quarta-feira, 30 de junho de 2021

BIBLIOGRAFIA

Séries "Poder" (março-abril/2021) + "Direito Aplicado" (abril-junho/2021). 
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domingo, 27 de junho de 2021

DIREITO APLICADO - XX

Todos os juízes de direito em atividade, singulares ou membros de tribunal, têm o poder geral de jurisdição, porém, exercem-no dentro de limites espaciais, temporais e funcionais. Trata-se da métrica da jurisdição (medida do poder jurisdicional = competência) estabelecida na Constituição e nas leis, inclusive códigos de organização e divisão judiciárias e regimentos internos dos tribunais. A competência para conhecer, processar e julgar é partilhada por diferentes órgãos judiciais conforme: [I] o lugar em que ocorreu o ato ou fato gerador da ação judicial [II] o domicílio da pessoa [III] a matéria versada (i) cível: sobre personalidade, bens, obrigações, coisas, família, sucessões (ii) penal: sobre crimes contra a pessoa, o patrimônio, a organização do trabalho, o sentimento religioso, os costumes, a família, a incolumidade pública, a paz pública, a fé pública, a administração pública, as instituições militares [IV] o valor da causa (cível) [V] a função pública exercida pelo réu: parlamentar, presidente, vice-presidente, ministro, magistrado, agente do ministério público, chefe de missão diplomática, membro de tribunal de contas, comandantes das forças armadas. 
Cogita-se atualmente no meio político, em sintonia com o princípio democrático e mediante emenda à Constituição, extinguir ou reduzir as hipóteses de foro privilegiado no Brasil. 
Nos termos da vigente Constituição, questões cíveis e criminais são da competência (i) universal da justiça estadual (ii) particular da justiça federal comum. Questões sobre (i) relação de trabalho, competem à justiça do trabalho (ii) sufrágio, elegibilidade e mandato político, à justiça eleitoral (iii) crimes militares, à justiça militar; todas integrando a justiça federal especial.  
Além dessa magna divisão do poder judiciário para fins de prestação da tutela jurisdicional há, em cada uma, distribuição das ações: [I] às circunscrições territoriais onde as causas serão julgadas = competência de foro (comarca, zona eleitoral, seção judiciária, circunscrição judiciária) [II] às varas, auditorias militares, câmaras, turmas, plenário, onde as demandas são processadas e julgadas nos diferentes graus de jurisdição = competência do órgão julgador. 
Quando a ação judicial versar exclusivamente interesse privado, os litigantes podem escolher previamente o foro em cláusula contratual, ou, por acordo extrajudicial = foro de eleição (competência relativa). Quando prevalecer o interesse público, o foro legal é indisponível (competência absoluta). A competência do foro e do órgão julgador é definida quando a petição inicial é despachada pelo juiz, ou, registrada e distribuída; depois, não pode mais ser alterada, salvo decisão judicial modificativa ante a conexão e a prevenção (perpetuatio jurisdictionis versus exceção de incompetência). O juízo ao qual for distribuído o inquérito policial, fica prevento para a ação penal respectiva. 
O tempo tem papel relevante na aplicação do direito. No processo judicial, exaurido o prazo legal sem mais recurso, ocorre a preclusão máxima: trânsito em julgado da sentença. No mesmo processo, a coisa julgada não poderá ser reexaminada, modificada ou impugnada. Entretanto, na perene sede de justiça, o litigante vencido pode insurgir-se contra a coisa julgada mediante ação rescisória ou revisão criminal quando verificar que a decisão de mérito resultou: (i) da prevaricação, corrupção ou suspeição do juiz (ii) da incompetência do juízo ou do tribunal (iii) do dolo praticado pela parte vencedora (iv) de prova falsa (v) de erro de fato (vi) de contrariedade a texto expresso de lei ou à evidência dos autos. A revisão criminal ainda é permitida quando, após a sentença condenatória transitada em julgado, surgem novas provas da inocência do condenado. 
Coisa julgada, prescrição, perempção, decadência, são limites de tempo postos pelo legislador à duração das demandas e à iniciativa das partes. Nos versos de Vinicius, “o amor é eterno enquanto dura”. Na prosa de Reale, “a emoção é enquanto dura”. Na literatura jurídica, “o processo é eterno enquanto dura” e “o direito é enquanto deve ser”. O legislador fixa prazo de duração para que o processo não se eternize. Perde o seu direito aquele que não o exerce tempestivamente. Dormientibus non sucurrit jus = o direito não socorre a quem dorme. Caso se mantenha inerte no prazo legalmente assinado para a usucapião, o proprietário perde o seu bem para aquele que pacificamente o possua, ou seja, o proprietário perde (prescrição extintiva) e o possuidor adquire (prescrição aquisitiva) a propriedade do imóvel. Xingado oralmente ou por escrito de vagabundo, canalha, ladrão, corrupto, maricas, veado, corno manso e outros impropérios, se não retorquir imediatamente, ou, não formular queixa-crime no prazo legal, o ofendido perde o seu direito; a punibilidade do ofensor fica extinta (prescrição do crime). Exaurido o prazo para manifestação tópica nos trâmites processuais, o litigante omisso perde o seu direito de se pronunciar (perempção). A decadência é outra hipótese de extinção de direito pelo decurso do prazo. Ao contrário da prescrição, a decadência não pode ser interrompida, opõe-se erga omnes, pode ser declarada de ofício pelo magistrado e, decorrido o prazo in albis, o direito deixa de existir. 
A decisão judicial é coercível. O acatamento à verdade jurídica expressa na coisa julgada, coincida ou não com a verdade empírica, pode ser exigido compulsoriamente caso haja injustificada recusa. Sanção é a pena cominada a quem comete ato ilícito. Coerção é o meio empregado para forçar alguém a cumprir o seu dever jurídico quando não o faz de modo espontâneo. Exemplo: Multa é sanção aplicável a quem descumprir a lei ou o contrato. Arresto é a medida coercitiva para o devedor inadimplente pagar a multa. Reclusão é sanção aplicável a quem comete crime. Diligência policial é o meio coercitivo para aprisionar o condenado que não se apresenta espontaneamente à autoridade pública. Prisão é sanção aplicável a quem desobedece a ordem judicial sem justo motivo. Diligência do oficial de justiça é o meio coercitivo para conduzir o desobediente à presença do juiz. O estado tem o monopólio da força. Isto significa que ninguém pode executar decisão judicial de modo particular com seus próprios meios. A execução forçada depende de mandado judicial (CR 5º, LIV, LXI). 

