sábado, 28 de dezembro de 2013

FILOSOFIA VII - E



Grécia (continuação).



O pensamento filosófico alcançou altura e profundidade nas duas culturas: helena e helenística. O divino, o universo, o ser humano, a sociedade e o estado, também faziam parte da reflexão filosófica nas civilizações anteriores. A diferença está em que os helenos expurgaram dessa reflexão os elementos lendários, mitológicos, mágicos e supersticiosos. Deram-lhe tratamento autônomo e racional; revestiram-na de linguagem e métodos próprios. Como relata Fustel de Coulanges, a religião era poderoso fator na cultura dos gregos e romanos (A Cidade Antiga. Lisboa, Livraria Clássica Editora, 16ª edição). Compreende-se, pois, a infiltração mística no pensamento de Pitágoras, Platão e outros filósofos. O pensamento filosófico incluía o religioso (deuses, cultos domésticos e coletivos), o político (formas de governo, cidadania), o social (educação, família, servidão, costumes), o econômico (propriedade, produção, escravatura). Alguns filósofos foram perseguidos sob acusação de se colocarem contra os deuses da cidade e de corromper a mocidade. O movimento pendular da razão à contemplação e da contemplação à razão, refletia o dualismo humano: ordeiro e racional de um lado, indisciplinado e irracional de outro; ora ativo, ora passivo; ora prático, ora especulativo. Para ser válido, o conhecimento tinha de passar pelo crivo da razão. O objetivo era livrar a mente da ignorância, afastar o medo ante o desconhecido, encarar o mundo como acessível à razão, alcançar o bem através da investigação desinteressada.

Mileto, capital da Jônia, colônia grega no litoral da Ásia Menor, foi o berço da filosofia grega. A chamada Escola de Mileto repousava sobre a idéia de que havia um elemento primário fonte do universo: a diferença entre as coisas consiste na quantidade de substância primordial nelas contida. Os membros dessa escola divergiam quanto à identificação desse elemento. Tales afirmava ser a água (estados líquido, sólido e gasoso); Anaximandro afirmava ser uma substância não gerada e imperecível (o ilimitado, energia vital inesgotável); Anaxímenes afirmava ser o ar. A filosofia de Mileto rompeu com as concepções mitológicas sobre o mundo e tinha uma finalidade prática. Manteve a concepção egípcia da eternidade do universo. Afirmava a existência de um ritmo natural de criação e decadência, mudança contínua e cíclica. Abria caminho tanto para a teoria da evolução (Anaximandro), como para a teoria atômica (Anaxímenes). Não se há de buscar a injustiça na luta entre contrários e sim no desrespeito à lei dizia Anaximandro para justificar sua teoria. Ainda no século VI, as questões físicas sofrem a concorrência das questões metafísicas (600 a 501 a.C.). Os filósofos passam a especular sobre a natureza do ser (ontologia), da verdade (epistemologia) e do divino (teologia). Segundo a escola pitagórica, a Terra, o Sol e todos os planetas giram em torno de um fogo central. O fundador dessa escola chamava-se Pitágoras, nascido em Samos, cidade da Jônia. Radicado em Crotona, na Itália meridional, este filósofo imprimiu um sentido religioso à filosofia. Pitágoras considerava a vida especulativa o mais alto bem. Para chegar a esse patamar, o homem devia purificar-se. A música auxiliaria o homem neste processo de purificação. A essência da matéria não é uma substância (ar, água) e sim uma abstração: o número. Todas as coisas podem ser controladas se descobertas suas estruturas numéricas. A ordem cósmica explica-se por relações numéricas. O mundo é bipolar: espírito e matéria; harmonia e discórdia; bem e mal. Transpostas do mundo natural para o mundo cultural, a harmonia e a proporção – que são aspectos da constância matemática – manifestam-se como ordem, justiça, direito, limite e moderação. O pensamento matemático dessa escola repercute no pensamento filosófico e teológico. Ao tratar de um triângulo, por exemplo, o matemático não se refere ao concreto, mas a algo que ele enxerga apenas com os olhos da mente. Isto evidencia a distinção entre o inteligível e o sensível. A proposição resultante da operação matemática é verdadeira e eterna. Da proposição matemática à proposição filosófica a distância é curta: só o inteligível é real, perfeito e eterno, enquanto o sensível é aparente, defeituoso e transitório.

Para Xenófanes, o fundamento de todas as coisas é Deus, idêntico ao universo; não se parece física ou mentalmente com os mortais; “sem instrumentos, governa todas as coisas pelo pensamento da sua mente”. Outros filósofos concentraram-se no problema da mudança e da continuidade, da natureza da matéria, da essência do universo e da capacidade da razão para chegar à verdade. Segundo Parmênides (que expôs suas teorias em forma poética) a real natureza das coisas consiste na estabilidade e continuidade; a mudança e a diversidade são ilusões dos sentidos. Anaxágoras acreditava na existência de vários mundos. A fonte do movimento é nous, um princípio ativo e inteligente equiparado a deus. Os contrários permanecem unidos e uma coisa se transforma em outra. Para manter coerência, Anaxágoras não prestava culto aos deuses da cidade e nem cumpria deveres de cidadão, motivo pelo qual foi preso e condenado à morte. Conta-se que Péricles, seu amigo, facilitou-lhe a fuga.




quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

FILOSOFIA VII - D



Grécia (continuação).

