sábado, 28 de fevereiro de 2009

NADA DE NOVO SOB O SOL
Antonio Sebastião de Lima

No século XXI há crenças, costumes, instituições que, mutatis mutandis, existiam há 6 mil anos atrás, no Egito. O Vale do Nilo foi o nascedouro de cada instituição e de cada crença que vieram a ocupar posição de fundamental importância nas culturas de outros povos. Os egípcios criaram técnicas de engenharia e arquitetura, de irrigação, de recuperação de terras pantanosas, de fabrico de cerâmica, vidro e papel, de tecelagem de linho para roupas e criaram arte sem finalidade utilitária, ou seja, arte com o propósito exclusivamente estético. Foram os primeiros a estabelecer religião nacional fundada na imortalidade da alma. Inventaram o calendário solar (ano de 12 meses e mês de 30 dias). Na civilização egípcia se encontram as doutrinas básicas das grandes religiões do mundo. Os princípios morais e jurídicos ganharam força da tradição e eram acatados inclusive pelo faraó. Os fundamentos do progresso econômico, artístico e científico do futuro ali estavam cravados.

Os antigos egípcios elaboraram teoria política e jurídica; não faziam distinção entre crimes políticos e crimes comuns. No antigo Egito, em diferentes épocas, houve tipos distintos de organização política, inclusive o feudalismo. Apesar de o Egito ser uma teocracia a maior parte do tempo, o governo da XII dinastia foi considerado o primeiro governo democrático da história, por admitir a participação do povo nos assuntos do Estado e promover justiça social. O texto Diálogo do Misantropo Com Sua Alma (+ ou – 2100 a.C.) é uma das mais primitivas reivindicações de justiça social. O misantropo vê a sociedade da sua época mergulhada num pântano de depravação, corrupção, desonestidade e cobiça; pessoas sem pudor; qualquer um toma os bens dos vizinhos; a terra tornou-se presa dos ladrões, velhacos e opressores; quanto aos homens bons, em toda parte são olhados com desprezo. O misantropo parece que habitava o Brasil hodierno. A partir da XVIII dinastia (1580 a.C.) o governo egípcio, apoiado em forte estrutura militar, torna-se agressivo e imperialista. Nada diferente da idade contemporânea em países como a URSS do século XX e os EUA do século XXI.

Na filosofia, há correntes atuais que derivam da egípcia. Veja-se a Sabedoria de Amenmope: consciência firme em Deus como arquiteto do destino humano (quiçá, a origem da designação maçônica: Deus, o Grande Arquiteto do Universo). Esse filósofo defendia os seguintes preceitos: ganhar o pão pelo próprio esforço, contentar-se com pouco, confiar em Deus para ter paz de espírito. O idealismo moral exposto pelo filósofo egípcio Ptahhotep (2500 a.C.) incluía delicadeza, tolerância, bondade, jovialidade, retidão, justiça, moderação, continência, repúdio à cobiça, à sensualidade e ao orgulho. O filósofo Khekheperre-soneb lançava um libelo contra a classe alta pela injustiça com os pobres; denunciava a miséria que reina por toda a terra; qualificava de degenerados e covardes aqueles que nasceram para dirigir. Na sua análise, a própria sociedade era corrupta e complacente. Dois filósofos aristocratas, Ipuwe e Nefer-Rohu, lamentavam a subversão da antiga ordem (que os beneficiava); deploram a anarquia e a opressão do seu tempo; censuram aqueles que cedem à tentação de roubar o fraco; exprobam o rei por ser injusto e parcialmente responsável pelo estado de coisas e por estabelecer a discórdia na terra. Segundo esses dois filósofos, virá um tempo em que o direito readquirirá sua função e a iniqüidade será repudiada. Os males sociais se resolveriam desde que os governantes fossem honestos (até hoje a humanidade clama por esses governantes). A nova era será precedida por um douto e humano faraó que livrará o povo da opressão e restaurará na terra a paz e a prosperidade. 1.500 anos depois, os hebreus copiaram esse messianismo e colocaram o renovo na dinastia de Davi. Jesus não foi reconhecido como tal pelos judeus, acertadamente, pois o profeta não descendia de Davi, nem era hebreu.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