quinta-feira, 24 de junho de 2021

DIREITO APLICADO - XIX

Jurisdição, no sentido amplo, significa “ato de dizer o direito”. Reserva-se a prática desse ato a pessoa legal e profissionalmente autorizada. O direito pode ser dito pelas pessoas no que concerne aos seus privados interesses (i) no sistema da mediação (ii) no sistema da arbitragem. Sem integrar órgão judiciário, firme na sua autoridade empírica, científica e filosófica, o jurisconsulto interpreta o direito positivo em nível doutrinário e, quando solicitado, opina em nível prático e apresenta soluções casuísticas providas de força moral (desprovidas de coercibilidade). O legislador formaliza direitos e deveres visando a determinados fins, presta tutela jurisdicional no processo de impeachment do chefe de governo, investiga atos e fatos que podem tipificar crimes e irregularidades, julga com base em prova documental e pericial a legalidade das contas dos administradores e responsáveis por bens e valores públicos. Autoridades administrativas conhecem, processam e decidem à luz do direito, petições de diferentes conteúdos e propósitos.   
As jurisdições dos órgãos legislativo e executivo são autônomas nos casos e procedimentos nos quais a Constituição atribui competência privativa. As decisões ali proferidas têm força jurídica, porém, se ocorrer inconstitucionalidade, entra em cena a jurisdição judiciária, desde que provocada (CR 102, I). 
Jurisdição judiciária consiste no poder estatal exercido pelos juízes e tribunais no devido processo jurídico para resolver controvérsias, declarar o direito, interpretar e aplicar as normas constitucionais e infraconstitucionais nos casos que lhes são distribuídos. A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito (CR 5º, XXXV). [Outrora, o direito subjetivo revelava-se no processo judicial (actio em Roma, due process of law na Inglaterra]
Para ser movimentada, a jurisdição judiciária depende da provocação dos interessados. Sem ação não há jurisdição. Sem autor não há processo. Quanto à extensão [I] no estado unitário, a jurisdição judiciária é una e simples por todo o território [II] no estado composto, a jurisdição judiciária divide-se em (i) federal, abrange o território nacional (ii) estadual, abrange só o território do estado federado. Quanto à matéria, a jurisdição judiciária bifurca-se em civil e penal e se classifica em (i) geral, relativa à justiça não ramificada (ii) especial, relativa à justiça ramificada (trabalhista, eleitoral, militar). Quanto aos graus, a jurisdição judiciária compreende: [I] o primeiro, no qual a lide é resolvida inicialmente, seja por juiz singular, seja por tribunal (competência originária) [II] o segundo, no qual a decisão inicial (sentença ou acórdão) é examinada na instância superior por órgão colegiado (competência recursal ordinária) [III] o terceiro, quando a decisão do segundo é examinada por tribunal superior (competência recursal especial) [IV] o quarto, quando a decisão do terceiro é examinada por tribunal supremo (competência recursal extraordinária).
Essa gradação garante aos jurisdicionados o reexame da lide em prol da certeza e segurança jurídicas. Decisão monocrática em segundo grau é anomalia, pois, fere a garantia do duplo grau de jurisdição e a própria razão de existirem tribunais de justiça. O jurisdicionado já viu o seu caso examinado por um só juiz no primeiro grau. Mediante recurso cabível, pretende ver o seu caso examinado e decidido em conjunto por três ou mais juízes nos superiores graus de jurisdição. Trata-se da garantia constitucional do devido processo jurídico.   
A competência legal atribuída aos juízes e tribunais define-se como medida da jurisdição, limites à atividade judicante traçados pela Constituição. Quando o interesse em jogo for exclusivamente particular e civil, as pessoas podem escolher o foro para as suas demandas (competência relativa de base territorial). Fazem-no, geralmente, no contrato que celebram. Quando há interesse público (como nas esferas criminal, família, trabalhista) as pessoas nada podem dispor a esse respeito (competência absoluta de base territorial). 
O juiz tem o dever de reconhecer o foro. A escolha de juiz pelas partes induz à desconfiança e à suspeição. O juiz da causa é aquele que a lei indica (juiz natural). Se houver pluralidade de juízes com as mesmas atribuições na mesma comarca, conhecerá da ação aquele sorteado pelo mecanismo oficial da distribuição. O juiz que primeiro despachar a petição inicial ficará prevento em relação a outras ações conexas. Reputam-se conexas duas ou mais ações que tenham a mesma causa de pedir e/ou o mesmo objeto. Nessa hipótese, as ações serão reunidas num só juízo para evitar decisões conflitantes. Se duas ou mais ações coincidirem na autoria e na causa de pedir, mas o objeto de uma for mais amplo do que o das outras, a mais ampla encampa as demais no mesmo juízo (continência). 
A Constituição veda: [I] juízo de exceção (como o da vara federal de Curitiba/PR, no caso apelidado “lava-jato”) [II] tribunal de exceção (como o federal de Porto Alegre/RS que deu ilegal e abusiva cobertura ao caso). A independência e a imparcialidade dos juízes são vitais para a confiável, segura e válida prestação da tutela jurisdicional. Nas hipóteses de impedimento ou suspeição, os juízes têm o dever moral e jurídico de se afastar do processo. Por outro lado, ao juiz é defeso delegar as suas atribuições ou eximir-se de julgar quando competente para o caso. No julgamento, o juiz aplicará a lei. Se faltar preceito legal, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito. 


