sábado, 31 de dezembro de 2011

CORRUPÇÃO


Dezembro. 2011. Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal, afirma que o Poder Judiciário brasileiro atravessa crise sem paralelo na história. Modus in rebus. Os fatos trazidos a lume existiam há muito tempo. O público apenas ignorava a extensão. O tema foi abordado no artigo “Crise da Justiça”, publicado na Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, vol. 9, nº 26, 2006, no qual se lê:

“A justiça brasileira, neste amplo e orgânico sentido, está em crise. Isto vem reconhecido pelos profissionais do direito e pela sociedade em geral. Os jurisdicionados reclamam da lentidão dos trâmites processuais e mostram-se descrentes das instituições judiciárias. Os escândalos de corrupção agravam a opinião desfavorável ao Poder Judiciário. A corrupção na atividade jurisdicional escandaliza muito mais do que a corrupção nos demais poderes, porque os cidadãos vêem nos juízes a encarnação da justiça e da honestidade. Essa visão ampara-se em atributos do magistrado como imparcialidade, austeridade, sensatez, coragem, eficiência, lucidez, cultura geral e espírito público.” (pág.283). 

A novidade agora é a transparência. Membros do Poder Judiciário concedem entrevistas em programas de televisão e publicam textos na imprensa versando assuntos internos. Os intestinos da magistratura foram expostos ao público neste ano (2011). A fedentina desagradou. O volume dos atos ilícitos causou espanto. Isto provocou batalhas internas no Judiciário cuja intensidade assemelha-se a uma crise. Mútuas acusações de recebimento ilegítimo de altas quantias por membros de tribunais. Gastos faraônicos. Desvio de verbas. Fraudes em concursos. Nomeações inconstitucionais. Nepotismo. Facções se digladiam: umas defendem o sigilo (x) outras a publicidade; umas defendem a privacidade dos magistrados (x) outras concordam com a devassa nas declarações de renda e nas contas bancárias dos investigados; umas pleiteiam impeachment da corregedora nacional da justiça que provocou escândalo ao instaurar inquéritos e sindicâncias (x) outras a defendem e classificam de corretos e oportunos os seus pronunciamentos e as suas iniciativas. Ninguém se opõe à apuração de delitos praticados por magistrados, mas há divergência quanto à natureza da intervenção do Conselho Nacional de Justiça, se originária ou subsidiária. A inconstitucional criação desse Conselho foi criticada em 2006, no artigo acima citado, onde se lê:

“O Tribunal de Justiça detém o poder político no Estado Federado, no seu mais elevado grau. No entanto, as suas decisões de natureza administrativa ficaram sujeitas à cassação ou suspensão por um órgão burocrático de caráter nacional. Esse órgão submete ao seu controle não só a conduta dos magistrados como, também, as atividades peculiares e próprias dos tribunais. Isto tipifica uma violência inominável ao princípio federativo em gênero e à autonomia do judiciário estadual em espécie. O poder de avocar processos disciplinares, por exemplo, quebra o princípio federativo no que tange aos juizes estaduais, cuja conduta ficará submetida à apreciação de servidores federais. (...) Essa interferência indébita ocorre, também, pela competência revisional dada ao Conselho, que inclui expedição de ordens aos tribunais de justiça e aos respectivos presidentes, para que façam ou deixem de fazer negócios administrativos, colocando-os em posição subalterna e humilhante.” (pág. 273/274).

As associações de magistrados disputam entre si a liderança da defesa da magistratura. Jogo de vaidades. O teor das defesas, embora nem sempre adequado e oportuno, serve a propósitos eleitoreiros. As diretorias das associações aproveitam o episódio para lograr maior visibilidade e conquistar votos. Visam à continuidade do grupo situacionista. Nas revistas, boletins e mensagens eletrônicas das associações, textos e imagens destinam-se à promoção pessoal dos seus presidentes. A imprensa, com posicionamentos variados, aproveita o escândalo para aumentar audiência e os lucros com propaganda e vendas.

O mundo natural e o mundo moral têm em comum a corrupção. Moralmente, parcelas do povo e do governo são corruptas nos diversos países (Índia, Rússia, EUA, Inglaterra). A diferença está na sofisticação e no desplante. No Brasil, os fatos ilícitos exibidos ao público relativos à magistratura resultam da corrupção endêmica que o distingue de outros países. Aqui, a honestidade aparece como exceção quando devia ser a regra. Vige a mentalidade da esperteza, do jeitinho, de levar vantagem em tudo, de contornar deveres e exigir direitos. Diante desse quadro, entende-se porque parlamentares e chefes de governo escolhem para as vagas livres de concurso, nos tribunais superiores, bacharéis em direito sem notável saber jurídico, carentes de reputação ilibada, dispostos a prestar favores e abertos ao tráfico de influência. Juízes que prestam concurso de provas e títulos são recrutados nas camadas pobre, remediada e rica da sociedade brasileira, dentro dessa pantanosa realidade. Nada surpreendente, pois, a existência de: (i) parlamentares, chefes de governo e magistrados corruptos; (ii) eleitores, jornalistas e empresários corruptos; (iii) ministros, sindicalistas e dirigentes de associações civis corruptos. Diante dessa realidade social e política conclui-se que os brasileiros têm o governo que merecem (legislativo + executivo + judiciário). A felicidade geral almejada para o próximo ano é quimera. Cada qual será feliz em momentos fugazes, de acordo com as circunstâncias e a sua disposição de alma.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

POLUIÇÃO


O ato ou o fato de sujar, corromper, profanar, macular, manchar, contém-se no significado do vocábulo poluição. Nos dias atuais, em matéria ambiental, o combate à poluição em todas as suas variedades constitui dever de cidadania. Em 2007, no juizado de pequenas causas da comarca de Itatiaia (processo 2007.871.000314-0) houve transação penal com representante legal do estabelecimento então denominado Penedo Dance House, situado dentro do perímetro de Penedo, que se comprometeu a cessar com a poluição sonora. A danceteria funcionava em alguns fins de semana durante a noite até sete horas da manhã, fazendo um barulho infernal que incomodava os moradores e prejudicava a fauna. Armava palco sobre plataforma ao ar livre, de três metros de altura, aproximadamente, no qual atuavam bandas musicais e cantores em altos decibéis. A representação criminal contra o dono da danceteria firmou-se em lei municipal e em leis federais. Em havendo disposição da comunidade para lutar por seus direitos, a polícia, o ministério público e o judiciário fazem o que lhes compete, como se verificou neste caso.

Notam-se, ainda, algumas infrações, tais como: (i) queima da vegetação, do lixo verde e de fogos (ii) uso abusivo de aparelhos sonoros. Moradores, comerciantes e visitantes parecem ignorar que isto contribui para o pernicioso aquecimento global e gera malefício às pessoas, às plantas e aos animais domésticos e silvestres. O fato de hotéis, pousadas e pessoas físicas praticarem essas infrações habitualmente não afasta a ilicitude. A reiterada prática delituosa não converte a tradição em licitude. Há criminosos habituais. Há reincidência na prática criminosa. Da impunidade desses crimes, até o momento, não se deduz que os agentes têm licença para continuar na prática delituosa, livres de qualquer processo. Doravante, a polícia deverá registrar as ocorrências, instaurar inquérito policial e dar ciência ao Ministério Público para as providências cabíveis.

A responsabilidade civil e criminal dos infratores não pode ser afastada sob a escusa de ignorarem a existência da lei; de que Penedo é uma área de proteção ambiental lato sensu, parque ecológico municipal criado por lei e sujeito às normas ambientais da Constituição da República e da legislação federal, estadual e municipal. Nos termos da lei complementar municipal 05/98 alinham-se entre as funções a que Penedo se destina: (i) repouso, descanso e lazer compatível com as diretrizes previstas na criação do Parque Municipal Turístico e Ecológico de Penedo; (ii) atividades promotoras do desenvolvimento da consciência e da prática cidadã preservacionista e sustentável em relação ao meio ambiente. Diz mais: o uso e as formas de ocupação do solo serão compatibilizados com os objetivos e as diretrizes de funcionamento do parque. O cuidado com a sadia qualidade de vida mediante um meio ambiente ecologicamente equilibrado permeia essa lei do começo ao fim.

Nos termos da lei federal 9.605/98, constitui crime: (i) causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significante da flora; (ii) lançar resíduos sólidos, ou substancias líquidas ou gasosas em desacordo com a lei; (iii) causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população. Habitantes e população aqui têm significado biológico de seres vivos. A criação do parque ecológico (leis municipais 143/95 e 184/96) e sua disciplina jurídica estão em sintonia com a lei federal 9.985/2000, que instituiu o sistema nacional de unidades de conservação da natureza. Segundo essa lei, entende-se por: (i) unidade de conservação, o espaço territorial e seus recursos ambientais legalmente instituídos pelo poder público com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração e garantias adequadas de proteção; (ii) conservação da natureza, o manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral. Essa lei dividiu as unidades de conservação em dois grupos: (I) de proteção integral e (II) de uso sustentável. O primeiro grupo compõe-se dos seguintes tipos: estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, monumento natural e refúgio de vida silvestre. O segundo grupo compõe-se dos seguintes tipos: área de proteção ambiental, área de relevante interesse ecológico, floresta nacional, reserva extrativista, reserva de fauna, reserva de desenvolvimento sustentável e reserva particular do patrimônio natural.  