FALSIFICAÇÃO DA HISTÓRIA
Antonio Sebastião de Lima

A História só se repete como farsa? Há épocas em que a elite de cada povo busca imitar o passado. Amoldam pensamentos e práticas ao seu tempo e ao seu interesse. Assim aconteceu com as crenças e doutrinas religiosas. A civilização egípcia, considerada a mais antiga do mundo (sem contar as lendárias Atlântida e Lemúria), passou para a Mesopotâmia, Palestina, Grécia e Roma, ainda que modificada e adaptada. Entre os elementos dessa civilização incluem-se a imortalidade da alma, o politeísmo, o monoteísmo, o messianismo, a regência do universo por uma inteligência, o movimento cíclico dos fenômenos naturais e sociais, a lei de causa e efeito, o governo de base divina (teocracia) e o governo de base popular (democracia). Desconhecido faraó da XI Dinastia (2100 a.C.) citava os deveres dos governantes: agir como pai dos órfãos, marido das viúvas e irmão dos abandonados; prevenir o roubo e proteger o miserável; punir os que merecem; julgar imparcialmente e não afirmar falsidades; promover um estado de harmonia e prosperidade tal que ninguém possa sofrer sede, fome ou frio.

A semelhança atual com fatos antigos, brotada do comportamento regular dos povos segundo as vicissitudes de cada época, não pode ser vista como farsa, necessariamente. A produção intelectual e material pode ser abundante e rápida, como aconteceu no século XX, nas artes, nas ciências e na técnica, implicando mudanças nas convenções sociais, nos modismos e nos costumes. Há cientistas que apresentam trabalhos falsos; profetas e sacerdotes enganadores; historiadores capciosos na apresentação e interpretação dos fatos.

O bispo católico Richard Williamson, excomungado porque negara a extensão do holocausto, foi reabilitado pelo Papa, recentemente. Além de negar o número de judeus mortos apontado por alguns historiadores, o bispo inclui pessoas de outras religiões, negros e brancos, no morticínio promovido pelos nazistas. O bispo disse que aguarda evidências que contrariem as provas sobre as quais assentou o seu julgamento. Só, então, pedirá desculpas, se for o caso. Outros pesquisadores também denunciaram o exagero que gera lucro aos judeus, como o professor Norman G. Finkelstein no livro “A Indústria do Holocausto” (Rio/São Paulo, Editora Record, 2001). Na internet há textos sobre tal assunto.

Tão logo a verdade vem à tona, os sionistas tratam de desacreditá-la mediante filmes, noticiários e programas de televisão, entrevistas e artigos em jornais e revistas, tudo em defesa da versão que lhes interessa. Pleiteiam censura nos meios de comunicação a todo material que divulgue: (i) a exata dimensão do holocausto (ii) os lances históricos que colocam à mostra a crueldade desse povo e do seu deus (iii) as deficiências morais dos seus líderes. O poder econômico do grupo sionista coloca-se por inteiro nessa reação. Divulgam amplamente todo material contrário aos palestinos, ainda que mentiroso. Manipulam a linguagem empregada nas emissoras de rádio e televisão, nos jornais e revistas, de modo que o vocábulo terrorista seja sempre aplicado aos árabes em geral e aos palestinos em particular. No número de vítimas englobam palestinos e judeus, a fim de ocultar a enorme diferença e o massacre que isto significa (1.212 mortos = 1.200 palestinos + 12 judeus).