segunda-feira, 21 de junho de 2021

DIREITO APLICADO - XVIII

A civilização ocidental deve ao gênio romano a sua arquitetura jurídica, a autonomia e o conceito do direito como arte e como ciência, a divisão do direito em público e privado, as instituições de direito civil e comercial, a noção de bilateralidade atributiva que caracteriza a norma jurídica (direitos e deveres atribuídos aos sujeitos ativos e passivos da relação intersubjetiva própria da vida social). Nas universidades, estuda-se o direito romano visando à formação prática e teórica dos futuros juristas. O direito privado romano foi objeto das ordenações afonsinas, manuelinas e filipinas de Portugal. Estas últimas, publicadas por Filipe I, em 1608, vigoraram no Brasil desde os tempos coloniais até 1916, quando foram substituídas pelo código civil que, por sua vez, foi substituído antes de completar 100 anos (lei 10.406/2002). 
O direito público brasileiro adquire feição própria com a carta imperial de 1824, cresce sob as constituições de 1891 e 1946, obnubila-se nos períodos autocráticos (1930/1945 + 1964/1985), revigora-se sob a Constituição de 1988. Ramificação: direito constitucional, internacional, administrativo, penal, processual, tributário, financeiro, eleitoral, ambiental, seguridade e comunicação sociais. 
Apesar do presidencialismo caudilhesco que historicamente caracteriza a prática governamental republicana, nota-se, a partir de 2003, ativismo político partidário e ideológico de juízes e tribunais (i) nas operações “mensalão” e “lava-jato” (ii) no golpe de estado que derrubou o governo Rousseff (iii) nas manobras para impedir candidatura de líder petista à presidência da república (iv) na invasão da competência privativa do presidente da república de escolher auxiliares do governo, como aconteceu nos governos Rousseff e Bolsonaro em frontal desrespeito ao princípio da separação dos poderes. Abusam das interpretações capciosas e dos argumentos falaciosos. Envergonham a magistratura brasileira. 
Por direito objetivo entende-se o conjunto de normas jurídicas vigentes na sociedade e no estado. Esse direito não está subordinado à vontade e ao capricho dos governantes e dos governados. A obediência à lei, veículo desse direito, constitui imperativo político de ordem pública ante a necessidade de se manter e conservar a integridade física e institucional da sociedade e do estado. 
Por direito subjetivo entende-se o conjunto de pretensões atribuído às pessoas cujo exercício depende exclusivamente da vontade e do interesse do titular. Exemplo: Proprietária do imóvel, Maria tem o direito de despejar João, o inquilino, por falta de pagamento dos alugueres. Entretanto, sensibilizada com o ocasional e involuntário desemprego de João, Maria deixa de exercer o seu direito. A estrutura moral e religiosa da personalidade de Maria superou, sem extinguir, o seu direito de promover o despejo de João.   
No derradeiro século do império romano (V d.C.), o imperador Justiniano denunciou os abusos hermenêuticos dos magistrados e dos jurisconsultos e chamou a si a tarefa de interpretar as leis. Repudiou, também, editos dos pretores. A exegese válida passou a ser a dele, intérprete oficial e legislador. Quatorze séculos mais tarde, Napoleão manifestava o mesmo entendimento de Justiniano. Criticando os comentários e as opiniões dos juristas, o corso afirmava (i) que eles deformavam os códigos fundamentais (ii) que ao juiz compete aplicar a lei e não interpretar, reformar ou substituir. 
Via de regra, o legislador elabora a lei de modo amplo e genérico. Via de exceção, a lei é elaborada de modo estreito e específico. O aplicador da lei (administrador, magistrado) cuida do caso concreto. Malgrado o silêncio, a obscuridade ou a insuficiência da lei, o juiz tem o dever de julgar o caso posto sob sua apreciação no devido processo jurídico. 
No Brasil, veda-se ao juiz: [I] atividade política partidária [II] praticar  atos da competência privativa: (i) de outra autoridade estatal {escolhas, nomeações, ordens} (ii) da advocacia {aconselhar as partes, responder a consultas, assessorar, postular} [III] exercer: (i) jurisdição fora dos limites espaciais e temporais fixados em lei (ii) função judicante nos casos em que estiver legalmente impedido ou for suspeito (iii) outro cargo ou função, salvo uma de magistério (iv) comércio ou participar de sociedade comercial (v) cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação (vi) advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou [IV] decidir: (i) por equidade sem a expressa autorização legal (ii) fora das pretensões contidas na ação judicial proposta (iii) questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa das partes [V] recusar, retardar ou omitir, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte [VI] manifestar por qualquer meio de comunicação: (i) opinião sobre processo pendente de julgamento (ii) juízo depreciativo sobre decisões judiciais [VII] receber custas, auxílio, contribuições de pessoas físicas ou de  entidades públicas ou privadas [VIII] residir fora da comarca.      
No intuito de fazer justiça alicerçado na sua independência, imparcialidade, honestidade, prudência e fidelidade aos fatos provados, o juiz pode abrandar a rigidez da lei ao aplicá-la no caso concreto. A liberdade de exegese do magistrado encontra limites na ética, na lógica, no bom senso e atende, na medida do razoável, as exigências da sociedade, coincidentes ou não com a “voz das ruas”. O juiz escuta e filtra. Às vezes, o dinamismo das relações sociais exige elasticidade da lei vigente ou nova lei. Aos juízes cabe analisar, no devido processo jurídico, situações não reguladas pela legislação e, se for o caso, colmatar as lacunas do ordenamento jurídico positivo.