Por simetria, o parque municipal e o parque nacional, ambos sob proteção das leis ambientais, têm o mesmo objetivo básico: preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. No sentido amplo, a expressão área de proteção ambiental aplica-se a todos os tipos de unidade de conservação da natureza. No sentido restrito, aplica-se a um determinado tipo descrito na lei. Nos termos da Constituição da República (art. 225), as unidades de conservação são criadas por ato do poder público (federal, estadual, municipal). Nesse terreno, entre outros deveres do poder público, constam os de: (I) preservar os processos ecológicos, a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país; (II) definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; (III) prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; (IV) proteger a fauna e a flora, vedadas práticas que: (a) coloquem em risco sua função ecológica (b) provoquem extinção de espécies (c) submetam animais a crueldade.

Fica sujeito às sanções penais (prisão e multa) o causador de dano à flora, à fauna e aos demais atributos naturais das unidades de conservação, ou aquele que de qualquer modo violar as leis ambientais.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

FUTEBOL


18.12.2011. Manhã nefasta. Santos FC goleado pelo Barcelona FC na partida final do campeonato mundial de clubes: 0 x 4. O favoritismo pendia para a equipe catalã. A santista perdera vigor no campeonato brasileiro de 2011 e longe estava de ser a melhor do Brasil. Corinthians, Vasco, Fluminense, Flamengo, Internacional, classificaram-se bem no referido campeonato porque apresentaram futebol superior ao do clube santista. O campeonato realizado no Japão era de clubes (cada continente um clube) e não de seleções nacionais. Lá, estava representado o decadente futebol de um clube brasileiro e não o futebol da seleção brasileira (ainda que medíocre na atualidade).   

Fator tático. O clube santista jogou na retranca todo o primeiro tempo. Diante de uma equipe que joga por música, tem boa defesa, trama bem no meio do campo, entrosada, segura e objetiva, com atacantes de primeira linha, a equipe adversária tem que se impor com coragem e partir para o ataque. Com Arouca, Elano, Ganso, Borges e Neymar, quinteto de boa qualidade técnica, o Santos FC podia servir-se da tática ofensiva. O treinador preferiu a tática defensiva. Levou uma surra. Em mais de 70% do tempo a bola ficou sob o domínio do Barcelona. O clube santista sofreu três gols na primeira etapa. Na segunda, o time voltou mais ofensivo e sofreu apenas um gol. Se assim houvesse procedido na primeira etapa, haveria possibilidade de a partida: (i) terminar empatada; (ii) ser vencida pelo clube catalão com placar estreito; (iii) ser vencida pelo clube santista. Difícil aceitar o fato de um time com aquele quinteto não fazer pelo menos um gol no adversário. O clube catalão teve mais dificuldade de vencer o clube árabe do que vencer o clube santista. A equipe de Santos já mostrara fraqueza diante do time japonês, da mesma forma que o fizera no campeonato brasileiro. A correta crítica de Mourinho, técnico do Real Madri, procede da razão e não da inveja. A disputa se deu entre equipes fracas: japonesa, árabe e brasileira. Para o clube catalão foi um passeio. A defesa santista é frágil e não houve santo que a fortalecesse. Falhas há em qualquer jogo de ambos os lados. Contudo, algumas são intoleráveis em time que disputa campeonato mundial. De duas falhas incríveis resultaram dois gols, sinal de que os santos protegiam os catalães. Os erros de passe eram constantes. O time catalão errava bem menos e tocava melhor a bola. O seu treinador declarou, após o jogo, que seguira indicações dos seus antepassados e tomara por modelo o antigo futebol brasileiro. Os vencidos podem vislumbrar ironia nas palavras dele, mas não deboche. Ele falava sério e homenageava seu pai e seu avô naquele momento de glória.  

Fator psicológico. Treinador e jogadores do clube santista entraram derrotados em campo. A maioria que assistiu ao jogo pela televisão certamente percebeu a postura submissa dos jogadores santistas diante dos jogadores catalães. Pelo aparvalhado olhar, parecia que iam pedir autógrafos ali mesmo no túnel. Na troca de cumprimentos na cerimônia do início da partida, Messi nem olhou para Neymar. A atitude servil do brasileiro estimulou no argentino o menosprezo. O santista ficou desorientado. Os santistas jogaram para se defender convencidos da superioridade do adversário. No futebol não há time invencível, nem time de outro planeta. Os melhores times sofrem derrotas. O clube de Barcelona já as sofreu, apesar da sua excelência. O clube de Santos, nível técnico razoável, mostrou-se inferior sob o ângulo tático e psicológico. Comissão técnica, jogadores e jornalistas brasileiros resvalaram no complexo de vira lata de que falava Nelson Rodrigues. Os ascendentes de Guardiola se referiam ao futebol brasileiro da época deles (1930 a 1970), quando viram em campo jogadores como Leônidas, Domingos da Guia, Ademir, Zizinho, Djalma Santos, Vavá, Didi, Garrincha, Pelé, Gerson, Rivelino, Jairzinho, jogadores de têmpera de aço, de refinada arte, de majestoso e eficiente toque de bola. O avô e o pai do treinador catalão também gravaram em suas retinas a maravilhosa atuação do Santos FC dos anos 60, nos estádios europeus. Hoje, impera a frouxidão, salvo no aguerrido e excelente futebol feminino.       

Fator organizacional. Faltou a necessária concentração dos jogadores e o comando de um Dunga para moderar o assédio da imprensa e a ganância dos patrocinadores. Concederam entrevistas antes do jogo e abriram precocemente largo espaço para a propaganda comercial. Criaram um clima artificial de descontração que ocultava o medo e o sentimento de inferioridade. Ao encherem a bola de Neymar e de Ganso plantaram a semente da decepção. O futebol desses dois jogadores é aquele mesmo apresentado no Japão: de vez em quando, uma boa jogada. Neymar perdeu gols; Messi marcou gols. Neymar tem mais arte; Messi mais eficiência. Neymar tem repertório de belos dribles; Messi tem um drible só. Neymar é bom com a direita e razoável com a esquerda; Messi é bom com a esquerda e ruim com a direita. Ambos são deficientes no cabeceio e na cobrança de faltas, fazem algumas jogadas geniais e outras medíocres, são velozes e têm boa visão de jogo. Salvo Ganso, os demais companheiros de Neymar são mais lentos do que os companheiros de Messi na percepção das jogadas. Neymar procura ser simpático; Messi não esconde a arrogância. Com olho no faturamento, a imprensa esportiva brasileira costuma endeusar jogadores, mostrar ângulos favoráveis ao sensacionalismo e criar falsas imagens. Diante da realidade mostrada em campo, o público se decepciona, fica indignado e procura os culpados. Chegará o tempo em que o público perceberá ter sido manipulado por aquele tipo de jornalismo. A copa do mundo de 2014 será disputada no Brasil. Apesar disto e da efervescência da imprensa, a taça será levada por seleção estrangeira. No presente, o clube campeão do mundo pratica o bom futebol brasileiro do passado. Guardiola dixit.

domingo, 25 de dezembro de 2011

JESUS


JESUS, O RESSURRECTO.

Alguns príncipes do Sinédrio, entre eles José de Arimatéia e Nicodemus, discordaram da condenação de Jesus. O romano Pilatos, que governava Jerusalém, convicto da inocência, também não queria a morte de Jesus e autorizou Arimatéia a retirar o corpo da cruz sem quebrar as pernas do crucificado. O evangelista Marcos refere-se ao testemunho do centurião sobre a morte de Jesus (Mar 15: 44-45). Breve nos costumes: o centurião recebera propina para testemunhar (Mat 28: 12). Pilatos aceitou o testemunho. Jesus foi levado ao sepulcro de propriedade de Arimatéia, próximo ao Gólgota (Monte Calvário). Ali recebeu os primeiros socorros e visual novo para não ser reconhecido por seus perseguidores. A crucifixão aconteceu na sexta-feira. No domingo pela manhã, Maria Madalena, companheira de todas as horas, não reconheceu Jesus (Jo 20: 11-15). Mais tarde, os demais discípulos também não o reconheceram e só ficaram convencidos quando viram as feridas deixadas pelos cravos nas mãos e nos pés de Jesus, assistiram-no tomar refeição e ouviram-no falar dos assuntos internos da irmandade (Luc 24: 16,36-43). Dificuldade explicável. Durante alguns anos, a comunidade palestina conviveu com um rabi nazareno de cabelos longos, barba comprida, bigode, vestindo clara túnica e sandália. De repente, dois dias após a execução da pena de morte, apresenta-se diante dos discípulos um homem de aparência madura, cabeça raspada, rosto liso (sem barba e sem bigode), roupas comuns, identificando-se como o rabi crucificado. Natural que duvidassem.

Teses mirabolantes tentam explicar essa aparição e esse convívio posterior à crucifixão. Sustentam que Jesus ali não estava com o seu corpo natural e sim com um corpo virtual ou um corpo astral. No entanto, o fato nada tem de sobrenatural ou milagroso. A explicação não pode fugir da evidência: Jesus ali estava com seu corpo biológico, com seu apetite natural, com sentidos e atividade mental humanos, simplesmente porque não morreu na cruz. Houve desmaio por fraqueza decorrente da desidratação, da falta de refeição normal, da agitação, do suplício e da perda de sangue no dia da crucifixão. Apesar disto, morte não houve, quiçá em decorrência da dieta saudável dos nazarenos e da ceia pascal da quinta-feira, quando eles comemoravam a passagem do culto mosaico ao culto cristão (páscoa = passagem). A páscoa dos judeus comemorava a saída do povo hebreu do Egito e o genocídio de crianças egípcias perpetrado pelo deus Javé; compreendia o período de março a abril de cada ano; iniciava-se no crepúsculo da sexta-feira (Êxodo 12 + 34: 18).

