clube, seria bom que Ronaldo colocasse os aborrecimentos e os contratempos na geladeira e se dedicasse de corpo e alma ao futebol. Creio que muitos brasileiros aguardam por isto. Além de uma boa conversa com psicólogo, seria bom que ele perdesse mais um pouco de peso para ganhar em velocidade e desenvoltura. Talento há de sobra.

Nesta fase experimental da seleção brasileira, seria producente a permanência em campo de Vítor, Daniel Alves, Lucas, Ronaldo Gaúcho e Robinho durante os 90 minutos (salvo contusão ou exaustão física) visando ao entrosamento e confiança. Os demais jogadores podiam ser substituídos logo no início do segundo tempo, sem tardança, com tempo suficiente para os substitutos desenvolverem o seu potencial técnico. O treinador observa todos os jogadores nos treinos. Os torcedores, apreciadores e simpatizantes da seleção brasileira só têm essa chance nos jogos. O grande mestre Didi cunhou a frase que ficou célebre no meio esportivo: treino é treino, jogo é jogo. Seria interessante que nos próximos jogos, mantidos aqueles cinco, os seis jogadores que atuassem no primeiro tempo fossem substituídos de uma só vez no segundo tempo. A quantidade das substituições nos jogos amistosos pode ultrapassar o limite regulamentar se houver acordo. Há tempo suficiente para essa experiência. A próxima copa acontecerá só em 2014. Por ser no Brasil e dispormos de jogadores e treinador excelentes, não significa vitória fácil da nossa seleção. Lembrai-vos de 1950.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

ECONOMIA

Taxa cambial.

Os chefes de governos dos 20 países mais desenvolvidos do mundo (G20) reuniram-se em Seul, capital da Coréia do Sul, em 12/11/2010, para solucionar a guerra cambial. Adotaremos o câmbio fixo ou câmbio flutuante? Manteremos o dólar como paradigma ou mudaremos? Qual o prazo para o ajuste? O Brasil, orgulhoso de pertencer ao refinado G20, defende o câmbio flutuante. Os administradores brasileiros gostam de ver o dólar flutuar e cair em contas bancárias particulares nos paraísos fiscais.

Aos principais atores da guerra cambial (EUA e China) interessa desvalorizar a moeda para incrementar as exportações dos seus produtos. Essa guerra não interessa a países de dentro e de fora do bloco. Buscou-se encontrar o ponto G-0, que traria mais prazer para todos. Ficou-se nas preliminares. O ensaio valeu pelo congraçamento. Assim como na ambiental, a questão cambial atraiu chefes de governo. Isto indica que o problema está posto na agenda internacional e preocupa em escala planetária.

O entrave a uma adequada solução está nas características da economia convencional em vigor: crescimento ilimitado, lucro ilimitado, pretensão ao poder hegemônico, desigualdade na distribuição da riqueza e na divisão do trabalho em nível internacional. Nesse tipo de economia, destacam--se os objetivos centrais: (1) do empresário, aumento dos lucros; (2) do empregado, aumento salarial; (3) da sociedade, aumento na oferta de mercadorias e serviços de boa qualidade e do pleno emprego. A partir da última década do século XX e primeira década do século XXI, os custos sociais e ambientais da atividade econômica passaram a receber maior atenção dos povos, dos governos, dos empresários e dos trabalhadores no mundo. A desigualdade persiste porque resulta do mecanismo concentrador do capital e do espírito competitivo. Milhões de pessoas passam fome no mundo, não por falta de alimentos, mas por falta de acesso aos alimentos produzidos no planeta, decorrência da selvageria desse modelo econômico enraizado na cultura ocidental.

O desequilíbrio é inerente ao sistema fundado na competitividade, tanto na economia capitalista, quanto na socialista. A competição ocorre entre os atores econômicos, quer no âmbito nacional, quer na esfera internacional. Todos os países querem ter saldo positivo na balança comercial: exportar mais e importar menos. Do ponto de vista global, esse comportamento gera conflito, além de não se sustentar matematicamente. A busca do equilíbrio não resolve a situação, porque o desequilíbrio constitui a regra na atividade econômica convencional. A solução está na busca de um modelo sob o prisma holístico: limitar a competição e ampliar a cooperação; incluir, na matemática econômica, o ser humano; reduzir a produção de bens supérfluos e poluentes; ampliar e diversificar os serviços; alicerçar a atividade econômica em: (i) dados sociais, psicológicos, ambientais; (ii) valores morais e espirituais.