Na idade áurea da civilização grega surgem dois grandes historiadores: Tucídides, que narrou a guerra entre Esparta e Atenas; Heródoto, cognominado “Pai da História”, que narrou a guerra entre gregos e persas (luta épica entre oriente e ocidente). Heródoto menciona um diálogo (provavelmente criado por ele mesmo) sobre o mérito das formas de governo. Os personagens são três persas: Dario, Megabizo e Otanes.
Dario repudia tanto o governo da elite como o governo da massa. Ele defende o governo de uma só pessoa inteligente e moralmente bem qualificada. A elite traz em si o potencial de discórdias intestinas e descamba em batalhas e assassinatos. A massa traz em si a maldade, concílio de pessoas más, conspirações para destruir a coisa pública, até surgir um salvador. A monarquia, pois, é melhor do que a aristocracia e a democracia.
Megabizo coloca-se contra o governo de uma só pessoa e contra o governo do povo. O rei exclusivo sujeita a cidade aos abusos e excessos; a sua vontade soberana prevalece sobre todas as vontades. A insolência de uma multidão imprestável e sem freios não serve para governar a cidade; o povo não usa a razão. Ignorante e cego, o povo move-se pela paixão numa torrente que tudo destrói. Os melhores cidadãos devem governar a cidade (aristocracia).
Otanes coloca-se contra a monarquia e a aristocracia. Não pode ser bom o governo de um rei com plena liberdade para fazer o que quer sem prestar contas dos seus atos. Dispondo de plenos poderes, mesmo o homem virtuoso não tardará a corromper-se. {Séculos mais tarde, Montesquieu tocará nesta mesma tecla}. O arbítrio não respeita leis; dele resultam violência e execuções sem prévio julgamento. O governo popular, a isonomia, é superior às outras formas. Os magistrados são eleitos por sorteio, prestam contas dos seus atos e suas decisões são submetidas à apreciação do povo.
Equilíbrio, harmonia, moderação, eram ingredientes da arte grega. A ética e a estética se confundiam; não havia fronteira intransponível entre o bem e o belo na arte grega (ateniense). Essa arte expressava a vida nacional, com fins estéticos e políticos, como exemplificam a estátua da deusa Atena e o seu magnífico templo. Havia pouco interesse em retratar personalidades. As estátuas não representavam pessoa em particular, mas um tipo humano, como a do discóbolo que representava o atletismo {esculpida por Miron no século V (500 a 401 a.C.)}. Fídias foi o grande nome da escultura grega (estátuas de Atena e de Zeus).
Na matemática, inúmeros teoremas foram criados por Tales de Mileto. A escola pitagórica classificou os números (par, primo, múltiplo), elaborou a teoria da proporção, provou que a soma dos ângulos de qualquer triângulo é igual a dois ângulos retos e que o quadrado da hipotenusa do triângulo retângulo é igual à soma do quadrado dos catetos (a autoria desta última proposição geométrica é atribuída a Pitágoras). A biologia recebeu atenção de Anaximandro, que elaborou uma teoria da evolução orgânica desde as espécies mais elementares até a humana. Aristóteles estudou a estrutura, o desenvolvimento e o comportamento de muitos animais. Aceitou a teoria da evolução, porém defendia a geração espontânea de vermes e insetos. Na “Poética”, obra de grande influência na historia da arte, Aristóteles discute a tragédia e a poesia épica. O pitagórico Alcméon iniciou a técnica de dissecar corpos de animais, descobriu o nervo ótico e a trompa de Eustáquio. Ele considerava o cérebro centro do sistema nervoso. A saúde, segundo ele, é um estado de equilíbrio entre elementos opostos; quando um deles prevalece, sobrevém a doença. Empédocles, quiçá inspirado nas noções de quente e frio, seco e úmido, elaborou a teoria dos quatro elementos fundamentais (fogo, ar, terra e água), cujos princípios ativos eram amor que os aglutina e ódio que os separa. Ele descobriu o movimento do sangue de ida e volta ao coração, função dos poros na respiração e a materialidade do ar. Adotou o conceito de saúde exposto por Alcméon. Empédocles descobriu ainda que a luz gasta algum tempo ao se propagar e que a luz da lua é indireta. Hipócrates refutou a teoria de que as doenças tinham causas sobrenaturais: cada doença tem uma causa natural e sem causas naturais nada acontece. Ele estabeleceu diretrizes à clínica médica, contribuiu para o avanço técnico da cirurgia, descobriu o papel da crise nas moléstias e além dos remédios, prescreveu dieta e repouso no tratamento dos pacientes.
No período helenístico, foi grande o progresso da ciência, graças ao incentivo de Alexandre da Macedônia e à simbiose do conhecimento egípcio, caldeu e grego. Astronomia, matemática, geografia, medicina, física, foram ciências que mais evoluíram. Aristarco descobriu que a Terra e os planetas giravam em torno do Sol e que as estrelas não eram fixas como se pensava na época (310 a 230 a.C.). Eratóstenes calculou a circunferência da Terra, dividiu o globo em graus de latitude e longitude, afirmou que todos os mares são partes de um único oceano e a possibilidade de se alcançar a Índia navegando para o Oeste. Ptolomeu de Alexandria sistematizou o trabalho dos astrônomos e expôs a teoria geocêntrica. Esta teoria respaldada nos ensinamentos de Aristóteles prevaleceu até o século XVI da era cristã, quando Copérnico, apoiado no precedente aberto por Aristarco, expôs a teoria heliocêntrica, comprovada no século seguinte por Galileu. Na matemática destacou-se Euclides com os seus Elementos de Geometria (323 a 283 a.C.). Arquimedes estabeleceu a relação entre o volume da esfera e o do cilindro, formulou os princípios da alavanca, da roldana e do parafuso, descobriu a lei da gravidade específica, além das suas invenções. Destacaram-se na medicina o anatomista Herófilo e o fisiologista Erasístrato.
A literatura helenística se compõe de poemas, dramas, utopias, biografias e história. As utopias tinham grande aceitação popular e de um modo geral abordavam a vida em termos igualitários em uma região desconhecida ou em uma ilha imaginária, sem ambição, opressão e desavença, onde o comércio era proibido, a propriedade era comum e todos trabalhavam. Certamente esse tipo de literatura refletia o descontentamento do povo com a situação então vigente. Políbio destacou-se como grande historiador pelo esforço em reproduzir com fidelidade os fatos políticos, econômicos e sociais. Na arte, predominaram o realismo e a voluptuosidade (palácios luxuosos, mansões, estátuas gigantes), tudo para enaltecer o poder e a riqueza, como testemunhava o farol de Alexandria.

sábado, 21 de dezembro de 2013

FILOSOFIA VII - C



Grécia (continuação).

