Dezembro. 2011. Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal
Federal, afirma que o Poder Judiciário brasileiro atravessa crise sem paralelo
na história. Modus in rebus. Os fatos
trazidos a lume existiam há muito tempo. O público apenas ignorava a extensão. O
tema foi abordado no artigo “Crise da Justiça”, publicado na Revista da Escola
da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, vol. 9, nº 26, 2006, no
qual se lê:
“A justiça brasileira, neste
amplo e orgânico sentido, está em crise. Isto vem reconhecido pelos profissionais
do direito e pela sociedade em
geral. Os jurisdicionados reclamam da lentidão dos trâmites
processuais e mostram-se descrentes das instituições judiciárias. Os escândalos
de corrupção agravam a opinião desfavorável ao Poder Judiciário. A corrupção na
atividade jurisdicional escandaliza muito mais do que a corrupção nos demais
poderes, porque os cidadãos vêem nos juízes a encarnação da justiça e da
honestidade. Essa visão ampara-se em atributos do magistrado como
imparcialidade, austeridade, sensatez, coragem, eficiência, lucidez, cultura
geral e espírito público.” (pág.283).
A novidade agora é a
transparência. Membros do Poder Judiciário concedem entrevistas em programas de
televisão e publicam textos na imprensa versando assuntos internos. Os
intestinos da magistratura foram expostos ao público neste ano (2011). A
fedentina desagradou. O volume dos atos ilícitos causou espanto. Isto provocou
batalhas internas no Judiciário cuja intensidade assemelha-se a uma crise.
Mútuas acusações de recebimento ilegítimo de altas quantias por membros de
tribunais. Gastos faraônicos. Desvio de verbas. Fraudes em concursos. Nomeações
inconstitucionais. Nepotismo. Facções se digladiam: umas defendem o sigilo (x)
outras a publicidade; umas defendem a privacidade dos magistrados (x) outras
concordam com a devassa nas declarações de renda e nas contas bancárias dos
investigados; umas pleiteiam impeachment
da corregedora nacional da justiça que provocou escândalo ao instaurar
inquéritos e sindicâncias (x) outras a defendem e classificam de corretos e
oportunos os seus pronunciamentos e as suas iniciativas. Ninguém se opõe à
apuração de delitos praticados por magistrados, mas há divergência quanto à
natureza da intervenção do Conselho Nacional de Justiça, se originária ou
subsidiária. A inconstitucional criação desse Conselho foi criticada em 2006,
no artigo acima citado, onde se lê:
“O Tribunal de Justiça detém o
poder político no Estado Federado, no seu mais elevado grau. No entanto, as
suas decisões de natureza administrativa ficaram sujeitas à cassação ou
suspensão por um órgão burocrático de caráter nacional. Esse órgão submete ao
seu controle não só a conduta dos magistrados como, também, as atividades
peculiares e próprias dos tribunais. Isto tipifica uma violência inominável ao
princípio federativo em gênero e à autonomia do judiciário estadual em espécie. O poder de
avocar processos disciplinares, por exemplo, quebra o princípio federativo no
que tange aos juizes estaduais, cuja conduta ficará submetida à apreciação de
servidores federais. (...) Essa interferência indébita ocorre, também, pela competência revisional dada ao Conselho,
que inclui expedição de ordens aos tribunais de justiça e aos respectivos
presidentes, para que façam ou deixem de fazer negócios administrativos,
colocando-os em posição subalterna e humilhante.” (pág. 273/274).
As associações de magistrados
disputam entre si a liderança da defesa da magistratura. Jogo de vaidades. O
teor das defesas, embora nem sempre adequado e oportuno, serve a propósitos
eleitoreiros. As diretorias das associações aproveitam o episódio para lograr maior
visibilidade e conquistar votos. Visam à continuidade do grupo situacionista. Nas
revistas, boletins e mensagens eletrônicas das associações, textos e imagens
destinam-se à promoção pessoal dos seus presidentes. A imprensa, com
posicionamentos variados, aproveita o escândalo para aumentar audiência e os
lucros com propaganda e vendas.
O mundo natural e o mundo moral têm em comum a
corrupção. Moralmente, parcelas do povo e do governo são corruptas nos diversos
países (Índia, Rússia, EUA, Inglaterra). A diferença está na sofisticação e no
desplante. No Brasil, os fatos ilícitos exibidos ao público relativos à
magistratura resultam da corrupção endêmica que o distingue de outros países. Aqui,
a honestidade aparece como exceção quando devia ser a regra. Vige a mentalidade
da esperteza, do jeitinho, de levar vantagem em tudo, de contornar deveres e
exigir direitos. Diante desse quadro, entende-se porque parlamentares e chefes
de governo escolhem para as vagas livres de concurso, nos tribunais superiores,
bacharéis em direito sem notável saber jurídico, carentes de reputação ilibada,
dispostos a prestar favores e abertos ao tráfico de influência. Juízes que
prestam concurso de provas e títulos são recrutados nas camadas pobre,
remediada e rica da sociedade brasileira, dentro dessa pantanosa realidade.
Nada surpreendente, pois, a existência de: (i) parlamentares, chefes de governo
e magistrados corruptos; (ii) eleitores, jornalistas e empresários corruptos;
(iii) ministros, sindicalistas e dirigentes de associações civis corruptos. Diante
dessa realidade social e política conclui-se que os brasileiros têm o governo
que merecem (legislativo + executivo + judiciário). A felicidade geral almejada
para o próximo ano é quimera. Cada qual será feliz em momentos fugazes, de
acordo com as circunstâncias e a sua disposição de alma.