sexta-feira, 18 de junho de 2021

DIREITO APLICADO - XVII

O direito romano dividia-se em público e privado. O direito público disciplinava os negócios de estado (matéria sagrada, sacerdócio, magistratura). Depois da queda do império romano, esse direito de origem imperial pouco interesse despertou na Europa. Perante o estado, o indivíduo era súdito e só podia defender interesse particular; a autoridade decidia ao sabor do vento. Quando o poder do governante foi submetido às leis formuladas pelos representantes do povo, o súdito alçou à categoria de cidadão, tornou-se titular de direitos políticos, adquiriu direito público subjetivo de processar judicialmente o estado, de responsabilizá-lo por ações e omissões nefastas dos agentes políticos e administrativos. À autoridade estatal foi atribuído o dever jurídico de decidir e agir dentro dos parâmetros legais. Se violar esse dever, poderá sofrer sanções, entre as quais, a perda do cargo. 
O direito público moderno adquiriu feição própria com o advento, no século XVIII, do constitucionalismo na América e na Europa: governantes e governados submetidos à Constituição e ao sistema legal; governo manda e burocracia obedece; povo legisla, fiscaliza e controla; liberdades públicas asseguradas. Ramificação: direito constitucional, administrativo, tributário, eleitoral, penal, processual, internacional.  
O direito privado romano tratava das relações entre particulares, dos negócios da sociedade civil, incluindo preceitos do direito natural, do direito civil e do direito das gentes (internacional privado). Esse direito foi um dos alicerces da civilização ocidental. Renasceu no século XII quando encontrados um exemplar do Digesto e outro do Código, ambos do imperador Justiniano. A partir daí inicia-se, na Bolonha, o ensino do direito despregado da retórica e da gramática, prosseguindo no florescimento cultural dos séculos seguintes (humanismo, interesse pelos clássicos da literatura grega e latina), com destaque para as obras de Pothier (França), Grotius (Holanda) e Savigny (Alemanha). Intensificam-se os estudos jurídicos na Europa continental. Na América Latina, predominam o direito romano e o direito canônico. Direito privado: civil, comercial, empresarial, trabalhista. internacional.    
Por meio da interpretação, os humanos buscam o sentido das coisas do mundo cultural, inclusive acontecimentos do passado relativos às pessoas, à sociedade e ao estado. No que concerne à lei escrita, procede-se às análises gramatical, lógica e histórica, caminhos interpretativos que se cruzam. Através deles, busca-se o adequado sentido da lei (mens legis). A via gramatical analisa o veículo do pensamento, ou seja, a palavra na sua literalidade e na sua conformidade aos atos e fatos que a lei disciplina. Da literalidade avança-se para o conceito contido na norma, chega-se aos valores que ela preserva e aos fins a que ela se destina. Sob ângulo lógico e sistemático, examinam-se as proposições da lei e as suas conexões no ordenamento jurídico. Sob ângulo histórico, investigam-se as condições de tempo e lugar em que a lei foi elaborada e as circunstâncias que a motivaram.  
A hermenêutica jurídica trata das diferentes técnicas interpretativas e da relação entre o intérprete e o objeto da interpretação. Segundo Savigny, jurista alemão, interpretar é reconstruir o pensamento contido na lei. Carlos Maximiliano, jurista brasileiro, segue os passos dos jurisconsultos romanos e dos juristas europeus na sua definição dessa disciplina: a hermenêutica jurídica consiste no estudo e na sistematização dos processos aplicáveis à pesquisa do sentido e do alcance das expressões do direito
As técnicas de interpretação utilizadas no direito visam à compreensão da letra e do espírito das normas. [Letra = palavras, frases, períodos, contexto, semântica. Espírito = suporte volitivo, intuitivo e racional]. No trabalho hermenêutico entram elementos históricos e teleológicos. A pesquisa histórica obedece à máxima: para compreender o presente, indispensável conhecer o passado. Trata-se de conhecer a evolução da lei e das instituições sociais no tempo (antigo, medieval, moderno, contemporâneo) e no espaço (Roma, Europa, América, Brasil). A pesquisa teleológica indaga os fins a que a lei se destina, a ratio juris que conduz à adequada e integral compreensão da norma jurídica.       
No Brasil, juízes do piso, do mezanino e da cúpula do edifício da justiça introduziram a chicana (trapaça) na prestação da tutela jurisdicional sob pretexto de interpretar a Constituição e as leis. Confundem política do direito com política partidária. Carregada de intencionalidades, a capa do magistrado cobre a norma e o fato objetos da interpretação. Esse proceder desprimoroso foi publicamente notado nas operações denominadas “mensalão” e “lava-jato”: interpretações capciosas e raciocínios sibilinos, servilismo a interesses estrangeiros em detrimento do interesse nacional, interesses particulares em detrimento do interesse público, togas exibindo cores ideológicas partidárias desafiando expressa vedação constitucional. 
A parcialidade e a malícia, além de imorais e antijurídicas, ensejam decisões contraditórias. Exemplo: Em 2019, ministro do Supremo Tribunal Federal adotou o entendimento de que na sentença de pronúncia (processo penal) não se admite a aplicação da cláusula “in dúbio pro societate”. Em 2021, o mesmo ministro decidiu no sentido contrário: a sentença de pronúncia admite a cláusula “in dubio pro societate”. O ministro “apequenou-se”? Arrependeu-se? Amadureceu? Foi camarada? [ARE 1.067.382/2019 + RHC 192.846/2021].       
A independência e a imparcialidade dos magistrados garantem tutela jurisdicional prestada com decência, honestidade e justiça. Atividade judicante sem alicerce nesses princípios desmoraliza os juízes e os tribunais, para vergonha e desespero da nação.    