A Liga de Delos (união de estados gregos celebrada para resistir à invasão persa) prosseguiu depois da paz concluída. Atenas dela se serviu para empresa naval no Egeu e reconstrução da cidade que fora devastada pelos persas. Por ter sofrido danos ao defender a causa comum dos estados, Atenas entendeu justo usar o dinheiro comum em benefício próprio e transferiu o tesouro da ilha de Delos para o continente. Os outros membros da Liga foram tratados como vassalos. Além disto, os atenienses pretendiam dominar o Golfo de Corinto, rota de comércio com o sul da Itália. A cidade de Corinto reagiu e se aliou a Esparta. Os espartanos acusavam os atenienses de pretender: (I) dominar as cidades do norte do Peloponeso; (II) enfraquecer Esparta ao encorajar o conflito interno de classes (hilotas x cidadãos).
Tanto nas cidades do Peloponeso como nas do continente havia partidos aristocráticos que apoiavam Esparta e partidos populares que apoiavam Atenas. A Guerra do Peloponeso como foi chamada e que serviu de título à obra histórica de Tucídides, terminou com a vitória de Esparta (431 a 404 a.C.). Os espartanos dominaram a Hélade. A supremacia de Atenas chegou ao fim. Chefiada por Epaminondas, a cidade de Tebas derrotou o exército espartano (371 a.C.). A supremacia de Tebas durou menos de 10 anos. As demais cidades gregas se coligaram e venceram o exército de Tebas. Pouco depois, a Grécia perde a independência ao ser dominada pelo exército de Felipe da Macedônia. As cidades perdem a condição de estados soberanos. Resta-lhes autonomia administrativa (338 a.C.). A soberania agora é do imperador, do basileus (rei) considerado a encarnação da lei sagrada. Os gregos se vêem associados aos bárbaros sob um império que ofusca a cidade (polis), que nivela a todos e salienta a identidade universal da natureza humana. O valor próprio do homem (humanitas) sobrepõe-se ao valor cívico do cidadão (civitas).
A Cosmópolis utópica de alguns gregos sonhadores toma forma no império macedônio e assumirá forte colorido no império romano. Aliás, os grandes sonhadores (filósofos, cientistas, artistas, inventores) sempre foram insignificante minoria do ponto de vista numérico. Numa população mundial de bilhões de pessoas no curso dos milênios destacam-se poucas centenas de pensadores e produtores no campo da filosofia, da ciência, da arte e da técnica. A volumosa massa se beneficia do valioso trabalho dessa pequena elite.       
Após a morte de Alexandre da Macedônia, filho e sucessor de Felipe, os chefes militares disputaram o governo do império. Os vitoriosos fracionaram-no (301 a.C.): Pérsia, Mesopotâmia e Síria couberam a Seleuco; Ásia Menor e Trácia, a Lisímaco; Egito, Fenícia e Palestina, a Ptolomeu; Macedônia, a Cassandro. Decorridos cerca de 20 anos, Seleuco se apodera do reino de Lisímaco, depois de vencê-lo e matá-lo em batalha. No século seguinte, Roma submete todos esses territórios ao seu domínio (200 a 30 a.C.). A civilização helenística chega ao fim. A referida civilização distinguiu-se da grega por seu orientalismo, sua extravagância na arte, seus excessos nos costumes, pela selvagem competição por maiores lucros nos negócios e pela submissão da lógica à fé. Predominou o governo despótico por direito divino, como aconteceu no império selêucida (Ásia) e ptolomaico (Egito).
Alguns estados gregos se uniram em ligas, resistiram ao domínio da Macedônia e formaram uma confederação. Com exceção de Esparta e Elis, os demais estados do Peloponeso constituíram a Liga Aquéia. Com exceção de Atenas, os demais estados da Grécia central constituíram a Liga Etólia. Estas ligas tinham: (I) um conselho federal composto dos representantes dos estados (cidades) com poder de legislar sobre assuntos de interesse coletivo; (II) uma assembléia geral composta por cidadãos eleitos pelos estados com o poder de resolver questões de guerra, cunhagem, pesos e medidas e de nomear funcionários; (III) uma autoridade executiva exercida por general eleito para mandato anual. Questões atinentes à tributação e às forças armadas dependiam da aprovação dos governos locais.
No período helenístico, o estado era o principal capitalista. O império criado por Alexandre (a Cosmópolis sonhada por alguns pensadores gregos, embora não exatamente como eles a imaginavam) permitiu a circulação de bens dentro de uma vasta área que ia da Índia ao Egito. Houve incremento dos empréstimos e das especulações com a entrada no meio circulante do tesouro dos persas (ouro e prata) e a criação de bancos estatais e particulares. Para aumentar suas rendas, o estado estimulava a indústria e o comércio em toda essa área. Os governantes do império selêucida e do império ptolomaico regulamentaram a economia em benefício do estado (preços tabelados, participação nos lucros dos particulares, juros, seguro, tributação). Da abundância de capital resultou baixa cota de lucro: 12% (300 a 201 a.C.) e 7% (200 a 101 a.C.). Esses dois séculos foram de prosperidade para o estado e para os comerciantes e de pobreza para os camponeses e trabalhadores urbanos. Contratar trabalhadores com salários baixos era mais vantajoso do que comprar e manter escravo. O custo de vida era elevado. O estado fornecia trigo de graça às famílias dos desempregados. A pesada servidão no campo, a expansão comercial e a crescente burocracia estatal provocaram a migração das famílias campesinas para a vida urbana. Os sucessores de Alexandre confiscaram a grande propriedade rural e alugaram as terras aos rendeiros. Construíram estradas, canais e navios para policiar os mares e proteger o seu comercio contra a pirataria; buscaram novas rotas para lugares distantes a fim de criar novos mercados.
A cidade de Alexandria (Egito) recebia em seu porto: ouro da Abissínia e da Índia, especiarias da Arábia, tapetes da Ásia Menor, estanho da Bretanha, seda da China, cobre de Chipre, prata do Egeu e da Espanha, marfim da Núbia. Nenhuma outra cidade da idade antiga ou da idade clássica a sobrepujou em tamanho e esplendor: ruas bem traçadas e pavimentadas, grandes edifícios e parques públicos, museu, biblioteca com 750 mil volumes, maior centro de pesquisa científica da época, vida luxuosa para governantes, sacerdotes e mercadores.
Na literatura grega destacou-se a obra de Homero: o amor e o ódio de Aquiles, a perfídia de Helena, a guerra de Tróia, as aventuras de Ulisses (Odisseu), narrados nos seus poemas Ilíada e Odisséia. Amor, idealismo, desilusão, lamento, também eram temas de poemas menores (elegias) nos quais se sobressaíram os poetas Sólon (também legislador), Mimnermo e Teógonis. Cantada ao som da lira ganha espaço a poesia (lírica) expressando paixões, beleza, graça, em que eram mencionadas frequentemente a primavera e as estrelas. Seus expoentes foram Píndaro, Alceu e Safo. O primeiro teceu loas às vitórias dos atletas e à civilização helênica. Com raízes fincadas na religião e nas lendas populares surge outro produto literário: a tragédia. O tema era o conflito entre o homem e o universo, o delito de alguém contra a sociedade e a respectiva punição, a saída de situação angustiante, o triunfo da justiça. Os grandes nomes da tragédia grega foram Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, que escreveram dezenas de peças. Entre as obras do primeiro podem ser citadas: Os Persas, Os Sete contra Tebas e Prometeu Acorrentado, sendo a culpa e a punição o tema comum. Entre as obras do segundo contam-se: Rei Édipo, Antígona e Eletra, notando-se nelas o ideal de moderação, harmonia, paz, tolerância com a fraqueza humana. Entre as obras do terceiro citam-se: Alceste, Medéia e As Mulheres Troianas. Em suas peças, Eurípedes gostava de exaltar a humildade e censurar o orgulho; colocar no enredo e em posição simpática o camponês, o mendigo e o homem comum; protestar contra a exclusão das mulheres da vida social e intelectual; condenar a guerra e a escravatura. A comédia também derivou dos festivais dionisíacos. Atingiu o seu auge no século V (500 a 401 a.C.), com Aristófanes. Entre suas obras incluem-se: Os Cavaleiros, As Rãs e As Nuvens. Na primeira dessas peças o alvo era o político ambicioso e incompetente; na segunda, era Eurípedes, ridicularizado pelas inovações que trouxe ao drama; na terceira, era o sofista, visto como malicioso (inclusive Sócrates).

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

FILOSOFIA VII - B



Grécia (continuação).