A pena de morte aplicada a Jesus adentraria o período pascal judeu, violando a lei mosaica. Daí, a súplica dos sacerdotes e escribas para que fosse aplicada a lei romana. Efetivada a crucifixão, houve socorro tempestivo e eficaz. Ainda hoje se fala em ressurreição quando pessoa vítima de acidente ou paciente de delicada cirurgia e de grave doença, nos limites entre a vida e a morte, consegue sobreviver. Costuma-se dizer: “foi um milagre, fulano ressuscitou”. A própria pessoa diz: “nasci de novo”. Em tal sentido, pode-se falar da ressurreição de Jesus e que ele nasceu de novo. Após a crucifixão, a irmandade cristã passou a comemorar – não mais a passagem do culto mosaico ao cristão – e sim a ressurreição de Jesus (páscoa cristã).

A prece católica, entretanto, cuja repetição na missa condiciona a mente dos fiéis de modo robótico, falsamente coloca Jesus entre os mortos e o faz descer ao inferno. O verdadeiro inferno vivido por ele começou no Monte das Oliveiras, passou pela assembléia do Sinédrio, pelo trono de Herodes, pelo pretório de Pilatos e terminou no Monte Calvário. A versão da morte era oportuna e necessária para tornar crível o milagre e causar maior impacto no espírito do povo. A notícia da morte e da milagrosa ressurreição convenceria o povo de que se cumprira profecia contida no Antigo Testamento. Deixar no sepulcro vazio o sudário cuidadosamente enrolado incluía-se na estratégia para lograr tal objetivo. A mensagem cristã e a catequese teriam força e êxito no futuro.

No livro “Quebrando o Código Da Vinci”, o professor Bock, sob ótica marcial, diz que a ressurreição é o choque entre a vida e a morte, do qual a vida sai vencedora. Contudo, outro será o panorama se o conceito “morte” separar-se do conceito “fim”. Desde que a morte seja definida como passagem de uma forma de vida a outra, a ótica marcial mostrar-se-á inadequada. Entre a vida e a morte há continuidade em diferente freqüência vibratória. Trata-se da universal lei de mutação que Heráclito e Lavoisier perceberam no mundo físico. O professor fala no “caminho para a vida”, como se os humanos estivessem mortos. Esta metáfora se afigura imprópria. A vida é palpitação, vibração, como se nota de todos os seres vivos. A natureza é vida, energia cósmica. A sua fonte está em Deus. Há diferentes modos de a fonte da vida ser percebida. O ciclo vital do ser humano provoca o sonho da eternidade.

Ponto chave, segundo Bock: Jesus revela o que Deus fez e faz para a humanidade. Argumento esquálido. Bastam, aos humanos, lucidez e sentidos ativos para perceber a obra divina neste mundo: maremotos, terremotos, furacões, que ceifam a vida de milhares de pessoas (idosos, adultos, crianças) e destroem patrimônios obtidos com muito sacrifício. As forças telúricas são forças da natureza cegas aos valores humanos. A natureza é criação divina. Isto indica que: (i) as leis de Deus são inflexíveis, incidindo sobre animais racionais e irracionais, planetas e galáxias; (ii) o universo está em constante movimento cíclico de construção, conservação, destruição e reconstrução; (iii) inexiste preocupação divina especial com qualquer ser da natureza. Os humanos percebem a obra divina também através da beleza captada pelos sentidos e interpretada pela razão. Sentem pulsar em seus corações a força ética da justiça, da verdade, da bondade e da santidade.    

Ponto chave real: Jesus desperta a consciência da universalidade de Deus. Mostra como os seres humanos podem se aproximar de Deus. A casa do Pai tem muitas moradas. Escala-se a montanha por diferentes lados. Quem se aventurar – e merecer – encontrará o reino de Deus. Aí, como disse Jesus, bastará bater e a porta se abrirá, pois, o reino de Deus já está entre vós.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

JESUS


JESUS, O REDENTOR.

Havia mulheres “livradas de espíritos malignos e curadas de enfermidades” que acompanhavam e prestavam assistência a Jesus: Maria Madalena, Joana, Susana e outras (Lucas 8: 1-3). Aquela expressão (“livradas de...”), numa leitura tendenciosa, pode sugerir enganosamente que elas estavam livres da sensualidade e do pecado por acompanharem Jesus nas andanças através da Galiléia, Samária e Judéia (Marcos 15: 40). Na verdade, a expressão indica que eram mulheres saudáveis de corpo e alma. Por serem galileus, Jesus e o seu grupo de homens e mulheres eram tratados como estrangeiros pelos judeus. Na Judéia, destacavam-se as seitas dos saduceus, dos fariseus e dos essênios. Esta última seita era vigorosa na doutrina, rigorosa nos costumes e coletivista na organização social, cujos adeptos – menos numerosos do que os seguidores das outras duas – consideravam-se os verdadeiros filhos de Israel e autênticos herdeiros do sacerdócio de Levi. A organização do grupo de Jesus assemelhava-se à organização dos essênios, o que contribuiu para irritar mais ainda os saduceus e os fariseus.

Os votos dos nazarenos incluíam a castidade e o celibato. O voto de castidade implicava abstinência sexual, prática adotada pelos místicos para alcançar iluminação espiritual. A energia sexual é canalizada para a concentração, meditação e demais exercícios físicos e mentais. A relação sexual desvia essa energia e enfraquece a vontade do adepto para lograr o fim espiritual colimado. A masturbação desperdiça essa energia e frustra aquele objetivo. O voto de celibato consiste em viver no estado de solteiro por um determinado tempo. Durante esse período o adepto transa sexualmente se não houver prestado o voto de castidade, porém, não pode casar e nem constituir família. O estudo, a prática e a difusão da doutrina exigem dedicação intensa e exclusiva. Os deveres de cônjuge e de pai comprometem essa dedicação. 

Dos objetivos da irmandade de Jesus constavam: (i) o de acabar com o mito do messias; (ii) o de introduzir um deus universal (Pai Celestial) no lugar do deus nacional (Javé ou Jeová); (iii) o de elevar espiritualmente a humanidade; (iv) o de amparar os pobres e o de curar os enfermos.

Para atingir tais objetivos, Jesus assumiu o papel de messias. Cumpriu, passo a passo, as profecias do Antigo Testamento, como se fora o roteiro de um filme. Jeová e Satanás são nomes diferentes daquela mesma divindade que celebrou, com êxito, um pacto com Abraão e que também tentou celebrá-lo com Jesus no deserto, sem êxito. A partir da monolatria dos hebreus, a ação redentora conduziria o povo ao universal monoteísmo da irmandade. A monolatria facilitaria a passagem ao monoteísmo cristão. Convertido aquele povo, a ação redentora se estenderia aos povos politeístas. O plano desconsiderou o que estava escrito sobre os hebreus: “Tu mesmo sabes o quanto esse povo é inclinado ao mal”; “somos um povo cabeça dura” (Êxodo 32: 22 + 34: 9). O deus desse povo (Javé ou Jeová) dissera a Saul: “Vai, pois, fere Amalec e vota ao interdito tudo o que lhe pertence, sem nada poupar: matarás homens e mulheres, crianças e meninos de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos” (I Samuel 15: 3). Tal índole frustrou a ação redentora. Ao contrário do que Jesus e sua irmandade esperavam, o plano fracassou entre os judeus. Entretanto, ironicamente, a doutrina floresceu no seio dos outros povos.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

JESUS



JESUS, O GALILEU.

Somente os apóstolos Mateus e Lucas, sem especificar data, referem-se ao nascimento de Jesus em Belém, cidade natal do rei Davi, na Judéia. Explicam que fora determinado um censo no país, o que obrigara o deslocamento de José e Maria (grávida) da Galiléia para a Judéia. Não há registro histórico do censo. Houve esforço dos evangelistas para colocar Jesus na realeza judaica, porque o Antigo Testamento refere-se a um messias da linhagem de Davi (embora se refira, também, a um renovo da Galiléia). Acontece que não havia laço sangüíneo entre Jesus e José, seu pai adotivo. Ainda que José descendesse de Davi, Jesus não descenderia. Para amenizar, tentam colocar Maria (mãe de Jesus) também na linhagem de Davi. No entanto, a sucessão judaica se dava pela linha paterna; a sociedade era patriarcal e não matriarcal. Ademais, toda genealogia que começa em Adão é falsa, tendo em vista que Adão e Eva nunca existiram. A genealogia de Jesus começa em Adão (Lucas 3:38); logo, é falsa. A cidade natal é falsa. O episódio é falso.