terça-feira, 15 de junho de 2021

DIREITO APLICADO - XVI

As ficções em direito assemelham-se às presunções no que tange à analogia, à falta de fidelidade à realidade e ao cuidado em não contrariar os princípios fundamentais da ordem jurídica. Elas atendem interesses, utilidades e necessidades garantidos pelo legislador. Assim, por exemplo, a lei considera: [I] pessoa o que é coisa: (i) o estado como pessoa jurídica de direito público (ii) a empresa como pessoa jurídica de direito privado [II] filho legítimo quem é legitimado [III] morta, pessoa viva, porém, ausente (fins sucessórios) [IV] bem imóvel coisa móvel (direitos reais, direitos à sucessão aberta, apólices da dívida pública). Presunção e ficção servem de ferramentas à política do direito. 
Na opinião de Celso, jurisconsulto romano, “conhecer a lei não é apenas saber suas palavras, mas, também, a sua força e poder”. Napoleão, general ditador francês, dizia: “Há no mundo só duas coisas: a espada e o espírito. Com o tempo, é sempre o espírito que vence”. Paulo, autonomeado apóstolo, salientou a primazia do espírito sobre a letra: “Agora, mortos para essa Lei que nos mantinha sujeitos, dela nos temos libertado e nosso serviço realiza-se conforme a renovação do Espírito e não mais sob a autoridade envelhecida da letra”. A Lei a que ele se referia era a judaica (Pentateuco) e não a romana (Lex). O Espírito ali mencionado referia-se à força divina da nova lei (Evangelho do Cristo). A envelhecida letra ali citada referia-se à legislação mosaica exposta na primeira parte da Bíblia (Antigo Testamento). Celso falava do intelecto humano; Paulo, da mente divina. Em outro lugar, ao dizer “a lei é boa contanto que se faça dela uso legítimo” Paulo se referia a qualquer lei. [Bíblia. Novo Testamento. Epistolas. Paulo. Romanos 7:6 + Timóteo 1: 8].
Paulo, nascido Saulo de Tarso, judeu fariseu, oficial da milicia judia caçadora de cristãos, desertor, bandeou-se para o grupo dos apóstolos e outorgou a si próprio o título de apóstolo sem ter conhecido Jesus. Para superar essa dificuldade, ele inventou a audição da voz de Jesus vinda do céu no caminho de Damasco. Esperto, só mencionou a voz, porque se mencionasse a imagem, teria que descrevê-la aos apóstolos da primeira hora (os que conviveram com Jesus) e isto complicaria a sua fantasia. Falsidades desse tipo abundam na Bíblia. Aliás, de verdade histórica, a Bíblia, nos dois testamentos, tem quase nada; quase tudo são "contos da carochinha", como disse Eisntein. Os seus 73 livros contêm literatura romântica, pia e doutrinária. A unidade de todos eles tem como fio condutor as crenças: (i) na existência de um único deus e de um providencial espírito santo (ii) na aliança de deus com os homens, pacto que jamais existiu. Tais crenças brotam da imaginação fiduciária e da esperteza de alfabetizados líderes judeus da época em que a humanidade já atingira o grau de civilização (500 a.C.). 
Inteligente, sagaz, alfabetizado, conhecedor das escrituras sagradas dos hebreus, apóstolo da segunda hora, Paulo disputava com Pedro, apóstolo da primeira hora, pescador inculto, analfabeto, a liderança do grupo cristão. Primeiro a elaborar textos cristãos anteriores aos quatro evangelhos, Paulo escreveu 14 epístolas ditando regras de cunho administrativo, moral e religioso; estabeleceu os fundamentos do direito canônico e da igreja católica nos moldes do judaísmo fariseu. Tratou a igreja como sucessora da sinagoga. Organizou as comunidades cristãs com seus bispos, diáconos e fiéis. Difundiu o cristianismo fora das fronteiras da Palestina, no mundo "grego", ou seja, entre povos estrangeiros. No interior da Palestina, a tarefa coube aos apóstolos da primeira hora.    
Nos textos de Paulo e nos Atos dos Apóstolos, nota-se a pretensão do apóstolo de ser visto como um profeta maior do que o mestre Jesus. Do ponto de vista eclesiástico, realmente, ele superou Jesus, Pedro e Tiago ao assentar as bases da instituição religiosa cristã. Jesus distinguiu o reino espiritual do reino secular. Paulo, como bom judeu, aplicou a sua inteligência e sagacidade aos aspectos financeiro e material. A igreja por ele fundada entrou no jogo político e econômico, dominou a Europa na idade média, expandiu-se a outros continentes com as navegações e descobertas marítimas, constituiu riquíssimo estado no século XX (Vaticano). A doutrina original e o sonho de Jesus jazem com ele no sepulcro. A igreja católica reflete a personalidade do seu fundador: paulina farisaica. [Bíblia. Novo Testamento. Atos dos Apóstolos 9: 1/30 + 11: 25/26 + 12: 24 + 13 + 14 a 28]. 
Tal como Sócrates, filósofo grego, Jesus nada deixou por escrito, não fundou igreja alguma, apenas difundiu, na Palestina, a doutrina perene, outrora secreta, que lançava nova luz às escrituras judias. Falava às almas e não aos corpos. O esforço para iluminar espiritualmente e converter o povo judeu custou-lhe a vida. Nasceu, viveu e morreu naquela estreita e inóspita faixa de terra (Palestina). Embora espiritual, a sua missão tinha reflexos (i) sociais, por sua compaixão e solidariedade aos pobres (ii) políticos, por suas ácidas críticas aos poderosos e sua ideia de reino divino e igualitário. Concentrou-se em dois mandamentos que, na opinião dele, resumiam toda a Lei: 
1. "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito". Neste, o profeta distingue alma x espírito. 
2. "Amarás teu próximo como (a) ti mesmo". Neste, paira dúvida: “como a ti mesmo” = pluralidade de almas e corpos, ou, “como ti mesmo” = todos como um só corpo e uma só alma? 
Os apóstolos andavam às turras. Jesus os censurou e lhes deu mandamento especial: “Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. Ensinou-os a (i) orar (ii) respeitar as leis (iii) ser mais justo do que os escribas e fariseus (iv) não julgar (v) não jurar (vi) fazer o bem a quem te odeia, maltrata e persegue (vii) promover boas ações em segredo (viii) ajuntar tesouros no céu (ix) não resistir a quem é mau (x) guardar as coisas santas ao invés de atirá-las aos cães e aos porcos. Regra de ouro ditada pelo profeta: "Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles". [Bíblia. Novo Testamento. Mateus 5-6 + 7: 12 + 22: 37/40 + Lucas 6: 20/49 + João 13: 34].