Em Atenas, a população estava dividida em três classes: cidadãos, metecos e escravos. Em todas as camadas a vida era simples; costumes urbanos, embora a maioria da população vivesse no campo até a época de Péricles. A primeira camada social era a dos helenos, descendentes dos primitivos senhores que conquistaram a Hélade e se tornaram proprietários de terras. A segunda camada era dos estrangeiros (gregos não atenienses, judeus, fenícios). Estes não podiam ser proprietários de terras, nem exercer direitos políticos; sob os demais aspectos, igualavam-se aos cidadãos: podiam escolher ofício e dedicar-se a atividades sociais e intelectuais. A terceira camada aproximava-se de 1/3 da população: escravos bem tratados, eram alforriados com certa freqüência em reconhecimento à fidelidade e aos bons serviços prestados; recebiam salário por trabalho contratado, possuíam bens e ocupavam cargos públicos. O vestuário das pessoas em geral consistia em peça de pano enrolada no corpo, presa no ombro com alfinete e na cintura por cordão. Calçavam sandálias ou andavam descalços. A alimentação incluía bolos de cevada, cebola, peixe e vinho. Competições esportivas e teatro eram as diversões de todos. Os homens ricos doavam ao estado numerário para custear representações teatrais, equipar a marinha e ajudar os pobres. A riqueza nacional consistia em minerais, portos, agricultura, pecuária, comércio, artesanato, manufatura de cerâmica, fabricação de material bélico.
Atenas conheceu várias formas de governo: monarquia, tirania, aristocracia, oligarquia e democracia. Paulatinamente, na medida em que os membros do Areópago ficavam mais ricos os poderes do monarca enfraqueciam e a aristocracia passava a governar (750 a.C.). O cultivo da vinha e da oliveira se tornou grande empreendimento capitalista. Os pequenos lavradores careciam de recursos para tal empreendimento, atolaram-se em dívidas, perderam seus bens e passaram à servidão. A revolta sobreveio. A classe média urbana solidarizou-se com os camponeses. Sólon foi eleito magistrado com amplos poderes a fim de pacificar a sociedade e realizar as necessárias reformas políticas e econômicas (594 a.C.). Ele criou um novo conselho e admitiu pessoas da classe média na sua composição (Conselho dos Quatrocentos). Homens da classe inferior (metecos) podiam ser eleitos para a Assembléia. No tribunal supremo tinham assento cidadãos escolhidos pelo sufrágio masculino universal. As hipotecas dos camponeses foram canceladas. A escravidão por dívida foi abolida. Colocou-se limite à quantidade de terra que o indivíduo podia possuir {o propósito era evitar o latifúndio e a exploração do lavrador pelo latifundiário}. Sólon criou um novo sistema de cunhagem de modo a favorecer a posição de Atenas no comércio exterior; cominou pena grave à ociosidade {no Brasil republicano a vadiagem é contravenção penal}. Por força de lei, o pai estava obrigado a ensinar ofício ao filho. Artesãos estrangeiros que fixassem residência em Atenas podiam obter a cidadania ateniense, segundo a nova constituição.  
Havia descontentamento no seio: (1) dos nobres, ante a perda de privilégios; (2) dos metecos, por não serem incluídos na magistratura e por ficarem mantidos os poderes do Areópago; (3) de ambas as classes, pelos efeitos negativos da guerra contra Megara. Tais descontentamentos viabilizaram o acesso ao poder a Pisístrato, primeiro tirano ateniense (560 a.C.). O povo perdeu as liberdades que havia conquistado. Auxiliados por Esparta, os nobres de Atenas derrubaram o tirano Hípias, filho e sucessor de Pisístrato (510 a.C.). Com apoio popular, Clístenes, um aristocrata, assume o controle do estado a fim de pacificar a sociedade ateniense (508 a 502 a.C.). Este governante ficou conhecido como o pai da democracia em razão das reformas que efetivou. Concedeu amplos poderes a todos os homens livres, o que aumentou o número de cidadãos; criou o Conselho dos Quinhentos, órgão principal do governo com função administrativa, dotado de poderes para elaborar projetos e submete-los à Assembléia. Os membros do Conselho eram escolhidos por sorteio; cada distrito elaborava lista com os nomes dos seus candidatos; qualquer cidadão com mais de 30 anos era elegível. A Assembléia aprovava ou rejeitava os projetos do Conselho, autorizava a guerra e a emissão da moeda e examinava as contas da magistratura. A pena de ostracismo por 10 anos foi instituída para afastar homens com pretensões ditatoriais.
Sob o governo de Péricles, a democracia ateniense atingiu o seu ápice (461 a 429 a.C.). A Assembléia adquiriu poderes para elaborar as leis e não apenas apreciar os projetos enviados pelo Conselho. Ele criou e presidiu por mais de trinta anos o Conselho dos 10 Generais, cujos membros (militares e civis) eram escolhidos pela Assembléia para mandato anual. Estranha democracia esta que mantém por três décadas a mesma pessoa na presidência do mais alto escalão da república. Na opinião do historiador Tucídides, a democracia de Péricles era de fato o “governo do primeiro cidadão”. Exceto o julgamento de homicídio, as demais funções do Areópago passaram ao Conselho dos Quinhentos e à Assembléia. Foram criados tribunais populares para julgamento de causas cíveis e criminais. As decisões desses tribunais eram inapeláveis. A escolha dos seus membros se fazia por sorteio entre os nomes constantes de uma lista elaborada pelos diferentes distritos. Cada tribunal decidia por maioria de votos.
A constituição ateniense – modelo antigo de ordem fundamental do estado derivada dos costumes e de leis esparsas que não se confunde com o modelo moderno advindo das revoluções americana e francesa: normas escritas reunidas em um código posto pelo detentor do poder constituinte (indivíduo, grupo ou assembléia popular) conformando juridicamente o estado – a dita ordem fundamental assegurava a participação dos cidadãos nos negócios públicos. A reputação e a capacidade dos governantes pouco importavam ao povo, desde que preservada a democracia. Tucídides atribui a Péricles o discurso fúnebre sobre os mortos da guerra do Peloponeso, em que ele manifesta o seu amor pela democracia ateniense: esta urbe quer que todos sejam iguais perante a lei; Atenas dá aos homens a liberdade e a todos abre caminho para as honras; ela mantém a ordem pública, assegura aos magistrados a autoridade, protege os fracos e a todos dá espetáculos e festas que são educação da alma. Eis aqui porque os nossos guerreiros preferiram morrer heroicamente a deixar que lhes tirassem essa pátria; eis, ainda, porque quantos sobrevivem estão sempre prontos a sofrerem por Atenas e a se lhe consagrarem.
Criação literária do historiador, certamente. Na realidade social de Atenas a plenitude da igualdade e da liberdade era só dos cidadãos. Os metecos desfrutavam-nas parcialmente. Os escravos estavam excluídos. Entre os cidadãos, a igualdade era cálculo proporcional e a lei era o limite da liberdade. Direito privado não prevalecia contra o estado.

sábado, 14 de dezembro de 2013

FILOSOFIA VII - A



Grécia (continuação).

