Ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CR 5º, LVII).
Essa
garantia individual resulta da evolução da cultura dos povos ocidentais. A pena
determinada na sentença só será executada depois de esgotada a via recursal. Entretanto,
medidas restritivas autorizadas pela Constituição e por legislação que a
complementa (códigos, leis esparsas, decretos) podem ser aplicadas sempre que o
exigir a segurança da sociedade. Ante a evidência da prática delituosa, o
indivíduo pode ser preso no curso do inquérito policial ou da instrução criminal
por ordem escrita do juiz, apesar da presunção de inocência a informar a
garantia acima citada. A prisão do indiciado, ou réu, com fundamento na Constituição
e no Código de Processo Penal, tem por escopo garantir a ordem pública, a ordem
econômica, a instrução criminal, ou a aplicação da lei penal (CR 5° LXI + CPP
311/312). A prisão em flagrante e a prisão preventiva independem do atestado de
culpa. Nenhuma dessas duas modalidades caracteriza execução antecipada, embora
o seu tempo seja computado no cumprimento da pena se houver condenação final
(CP 42). Ambas são medidas de cautela em defesa da sociedade. Ao decreto de
prisão bastam: a prova da existência do delito, os indícios da autoria, a
gravidade dos fatos e o prudente arbítrio do juiz ao examinar a conveniência de
privar alguém da liberdade. Neste momento, não se cogita de culpa para
alicerçar o decreto. Na decisão de prender provisoriamente, o juiz não pode
prejulgar, formular juízo de culpa, ainda que dela esteja convencido
intimamente.
Ninguém será privado da liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal
(CR 5° LIV).
O
legislador constituinte abriu exceção não só à presunção de inocência como
também à correlata garantia acima transcrita. A periculosidade do agente e a
probabilidade de se manter na senda do crime são presunções derivadas dos
fatos. Embora o processo, lato sensu,
não tenha esgotado os trâmites, a prisão será legal se o inquérito policial, ou
o processo criminal, respeitaram essa garantia do devido processo, instrumental
e substancialmente, até o momento da privação da liberdade.
A
sociedade tem o direito de se proteger contra a delinqüência. Há delinqüentes
livres e delinqüentes reprimidos. Livres, são os delinqüentes que escapam da
rede legal de repressão e prevenção ao crime. Reprimidos, são os delinqüentes apanhados
nessa rede. Do ponto de vista social, delinqüente
não é só quem está embaraçado na rede. Tanto é ladrão aquele que furta um
telefone celular como aquele que desvia centenas de milhões de reais do erário,
ainda que nenhum deles seja preso e processado. Quem indevidamente ameaça ou
tira a vida, a liberdade e a propriedade do outro, inscreve-se no rol dos criminosos.
Neste rol inclui-se tanto o privilegiado que se mantém livre da rede, como o
que está sob persecução criminal. Reputa-se delinqüente, ainda que fora do
alcance da repressão legal, a pessoa que, por ação ou omissão culposa, impede a
realização dos objetivos da República como, por exemplo, o de construir uma
sociedade livre, justa e solidária ou o de promover o bem de todos sem
preconceitos. Há delinqüentes que agem contra as instituições nacionais para
implantar um novo regime ou para afastar os governantes eleitos pelo povo. Quando
logram seu desiderato, criam a sua própria legalidade, como se viu dos golpes
de estado na América Latina no século XX. Há delinqüentes que assumem o poder
pelo voto mediante expedientes ilusórios ou fraudulentos (Fernando Henrique,
Brasil, 1998; George W. Bush, EUA, 2004). Não há governos criminosos; há
governantes criminosos (parlamentares, chefes de governo, ministros,
magistrados). Chefe de Governo dificilmente é processado, embora seja o
criminoso que maior prejuízo pode causar à nação. Endividamento e tributação
desproporcionais ao pequeno e eventual benefício da população; alienação de
bens estratégicos; desvio de verbas públicas para cofres particulares;
manipulação de dados; são exemplos de crimes praticados pelos governantes. A
blindagem contra a repressão legal também se estende a criminosos do setor
privado: banqueiros, usineiros, fazendeiros, empreiteiros, publicitários. Entre
as práticas criminosas habituais estão: usura, lavagem de dinheiro, remessa
ilegal de divisas; grilagem de terras; contratos fraudulentos, licitações
manipuladas, obras maquiadas, serviços pagos e não realizados; propaganda
enganosa; agressões ao meio ambiente; trabalho análogo ao de escravo; tráfico
de drogas, mulheres e crianças; comércio de minérios, animais e plantas.
Assim
como na esfera penal, no âmbito eleitoral também há prevalência do bem da
sociedade em face do bem do indivíduo que pretende exercer cargo público
eletivo. Para representar o povo no governo, a pessoa há de ser qualificada profissional,
moral e intelectualmente. A condenação em processo judicial ou administrativo
se inclui entre os fatos desabonadores da vida pregressa. Nação desenvolvida não
admite ser governada por pessoa de passado desabonador ou que esteja sub judice. Em nação culturalmente
avançada nem há necessidade de lei específica exigindo predicados éticos aos
candidatos a cargos públicos.
No
Brasil, permitia-se a prisão do réu e o lançamento do seu nome no rol dos
culpados por sentença condenatória recorrível (CPP 393). O preceito estava
correto do ponto de vista moral e jurídico. Apesar disto, a sua eficácia foi
nulificada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Dantas. A
Sociedade espera a pronta resposta do Estado ao crime. O réu é condenado no
devido processo após dispor das garantias do contraditório, da ampla defesa e do
juiz natural. A decisão condenatória provém do exercício da soberania popular
de modo: (I) direto, pelo tribunal do júri; (II) indireto: (i) pelo juiz de
direito, em primeiro grau de jurisdição; (ii) por tribunal, em primeiro grau de
jurisdição nas ações penais originárias e segundo grau nos recursos. Ante a
sentença penal condenatória prolatada no devido processo: (I) a presunção de
inocência perde força em países que prezam a igualdade e ganha força em países protetores
de delinqüentes do colarinho branco; (II) afigura-se impróprio contrapor o in dúbio pro societatem ao in dúbio pro reo, posto que, depois da
sentença, cessa qualquer dúvida; não há mais in dúbio algum a favor do réu ou a favor da sociedade. A sentença
reveste certeza jurisdicional obtida após o interrogatório do réu, os
depoimentos das vítimas e das testemunhas, o exame de documentos e dos laudos
periciais. Do conjunto probatório aliado aos argumentos do promotor de justiça
e do advogado, o juiz forma convicção. No tribunal do júri, o julgador é leigo
(jurado). No juízo monocrático, o julgador é togado, técnico, de formação
jurídica, independente quando corajoso. Na solidão do seu gabinete, o juiz examina
os autos do processo e prima pela justa aplicação da lei ao caso concreto. O julgamento
ganha densidade em órgão colegiado constituído de juízes togados: (i) em
jurisdição de primeiro grau prestada nas ações originárias pelos tribunais;
(ii) em jurisdição de segundo grau prestada por turmas nos juizados especiais e
pelos tribunais no exercício da competência recursal. A lei da ficha limpa, quando
arrola os casos de inelegibilidade, prestigia decisão de órgão colegiado, tanto
da justiça eleitoral, como da justiça comum.