sexta-feira, 11 de junho de 2021

DIREITO APLICADO - XV

No despertar da consciência jurídica em Roma, o direito despregou-se da religião e da moral. O que era homogêneo (religião + moral + direito) passou a ter espaço conceitual e metodológico próprio. 
O direito legislado era composto de leis, atos normativos do Senado (senatus consultos) e plebiscitos, todos visando a utilidade pública, as necessidades e os interesses do povo e do governo. Sob o império, sucessor da república romana, foram incluídas, no direito legislado, as constituições imperiais, leis ditadas pelos imperadores que se não confundem com as constituições modernas. Houve codificações: jus civile papirianum, lex duodecim tabulorum, jus flavianum, edictum perpetuum, codex gregorianus, codex hermogenianus, codex theodosianus, codex justinianeus. 
O direito não legislado era composto de editos dos pretores. dos trabalhos dos jurisconsultos e das decisões dos magistrados, fortes na perspectiva do útil, provocados pela necessidade de (i) dar segurança e certeza às relações sociais lato sensu (ii) prevenir ou solucionar controvérsias.
A partir da adoção do cristianismo como religião oficial do estado romano pelo imperador Constantino, o direito eclesiástico passou a conviver com o direito civil (330 d.C.). Desde o início da história romana, religião e política andaram juntas; religião pagã até Constantino, religião cristã depois de Constantino. As normas expressavam o senso de justiça dos romanos infiltradas de religiosidade, sob o prisma da utilidade. O estudo lógico e sistemático dessas normas conformou a doutrina jurídica. [O termo “ciência” só ingressou no vocabulário acadêmico no século XIX, quando algumas disciplinas se desprenderam da filosofia (física, química, biologia, lógica, psicologia, sociologia)]. 
A consciência, o senso de justiça, a razão prática e a vontade dos romanos constituíam a fonte subjetiva do direito; as normas não legisladas (consuetudinárias) e as normas legisladas (positivas) constituíam a fonte objetiva; as decisões judiciais e as obras dos jurisconsultos (jurisprudência) constituíam a fonte intelectual. 
As leis eram baixadas: [1] na monarquia, pelo rei e pelo senado [2] na república, pelos cônsules, senado e tribunos [3] no império, pelos imperadores, senado e tribunos. O senado representava a elite. Os tribunos representavam pequena parcela masculina da população. 
A mescla de dogmas religiosos, morais e jurídicos dificulta a tipificação das condutas e pode causar insegurança às pessoas comuns quanto às suas liberdades e aos seus bens. O conhecimento das leis pelo povo tem importância para a legitimidade e para a eficácia da ordem política e jurídica. Nas repúblicas antigas, as leis eram publicadas no momento da votação por assembleia de machos portadores de requisitos exclusivos (idade, patrimônio, posição social). Na idade média, as leis eram lidas em praça pública ou do púlpito das igrejas; depois da invenção da imprensa, publicadas em jornal impresso. 
A ninguém é lícito descumprir a lei alegando que a desconhece. Presume-se conhecida de todos a lei publicada. Essa presunção e outras, como prescrição, coisa julgada, inocência do réu, brotam da noção de probabilidade e integram o fenômeno jurídico por serem necessárias ao bem comum, à vigência e à eficácia das leis. Tais presunções incluem-se nas garantias fundamentais dos cidadãos e constam da ordem jurídica dos estados democráticos. Presume-se a inocência do réu até o advento de sentença penal condenatória proferida no devido processo jurídico. 
No Brasil, o limite dessa presunção era a sentença penal condenatória prolatada no primeiro grau de jurisdição. O réu só podia apelar da sentença depois de recolhido à prisão. Entretanto, desconfiado da honestidade e imparcialidade dos juízes – e a história recente lhe deu razão – o legislador constituinte de 1987/1988 ampliou esse limite nos seguintes termos: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CR 5º, LVII). 
A violação dessa garantia constitucional por juízes e tribunais federais nas ações penais oriundas da operação denominada “lava-jato” realizada em Curitiba/PR (2014-2020) custou, a um dos réus, 580 dias de indevida e precipitada prisão. Tal violência foi possível graças à maliciosa “interpretação” dada pelos magistrados federais à referida garantia constitucional. Diziam: a presunção de inocência termina no segundo grau de jurisdição quando a decisão condenatória transita em julgado para o ministério público. [“Interpretação” = contra legem. Exemplo: a lei diz proibido e o juiz diz permitido servindo-se de argumentação falaciosa e atuando como legislador (chicana)]. 
A engenhosa “interpretação” ocultou o sentido amplo da norma que não distingue entre acusação e defesa no que concerne ao trânsito em julgado. Consoante máxima da hermenêutica jurídica, onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. O engenho tinha o deliberado propósito de colocar o réu imediatamente sob um dos efeitos da sentença condenatória: perda dos direitos políticos. Objetivo: impedir o réu de disputar as eleições presidenciais de 2018. 
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), por duplo motivo, anulou os processos das ações penais contra esse réu: (1) parcialidade do juiz que os presidiu (2) incompetência do foro de Curitiba. O STF entendeu competente o foro de Brasília. Antes disto, ao corrigir aquela marota “interpretação”, o tribunal havia determinado a soltura do réu. Firmou o entendimento: o limite da presunção de inocência é o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Portanto, o recuo desse limite para o segundo grau de jurisdição só será possível por decisão de uma assembleia constituinte (CR 60, § 4º, IV). 