Os cidadãos de Esparta eram da linhagem dórica e cultivavam espírito militarista. Organizaram governo despótico. Isolados no Peloponeso pela geografia, pouco aproveitaram da cultura exterior. Conquistaram a região conhecida como Lacônia ou Lacedemônia. A esta região anexaram Messênia, planície fértil, depois de enfrentar forte e armada resistência dos messênios. A fim de se proteger de idéias perigosas, o governo espartano dificultava viagens dos cidadãos e proibia o comércio exterior (dois mil e seiscentos anos depois, Stalin também confessava mais temer as idéias do que as armas).
A ordem interna era mantida sob férrea disciplina. O coletivismo político, social e econômico era amplo e a liberdade individual restrita. Na sociedade espartana distinguiam-se três camadas: a dos governantes, a dos periecos e a dos hilotas. A primeira camada se compunha dos cidadãos, minoria da população, descendentes dos primeiros conquistadores. Somente estes cidadãos, que atribuíam a si mesmos o tratamento exclusivo de espartanos, detinham privilégios políticos; congregavam-se e destinavam parte de suas rendas a uma caixa comum. Eles se submetiam a severa disciplina que incluía castigos corporais. O propósito era o de se manterem rijos para a guerra. Interesses individuais deviam ser sacrificados em prol do estado. Os espartanos deviam servir ao estado dos 20 aos 60 anos de idade. O casamento era obrigatório. Os homens deviam morar em tendas ou barracas, o que estimulava encontros furtivos com mulheres e facilitava a pederastia. Os maridos sem boa saúde eram obrigados a ceder suas esposas a homens saudáveis a fim de gerar crianças vigorosas. Crianças defeituosas eram descartadas. Cedo os jovens eram tirados do lar e recolhidos a instituições estatais para receber formação militar.
Os periecos (moradores da periferia) eram estrangeiros que voluntariamente continuavam sob o domínio de Esparta. A esta camada eram permitidos o comércio e a manufatura {as atividades comerciais e industriais estavam proibidas aos cidadãos (espartanos) e aos servos}. Os periecos gozavam de certo conforto. A camada inferior da sociedade era dos servos (hilotas). Estavam vinculados às terras dos proprietários e lhes era concedida parte da produção. A melhor terra era de propriedade do estado. O governo doava glebas aos cidadãos. Com a terra seguiam os hilotas (não podiam ser vendidos separadamente).
A constituição espartana, cuja autoria é atribuída a um antigo legislador chamado Licurgo, previa dois governantes (reis) de distintas famílias com poderes de natureza militar e sacerdotal. A supervisão administrativa e a elaboração de projetos cabiam a um conselho composto por ambos os reis e mais 28 nobres, todos com idade superior a 60 anos. Esse conselho funcionava também como corte suprema nos processos criminais. A aprovação dos projetos e a eleição dos funcionários públicos cabiam a uma assembléia composta de homens que gozavam de elevada posição política e dispunham de rendas. Esta assembléia escolhia cinco cidadãos denominados éforos para exercerem funções governamentais por um ano. Este mandato podia ser renovado tantas vezes quantas fossem da vontade da assembléia. Os éforos presidiam o conselho e a assembléia. Os seus poderes incluíam: o de destituir os reis segundo indicação dos prognósticos religiosos, o de vetar a legislação, o de censurar a vida dos cidadãos, o de decidir sobre o destino das crianças recém-nascidas, o de iniciar demandas perante o conselho e o de controlar o sistema educacional e a distribuição das terras.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

FILOSOFIA VII



Grécia (800 a.C. a 001 d.C.).

