- Vamos conversar na varanda
enquanto o jogo não começa. Por enquanto, só veremos propaganda comercial e
ouviremos dos comentaristas aquela conversa para encher lingüiça.
- Boa idéia, Eduardo. Gosto de apreciar a paisagem e
sorver algumas gotas de uísque acomodado na varanda da tua casa, ainda mais com
a temperatura amena, tarde ensolarada, nuvens brancas abrindo brechas para o
azul celeste. O ar da fazenda me faz um bem danado.
- “Gotas”? Quanta moderação! Eu dispenso o uísque.
Estou sob dieta recomendada pelo médico. Diz ele que diabetes e bebida
alcoólica não combinam. Sim, a tarde está bonita, mas eu só não entendo a graça
que você acha na bosta de vaca, no cheiro de mato e na plantação.
- Sou homem urbano, Eduardo, mas valorizo o ambiente
rural. Noto o desenho circular da bosta de vaca semelhante ao desenho de um
disco voador. Aprecio a sinfonia da natureza, o mugir do boi, o cocoricar do
galo, o cacarejar das galinhas cercadas de pintinhos amarelinhos, o trinado dos
passarinhos e seus nervosos movimentos, o chiar da cigarra. Ouço o grasnar de
patos, gansos e marrecos a correr batendo as asas em direção ao lago. Escuto o
grunhir dos porcos no chiqueiro e o relinchar dos cavalos na estrebaria,
ariscos ao receber o pelego e a sela. Sinto a alma repousar quando contemplo a
imagem das árvores refletida na superfície do lago e o vento brando a agitar
suas folhas. Você teve o capricho de construir a casa principal na parte alta e
seca do terreno. Daqui se descortina o verde do imenso cafezal a se confundir
com o horizonte. Você dá pouca importância à beleza dessas coisas porque está
morando aqui e faz parte da paisagem. Tudo isto lhe é familiar e a tudo isto
você está integrado. O cotidiano amortece o senso estético.
- Baixou o santo ecológico em você, Márcio. Da minha
caminhoneta e dos tratores, novos em folha e que custaram um dinheirão, você nada
disse! Parece ignorá-los por completo.
- Máquinas eu vejo todos os dias poluindo o ar da
cidade. Para me acompanhar, você podia se permitir uma taça de vinho tinto.
Creio que o seu médico compreenderia.
- O meu dever de anfitrião assim recomenda. Leonora!
Por favor, traga-me a taça, a garrafa de vinho, o abridor e gelo para o uísque
do Márcio. Obrigado.
- Meu prezado anfitrião...
- Lá vem você com suas ironias. Eu sou o seu
hospedeiro e você é meu hóspede na minha singela hospedaria desfrutando da
minha hospitalidade. Tá bom assim?
- Tá. Falo
sério. Ali na sala, depois de uma chamada feita pela TV para um programa
político noturno, você disse que a nação brasileira não está madura para a
democracia. Eu sei quando a banana está madura, mas não sei quando uma nação
está madura.
- Meu caro hóspede, o que no mundo nasce, tende a
crescer, amadurecer e morrer. Muitas nações surgiram e desapareceram desde a antiguidade
até os nossos dias.
- Eu não me refiro ao ciclo natural aplicado às
instituições humanas, Eduardo. Considero o ser humano pertencente ao reino
animal e não a um reino especial e próprio. No meu entender, o humano é um estágio racional na evolução
geral e progressiva que ocorre na natureza.
- Já percebi tua filiação ao darwinismo, tua descrença
na especial criação divina e a tua reserva em relação à Bíblia.
- Percebeste corretamente. O corpo do Adão era de
barro e ao formatá-lo o deus Javé, ou Jeová, nem o colocou no forno! O sujeito
que escreveu o Gênesis sentia-se um ser especial, diferente dos demais seres da
natureza.Vaidade humana. E ignorância, porque ele não
sabia explicar a origem dos seres humanos. O que me intrigou foi a referência à maturidade da nação. Quando podemos
afirmar com segurança estar uma nação madura? Essa terminologia
própria dos vegetais é adequada para qualificar as instituições humanas?
- Concordo com a tua opinião sobre a posição do ser
humano no reino animal e sobre a Bíblia, livro que repercute a imensa
ignorância em que está mergulhada a maior parte da humanidade no que tange ao
reino espiritual. Maturidade é
conceito temporal, meu prezado amigo, que significa certo estágio da existência
do ser vivo entre o nascimento e a morte, como você bem sabe. Tal como o
sociólogo alemão Ferdinand Tönnies, eu também vejo a nação como um organismo
vivo. Lembro que o vocábulo nação provém
do verbo nascer e do latim natio.