segunda-feira, 7 de junho de 2021

DIREITO APLICADO - XIV

O processo de aprendizagem dos humanos iniciado na pré-história (infância da humanidade) acelerou-se no Ocidente, a partir da idade média, com as grandes navegações, colonização, intensificação do comércio internacional, autonomia e especialização do direito comercial, intercâmbio cultural (diplomacia, comunicação dos inventos, conhecimentos e imagens de mundo) e com os trabalhos de Copérnico, Galileu, Descartes, Newton, que assentaram as bases da ciência moderna sob o título de “Filosofia Natural”. Nesse processo vivendo & aprendendo padecem vidas humanas, gastam-se energia, tempo e recursos materiais. Curiosidade, acaso, interesse, movem-no. Alternam-se avanço, retrocesso, tentativa, fracasso, êxito.
Mudanças nos costumes, na política, na economia, no direito, a partir do iluminismo e das revoluções do século XVIII, ensejaram crescente velocidade ao progresso técnico e científico até o século XX, inclusive, como a teoria da relatividade, microfísica, cibernética, telemática, robotização, viagem espacial, apesar da resistência obscurantista das instituições e crenças religiosas. 
O aprendizado e o conhecimento adquirido nesse processo servem ao bem e ao mal, à construção e à destruição, ambivalência decorrente da dupla face da natureza humana: angelical e demoníaca. A face demoníaca, desafiadora do perigo, da moral e do direito, vinculada à matéria, às necessidades do organismo humano, ao mundo das finanças e dos negócios, tem prevalecido no mundo contemporâneo e poderá levar a espécie humana à extinção por (i) nova Hiroshima de extensão planetária (ii) desastre ecológico provocado pela ação predatória e poluidora dos humanos (efeito estufa, derretimento das geleiras) além das possíveis causas naturais, tais como: pandemia superior às forças humanas de resistência e combate, colisão de corpos celestes com o planeta, deslocamento de placas tectônicas. 
No milenar processo de desenvolvimento pessoal e social, os humanos criaram o mundo da cultura com instrumental artístico, científico, filosófico, religioso, místico, estruturado por regras técnicas e normas de conduta e organização postas por sua inteligência, sensibilidade, vontade e seu dinamismo ante as necessidades, as utilidades e os interesses individuais e coletivos.
Nos primórdios desse processo, as regras eram calcadas na superstição, na magia, no mito, na religião, na imagem de mundo, fixadas por costumes válidos como leis não escritas transmitidas de geração a geração. Atingido o grau de civilização, ao lado das leis não escritas havia leis escritas na pedra, na madeira, no metal, no papiro e no pergaminho. Os costumes foram perdendo força normativa à medida em que se multiplicavam as leis escritas. Costume contra legem não prevalecia. Costume secundum legem permanecia e facilitava a interpretação e a aplicação das leis escritas. Costume praeter legem permanecia e preenchia lacunas da lei escrita como até hoje acontece: à falta de lei, o juiz deve recorrer à analogia, ao costume e aos princípios gerais do direito. [Essa regra não se aplica na esfera penal por vigorar a máxima: nullum crimen nulla poena sine lege, que a Constituição brasileira assim expressa: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal" (5º, XXXIX)].
Na opinião de Gaio, jurisconsulto romano, o fundamento do direito de todos os povos é a ratio naturalis (razão natural). A eficácia das regras essenciais à vida individual, à convivência social e à conservação da comunidade, depende da obediência das pessoas, que se espera consciente e voluntária, mas, que pode ser obtida mediante força física se a persuasão psicológica for insuficiente. As normas do direito objetivo valem e obrigam independentemente da vontade e da aceitação de cada pessoa. No estado democrático, presume-se o assentimento do povo à legislação vigente (consenso popular). O aparelho de segurança do estado funciona preventiva e repressivamente (i) com o primordial objetivo de evitar a desordem e manter a ordem em prol da paz e do bem comum (ii) com o desvirtuado objetivo de assegurar particulares interesses do governante e do seu grupo. 
A desobediência às regras canônicas, éticas e jurídicas sujeita o transgressor a sanções de caráter religioso, moral e jurídico. A obediência pode provir: [I] do temor da pessoa à reação social e ao castigo [II] da esperança de receber alguma vantagem, ou, de ser reconhecida como honesta e virtuosa [III] da lucidez e consciência da pessoa por compreender (i) a importância das regras para si mesma e para a comunidade (ii) a necessidade do controle do agir de cada um para assegurar a liberdade de todos. 
A história da civilização ocidental relata julgamentos na antiguidade presididos pelos reis e a paulatina delegação da tarefa judicial aos ministros. Essa prática especializou juízes e institucionalizou a magistratura. Aqueles julgamentos já indicavam a existência de (i) normas com fundamento teológico, natural, ético e social (ii) órgãos oficiais ao lado ou acima da justiça privada, para solucionar controvérsias. Ficou célebre o julgamento de Sócrates, na Grécia clássica, onde não havia sistema jurídico e sim leis aglomeradas (400 a.C.). Acusado de corromper a mocidade com as suas lições, ele foi julgado e condenado. Os juízes entenderam que o filósofo havia transposto perigosa e subversivamente os limites da liberdade de cátedra. Sócrates rejeitou a fuga planejada por seus amigos e discípulos. A liberdade na condição de fugitivo da justiça não lhe convinha. Preferiu cumprir a pena de morte a que fora condenado e, assim, manter-se fiel ao seu pensamento e às suas lições. Bebeu o veneno da execução da sentença (cicuta). Ficou célebre também o julgamento de Jesus na Palestina (30 d.C.). Acusado de violar a lei hebraica, o profeta foi condenado à morte pelo tribunal judeu. A sentença foi homologada e executada pela autoridade romana a pedido da turba liderada por sacerdotes. [A Palestina estava sob o domínio de Roma].   