A área ao sul da Tessália era conhecida como Hélade, que a partir do século VII (700 a 601 a.C.) virou sinônimo de Grécia. Destarte, civilização helênica e civilização grega significam a mesma cultura; nomes diferentes para o mesmo período histórico (civilização = grau superior de cultura). Felipe da Macedônia conquistou a Grécia (338 a.C.). Depois da morte de Alexandre, filho e sucessor de Felipe (323 a.C.), a cultura grega é inseminada pela cultura oriental gerando nova civilização que se estendeu até o início da era cristã. Esta nova cultura recebeu o nome de civilização helenística e se estendia da península grega ao Egito e à parte ocidental da Índia. 
A cultura grega distinguiu-se pelo secularismo. A partir de determinado momento histórico, o laço político tornou-se mais forte do que o laço religioso. Os gregos assumem atitude laica, pragmática e racionalista. Buscam o bem-estar individual. Colocam o intelecto acima da fé e o estado acima da religião. Ressalvada a situação de Esparta, na Grécia havia um espírito de liberdade incompatível com o despotismo. Esse espírito se refletiu na cultura do mundo ocidental moderno e levou à queda do absolutismo e à conquista da democracia na Europa.
Civilização alguma surge do nada. Há heranças culturais. O pensamento filosófico e científico dos egípcios serviu de propedêutica à filosofia e à ciência dos gregos. Do alfabeto fenício derivou o alfabeto grego. Da cultura cretense os gregos herdaram o ideal de beleza, liberdade e igualdade. Esse ideal foi vivenciado com as nuances da realidade histórica daquela época (escravatura, estratificação social, politeísmo, guerra).
A civilização helênica foi precedida dos tempos homéricos (1200 a 800 a.C.). Homero, poeta grego, tratou dos ideais e dos costumes daquela época nos seus poemas Ilíada e Odisséia. Oriundos do vale do Danúbio, os helenos resultaram da mistura de raças alpina, nórdica e outras, desconheciam a escrita, eram bárbaros e se dedicavam à agricultura e à pecuária. O norte da península grega foi ocupado pelos jônios; o sul, pelos aqueus. Parte da Grécia continental, do Peloponeso e das ilhas do Egeu, foi ocupada pelos dórios que, finalmente, capturaram Cnossos, cidade que era o centro da civilização egéia.
Esses povos ainda não constituíam uma sociedade política com as características de estado. O rei de Ítaca, Ulisses, ausentou-se por 20 anos sem que fosse designado regente algum. Ao rei cabia o comando militar em tempo de guerra e a função sacerdotal, mas ele tinha de cultivar a terra e prover o seu próprio sustento como os demais membros da comunidade. Os costumes tinham força de lei. A justiça era privada. O homicídio era punido pela família da vítima. O papel do rei era de árbitro e não de juiz. O padrão de vida era simples, nobreza acessível a qualquer guerreiro que se destacasse por bravura. O trabalho manual era valorizado; não se notava ociosidade, nem escravatura. Havia alguns ofícios como a carpintaria, cutelaria, olaria e ourivesaria. A família providenciava seu próprio alimento, tecia roupas e fabricava os utensílios domésticos e instrumentos de trabalho. O escambo era o único meio de circulação de bens; o dinheiro só foi adotado depois de alguns séculos.
Os gregos dos tempos homéricos eram politeístas, indiferentes ao destino depois da morte, cremavam o corpo dos mortos e não acreditavam em recompensa ou punição no outro mundo. No reino espiritual dos Campos Elíseos moravam os escolhidos arbitrariamente pelos deuses. O reino espiritual do Tártaro era prisão das divindades rebeldes. Os deuses tinham as qualidades boas e más dos seres humanos, sem onipotência; deles os gregos esperavam obter benefícios materiais. Os deuses eram imortais porque se alimentavam de ambrósia e néctar. O templo era lugar sagrado que os deuses visitavam ou moravam ocasionalmente; a morada permanente era no Monte Olimpo (norte da Grécia, 3.000 metros de altura). Os deuses lutavam entre si, eram egoístas, vaidosos, transavam com as fêmeas humanas e geravam filhos. Zeus era considerado o pai dos deuses e dos homens. Apolo (deus do sol) e Atenéia (deusa da guerra) recebiam mais atenção do que Zeus. Não havia mandamentos, dogmas e rituais complicados. Sacrifícios eram feitos para agradar aos deuses, sem finalidade expiatória: o crente fazia a sua parte e o deus a dele, como se houvesse tácito contrato entre os deuses e os homens. O chefe de família conduzia o ritual doméstico e o rei celebrava para toda a comunidade. As pessoas eram livres para crer no que lhes conviesse, sem temer a ira de deus algum o que, certamente, facilitou o progresso intelectual e artístico das gerações que formaram a civilização grega.
A ética não derivava da religião e sim da mentalidade guerreira. A bravura, o autodomínio, a astúcia, o devotamento aos amigos e o ódio aos inimigos eram as virtudes mais estimadas. Na busca da auto-realização o grego daquela época rejeitava a mortificação do corpo e não via mérito algum em se humilhar; cultivava o finito e o natural; era humanista e não considerava o homem um ser depravado e pecador.
A formação das cidades seguia um padrão no evolver social: as famílias se reuniam em fratrias (gens); estas se reuniam em tribos. A cidade (polis) era a congregação das tribos para fins de defesa e realização de tarefas comuns sob um comando geral. Concomitante a esse desiderato pragmático, havia o propósito moral de se unir para o bem de todos. Isto exigia regras de cumprimento obrigatório. Daí a importância de legisladores hábeis na organização política como Licurgo (Esparta), Sólon e Clístenes (Atenas) venerados como heróis. Cada uma dessas coletividades (família, fratria, tribo e cidade) conservava os seus próprios deuses e cultos que ao lado dos costumes criavam fortes laços sociais. A fundação da cidade era um ato santificador praticado num rito religioso na área escolhida para ser o núcleo sagrado: demarcação, assentamento do lar (altar) onde era aceso o fogo sagrado, oferta de sacrifício, invocação dos deuses protetores (heróis e antepassados), oração, hino e procissão. Em local alto construía-se a acrópole (cidadela) para fins estratégicos; em torno dela, a população com suas casas e os logradouros públicos. Atenas, Tebas e Megara, no continente; Esparta e Corinto, no Peloponeso; Mileto na costa da Ásia Menor; Mitilene e Cálcis, nas ilhas do Mar Egeu, eram as cidades mais importantes. Atenas com 3.000 quilômetros quadrados e Esparta com 8.000 quilômetros quadrados, abrigavam cerca de 400 mil habitantes cada uma, no auge do seu desenvolvimento, enquanto as outras cidades, em média, tinham 300 quilômetros quadrados e população inferior a 100 mil habitantes.
A partir da cidade, com seu governo central, a civilização grega tem o seu começo (800 a.C.). Em busca de terra para cultivar muitos gregos criaram colônias em regiões ainda não habitadas da Itália, da Espanha e dos mares Egeu, Jônio e Negro. A procura de novas rotas para o comércio contribuiu para a expansão grega e seu desenvolvimento econômico. Indústria e comércio se tornaram mais importante do que agricultura e pecuária no mundo dos negócios. Mais do que pensada, a polis (cidade) era sentida e querida como associação física e moral gerada no processo histórico. A partir de determinado momento, a polis passa a ser objeto de reflexão filosófica matriz de um pensamento político.
Do ponto de vista político, a exceção de Esparta, as cidades seguiram aproximadamente a mesma trilha: monarquia, oligarquia, tirania e democracia, com as oscilações próprias do mundo social. Monarquia, nos tempos homéricos. Depois, oligarquia composta por latifundiários que ocuparam o lugar do monarca e formaram um conselho governante denominado Areópago. O conflito de interesses entre a camada social média (urbana e rural) e os latifundiários abriu espaço para governo pessoal de líderes carismáticos e astutos que assumiam o poder. Os gregos chamavam esse tipo de governo de tirania, independente de ser ou não ser opressivo. Por derradeiro, veio a democracia. A cidade passou a ser governada pelo povo. Apenas parcela da população (conceito demográfico) compunha o povo (conceito político). Inicialmente, só os homens proprietários desfrutavam da cidadania ativa; depois, todos os homens livres. As mulheres não participavam da política. Não havia igualdade entre homem e mulher. O casamento interessava ao estado como fonte de futuros cidadãos. Regularmente, a esposa ficava reclusa no lar, sem aparecer em público. Nas famílias bem situadas economicamente, o dote era o meio de o pai atrair marido para a filha. O arranjo político e econômico ocupava o lugar da amorosa chama no casamento. O homem de negócios costumava passar muito tempo longe da família e as esposas nem sempre se mantinham castas como Penélope.

sábado, 7 de dezembro de 2013

FILOSOFIA VI - C



Palestina (final).