A versão do apóstolo Mateus sobre o morticínio de crianças e fuga para o Egito não encontra amparo na versão de Lucas, nem dos demais evangelistas. Nenhum evangelista testemunhou o nascimento daquele menino. Os apóstolos só conheceram Jesus adulto. Quando ele nasceu, alguns deles nem haviam nascido e outros eram crianças de pouca idade. A Palestina estava dividida em quatro províncias, cada qual governada por um tetrarca subordinado ao imperador romano. Um tetrarca não podia invadir a jurisdição do outro. Ao tetrarca da Galiléia faltavam poderes para mandar matar crianças na Judéia ou nas outras tetrarquias. A Judéia estava sob jurisdição direta de um romano. Herodes não ousaria afrontá-la. A jurisdição era levada a sério pelos romanos. Ao verificar que Jesus era galileu, por exemplo, o tetrarca da Judéia (Pilatos, general romano) recusou-se a julgá-lo e o enviou ao juiz natural: o tetrarca da Galiléia  (Herodes Antipas) que devolveu o prisioneiro por ausência de culpa. Pilatos não prolatou sentença. Se o tetrarca da Galiléia, autoridade competente para decidir o caso, não condenou Jesus, não seria ele, Pilatos, quem o condenaria. Deixou a decisão por conta dos fariseus que insistiam na aplicação do direito romano (morte por crucifixão) já que a proximidade da páscoa impedia a aplicação do direito judaico (morte por apedrejamento). No judaísmo e no islamismo, direito e religião se interpenetram.  

Para compensar o culto pagão à Deusa Mãe (bem romanceado por Marion Z. Bradley em “As Brumas de Avalon”) a igreja católica introduziu um vigoroso culto à Maria, como “Mãe de Deus” e “Virgem Maria”. Duas impossibilidades: (i) Deus ter genitores; (ii) ser virgem a mãe de 7 filhos. Há indícios de Maria ter sido deflorada em ritual de fertilidade. Engravidou. Pariu Jesus provavelmente na aldeia do Monte Tabor, entre Caná e Naim, na Galiléia. Depois, teve mais 6 filhos com José, que a recebeu por esposa: Tiago, José, Judas, Simão e duas meninas cujos nomes são incertos: Salomé ou Ruth, Miriam ou Lia. Há quem afirme que filhos de Maria eram apenas Jesus, Judas e Simão; que Tiago, José e as duas meninas eram filhos do primeiro casamento de José. Dessas primeiras núpcias não há registro. O mito da concepção virginal foi tomado de empréstimo à cultura mais antiga de outros povos. O culto à Maria reforçou a crença na divindade de Jesus. Serviu para impressionar os crentes e aumentar o rebanho com a inclusão da realeza européia, o que favoreceu o domínio espiritual e temporal da Igreja na Idade Média. Conseqüentemente: (i) a mãe de Jesus passou a ser a mãe de Deus; (ii) o colégio apostólico passou a ser herdeiro de Deus; (iii) o vigário de Cristo passou a ser vigário de Deus. 

Na última década do século XX e na primeira do século XXI, Jesus tem sido tratado insistentemente como judeu em livros, revistas, filmes, programas de televisão e em pronunciamento do Papa. Até os judeus, que sempre negaram ser Jesus da raça e da religião judia e o consideravam gentio (estrangeiro), agora proclamam a todos os cantos do planeta que ele era judeu. Essa arquitetada reviravolta na história está ligada ao objetivo dos governos de Israel e dos EUA de obter apoio dos católicos e protestantes nas investidas contra os muçulmanos da Palestina, do Irã e de outros países do Oriente e da África. Interesses políticos e econômicos inspiram essa artificial reviravolta.   

Dan Brown, autor do livro “O Código Da Vinci”, por exemplo, e os professores que o contestaram, Amy Welborn (“Decodificando Da Vinci”) e Darrell L. Bock (“Quebrando o Código Da Vinci”)  referem-se a Jesus como judeu. Na verdade, Jesus, Pedro, João e outros apóstolos da primeira hora (início do revolucionário movimento) eram da Galiléia e não da Judéia; portanto, galileus e não judeus. Por isso, os judeus tratavam-nos de gentio, ou seja: estrangeiros. Naquele tempo, a Galiléia era habitada por migrantes da Mesopotâmia e adjacências, depois da expulsão das 10 tribos do Reino de Israel. O fato de alguém ser galileu, pois, não significava que fosse hebreu (israelita ou judeu). Israelita era o hebreu do Reino de Israel (Norte da Palestina). Judeu era o hebreu do Reino de Judá (Sul da Palestina). Jerusalém localizava-se em terras da tribo Benjamin que, aliada à tribo Judá, formava o Reino de Judá. Os dois minúsculos reinos (Israel e Judá) dividiam entre si o pequeno território palestino (menor do que o Estado de Alagoas). O apóstolo Pedro refere-se aos habitantes de Jerusalém como um povo diferente do seu. “Tornou-se este fato conhecido aos habitantes de Jerusalém, de modo que aquele campo foi chamado, na língua deles, Hacéldama, isto é, Campo de Sangue” (Atos 1: 19). Pedro distingue o modo de falar dos judeus do modo de falar dos galileus. Enquanto Jesus era interrogado no Sinédrio, Pedro, do lado de fora, era acusado de pertencer ao subversivo grupo de Jesus porque ambos tinham o mesmo sotaque. Em outra ocasião, Pedro indaga sobre a restauração do Reino de Israel e silencia sobre o Reino de Judá (Atos 1: 6). O Reino de Israel estava extinto há mais de 700 anos e as suas dez tribos espalhadas pelo mundo. O Reino de Judá estava extinto há cerca de 600 anos, desde a remoção compulsória das suas duas tribos para a Babilônia. O exílio babilônico terminou por volta de 538 a.C. quando alguns judeus regressaram a Jerusalém, mas logo foram subjugados: a partir de 322 a.C. pelos gregos, de 175 a.C. pelos assírios e de 63 a.C. pelos romanos.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

JESUS


JESUS, O PROFETA.

Cristo. Assim apelidaram o profeta Jesus, depois da sua passagem pelo mundo terreno: “o ungido”. Tal era – e continua a ser – o apelido de inúmeros místicos dedicados às coisas divinas, ungidos com os santos óleos, purificados, sagrados. Houve – possivelmente ainda há – vários cristos na Terra. Acredita-se que Jesus tenha sido o maior deles. Os seguidores da sua doutrina foram chamados cristãos, espalharam-se pelo mundo, organizaram igrejas. Do nascimento dele, fizeram divisor do tempo histórico em antes e depois. Multiplicaram-se. Agruparam-se em ortodoxos e heterodoxos, católicos, protestantes e espíritas. Nos tempos difíceis da inquisição na Espanha e em Portugal (1478-1835), maometanos e judeus converteram-se ao cristianismo, alguns por conveniência. Estes continuavam muçulmanos e judeus em seus corações e na privacidade dos seus lares. Por isso, foram denominados “cristãos novos”. Distinguiam-se dos cristãos velhos e dos nascidos na autêntica fé cristã. Insuficiente só crer. Necessário praticar. A doutrina é bela, mas impraticável no mundo terreno. Ele próprio dizia: meu reino não é deste mundo. Sabia que as congênitas fraquezas dos seres humanos tornavam a prática improvável. Nem o próprio Jesus a praticou inteiramente, como revelam episódios narrados nos evangelhos (violência no templo, luxúria com mulheres, ofensas a sacerdotes, menosprezo à mãe e aos irmãos, agressividade verbal contra discípulos e conterrâneos).    

Nazareno. O povo e as autoridades judias e romanas assim o apelidaram, sem relação alguma com o torrão natal, pois, ao seu tempo, não havia cidade ou aldeia com o nome de Nazaré. Esse nome foi dado séculos depois a uma localidade pelo clero católico para encobrir o fato de Jesus ter pertencido a uma seita mística. Ao clero interessava passar a idéia aos fiéis de que todo o conhecimento de Jesus vinha diretamente de Deus e não dos homens. Jesus apresentava-se publicamente com as vestes e a aparência dos adeptos da seita nazarita, cuja doutrina pregava. Daí o apelido “nazareno”. Para a sua própria e visível irmandade mística adotou o modelo de organização nazarita e essênia. “Nazareno também era o apelido que se dava, entre os hebreus, ao filho primogênito, quando a família o colocava a serviço de Deus. O menino consagrado a Deus era entregue aos cuidados do sacerdote. Assim aconteceu com Samuel e Sansão, dois juízes hebreus, ambos nazarenos, nenhum deles nascido em aldeia ou cidade denominada Nazaré. Embora não sendo de origem hebréia, mas submetidos à lei judaica em vigor na Palestina, os pais de Jesus o consagraram a Deus e o entregaram aos cuidados de uma irmandade que lhe deu formação intelectual, moral e mística. Passados 30 anos, Jesus retorna à vida pública com missão definida.