- Sobre o latim e a raiz do vocábulo eu nada sei
Eduardo. O bacharel em direito é você. Eu sou engenheiro. Segundo penso, nação é comunidade de pessoas que têm em
comum – me perdoe o pleonasmo – certos costumes, crenças, tradições, linguagem,
sentimentos, idéias e interesses. No seu viver comunitário essas pessoas acabam
por criar um padrão cultural e têm o mesmo destino coletivo e histórico num
determinado lugar do planeta. No território brasileiro há várias nações
indígenas. Elas são verdes ou maduras?
- Se existirem há menos de 500 anos, elas serão
verdes.
- Então, o que conta é o fator cronológico? A formação
cultural pouco importa? Indiferente se a nação atingiu ou não o estágio de
civilização? As nações civilizadas da América, como a nossa, não são nações
maduras? São todas verdes porque nasceram há menos de 500 anos?
- A resposta ao teu questionamento, Márcio, exigirá o
estabelecimento de paradigmas, com doses de subjetividade e arbitrariedade.
Lembro a lição de Bluntschli – não sei se a pronúncia correta é esta mesmo – jurista
e político alemão que considerava sintoma de imaturidade o Estado dominar ou
vigiar constantemente a sociedade civil. Creio que ninguém gosta de ter os seus
movimentos vigiados o tempo todo. Reconheço laços invisíveis de coesão entre as
pessoas, certo clima de intimidade, de engajamento emocional, moral e ideal a
exercer coerção no seio da comunidade. O grupo que se mantém íntegro por
séculos produzindo a sua própria história pode ser verde ou maduro. Comparadas
com as nações européias, as americanas são novas e estão verdes. Ao se
emanciparem das metrópoles européias, as colônias americanas do norte, do
centro e do sul, assumiram identidade política própria. Instaurou-se o processo
social de formação da nação. Apesar de verde no que concerne ao tempo, a nação
estadunidense, após 200 anos de formação, exporta para o mundo o seu modo de
vida e o seu modelo econômico. Atualmente, a economia da nação estadunidense
ocupa o primeiro lugar no mundo e a da nação brasileira, o sétimo, apesar da
imaturidade de ambas do ponto de vista cronológico. Na América, há nações
indígenas que não se integraram ao Estado e cujas culturas não atingiram o grau
de civilização. A nação brasileira é mais nova do que as nações indígenas da
América Portuguesa, tais como: Aimoré, Bororo, Caiapó, Caingang, Carijó,
Goitacá, Guaicuru, Paresi, Pataxó, Potiguara, Tupinambá, Xavante, Yanomami. O
Brasil reconhece aos índios: a organização social própria, os costumes, as diferentes
línguas, crenças, tradições e os direitos sobre as terras que ocupam.
- O jogo vai começar Eduardo. Depois a gente termina a
conversa.
- Acabou. Quem perdeu, perdeu; quem ganhou, ganhou.
Voltemos para a varanda, para o teu uísque e para a nossa conversa.
- Tudo bem Eduardo, porém não precisa estampar esse
enorme sorriso só porque o Atlético venceu. Na próxima partida a vitória será
do Coritiba. Aguarde.
- A propósito, você que é coritibano roxo, apesar da camisa alviverde, pode me explicar por
que o teu clube chama-se Coritiba quando o nome da cidade é Curitiba?
- Na Escola de Aplicação, ainda criança, aprendi que o
nome da cidade, na língua nativa, significa “muitos pinheiros” e se escrevia Curityba e Corityba. O governador Affonso Alves de Camargo, fiel à língua de
origem, consolidou a grafia Curitiba
por decreto de 1919. Desligado da Província de São Paulo em 1853, o Paraná se
tornou província autônoma. Com a proclamação da república em 1889, a Província do Paraná
se tornou Estado federado. Ao tempo da fundação do clube, em 1909, o povo se conservava
provinciano. Curitiba era a capital. Ares soberbos, salamaleques, empáfia e preconceito.
Habitavam-na cerca de 50 mil pessoas. Hoje, tem 1 milhão e 870 mil
habitantes. Entre a abolição oficial da escravatura e a fundação do clube eram decorridos
20 anos. Os fundadores e diretores do clube não admitiam negros no quadro
social e no elenco, daí o apelido de coxa
branca. Além disto, entenderam que colocar o CU na frente, destoava da
moral e dos bons costumes. Optaram por CO. Daí o nome: Coritiba Foot Ball Club.