O pensamento filosófico dos hebreus está contido nos livros do Antigo Testamento (Bíblia, AT); pouco ou nada tem de original, porque haurido em fontes egípcias, principalmente na filosofia de Amenemope (1000 a.C.). Supondo alguma verdade no AT, verificar-se-á que por duas vezes os hebreus viveram no Egito: a primeira ao tempo de Abrão e a segunda ao tempo de Jacó (Israel). Nesta segunda vez, os hebreus lá ficaram por 430 anos. Ainda que por osmose, eles se integraram à cultura da nação mais poderosa e civilizada. Os pensadores hebreus interessaram-se pelos problemas relacionados com a vida e o destino dos homens. Para eles, bondade e beleza são valores distintos (a beleza pode ser sedutora e pecaminosa); ética e estética não se confundem. Riqueza e prosperidade são bênçãos divinas; o sucesso material é compatível com a ética. A prudência se sobrepõe aos critérios do certo e do errado. Prudência, honestidade, diligência, moderação, conduzem a uma vida longa e próspera e ao bom nome do titular. Escarnecer do pobre e se alegrar com a calamidade tipifica má conduta.
No livro do AT denominado Eclesiastes há idéias básicas sobre mecanicismo, determinismo, ceticismo, pessimismo e moderação. Eclesiastes significa assembléia ou aquele que comanda uma assembléia. Este livro é uma coletânea de meditações sobre a vida humana atribuídas ao personagem de nome Eclesiastes, possível alusão ao rei Salomão que, na equivocada opinião comum, personificava a sabedoria. O livro começa com a indicação: Palavras do Eclesiastes, filho de Davi, rei de Jerusalém. Interessante: cita a cidade (rei de Jerusalém) e não o país (rei da Palestina) e nem o povo (rei dos hebreus). Provavelmente, o autor quis imprimir conotação mística: Jerusalém, cidade santa, morada de deus. No prólogo, a mais conhecida das máximas: Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade. O livro expõe: (I) a vaidade da sabedoria (o acúmulo de sabedoria é vento que passa; quem aumenta a ciência, aumenta a dor); (II) a vaidade dos prazeres (ao pecador Deus incumbe acumular bens que depois passará a quem lhe agradar; isto ainda é vaidade, vento que passa); (III) a vaidade das riquezas (aquele que ama o dinheiro nunca se fartará; aquele que ama a riqueza não tira dela proveito; também isso é vaidade). Difícil acreditar que essas máximas sejam de um rei sensual, amante da riqueza e do luxo. Outra máxima bem difundida: há tempo para tudo, para cada coisa há um momento, debaixo dos céus: tempo para nascer, tempo para morrer, tempo para plantar, tempo para colher. Há referência: (1) ao igual destino dos homens: tudo que tua mão encontra para fazer, tu faças com todas as tuas faculdades, pois que na região dos mortos, para onde vais, não há mais trabalho, nem ciência, nem inteligência, nem sabedoria; o destino dos homens é o mesmo dos animais: a morte; (2) à fraqueza humana: Deus criou o homem reto, mas é o homem que procura os extravios; nada há de melhor para o homem do que se alegrar com os frutos do seu trabalho; (3) ao saber: a sabedoria vale mais que a força, mas a sabedoria do pobre é desprezada e às suas palavras não se dão ouvidos; quem observa o vento não semeia e quem examina as nuvens não sega – isto é, não ceifa, não corta; (4) à submissão ao rei: juramento de fidelidade tendo Deus como testemunha.
Há outras passagens marcantes, tais como: (1) o universo é mecanismo que funciona eternamente sem objetivo ou fim; nada há de novo sob o sol; tudo se repete: aurora e poente, nascimento e morte; (2) o sucesso não decorre do esforço necessariamente, pois tudo acontece no seu tempo e conforme a sorte; (3) o conhecimento das causas últimas é inacessível; (4) não há evidência de existir alma ou vida depois da morte; (5) homens e animais vieram do pó e voltam ao pó; (6) riqueza, fama e prazeres são armadilhas, pois no fim está a desilusão; (7) os extremos no ascetismo e na indulgência devem ser evitados. No epílogo, o autor sintetiza: teme a Deus e observa os seus preceitos; é este o dever de todo o homem.
Do livro Sabedoria de Salomão vindo ao mundo no século que precedeu a era cristã, consta que o espírito de deus é criador, sustentáculo do universo; que os homens comungam parte da inteligência divina; que as mensagens dos profetas resultavam dessa herança e não da comunicação direta e verbal de deus.   
A originalidade da cultura hebraica é mínima e se limita ao processo de adaptação da cultura alienígena ao modus vivendi do povo hebreu nas suas diferentes fases históricas (propriedade do camaleão). Os hebreus copiaram quase tudo dos outros povos culturalmente mais avançados, inclusive crenças religiosas. A situação geográfica ajudou. A Palestina era passagem entre o Egito e as grandes civilizações da Ásia. Apesar do mimetismo, foi significativa a influência dos hebreus sobre a civilização cristã e islâmica. A arte e a literatura da Renascença foram inspiradas no AT, que também serviu de fonte à lei e à teoria política calvinista do século XVI (1501 a 1600). As crenças dos judeus (embora de segunda mão) estão entre os principais fundamentos do cristianismo (catolicismo + protestantismo). No século XX, após a segunda guerra mundial, os hebreus recomeçaram a sua vida política com a criação do Estado de Israel. Sem a herança da cultura hebraica o mundo ocidental seria bem melhor. A cultura cristã com seu hibridismo fez do ocidente um mundo infernal. O caldeirão amornou graças aos livres pensadores e aos ateus que trouxeram progresso científico e tecnológico ao ocidente.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

FILOSOFIA VI - B



Palestina (continuação).