Rabi. Assim o chamavam os discípulos e os leigos da Palestina: “mestre”. Ele demonstrava grande conhecimento das escrituras sagradas, das coisas divinas e mundanas, inclusive da natureza humana. Ensinava em lugares abertos e fechados, na montanha, à beira do lago, nas casas de discípulos, de simpatizantes e de curiosos, nas sinagogas e no templo de Jerusalém. Travava debates com os sacerdotes e escribas judeus. Ao ficarem inteirados dos ensinamentos de Jesus, os sacerdotes e escribas perceberam que a religião judaica corria sério risco. Ficaram preocupados quando aumentou a adesão da camada pobre e ignorante do povo aos novos ensinamentos. A idade de Jesus girava em torno de 40 anos – e não 33, como se difundiu – quando tramaram a sua morte. Acusaram-no de blasfêmia e o condenaram. A autoridade romana se recusou a executá-lo por aquele motivo religioso. Os sacerdotes e escribas mudaram a acusação: Jesus era subversivo, intitulava-se rei dos judeus e desafiava o poder de Roma. Desta vez, conseguiram o seu desiderato. Apesar de a autoridade romana ter lavado as mãos, foi aplicada a pena de morte. Era sexta feira. Duas horas depois da crucifixão, ou pouco menos, sem atender ao costume de quebrar as pernas do crucificado, Jesus foi retirado da cruz e atendido em lugar próximo ao Gólgota, por José de Arimatéia. Na madrugada de sábado ou na manhã de domingo, deixou o abrigo e saiu de Jerusalém sem barba, de cabelos cortados e vestes comuns, o que dificultou ser identificado até pelos discípulos, inclusive Maria Madalena. Na Galiléia, reuniu-se com os apóstolos e depois se recolheu à vida privada.  

Profeta. Assim o chamava o povo de Canaã (Palestina), terra dos profetas. Desde Elias em 875 a.C. até Malaquias em 450 a.C. quase 20 profetas se destacaram. Qualificava-se profeta a pessoa carismática que não só tinha antevisões do futuro, mas tinha também a fama e a credibilidade de falar em nome de Deus, de expressar a vontade e a palavra de Deus. Daí a autoridade moral dos profetas sobre o povo hebreu e seus governantes. Quando se excediam nas admoestações, os profetas eram perseguidos e punidos pelo povo ou pelo governante. Isto aconteceu mais de uma vez, inclusive com Jesus e seu primo João Baptista. No entusiasmo da pregação com o fim de cativar adeptos e mudar os maus costumes, os dois se excederam na agressividade contra a massa e contra as autoridades. No sermão da montanha, Jesus referiu-se aos maus tratos de que eram vítimas os profetas. Na sinagoga da cidade da Galiléia em que viviam seus pais, reclamou da desconfiança do povo ao afirmar que nenhum profeta é bem aceito em sua pátria.     

Jesus. Este era o nome de batismo desse profeta. Pregava a existência de um deus bondoso e misericordioso a quem chamava “Pai Celestial”, diferente do deus hebreu, maldoso, vingativo, genocida, denominado “Javé” ou “Jeová”. Dizia, para acalmar e cativar os indecisos, que não viera para revogar a lei (os cinco primeiros livros da bíblia hebraica = torá = pentateuco). Contudo, a sua doutrina a revogava de fato. Daí a feroz resistência e perseguição dos sacerdotes e escribas judeus aos ensinamentos e à pessoa de Jesus. Esse profeta qualificava de bem aventurados aos que seguissem a nova e boa doutrina (evangelho = boa nova). A quem padecia de pobreza, fome e tristeza na Terra, haveria riqueza, fartura e alegria no Céu. Ele recomendava as seguintes condutas: (i) amar ao inimigo, fazer bem a quem nos odiar, abençoar aos que nos maldizem, orar aos que nos injuriam; (ii) a quem nos ferir numa face, oferecer a outra; quem nos tirar a capa, que também leve a túnica; dar ou emprestar sem almejar retorno, a quem nos fizer algum pedido; se alguém tira o que é nosso, não reclamar; (iii) fazer às pessoas o que queremos que elas nos façam; (iv) ser misericordioso; não julgar para não ser julgado; não condenar para não ser condenado; perdoar para ser perdoado. Com a mesma medida com que medirmos, seremos medidos. Os cumpridores de tais mandamentos formariam uma comunidade de santos. Desde aquela época até hoje, nenhuma comunidade cristã os cumpriu. No juízo final, os bons entrariam na morada divina e os maus queimariam no inferno. Por seus vícios, Jerusalém seria destruída; não ficaria pedra sobre pedra. Esta profecia é do tipo post factum. Esperteza dos evangelistas diante da destruição de Jerusalém no ano 70. Posteriormente, eles lançaram o fato nos evangelhos como profecia com o propósito de fortalecer a crença na origem divina dos poderes do profeta.  

sábado, 17 de dezembro de 2011

BÓRIS

II
Certa vez, durante o matinal passeio, Pretinho, que assumira a frente, como era do seu costume, retornou e entrou em disparada na rua da nossa casa, na maior velocidade que suas curtas pernas permitiam. No seu encalço dois cachorros grandes, um pastor e outro de pelo dourado. Ao se depararem com o Bóris, os dois frearam e voltaram correndo. Bóris os perseguiu. Ao ver isto, Pretinho tomou-se de brios e valentia. Acompanhou o irmão. De perseguido passou a perseguidor. Os cachorros colocaram-se a salvo no quintal da casa. Em outra ocasião, Pretinho saíra pela manhã sozinho e tardava a voltar. Saí à sua procura. Levei o Bóris para ajudar na localização. Encontramo-lo amedrontado no final daquela rua. Os dois cachorros moravam nas proximidades e estavam à espreita. Portão aberto. Pretinho percebeu e estacionou distante, horas a fio. Diante da presença do Bóris, eles fugiram para os fundos da casa. Por via das dúvidas, coloquei o Pretinho no colo e voltamos para casa. Bóris ostentava um ar de triunfo. 
A linguagem de Bóris tinha tonalidades diferentes, de acordo com os seus propósitos. Latido agressivo e irritado para o carteiro e sua motocicleta barulhenta e também para o caminhão coletor de lixo. Aliás, Bóris ficava nervoso com ronco de motores e com o estouro de fogos de artifício (crime ambiental). Tinha medo das trovoadas e procurava abrigo no canil, na oficina de arte da Jussara ou na varanda da casa. Dócil, educado, valente e medroso. Assim era o nosso Bóris.
O cruzamento dos pais caninos de raças diferentes gerou rebentos musculosos e grandes, mas de saúde frágil. Imunidade baixa. Bóris tinha constantes infecções e recebia medicação segundo receitas do veterinário. Com intervalo de alguns anos entre uma e outra, ele foi submetido a duas cirurgias. Todos os irmãos de sangue morreram por volta dos quatro anos de idade, segundo informação do antigo dono. Bóris viveu sete anos. Latido suplicante e impaciente ao se aproximar hora de refeição. Movimentava o corpo como se fosse recuar, batia as patas dianteiras contra o chão de pedra, e mexia a cabeça para cima e para baixo.  A súplica ocorria em frente à janela da cozinha ou à porta do escritório. Ele nos fitava e latia baixo, curto e brando. Queria lembrar a nossa obrigação de lhe servir comida. O seu relógio biológico era pontual. Ele e seus três irmãos eram atendidos prontamente.
Latia rouco, em tom grave, mexia a cabeça impaciente, quando o provocávamos ao diálogo. Irritava-se consigo por não poder expressar com palavras o que sentia. Falávamos com ele de maneira afetuosa, como se fala a um filho mimado e ele respondia daquele modo. Depois de algum tempo, retirava-se aborrecido, na certeza de que não se fizera entender. Às vezes, mostrava-se de mau humor e não queria conversa. Ele gostava de brincar, mas o seu corpanzil assustava as irmãs e desanimava o irmão. Gigante com alma de criança. Gostava de colocar e balançar a cabeça entre os meus joelhos para brincar. Fazia festa quando chegávamos das compras ou das viagens.
Novembro. 2011. 27. Sul do Estado do Rio de Janeiro. Manhã fria. Céu nublado, telhados, árvores, plantas, grama, tudo molhado. Ainda assim, ouvia-se o ladrar de cães, o gorjeio de pássaros e o mugir do gado. No dia anterior, Bóris fora sepultado. A natureza entristecera. Manoel chorou doído. Fomos os únicos protagonistas do melancólico funeral. Os dois eram grandes amigos. Jussara também chorou e sua alma veste luto. Chora-se a perda de entes amados, sejam racionais ou irracionais. Chora-se pelas perdas mais preciosas. Sempre que eu me aproximava, Bóris deitava-se de lado, erguia e movimentava pata dianteira esquerda e a pousava na palma da mão que eu lhe estendia. Então, eu deslizava o polegar da mão direita na entrância da sua testa até o alto do crânio e lhe fazia cafuné. Ele ficava quieto a espera que eu repetisse a operação. E eu repetia várias vezes, por algum tempo.  
Nos últimos meses, ele perdera aquele porte majestoso, caminhava devagar, cansava, parecia idoso. No derradeiro dia da sua terrena existência, combalido apesar da medicação aplicada pelo veterinário, deitado na garagem, ele tornou a pedir carinho. Segurei a sua pata esquerda e repetimos o costumeiro ritual, até quando parou de respirar. Esticou as patas dianteiras para frente e as traseiras para trás, como se espreguiçando. Cessaram todos os movimentos. Seus olhos ficaram vidrados e esverdeados. Pareciam duas esmeraldas. 