Cumpre trazer para o mundo dos fatos, em nível nacional e internacional, a fraternidade e a solidariedade defendidas do púlpito nos templos, da tribuna nos parlamentos, do gabinete nos palácios. Os protocolos de boas intenções firmados nas reuniões internacionais devem ganhar força de execução. A mudança de paradigma na economia requer paciência e persistência ante o pouco interesse das grandes companhias (petrolífera, mineração, farmacêutica, bélica). Elas ditam a política econômica aos parlamentares e chefes de governo. Elas financiam campanhas eleitorais, proporcionam viagens e estadias de lazer, distribuem propinas e prêmios. Elas estimulam, por exemplo: (i) a construção de rodovias e a engenharia de tráfego para os veículos por elas fabricados e desestimulam a construção de ferrovias; (ii) a mecanização da lavoura, para vender as suas máquinas, peças, combustível, fertilizantes e pesticidas, em países de abundante mão de obra, gerando desemprego no campo, favelas na cidade, envenenamento nos vegetais e na água; (iii) a produção de leis que favoreçam os seus negócios, colocando os seus interesses acima dos interesses da nação e da humanidade.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

POLÍTICA

CONFRONTO NORTE/SUL.

Para harmonizar o presente artigo com o mapa eleitoral resultante do segundo turno da eleição presidencial de 2010, os Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste serão tratados em conjunto, sob a rubrica Sul, e os Estados do Norte e Nordeste, sob a rubrica Norte. A forma presidente para se referir à candidata eleita, utilizada em artigo anterior, será mantida. Cuida-se de vocábulo aplicável indistintamente nos gêneros masculino e feminino (Caldas Aulete). Além disso, designa um cargo público cujo título permanece inalterado, indiferente se ocupado por mulher ou por homem. Reservo o tratamento de presidenta à mulher que preside associação, empresa ou qualquer empreendimento.

No Sul, o mapa eleitoral de 2010 provocou amargor sem a cuia do chimarrão. Dos pronunciamentos publicados na rede de computadores, constata-se que a vitória de Dilma nos Estados do Norte despertou a ira dos sulistas. Os irados navegantes do cyber espaço consideram aquela região a menos desenvolvida do país, apesar da produção do açaí, do guaraná e de outros vegetais tonificantes e terapêuticos. Debitaram a vitória de Dilma ao atraso dos povos nortistas. Houve quem pregasse o extermínio dos nordestinos que moram em São Paulo. Os defensores dos nortistas citam os vultos regionais da literatura, música, arte, para provar a cultura e inteligência daquela gente. Os ânimos logo se acalmarão, inobstante conceitos e preconceitos latentes. Sempre haverá reserva mental de quem se toma por modelo em relação a quem exibe diferente perfil, tanto na esfera individual como na esfera coletiva. O fenômeno é genético e a natureza nem sempre se submete à moral, à religião e ao direito. Embalados pela maré eleitoral e pela emotividade, equivocaram-se os dois lados em confronto.

A cidade do Rio de Janeiro é considerada um dos pólos culturais do Brasil; tambor de ressonância do pensamento e da prática política e social; palco de violentos conflitos e históricas manifestações pela democracia; munícipes altamente politizados que resistiram à autocracia militar. A maior parcela dos eleitores cariocas votou em Dilma. Isto não faz do carioca um povo culturalmente atrasado. Há considerável fatia de nortistas e descendentes de nortistas na população fluminense. Por causa disto, terá o povo carioca perdido a tradicional posição de vanguarda? Houve retrocesso político no Rio de Janeiro? O panorama social mudou nos últimos 20 anos. Influíram nessa mudança: a estupenda proliferação de favelas, a intensidade do tráfico de armas e drogas, a exponencial violência, o relaxamento dos bons costumes, a corrupção no setor público e na sociedade civil. Por outro lado, o grau de politização dos povos do Norte não se mede só pela escolha dos parlamentares e chefes de governo, mas também por outros fatores que influem no resultado do pleito eleitoral. Os nortistas e os fluminenses retribuíram com votos a atenção que receberam do governo Luis Inácio. Esses votos conduzem a esperança de que a mesma atenção continuará por mais oito anos.

Aos grandes nomes que circularam pela rede de computadores para justificar a inteligência e o valor dos nortistas, devem ser acrescentados, por justiça e merecimento, os nomes dos juristas: Ruy Barbosa (Bahia), Clóvis Beviláqua (Ceará), Pontes de Miranda (Alagoas). Convém assinalar, entretanto, que os grandes vultos citados na rede e aqui, projetaram-se nacional e internacionalmente após se mudarem para o Rio de Janeiro e São Paulo. Ademais, há grandes vultos sulistas na arte, ciência, filosofia, ensino, medicina, política, economia, arquitetura, cuja projeção nacional e internacional não exigiu migração para o Norte.