No século que antecedeu imediatamente a era cristã, fervilhavam seitas religiosas na Palestina. Por sua maior importância social destacavam-se as seitas dos saduceus, fariseus e essênios. No século seguinte surgiu a seita dos cristãos. A tradição religiosa hebraica era comum a todas estas seitas. 
Os saduceus compunham a camada alta da sociedade judia, controlavam o templo, ali exerciam o sacerdócio com exclusividade (aristocracia sacerdotal), aceitavam a cultura helênica e o domínio romano; não acreditavam na ressurreição e tampouco em recompensas e punições após a morte.
Os fariseus compunham a camada média da sociedade judia; faziam da sinagoga lugar de meditação e de ensino e rivalizavam com o monopólio religioso do templo; defendiam a obediência estrita à “lei” mosaica; atribuíam igual importância a todos os preceitos legais, quer fossem substanciais, quer fossem instrumentais; acreditavam na ressurreição e em recompensas e punições depois da morte; eram nacionalistas e esperavam a chegada de um messias político (libertador); opunham-se ao helenismo em sua terra e ao domínio romano.
Os essênios eram comunistas, messiânicos, ascetas, cuja maioria provinha da camada pobre da sociedade; comiam e bebiam apenas o suficiente para se manterem vivos e se consideravam os legítimos herdeiros do sacerdócio hebreu. Na opinião deles, o casamento era um mal necessário; encaravam o governo com indiferença, sem ambição política; censuravam a riqueza e o poder dos sacerdotes e dos governantes; recusavam-se a prestar juramento; valorizavam o aspecto espiritual da religião e não se apegavam ao ritual; acreditavam na vida após a morte (imortalidade da alma); esperavam a chegada de um messias religioso e a iminente destruição do mundo.
Os cristãos assemelhavam-se aos essênios na origem social, no comunismo, no messianismo, nos hábitos morigerados, no despojamento dos cuidados mundanos, na condenação da riqueza, do luxo e do despotismo, na falta de ambição política, na recusa de prestar juramento e na iminência do fim do mundo. Eles se orientavam por mandamentos fundamentais ditados por um profeta chamado Jesus: (1) amar a deus sobre todas as coisas; (2) amar ao próximo como a si mesmo; (3) amarem-se os apóstolos uns aos outros. Os cristãos acreditavam que o reino de deus viria logo e que haveria juízo final; que os inocentados ganhariam o céu e os condenados, o inferno. O sincero arrependimento por pecados cometidos era a tábua de salvação. O batismo era o símbolo da purificação e da fidelidade ao deus que o profeta chamava de Pai Celestial. Os pobres deviam ser amparados. Dedicar-se sincera e inteiramente ao apostolado significava pertencer à comunhão dos santos. Ouvir e seguir os ensinamentos do profeta significava pertencer à comunidade cristã.
A nova seita judia começou no primeiro século da era cristã com o magistério e a escola de João (apelidado Batista). Por sua insolência, este primeiro líder foi decapitado por ordem de Herodes Antipas, tetrarca da Galiléia. Depois desta morte, a liderança da seita foi assumida por um galileu chamado Jesus (apelidado Nazareno), que afirmava ter vindo ao mundo para aperfeiçoar a “lei” e os “profetas”. A citada “lei” é o conjunto dos cinco primeiros livros do Antigo Testamento (Bíblia, AT). Os “profetas” são as mensagens, admoestações e previsões dos profetas hebreus contidas nos diversos livros do AT. Este segundo líder, reconhecido como profeta, sofreu forte oposição dos saduceus e dos fariseus. Os opositores acusavam-no de impostor e herege, pois a sua pregação contrariava pontos fundamentais da “lei”; negavam que ele fosse judeu e o messias. Embora os evangelhos contenham falsidades e fantasias, ainda assim, se lhes for dado algum crédito, ver-se-á que o profeta Jesus não afirmara ser o messias esperado pelos judeus e sim o “filho do homem”, unido ao Pai Celestial e não ao deus Javé. Tampouco se identificou como judeu; sempre se posicionou em pólo oposto. Os judeus habitavam o sul da Palestina (Judéia), originários das tribos de Judá e Benjamin, designavam como gentio (gente inferior, estrangeira) aos samaritanos e galileus habitantes do centro e do norte da Palestina. {A área total da Palestina é menor do que a área total da Paraíba, estado que fica no nordeste do Brasil}. Samaritanos e galileus reconheciam a si próprios como descendentes dos medos e dos persas chegados na região da Samária e da Galiléia para povoá-la depois que os israelitas foram expulsos pelos assírios (722 a.C.). Jesus (o Cristo) era galileu. Os judeus incluíam-no entre o gentio. Ele foi condenado à morte pelo tribunal judeu (Sinédrio) cuja sentença foi executada segundo a lei romana (crucifixão) porque na época, a vigência da lei judia sobre execução da pena de morte de estrangeiro estava suspensa por decisão da autoridade romana.
Colocada na ilegalidade e perseguida, a seita de Batista e de Cristo ganhou foros de religião autônoma. Inicialmente, esta religião foi organizada por Saulo de Tarso, fariseu inteligente, culto e feio de aparência, convertido ao cristianismo com o nome de Paulo e que outorgou a si próprio o título de apóstolo sem jamais ter visto Jesus. Para convencer os apóstolos da primeira hora, Paulo disse ter sido interpelado por Jesus quando se dirigia a Damasco com a missão oficial de prender os cristãos. Não viu Jesus (e nem poderia, pois o profeta estava morto há trinta anos). Para evitar o embaraço de descrever Jesus diante de quem o conhecera e com ele convivera (os apóstolos da primeira hora), Paulo saiu pela tangente: disse que ficou cego pela forte luz irradiada do ponto de onde partia a voz. Isto explica o farisaísmo, as mentiras e a manipulação de dados que impregnaram a igreja cristã desde o nascedouro. Por isso mesmo, devia chamar-se igreja paulina ao invés de cristã. Ante a resistência social e política na Palestina, a expansão do novo credo ocorreu no exterior entre os povos politeístas e neste particular, o trabalho de Paulo foi extraordinário.  
Os hebreus também se destacaram no direito, na literatura e na filosofia, sem demonstrar vocação para as ciências e artes. O templo e os palácios foram arquitetados e construídos por estrangeiros. No livro Deuteronômio concentra-se o direito hebraico. O rei estava submetido à lei, proibido de acumular grande riqueza e de ostentar luxo; era seu dever a leitura constante do livro para se manter dentro das normas. Estas referências ao rei indicam que esse livro foi escrito depois do reinado de Salomão tendo em vista a vida licenciosa desse monarca. Os hebreus só tiveram rei por volta do ano 1000 a.C. Esse livro e os outros quatro da “lei” foram escritos no exílio babilônico. A justiça era administrada pelos idosos e no caso de condenação a sentença era executada pela família da vítima ou pela comunidade. Os juízes eram escolhidos pelo povo, deviam ser imparciais e recusar presentes. Feitiçaria e necromancia eram consideradas atividades criminosas. Os filhos não respondiam pelos atos dos pais. Cada pessoa respondia por seus atos perante a lei (responsabilidade individual). Vedava-se a cobrança de juros em empréstimo feito por um hebreu a outro. Ao fim de cada sete anos as dívidas deviam ser remidas. A dívida devia ser perdoada se a cobrança respectiva lançasse o devedor na pobreza. O hebreu não podia ser recrutado para serviço militar no estrangeiro, nem quando construísse casa, plantasse vinha ou contraísse matrimônio. A escravidão era legítima, mas o hebreu não podia ser escravo por mais de seis anos. O número 7 era cabalístico, como o candelabro hebraico de 7 braços (Menorá) e a semana de 7 dias. 
A literatura hebraica se contém no AT e não é tão antiga como se propala; a verificação histórica traz mais dúvida do que certeza. A origem do AT é atribuída à tradição oral e à compilação de fragmentos de escrituras (500 a 401 a.C.). Integram a literatura hebraica os livros: Salmos, Provérbios, Jó, Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Esdras e Crônicas. No segundo século da era cristã essa coleção estava terminada. O livro de Jó causou funda impressão nas gerações que se seguiram, apesar de ser plágio de um antigo texto da Babilônia. Este livro dramático trata essencialmente do sofrimento do personagem principal que perde todos os seus filhos e todos os seus bens, fica doente, se acha injustiçado e atribui suas desgraças à vontade do Senhor. Satanás desafia o Senhor dizendo que Jó tinha boas qualidades porque era protegido pela divindade, mas tão logo retirada essa proteção, Jó amaldiçoaria o Senhor. Jó discorda de Satanás (esta menção indica que o livro foi escrito depois da introdução entre os judeus da crença em Satã). Apesar das desgraças, Jó se mantém fiel ao Senhor, porém faz suas queixas. Os amigos consolam-no e afirmam que o sofrimento é punição pelos pecados cometidos. Jó discorda: a morte aniquila o mal e o sofrimento; deus reúne em si bondade e maldade; é um demônio onipotente e caprichoso, ora amoroso, ora raivoso. Em longos discursos, Jó fala da origem da sabedoria: um véu a oculta de todos os viventes; a sabedoria vale mais do que as pérolas; não pode ser igualada ao topázio da Etiópia, nem equiparada ao mais puro ouro. Inconformado com o diálogo entre os mais velhos, o amigo mais jovem, de nome Eliu, profere uma série de discursos recriminando a pretensão de Jó de se justificar: Deus está envolto numa majestade temível; não podemos atingir o todo-poderoso, eminente em força, em equidade e em justiça, não tem a dar contas a ninguém; que os homens, pois, o reverenciem; ele não olha aqueles que se julgam sábios. Seguem dois discursos pronunciados de dentro da tempestade pelo Senhor: Quem é aquele que obscurece assim a Providência com discursos sem inteligência?(...) Aquele que disputa com o Todo-Poderoso apresente suas críticas! Aquele que discute com Deus responda! Jó se humilha e se arrepende: o universo é maior do que o homem; deus não se limita aos padrões humanos de equidade e bondade. A reflexão filosófica devolve o homem à sua modesta e natural estatura. O livro se encerra com uma admoestação do Senhor aos amigos de Jó porque eles não souberam aconselhar e não falaram bem do Senhor. Jó é abençoado, recupera a saúde e a riqueza, teve filhos e filhas, viveu mais 140 anos depois da benção.