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

BÓRIS

BÓRIS, O Gigante.
I
Fevereiro. 2004. Barra da Tijuca. Rio de Janeiro. Ninhada de cachorrinhos gerada por uma fêmea Dog e um macho Hotweiller. O dono dos animais oferece gratuitamente ao jovem Rafael, seu amigo, um roliço filhote de pelo negro e brilhoso. Pelas mãos do jovem, nosso filho, aquela bolinha cor de carvão chega ao apartamento em Ipanema. Escolhe um canto para seu retraimento. Estava triste, com saudade dos pais e irmãos caninos. Rafael o aconchegou. O cãozinho dormiu com o irmão humano. No dia seguinte, rumou para Penedo, onde fica a residência dos pais humanos que o adotaram. Lá o aguardava Pretinho, por mim batizado, filhote, mestiço, raça pequena, vindo de Curitiba, das ruas do Jardim América, por onde vagava abandonado. Os dois se aceitaram como irmãos. Cada qual com sua pré-fabricada casa de madeira. Chegado o momento de dar nome ao novo membro da família, Jussara, dona do nosso lar, o batizou: Bóris.
Os dois cãezinhos brincavam no quintal. Bóris crescia mais do que Pretinho. O recém chegado preferia ficar com o irmão adotivo, sob o mesmo teto. Compartilhavam também ração e água. Juntos iam à clínica veterinária para vacinas e exames regulares. Na adolescência, estranhavam-se na hora da refeição. Pretinho rosnava, arreganhava os dentes e impunha autoridade por ser mais antigo na casa. Latia e admoestava o irmão adotivo para mantê-lo distante da sua ração. Ambos recebiam atenção e carinho da família humana. Tomavam as vacinas na data certa e comiam as rações em intervalos e quantidade recomendados pelo veterinário. Ao perceber que Jussara tinha medo daquele adolescente negro, de crânio avantajado, testa proeminente, patas maiores do que os punhos da dona, o marido adverte: o cão é dócil e espera o materno amor. Dali em diante, ela o abraçava, com ele conversava e lhe fazia mimos, tal qual no tempo de filhote. Ao marido sobrou o oitavo lugar na ordem de preferência da esposa: os três filhos seguidos dos quatro cachorros, sem papagaio e sem gato.
Bóris ficou gigante: 80 kg. Manoel, zelador da nossa casa, no Jardim Martinelli, em manhãs alternadas leva os cachorros a passear pelas ruas próximas, todas sem pavimentação. A nossa região é urbana no código municipal de posturas e rural na sua paisagem. Às vezes falta água; outras vezes, falta luz. Era uma colônia finlandesa. Cresceu e se transformou em aldeia. Imensas áreas verdes, fauna e flora de rica variedade, pastagens, gado, cachoeiras, montanhas, hotéis, pousadas, restaurantes, artesanato, moradores e turistas. Ao se depararem com os nossos cachorros, as pessoas ficavam receosas, mas admiradas diante do tamanho e da beleza do Bóris. Nunca falamos da sua docilidade, pois a corpulência intimidadora funcionava como elemento da segurança da casa. Ele exibia força e valentia apenas contra animais irracionais ou contra racionais que pretendessem nos visitar sem serem convidados. Atiçado por Pretinho, deu cabo de um ouriço que invadiu o terreno da nossa casa. O médico veterinário o anestesiou. Ajudei na delicada tarefa de retirar os espinhos sem rasgar o tecido da boca (língua e bochecha).
Pretinho liderava as peripécias. Bóris o seguia. Foi assim que mandaram uma gatinha para o outro mundo. Deixada na casa por nossa filha, a gatinha se descuidou ao sair por uma fresta da janela da oficina para aspirar o ar da noite. Os dois caíram sobre ela. Barulho infernal. De pijamas, acudimos. A gatinha estava abatida, embora sem grave ferimento físico externo. Morreu de susto e/ou de lesão interna, no piso da cozinha onde fora colocada a salvo daqueles dois traquinas. Ficamos ao seu lado durante a madrugada. A gatinha dava sinais de que desistira de viver neste mundo cão. Demos-lhe sepultura.
Bóris tinha um porte nobre, passadas majestáticas. Pouco se importava com o latido dos cães no interior do quintal das casas que ladeavam as ruas por onde passeávamos. Brigitte e Laika chegaram depois, a primeira vinda do Leblon, abandonada que estava na Praça Antero de Quental, recolhida e socorrida por minha filha, e a segunda de Curitiba, comprada pela mãe da Jussara. As duas e Pretinho respondiam aos latidos daqueles cães e investiam contra cercas e portões provocando alarido. Durante o passeio, eles deixavam suas cargas fisiológicas pelo caminho. Onde um urinava, outro ia cheirar e fazer o mesmo. Os três sentiam segurança na companhia de Bóris.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

IMPRENSA

IV

O sistema de competências estabelecido pelo legislador constituinte delimita a ação do governante (parlamentar, chefe de governo, magistrado). Extravasá-lo é adentrar terreno ilícito. Fundado na sua autoridade e mediante o devido processo, o parlamentar elabora normas de nível constitucional e infraconstitucional (CR 59/69). Ao elaborar emenda à Constituição, não pode tocar: (i) na forma federativa de Estado; (ii) no voto direto, secreto, universal e periódico; (iii) na separação dos poderes; (iv) nos direitos e garantias individuais. Ao elaborar leis, não pode escapar aos parâmetros constitucionais.

A lei pode apresentar artigos, parágrafos, itens, enunciados parciais, colidentes com o texto constitucional. A ação proposta pelo PTB versa trecho de um enunciado legal. Embora possível esse minúsculo tipo de argüição, aquela ação judicial é temerária e ardilosa. Se provida: (i) dispensará dever do Estado sem a necessária intervenção do legislador constituinte; (ii) beneficiará o faturamento das emissoras. Certamente, algum benefício reverterá ao partido. Fechar os olhos ao espírito de malandragem que permeia a sociedade brasileira é acumpliciar-se. “O Brasil não é um país sério” sentenciaram alhures.

O rol das atribuições do Supremo Tribunal Federal (STF) não inclui a de legislador constituinte. O trecho impugnado, assim como o artigo em sua inteireza, é corolário de norma constitucional que atribui deveres ao Estado. Revogar a lei compete exclusivamente ao Congresso Nacional. Não cabe ao STF revogá-la. O jurisdicionado fica imune à lei ou à parte da lei declarada inconstitucional pelo Judiciário, porém, a lei vigora até que o Senado suspenda sua execução (CR 52, X).

O legislador constituinte atribuiu ao Estado o dever de proteger a família, as crianças e os adolescentes e estabeleceu limites à produção e programação das emissoras de rádio e televisão entre os quais se destacam: (i) a preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; (ii) o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (CR 220, §3º + 221, I, IV + 226/227).

O legislador ordinário cuidou da matéria no código civil (lei 10.406/02, 1511/1783) e no estatuto da criança e do adolescente (lei 8.069/90, 76 + 254/255). O trecho da lei impugnado na ação judicial (ADI 2404) resulta do regular cumprimento do dever do Estado.

Permissões, autorizações, restrições e proibições existem tanto na autocracia como na democracia, pois derivam da comum necessidade de ordem. A parcela conservadora do povo brasileiro aceita com simpatia o regime autocrático, inclusive a censura repressora. A parcela progressista do povo brasileiro aceita com simpatia o regime democrático, inclusive o sistema de segurança. Assim dividido na base, o povo brasileiro manifesta o seu pluralismo político e organiza partidos de esquerda, centro e direita, numa efusão de cores do vermelho ao violeta, desenhando o arco-íris da liberdade no céu da pátria.

O trecho do artigo de lei impugnado na referida ação judicial não tipifica censura, quer no sentido de ato reprovador, quer no sentido de instituição. Cuida-se de regramento de atividade que influi na família (base da sociedade) e na vida das crianças e dos adolescentes (futuro da nação). Ao Estado cabe a respectiva proteção enquanto não houver decisão em contrário do legislador constituinte. Ante a relevância dessa proteção para a sociedade brasileira, os representantes do povo provavelmente a manterão no texto constitucional.

O citado dispositivo legal não castra a liberdade de pensamento, de consciência, de crença, de convicção filosófica ou política (aqui, a Constituição silencia sobre censura: art. 5º, IV, VI, VIII). A expressão intelectual, artística, científica e a respectiva comunicação não foram afetadas (aqui, a Constituição veda censura: art. 5º, IX). O exercício de trabalho, ofício ou profissão, fica sujeito às qualificações profissionais que a lei estabelecer (aqui, a Constituição declara a liberdade e, ao mesmo tempo, permite restrições legais: art.5º XIII).

No âmbito da comunicação social, o legislador constituinte vedou só a censura de natureza ideológica, política e artística (CR 221, §2º). Ad argumentandum tantum, ainda que no dispositivo impugnado censura houvesse, a natureza desta seria administrativa e a sua finalidade seria social; fora, portanto, da vedação constitucional.


A magistratura e a imprensa abordam sob ângulos distintos os mesmos temas da Constituição e das leis. A ciência jurídica e o jornalismo têm fins e métodos próprios. A importância da liberdade de imprensa para a democracia não foi colocada em dúvida na referida ação judicial. Despiciendas, portanto, apologias a essa liberdade durante o respectivo julgamento. Discurso apologético, em tom sereno ou apoplético, embora de algum valor ornamental, obscurece a questão em debate e externa o propósito do orador de atrair para si o aplauso dos jornalistas e dos proprietários das empresas de comunicação social.

sábado, 10 de dezembro de 2011

IMPRENSA

III

A palavra censura comporta o sentido de: (i) ato de reprovar, repreender, condenar, criticar; (ii) instituição pública ou privada cuja finalidade é censurar. Como instituição pública há, basicamente, duas modalidades: (i) aparelho repressor do regime autocrático; (ii) sistema preventivo e repressivo do regime democrático. Como instituição privada, compreende mecanismos criados por organizações civis que estabelecem regras disciplinadoras das relações das empresas entre si, com o público e com o governo. Códigos de ética são elaborados e cumpridos enquanto o nível de faturamento da empresa se mantém alto e a competição não se torna selvagem. Há também aqueles que, na constância da habilidade de enganar, burlam as regras.