quinta-feira, 3 de junho de 2021

DIREITO APLICADO - XIII

A ideia de justiça, central no direito, ocupa considerável lugar na vida das pessoas. A criança pode não saber definir justiça, porém, sente o que é – e o que não é – justo. Ela sente que não é justo: (i) o pai bater na mãe (ii) o amiguinho lhe arrebatar o brinquedo (iii) ficar sem presente enquanto outras crianças ganham presentes no Natal (iv) ser castigada pela professora enquanto o colega que lhe desviou a atenção durante a aula ficou impune (v) a zombaria por ser gorda, vesga, quieta, retraída. Parcela da população cristã acredita que a providência divina inclui a justiça retributiva, ou, que o talião é a forma imediata de justiça. Platão suscita dúvida ao ver a prosperidade dos homens maus, injustos, ímpios, que atingiram idade avançada desfrutando grande respeito. Diz que (i) a essência da justiça só pode ser conhecida na alma e por meio da alma (ii) o governo da razão nada mais é do que o governo do bem imanente à razão (iii) o bem deve ser recompensado com o bem e o mal castigado com o mal (iv) aqueles que por natureza são maus e incuráveis em sua alma devem ser mortos. 
“Cada um pode cuidar de apenas um dos negócios relativos ao estado, ou seja, daquele para o qual, por natureza, se encontre mais habilitado. Justiça é cada um fazer a sua parte, sem imiscuir-se em todas as coisas possíveis. Justiça consiste em cada um ter e fazer o que lhe cabe. Entre homens de natureza desigual a igualdade faz-se desigualdade se não se mantém entre eles a relação correta”. [Hans Kelsen].
Essa doutrina corresponde ao cerne filosófico do princípio da separação dos poderes no estado e da divisão do trabalho na sociedade e tem como premissa maior a desigualdade natural entre os humanos. No Brasil, só a minoria da população satisfaz vocação pessoal. Para obter meios de sobreviver, a maioria tem que fazer, de modo formal ou informal, o que se lhe apresenta acessível e oportuno, inclusive mendigar e furtar. Na selvageria da competição urbana, justiça e felicidade são quimeras. O sentido dessas duas palavras revela-se apenas na solidão mística. 
Segundo Kelsen (i) a ideia de justiça é ilusória, mas, a crença nela evita o desespero (ii) o direito positivo funda-se na oposição bem x mal e na justiça retributiva: o crime deve ser punido, o dano causado a outrem deve ser indenizado. Ante essa opinião, convém ponderar: justiça é relação proporcional entre pessoas sob a noção do agir em sintonia com o bem. Justiça é fazer o bem (Platão). Entra na categoria de bem tudo o que atende as aspirações e satisfaz as necessidades do indivíduo e da sociedade sem prejudicar direito alheio, sem escandalizar os valores morais vigentes. Justiça implica relação de igualdade e desigualdade em termos proporcionais e funciona como régua ética do comportamento humano. 
No campo da religião, os humanos distinguem virtude e pecado. No campo da moral, o justo e o injusto. No campo do direito, o lícito e o ilícito. Integram esses três campos, as noções de culpa e inocência.  Os humanos controlam o poder de agir uns dos outros, traçam limites às liberdades, ditam regras de conduta pessoal e de organização social. Pelo exercício do poder composto de força física, posse material, energia moral, sistema legal, conhecimento empírico e intelectual, eles garantem a vigência e a eficácia das normas jurídicas. 
Os fenômenos jurídico e político recebem explicações: [I] teológica, fundada na crença em divindade que revela aos humanos dogmas fundamentais e lhes concede poderes [II] metafísica, fundada na capacidade humana de captar ideias, princípios e normas sem auxílio da experiência, com o exclusivo uso da razão pura [III] positiva, fundada na capacidade humana de extrair ideias, princípios e normas da experiência com o exclusivo uso da razão prática.  
A definição de Aristóteles atravessou os séculos: “o homem é um animal político”. Animal, porque espécie desse gênero dos seres vivos. Político, porque essa espécie animal vive social e racionalmente organizada (família, tribo, nação) sobre um território (floresta, campo, cidade). Os fenômenos jurídico e político têm em comum a natureza social, a desigualdade natural, a inteligência e o senso de ordem dos humanos. A vida humana em nível individual e em nível coletivo é governada por leis naturais e leis culturais que determinam os pensamentos, sentimentos, vontades e ações das pessoas.  
No estágio eolítico do desenvolvimento social, os humanoides viviam sob a égide das leis naturais à semelhança dos animais irracionais. No estágio paleolítico, às leis naturais somaram-se regras ditadas pela razão. Esse estágio exibia certas características: gênero homo (homem de Heidelberg e de Neandertal), instrumentos como o machado de pedra lascada, lança, raspador, furador, faca com cabos de osso ou de madeira. No paleolítico superior, novas características: homo sapiens (25.000 a 10.000 a.C.), mais coisas do que no estágio anterior, divisão funcional do trabalho, pintura e escultura rudimentares. No estágio neolítico: [I] Homo sapiens (10.000 a 1.000 a.C.); [II] Produção diversificada, construção de casas e cidades, população numerosa; [III] Desenvolvimento social e econômico; [IV] Os humanos alcançam o grau de civilização (civis = cidade), extenso uso da escrita, as artes, técnicas e ciências evoluem no seio de uma sociedade complexa; [V] Escassa minoria da população tem acesso aos conhecimentos; [VI] Nasce o estado como organização política (polis = cidade): governo autocrático, dinástico, patrimonial, regras estáveis, força armada para manter a ordem interna e defesa externa, jurisdição dentro das suas fronteiras (Egito + Mesopotâmia = 4.000 a.C.). Incas, Maias e Astecas encontravam-se no estágio neolítico quando os primeiros europeus chegaram à América (século XV).