Os nortistas migraram para o Sul – não para construir São Paulo, como se propala – mas sim em busca de melhores condições de vida. A decadência do Norte e o domínio dos proprietários de terra e dos senhores de engenho na região ainda eram notórios no século XIX, enquanto as províncias do Sul prosperavam graças à mentalidade vanguardeira e empreendedora das suas elites, ao trabalho assalariado em substituição ao trabalho escravo e às atividades rurais e urbanas dos imigrantes europeus e asiáticos. Atualmente, é considerável o peso eleitoral dos nortistas domiciliados em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Grandes vultos não significam grandes povos. Os grandes líderes e conquistadores, em épocas pretéritas, comandavam exércitos formados de gente rude e mercenária. Essas conquistas bélicas contribuíram pouco para o progresso da humanidade e muito para enaltecer a guerra e o heroísmo. O gênio militar pode surgir em qualquer parte, de terno ou de farda, mas depende do momento histórico oportuno para se manifestar. Avanços tecnológicos decorreram de objetivos militares. O esplendor do Antigo Egito, nos milênios de história, deveu-se a uma elite guerreira, intelectual, mística e religiosa; a massa ignara contribuía com sua obediência, força de trabalho e serviço militar. Na Grécia Clássica, pessoas representativas, grandes chefes guerreiros, pensadores, escultores, resumiam-se a um punhado de cidadãos (Péricles, Alexandre, Pitágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles). Base da civilização ocidental, a herança grega procede dessa minúscula parcela de homens; a maioria do povo era ignorante e analfabeta, obreiros livres ou escravos. A ciência européia, que mudou a fisionomia do mundo ocidental, provém de alguns poucos homens que se destacaram a partir do século XVI da era cristã (Copérnico, Galileu, Descartes, Newton, Pasteur, Harvey, Planck, Einstein, Bohr). Até o século XIX, a maioria do povo europeu era ignorante e analfabeta; contribuiu com sua força de trabalho (agricultura, pecuária, comércio, processo de industrialização); serviu de bucha de canhão nas guerras e revoluções. Levando-se em conta a população da Europa, verifica-se que as teorias e os sistemas econômicos se devem a uma escassa minoria (Mirabeau, Quesnay, Condorcet, Smith, Malthus, Ricardo, Keynes, Marx, Pareto).

O Brasil não foge à regra. Em sua história, são poucos os grandes artistas, inventores, empreendedores, cientistas, juristas, escritores, filósofos, se comparado o número desses brasileiros com a extensão territorial e a densidade demográfica do país. Até a metade do século XX, a maioria do povo brasileiro era ignorante, analfabeta, enferma, alienada, massa facilmente manobrável por políticos corruptos, caudilhos, coronéis e generais. Com o advento da televisão, a expansão dos meios de comunicação, cursos à distância, a população ficou mais instruída e informada. A ignorância e o analfabetismo retrocederam a partir da segunda metade do século XX, quando se acelerou o desenvolvimento econômico e social iniciado nos anos 30. No crepúsculo do século XX, amainou o militarismo, visceral na república brasileira desde a proclamação em 1889. Nesta primeira década do século XXI, nota-se alguma evolução na vida política, mas há resquício do coronelismo em áreas do Sul e do Norte. Coronel com maquiagem e equipamentos modernos, dono de jornais e emissoras de rádio e televisão. Nos seus domínios, mantém cativo o eleitorado. Tal sobrevivência ainda influi no pleito eleitoral. Políticos sem peias morais seguem o novo figurino do velho coronel: criam reservas de eleitores mediante benesses que distribuem na sua região; estabelecem laços de dependência mediante assistencialismo público e privado; promovem a si próprios mediante propaganda enganosa. Essa conhecida realidade vem retratada em alguns livros, como Vila dos Confins, de Mário Palmério (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio, 1984), O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro (São Paulo, Companhia das Letras, 1995), Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro (São Paulo, Globo, 2001). A parte decente da sociedade brasileira reage: por iniciativa popular, obteve do Congresso Nacional, com muito esforço e insistência, legislação repressora da imoralidade e dos abusos no processo eleitoral. Em sintonia com a reação popular, a Justiça Eleitoral tem se mostrado atuante, célere e eficaz.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

POLÍTICA

ELEIÇÃO PRESIDENCIAL.

Resultado memorável para a história política e social do Brasil: mulher eleita presidente da república. Maria I, rainha de Portugal, Brasil e Algarves reinou, mas não governou, pois sofria de doença mental. O governo era exercido por seu filho João, príncipe regente. Acossada por Napoleão, na Europa, a família real trasladou-se para a América portuguesa (1808). O Brasil ainda era colônia; não existia como nação, nem como Estado soberano. Só em 1815, carta régia expedida pelo príncipe regente elevou a colônia à categoria política de reino, porém, unido ao de Portugal. No ano seguinte, a rainha faleceu. Durante o império, a titularidade do poder coube aos imperadores, com o interregno da regência masculina entre a abdicação de Pedro I (1831) e a maioridade antecipada de Pedro II (1840). Izabel, herdeira do trono, governou o Brasil em virtude do afastamento temporário do pai, imperador Pedro II. A escravatura foi abolida quando Izabel governava o país. A república sempre foi governada por homens, desde a sua proclamação, em 1889, até 2010.