O dispositivo impugnado na ação direta de inconstitucionalidade em trâmites pelo Supremo Tribunal Federal - STF (ADI 2404) não reprova programa algum, nem cria aparelho repressor. Consta de uma lei elaborada no devido processo jurídico em harmonia com o sistema preventivo e repressivo decorrente da Constituição:

“Transmitir através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso da sua classificação: Pena – multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias”. (Lei 8.069/1990, art. 254).

O autor da ação pede ao STF que declare inconstitucional a expressão “em horário diverso do autorizado”, ali contida. Como exposto nesta série, tal pretensão está juridicamente desamparada. O preceito é constitucional na sua inteireza, encaixa-se na competência do legislador ordinário e atende ao bem comum, especialmente à proteção do público infantil e juvenil. O dispositivo impugnado é conseqüência lógica do disposto no artigo 76, da citada lei:

“As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Parágrafo único – Nenhum espetáculo será apresentado ou anunciado sem aviso da sua classificação, antes da sua transmissão, apresentação ou exibição.”

Firme na lei, a autoridade estatal fixa tão somente hora a partir da qual o programa poderá ser exibido. Dentro do período permitido, as emissoras escolhem hora para transmissão.

Revela-se artificiosa a colisão, mencionada nos votos dos ministros, do dispositivo impugnado com o preceito que atribui competência à União Federal para classificar os programas de radio e televisão. Ao contrário do que lá foi dito, o efeito indicativo não exclui vinculações decorrentes do legítimo exercício do poder governamental. Diz a norma:

“Compete à União: exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão”. (CR 21, XVI).

Do preceito constitucional não consta – e nem podia constar, sob pena de esvaziar a si próprio – que a classificação é para “exclusivo” efeito indicativo. Se o atendimento à classificação e ao horário de exibição ficasse ao arbítrio das emissoras, o preceito seria inócuo.

No campo do direito posto, classificar sem sanção é flutuar no vácuo; regulamentar sem força jurídica é convidar à desobediência.

Dois elementos caracterizam a regra jurídica: o preceito (determinação da conduta) e a sanção (penalidade se violado o preceito). Por isso mesmo, quando a norma constitucional diz “para efeito indicativo” vai além do simples efeito de mostrar, aconselhar, orientar, apontar. O sentido normativo é o de prescrever, ordenar, preceituar, diante do qual a classificação adquire força de preceito jurídico e reclama sanção. Desobedecê-la e/ou exibir programa fora do horário recomendado, caracterizam infração à regra jurídica, o que enseja punição ao infrator.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

IMPRENSA

II

Dos votos dos ministros, na citada ação direta de inconstitucionalidade, infere-se que o tribunal está propenso a reconhecer liberdade absoluta à imprensa e afrontar ao modelo político posto pelo legislador constituinte (CR 1º). Na república democrática não há lugar para absolutismos, quer da autoridade (tirania), quer da liberdade (anarquia). Ao contrário do que se extrai dos votos, liberdade plena não significa liberdade absoluta. Ademais, a norma constitucional que se alega violada, refere-se estritamente à plena liberdade de informação jornalística, sem incluir a manifestação do pensamento, a criação e a expressão (CR 220, §1º).

Liberdade plena em república democrática significa a possibilidade de ser e ter, querer e agir, expressar e comunicar, crer e não crer, fazer e não fazer, reunir e não reunir, associar e não associar, contratar e não contratar, tudo sem embaraço, porém, dentro das balizas cravadas pela autoridade do legislador constituinte e do legislador ordinário. No vasto espaço jurídico e social, as liberdades são vivenciadas, ora em harmonia, ora em conflito, umas com as outras.

Liberdade absoluta significa ausência de freios físicos, éticos e jurídicos. Aspiração de anarquistas bem intencionados e pretensão de liberais maliciosos, esse tipo de liberdade não se compatibiliza com a sociedade civilizada e democrática. Poder-se-ia falar em liberdade absoluta do povo para organizar o Estado mediante costumes, leis e jurisprudência, como na Inglaterra, ou mediante Constituição escrita, como nos EUA e no Brasil. O condicional (“poder-se-ia”) deve-se à estima de valores tradicionais enraizados na consciência do povo e que funcionam como barreiras consuetudinárias, éticas, estéticas e psicológicas ao exercício do poder constituinte. Até no regime autocrático, monarcas e ditadores procuram respeitar valores e costumes tradicionais do povo, inclusive crenças e rituais religiosos. Poder absoluto e liberdade absoluta são faces da moeda que está nas mãos de Deus.

Na cultura brasileira há um tipo de mentalidade fundada na aspiração libertina e que se reflete no comportamento: “Freios? Só para os outros. Igualdade? Só quando me beneficia. Escassez? Abundância para mim e racionamento para os demais”.

Parlamentares, chefes de governo, magistrados, gozam de imunidades para o eficaz desempenho da representação popular e realização dos objetivos fundamentais da república democrática brasileira. Apesar da ampla liberdade de governar permitida pelas imunidades, esses agentes políticos respondem judicialmente por seus atos na hipótese de abuso de poder, desvio de finalidade ou falta de decoro. Os governados não gozam de tais imunidades e tampouco de liberdade absoluta.

A Constituição escrita e as leis que a regulamentam, traçam os limites da autoridade e da liberdade. Os princípios fundamentais enunciados nos artigos 1º a 4º da Constituição brasileira são balizas da autoridade do governante e da liberdade do governado. Os direitos fundamentais declarados nos artigos 5º a 17 são limites à autoridade do governante.

O dispositivo impugnado na citada ação direta de inconstitucionalidade sanciona a desobediência à classificação dos programas de rádio e televisão. A classificação é dever do Estado e visa a proteger a família brasileira, as crianças e os adolescentes. Dito dispositivo deixa incólume o conteúdo da programação (liberdade de expressão e comunicação); refere-se apenas ao momento apropriado da transmissão do programa e comina pena ao eventual transgressor. Não há falar em violação à liberdade de imprensa e sim em disciplina do horário de transmissão. Dizer que a autoridade estatal pode abusar na classificação vale tanto quanto dizer que a emissora pode abusar na programação. Na ordem jurídica há remédio para o abuso tanto da autoridade como da liberdade.

Nota-se, nos votos dos ministros, confusão entre poder administrativo do governo (regulamentar, fiscalizar, controlar) – irrenunciável e de obrigatório exercício – e a extremada censura policial (reprimir, proscrever). Nota-se, ainda, a presença de conceitos que se repelem como água e azeite na mesma vasilha. O bom suco resulta da apropriada seleção das frutas lançadas no liquidificador.

Censura é palavra estigmatizada em virtude da experiência ditatorial na história do povo brasileiro desde os alvores da república. Entretanto, essa palavra corresponde a uma operação mental própria do ser humano. Na vida gregária, os humanos censuram as idéias, as obras e o comportamento uns dos outros. Na administração pública, a censura consta da gradação das penas aplicáveis aos funcionários, a saber: advertência, censura, suspensão e demissão.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

IMPRENSA

I

O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) pretende obter, do Supremo Tribunal Federal, declaração da inconstitucionalidade do trecho final de artigo de lei que sanciona emissoras de rádio e televisão na hipótese de desobediência à classificação dos programas. Alega que a classificação é meramente indicativa, consoante artigo 21, inciso XVI, da Constituição da República (CR); portanto, a sua inobservância não pode gerar punição. Interveio no processo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) em apoio à pretensão do autor. Em suas respostas, a Presidente da República e o Congresso Nacional defendem a constitucionalidade do dispositivo legal punitivo. Na sessão do dia 30 de novembro de 2011, daquele tribunal, o relator e os ministros Luiz Fux, Carmen Lúcia e Ayres Britto votaram a favor do autor. O ministro Joaquim Barbosa pediu vista dos autos. O julgamento foi suspenso.

Do que lá se viu em transmissão direta pela TV Justiça, fica a impressão de que o autor da ação e a interveniente (abert) chamaram à balha a liberdade de imprensa com o fim precípuo de esconder objetivos financeiros e comerciais; vieram com o propósito de obter licença para contrariar regra específica e livrar a atividade jornalística dos deveres éticos e jurídicos para com a sociedade.

O cuidadoso saneamento do processo antes de entrar no mérito da demanda contribui para a boa e adequada solução. Os votos até agora proferidos contêm juízos questionáveis e algumas bordoadas no vernáculo. No julgamento da causa, a linguagem há de ser precisa diante de palavras que comportam mais de um sentido. Tampouco se deve descurar de procedimentos que simplificam e esclarecem a causa, tais como: definir as linhas da pretensão deduzida na petição inicial, fixar os pontos controvertidos, evitar temas periféricos, considerar a realidade social do país no exame conjunto do fato e do direito.

