sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Falta de decoro

As transmissões televisivas das reuniões da Câmara dos Deputados e do Senado Federal permitem, aos eleitores, testemunhar a sem cerimônia com que parlamentares ferem a ética. Notam-se ofensas morais personalizadas ou generalizadas. O senador Tuma disse, em entrevista, que o substituto de Roriz era mais um entre os marginais que se abrigam no Senado. O senador Arruda disse, em sessão plenária, que ali ninguém era inocente e que poucos podiam falar em ética. Diante desse quadro, o Conselho de Ética do Senado ou da Câmara se reduz a uma impostura. Como esperar julgamento ético onde a ética não existe? Que autoridade terá um tribunal de ética cujos membros carecem de senso moral? Esses conselhos de ética deviam ser abolidos a bem da decência.

Assim como o Legislativo processa e julga os ministros do Supremo Tribunal Federal nos crimes de responsabilidade, o Judiciário devia processar e julgar os parlamentares nos casos de conduta incompatível com o decoro. Falta isenção aos parlamentares para esse tipo de julgamento. Interessa ao povo que os agentes políticos sejam devidamente fiscalizados e controlados e isto será possível mediante criação de um tribunal soberano e exclusivo para processar e julgar os parlamentares, o Presidente da República, os ministros de Estado e os juízes dos tribunais superiores da União, nas infrações à ética e nos crimes de responsabilidade. Da experiência política e social do Brasil deriva tal necessidade. Esse tribunal poderia acolher dispositivo do estatuto do tribunal de Nuremberg: “O tribunal não estará limitado pelas regras técnicas relativas à administração das provas, adotará e aplicará, sempre que possível, um procedimento rápido e informal e admitirá todos os meios que entender de algum valor probante” (art. 19).

Solicitando, em sessão plenária, ao senador Renan que se afastasse da presidência do Senado, o senador Simon, para tranqüiliza-lo quanto à conservação do mandato, disse que o relacionamento extraconjugal carecia de importância e não teria conseqüência alguma por ser, ali, comum esse tipo de comportamento. Ao falar de passagem e rapidamente, baixando o tom de voz, o senador Simon mostrou a indiferença que se devota ao aspecto moral da conduta dos senadores. Adultério caracteriza ilícito civil por contrariar o dever moral e jurídico de fidelidade (CC, 1.566). Violar a lei caracteriza má conduta. A família passa por um momento crítico. A mensagem do senador Simon, indiferente à moralidade e à lei civil, contribui para enfraquecer, mais ainda, os laços familiares. Outrossim, o recado de Simon de que Renan continuaria senador se renunciasse à presidência do Senado, tornou-se realidade, para maior vergonha do País.

A permanência do senador Renan na presidência do Senado era ilegal e agredia o decoro. O fundamento ético da norma constitucional do impedimento provisório, em processo do qual pode resultar perda do cargo, vale tanto para o Presidente da República como para os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal. Cuida-se de isonomia em nível institucional. Recusar-se a cumprir regra moral e jurídica para não dar braço a torcer à ex-parceira de cama (a jornalista Mônica Veloso, que lançou livro sobre o assunto) é colocar questão pessoal acima do interesse nacional. Sobrepor, ao interesse da instituição parlamentar, as desavenças com a ex-parceira, significa falta de decoro. A alegação de que o processo ocultava interesse partidário da oposição, que ambicionava o seu cargo, teve o propósito de desviar o foco da questão para enfrentamento político de baixo nível. Argumento falacioso, pois o cargo destinava-se à base governista. Tratar cargo público como patrimônio pessoal é falta de decoro. O cargo não pertence ao senador e sim ao Senado. Tipifica, ainda, falta de decoro: (i) servir-se da cadeira presidencial, em sessão pública, para oferecer defesa, sendo ele próprio o acusado (ii) fingir ignorar o motivo da acusação depois de apresentar defesa escrita instruída com documentos (iii) presidir a Mesa que decide questões atinentes ao processo em que é parte (iv) valer-se de sofisma para induzir a Mesa a recusar ou retardar exame pericial necessário à elucidação dos fatos.

A perícia, no caso de processo parlamentar em trâmites pelo Congresso Nacional, cabe ao instituto de criminalística da União, preferencialmente. Após o exame, as partes têm ensejo de se pronunciar sobre o laudo pericial, concordando ou discordando. A busca da verdade é comum ao processo judicial, ao processo administrativo e ao processo parlamentar. A instrução processual representa essa busca e compreende a tomada de depoimentos, obtenção de documentos e exames periciais. Se as partes têm conhecimento pessoal e direto dos trâmites processuais, a sua notificação é desnecessária. No processo parlamentar, tendo em vista a oralidade, a publicidade e a forma regimental de funcionamento que o caracterizam, cabe aos advogados das partes acompanharem os trâmites e se fazerem presentes nas sessões, independentemente de notificação ou intimação.

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