Grécia (continuação).
O pensamento filosófico alcançou
altura e profundidade nas duas culturas: helena e helenística. O divino, o universo,
o ser humano, a sociedade e o estado, também faziam parte da reflexão
filosófica nas civilizações anteriores. A diferença está em que os helenos
expurgaram dessa reflexão os elementos lendários, mitológicos, mágicos e
supersticiosos. Deram-lhe tratamento autônomo e racional; revestiram-na de
linguagem e métodos próprios. Como relata Fustel de Coulanges, a religião era
poderoso fator na cultura dos gregos e romanos (A Cidade Antiga. Lisboa, Livraria Clássica Editora, 16ª edição).
Compreende-se, pois, a infiltração mística no pensamento de Pitágoras, Platão e
outros filósofos. O pensamento filosófico incluía o religioso (deuses, cultos
domésticos e coletivos), o político (formas de governo, cidadania), o social (educação,
família, servidão, costumes), o econômico (propriedade, produção, escravatura).
Alguns filósofos foram perseguidos sob acusação de se colocarem contra os
deuses da cidade e de corromper a mocidade. O movimento pendular da razão à contemplação e da contemplação à razão, refletia o dualismo humano: ordeiro e
racional de um lado, indisciplinado e irracional de outro; ora ativo, ora
passivo; ora prático, ora especulativo. Para ser válido, o conhecimento tinha
de passar pelo crivo da razão. O objetivo era livrar a mente da ignorância,
afastar o medo ante o desconhecido, encarar o mundo como acessível à razão,
alcançar o bem através da
investigação desinteressada.
Mileto, capital da Jônia, colônia
grega no litoral da Ásia Menor, foi o berço da filosofia grega. A chamada Escola de Mileto repousava sobre a idéia
de que havia um elemento primário fonte do universo: a diferença entre as coisas consiste na quantidade de substância
primordial nelas contida. Os membros dessa escola divergiam quanto à
identificação desse elemento. Tales afirmava ser a água (estados líquido, sólido e gasoso); Anaximandro afirmava ser
uma substância não gerada e imperecível (o
ilimitado, energia vital inesgotável); Anaxímenes afirmava ser o ar. A filosofia de Mileto rompeu com as
concepções mitológicas sobre o mundo e tinha uma finalidade prática. Manteve a
concepção egípcia da eternidade do universo. Afirmava a existência de um ritmo
natural de criação e decadência, mudança contínua e cíclica. Abria caminho
tanto para a teoria da evolução (Anaximandro), como para a teoria atômica
(Anaxímenes). Não se há de buscar a
injustiça na luta entre contrários e sim no desrespeito à lei dizia Anaximandro
para justificar sua teoria. Ainda no século VI, as questões físicas sofrem a
concorrência das questões metafísicas (600 a 501 a.C.). Os filósofos passam a especular
sobre a natureza do ser (ontologia),
da verdade (epistemologia) e do divino (teologia). Segundo a escola
pitagórica, a Terra, o Sol e todos os planetas giram em torno de um fogo
central. O fundador dessa escola chamava-se Pitágoras, nascido em Samos, cidade
da Jônia. Radicado em Crotona, na Itália meridional, este filósofo imprimiu um sentido
religioso à filosofia. Pitágoras considerava a vida especulativa o mais alto
bem. Para chegar a esse patamar, o homem devia purificar-se. A música
auxiliaria o homem neste processo de purificação. A essência da matéria não é
uma substância (ar, água) e sim uma abstração: o número. Todas as coisas podem
ser controladas se descobertas suas estruturas numéricas. A ordem cósmica
explica-se por relações numéricas. O mundo é bipolar: espírito e matéria;
harmonia e discórdia; bem e mal. Transpostas do mundo natural para o mundo
cultural, a harmonia e a proporção – que são aspectos da constância matemática
– manifestam-se como ordem, justiça, direito, limite e moderação. O pensamento
matemático dessa escola repercute no pensamento filosófico e teológico. Ao tratar
de um triângulo, por exemplo, o matemático não se refere ao concreto, mas a
algo que ele enxerga apenas com os olhos da mente. Isto evidencia a distinção
entre o inteligível e o sensível. A proposição resultante da operação
matemática é verdadeira e eterna. Da proposição matemática à proposição
filosófica a distância é curta: só o inteligível é real, perfeito e eterno,
enquanto o sensível é aparente, defeituoso e transitório.
Para Xenófanes, o fundamento de
todas as coisas é Deus, idêntico ao universo; não se parece física ou
mentalmente com os mortais; “sem
instrumentos, governa todas as coisas pelo pensamento da sua mente”. Outros
filósofos concentraram-se no problema da mudança e da continuidade, da natureza
da matéria, da essência do universo e da capacidade da razão para chegar à
verdade. Segundo Parmênides (que expôs suas teorias em forma poética) a real
natureza das coisas consiste na estabilidade e continuidade; a mudança e a
diversidade são ilusões dos sentidos. Anaxágoras acreditava na existência de
vários mundos. A fonte do movimento é nous,
um princípio ativo e inteligente equiparado a deus. Os contrários permanecem
unidos e uma coisa se transforma em outra. Para manter coerência, Anaxágoras não
prestava culto aos deuses da cidade e nem cumpria deveres de cidadão, motivo
pelo qual foi preso e condenado à morte. Conta-se que Péricles, seu amigo,
facilitou-lhe a fuga.