A conduta dos jornalistas e das empresas de comunicação dos EUA e da Europa que regulam sua própria atividade é diferente da conduta de parcela da população brasileira de notória frouxidão moral e avessa a disciplina. No Brasil, grassa corrupção no seio do povo e nas entranhas do governo (Estado = território + povo + governo). As emissoras brasileiras particulares e sem profissão religiosa preocupam-se mais com o faturamento e recheiam programas com propaganda comercial direta ou indireta (merchandising) driblando os limites de tempo fixados na lei. Em horários impróprios são lançados programas que atraem público jovem, filmes e novelas com cenas de sexo, violência, ódio entre pais e filhos e entre irmãos, rompimento de laços familiares, desprezo pelos bons costumes e pelos princípios morais. As emissoras se empenham em conquistar audiência, faturar alto, manipular eleições, apoiar candidatos a cargos políticos, aliciar parlamentares, chefes de governo, ministros e magistrados.

O argumento de que cabe aos pais vigiar e apagar o rádio e a televisão partilha da mesma flacidez moral de dois célebres conselhos: (i) relaxe e goze quando o estupro for inevitável; (ii) estupre, mas não mate.

A eventual vigilância dos pais não afasta o dever irrenunciável do Estado de proteger a família, as crianças e os adolescentes. Nem todos os pais têm a ventura de estar na companhia dos filhos. Milhares saem das suas casas de madrugada para o trabalho e retornam tarde da noite. Nos lares de um só aparelho de televisão, nem todos os pais têm ânimo para tirar os filhos da sala. Nem todos os pais têm capacidade ou ensejo para filtrar mensagens subliminares dos programas. Os filhos nem sempre assistem aos programas nas suas próprias casas ou barracos. Às vezes, a realidade supera a imaginação; atos e fatos individuais e coletivos superam esquemas lógicos e normativos.

domingo, 4 de dezembro de 2011

IMPUNIDADE

Exemplo da prevalência política em decisão judicial verificou-se no Supremo Tribunal Federal, ação penal MP x LHS, relator ministro Ricardo Lewandowski, sessão de julgamento de 24/11/2011.
Candidato a governador do Estado de Santa Catarina, nos idos de 2002, em período de campanha eleitoral, durante entrevista prestada a emissora de televisão, ofendeu juiz eleitoral de Joinville, chamando-o de pequeno e menor (injúria). O candidato afirmava que o juiz o perseguia durante meses e o ameaçava de prisão (calúnia).
O Ministério Público ofereceu denúncia contra o candidato – depois governador daquele Estado e atualmente senador da república – por injúria e calúnia. O tribunal discutia se deferia ou indeferia a denúncia (juízo de admissibilidade). Do deferimento dependia a instauração do processo criminal contra o senador. Inicialmente, a denúncia enquadrou o acusado na lei de imprensa. Retirada essa lei do ordenamento jurídico por decisão do Supremo Tribunal Federal, o enquadramento mudou para o código penal. O tribunal rejeitou a denúncia. Em conseqüência, o processo não foi instaurado. Prevaleceu a razão política da maioria dos juízes. A razão jurídica da minoria sucumbiu.
O crime de injúria ocorreu. Inequívoca a intenção de atingir a honra do magistrado, cuja estatura moral e intelectual foi apequenada pelo acusado através de canal aberto de televisão. Todavia, os juízes, por unanimidade, concordaram que esse delito estava prescrito. O prazo prescricional foi contado pela metade em decorrência de o denunciado ser septuagenário. Nessa parte, a rejeição da denúncia encontra amparo na processualística em vigor (CPP 43, II).
O crime de calúnia ocorreu. O prazo prescricional não se esgotou mesmo contado pela metade. O acusado excedeu-se no exercício do direito de crítica e na liberdade de expressão ao atribuir ao juiz conduta definida como crime de ameaça, prevaricação e abuso de autoridade (CP 147, 319 + lei 4.898/1965, 3º, a e g). Irrelevante se o ofensor não mencionou o delito pelo nome técnico. Importa verificar se a conduta que ele atribuiu ao ofendido é ou não é delituosa.
No caso em tela, a resposta é positiva. Juiz eleitoral pratica ação delituosa quando, sem justa causa, persegue candidato durante campanha eleitoral e o ameaça de prisão. Perseguir significa acossar, atemorizar, importunar, comportamento que revela parcialidade do juiz e interesse em beneficiar o adversário do candidato na disputa eleitoral. A calúnia evidenciou-se. A injúria reforça a intenção do acusado de caluniar o juiz. Alicerçada em robusta prova citada pelo relator, a denúncia tinha de ser recebida e o processo instaurado. A questão de mérito seria apreciada após a instrução processual e os debates, quando o tribunal absolveria ou condenaria o réu.
A denúncia pode ser rejeitada se o fato narrado evidentemente não constitui crime (CPP 43, I). No caso concreto, a conduta atribuída ao juiz configurava delitos definidos na lei penal. Calumniare est falsa crimina intendere (caluniar é imputar crime falsamente). A denúncia estava perfeita conforme leitura em plenário. Provavelmente, no julgamento da maioria pesaram a idade do senador, a sua posição social e o tempo decorrido. Mental contorcionismo e capciosa interpretação das palavras e das atitudes do ofensor alicerçaram o indeferimento da denúncia. Capitis deminutio dos juízes eleitorais. Magistrados desvalorizados pela corte suprema. Terrível precedente.
A ponderação entre os valores em jogo no processo judicial importa: (i) na apreciação da realidade política, social e econômica; (ii) no exame dos princípios e regras aplicáveis ao caso; (iii) no reconhecimento da hierarquia entre princípios e regras na estrutura jurídica do Estado. Na ponderação, o juízo político pode sobrepujar o jurídico. Empirismo e critérios de oportunidade e conveniência preponderam sobre razões estritamente jurídicas. Nos tribunais, a preponderância da política ante o direito coloca em risco a segurança jurídica. A decisão politicamente inspirada deve situar-se no círculo das variáveis permitidas pela ordem jurídica. Fora de tal círculo, campeia a arbitrariedade.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

MAGISTRATURA

XIV
Outro exemplo de raquitismo nos tribunais é o mandado de injunção 860, impetrado em julho de 2008, no Supremo Tribunal Federal, sendo relator o ministro Marco Aurélio, em que se pede o disciplinamento do preceito constitucional sobre moralidade para exercício de cargo eletivo. Trata-se de integração do ordenamento jurídico a ser realizada pelo Judiciário no caso concreto. Nesse tipo de processo, a solução judicial expressa o caráter normativo do poder jurisdicional.
A disciplina solicitada mediante o referido mandado de injunção era necessária para o eleitor impugnar pedido de registro de candidatura com base na vida pregressa de candidato a prefeito de município do interior fluminense. A vida pregressa inclui ações e omissões do candidato quanto aos seus deveres para com a família, a sociedade e o Estado, desde a maioridade até a idade atual. Não se limita, pois, à ficha criminal. Daí a necessidade de regras disciplinadoras da matéria constitucional em cada caso, enquanto o Legislativo se mantiver omisso.
O presidente do Congresso Nacional prestou informações. O Procurador-Geral da República devia se pronunciar, consoante regra constitucional e regimental. O relator suprimiu essa fase e negou seguimento ao mandado de injunção. Decisão nula de pleno direito por escandalosa agressão à norma em vigor. Além de arbitrária, a decisão revela raquitismo inesperado em uma corte de justiça. Troca o nome da medida judicial de mandado de injunção para mandado de segurança, sinal do descaso com que foi tratada matéria tão relevante. Redação sofrível e linguagem equivocada. Degrada a Constituição chamando-a de “Carta”. Denomina-se “carta” o documento unilateral escrito por alguém para comunicar alguma coisa a outrem. O destinatário não participa da elaboração do documento. A comunicação se dá de pessoa a pessoa privativamente (carta fechada) ou do emissor ao público (carta aberta). No restaurante, carta de vinhos; na escravatura, carta de alforria; no reino, carta régia (determinações do rei aos súditos).
Na política, denomina-se “Carta” a lei fundamental do Estado posta unilateralmente pelo dono do poder (rei na monarquia, ditador na república), sem participação do povo. Destarte, consideram-se “cartas” as leis fundamentais do Brasil de 1824, 1937 e 1967, outorgadas pelo imperador, pelo chefe civil da revolução e pelo estamento militar, respectivamente. Reserva-se o nome de Constituição à lei fundamental do Estado posta pelo povo, autor e destinatário concomitantemente. Destarte, consideram-se “constituições” as leis fundamentais do Brasil de 1891, 1934, 1946 e 1988, votadas pelos representantes do povo em clima de liberdade.
Inadvertidamente, alguns operadores do direito usam a palavra “carta” por imitação da Magna Charta Libertatum, documento histórico de 1215, outorgado por João, rei da Inglaterra, aos seus súditos. Cuidava-se de carta régia elaborada e assinada pelo monarca, aconselhado pelo clero e pela nobreza, sem participação do povo.

O despacho em comento carece de fundamentação. Limita-se a citar outra ação judicial (ADPF 144-7/DF) como se as duas ações fossem idênticas. Havia diferenças essenciais ignoradas pelo prolator do despacho. A ADPF e o mandado de injunção tratavam de questões diferentes do ponto de vista fático e jurídico. Concorrendo semelhança acidental e diferença essencial, descabe analogia. Em evidente equívoco lógico, a decisão apoiou-se em descabida analogia. O impetrante interpôs agravo regimental que dorme no gabinete do relator há três anos. Nesta altura, o mandado de injunção perdeu o objeto por dois motivos: (i) a eleição municipal que lhe servia de propósito findou em 2008; (ii) lei superveniente disciplinou a matéria (ficha limpa).