Nestas eleições populares de 2010, o corpo eleitoral da república brasileira compõe-se de 135.804.433 cidadãos. Desse total, no segundo turno da eleição, em números redondos, 55.750.000 eleitores votaram em Dilma Rousseff, 43.710.000 em José Serra e 36.340.000 não escolheram candidato (votos brancos, nulos e abstenções). Em termos negativos: 80 milhões de eleitores não votaram em Dilma e 92 milhões de eleitores não votaram em Serra. Por outro lado, impressiona a quantidade de eleitores que não escolheu qualquer dos candidatos. Centenas de países no mundo não têm essa quantidade de habitantes. Cresceu a parcela do eleitorado brasileiro desencantada com a política partidária e que se nega a escolher entre as quadrilhas que disputam o governo. Essa parcela – que continuará a crescer até o ponto de saturação, se os maus costumes persistirem – exige ética na política, honestidade e competência dos agentes do poder público e dos agentes administrativos do Estado.

Em percentuais, verifica-se que 42% do eleitorado brasileiro votaram em Dilma, 32% em Serra e 26% não escolheram candidato. Em relação ao primeiro turno das eleições presidenciais, os votos negativos (brancos, nulos e abstenções) aumentaram de 25% para 26% no segundo turno. Isto revela que, dos eleitores de Marina Silva, aproximadamente 900.000 anularam o voto, 8.100.000 votaram em Dilma e 10.600.000 votaram em Serra.

Os eleitores do primeiro turno mantiveram os votos nos seus candidatos. Realmente, em números redondos, Dilma obteve 47.600.000 votos no primeiro turno, que somados aos 8.100.000 migrados de Marina, resultou os 55.700.000 do segundo turno; Serra obteve 33.100.000 no primeiro turno, que somados aos 10.600.000 migrados de Marina, resultou os 43.700.000 do segundo turno. Do mapa eleitoral, constata-se que na região desenvolvida do Brasil (Sul, Sudeste, Centro-Oeste) o candidato Serra venceu. A exceção coube ao Estado do Rio de Janeiro, onde Serra foi superado por Dilma. Exceção de peso político, pois o Rio de Janeiro é o terceiro maior colégio eleitoral do país; quantitativamente, só fica atrás de São Paulo e Minas Gerais. Na região menos desenvolvida do Brasil (Norte e Nordeste), a candidata Dilma superou o adversário.

A candidata obteve êxito graças ao eleitorado de Luis Inácio, à fidelidade e à garra da militância petista, à colaboração dos partidos coligados, principalmente o PMDB, e ao empenho pessoal e pertinaz do presidente da república. Isto pode sugerir vínculo de subordinação da eleita. Hipótese improvável. Talvez aconteça nos primeiros meses ou no primeiro ano do mandato de Dilma, em homenagem e preito de agradecimento e lealdade ao seu criador e protetor. Depois desse período de incubação, o vírus governamental romperá a membrana que o envolve. A espada do poder cortará o cordão umbilical.

O perfil autoritário da futura presidente clama por autonomia, a indicar ausência de vocação para títere. Aliás, em país democrático como o Brasil, cuja frouxidão moral e costumes licenciosos são notórios internacionalmente, o autoritarismo do governante é necessário quando se busca eficiência; atitudes enérgicas devem ser tomadas para cumprimento das ordens e das metas governamentais; delicadeza e palavras doces na gestão da coisa pública geram roubalheira, desobediência, desrespeito e embromação.

O papel de camareira também não combina com a forte personalidade da candidata eleita. Em 2015, certamente, Luis Inácio não se deitará em cama preparada por Dilma. Ela tem dignidade e amor próprio. A comparação com o general Eurico Gaspar Dutra, que teria preparado a cama para Getúlio Vargas, não tem cabimento. Dutra exerceu a presidência com dignidade, autoridade e profundo respeito à Constituição. Tinha plena e amadurecida consciência de que a lei magna de 1946 fora votada pelos representantes do povo brasileiro em assembléia nacional constituinte e que respeitá-la equivalia a respeitar a nação brasileira. O retorno de Getúlio Vargas não se deve a Dutra e sim à força política do caudilho gaúcho e à tradição republicana que vedava a reeleição.

O panorama político, econômico e social do Brasil em 2010, difere do panorama de 1946. Caso Dilma faça um bom governo, será reeleita por seus próprios méritos, ainda que não consiga desbaratar a quadrilha incrustada no palácio, até por companheirismo e lealdade ao chefe. Espera-se que Dilma seja leal à nação brasileira; que execute o programa apresentado na campanha eleitoral; que honre o compromisso que prestará ao tomar posse no cargo de presidente da república: manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil (CF 78).