O fim do mandato de Bush arrefeceu a fúria israelita. Os palestinos não são anjos, mas nem por isso merecem o genocídio. Esse episódio no Oriente Médio mostra uma vez mais que nessas lutas ninguém é santo ou inocente. No curso da História os seres humanos têm exibido a sua face angelical nas artes, ciências, filosofia, transmissão do conhecimento, e a sua face demoníaca nas disputas pelos bens terrenos, pelo domínio político e pela hegemonia religiosa.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

ATRIBUTOS DIVINOS
Antonio Sebastião de Lima

Há um determinismo, a partir de Deus, no mundo material. Leis naturais e inflexíveis respondem pela estabilidade do universo. Essas leis são neutras aos valores humanos. Terremoto, maremoto, tsunami e todos os fenômenos naturais acontecem por que tem que acontecer, sem culpa de ninguém e sem propósito de divindade alguma. Cabe aos homens estuda-los e se precaverem. Do determinismo divino não decorre qualquer maldade. Bondade e maldade derivam da bipolaridade da natureza humana: corpo e alma; demônio e anjo. O ser humano responde por seus pensamentos e ações mediante a atuação da lei da compensação. Se tais pensamentos e ações estiverem em sintonia com as leis divinas, a conseqüência será boa para o ser humano; se não estiverem, a conseqüência será ruim; em qualquer desses casos, não haverá interferência direta de Deus, mas simples incidência da lei de atração e repulsão.

O destino humano não está traçado nas estrelas e sim na História. Expressões tais como “assim como julgardes sereis julgados”, “não desejes ao próximo o que não queres para ti mesmo”, “dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és” indicam que o ser humano é o artífice do seu próprio destino. Conforme a sua conduta, o ser humano atrai para si mesmo e para o seu ambiente, tanto o que é bom como o que é ruim. Há predisposição genética e ambiental que se não confunde com predestinação. A doutrina da predestinação, embora pregada por teólogos e reformadores, não se compadece com a relativa liberdade de ação e pensamento desfrutada pelo ser humano, nem é compatível com a doutrina da bondade e sabedoria de Deus defendida por esses mesmos teólogos e reformadores. Santo Agostinho era adepto dessa doutrina. Acreditava que os predestinados formavam a Cidade de Deus e os demais a Cidade Terrestre. Aqueles seriam imortais; estes queimariam no inferno, embora todos os homens sejam depravados por natureza (certamente, Santo Agostinho generalizava a sua própria devassidão ao tempo de solteiro e nos primeiros anos de casado).

A presunção humana conduz à idéia de que Deus se importa com o destino individual ou coletivo da humanidade. Ledo engano. O corpo sem alma vira pó ou cinzas. Mantê-lo saudável enquanto vivo é problema de cada um. Laços de solidariedade podem ajudar aos menos aptos e aos que nasceram com deficiências físicas e mentais. A personalidade com seus prêmios e castigos compensados fica ligada à alma universal assim que se desliga do corpo. Algumas seitas acreditam na reencarnação dessa personalidade; outras não.

A fé tem sofrido duros golpes desferidos pela razão. Os religiosos acreditavam que a Terra era plana e centro do universo; que o Sol girava em torno da Terra; que o ser humano era exclusiva criação divina e o centro das atenções de Deus. Nada disso foi confirmado pelo trabalho dos cientistas. A ciência parece estar convencida da existência de vida semelhante à humana em mais de 20 mil planetas fora do sistema solar. Os humanos são seres vivos minúsculos, entre tantos outros maiores ou menores, cujo ambiente é um pequenino grão de areia na imensidão de uma galáxia, ao lado de milhões de outras galáxias do mesmo universo.

Em relação aos seres menores, o ser humano se conforma em ser gigante na escala micro-cósmica pelo tamanho do seu corpo e da sua inteligência. Sente-se bem por ser o único nessa escala com o dom de sorrir. O ricto das hienas não se confunde com o sorriso humano. Na escala macro-cósmica a alma não tem dimensão. Através dela o ser humano entra em sintonia não só com as galáxias como também com a fonte da vida, do amor e da luz espiritual.

Para os gregos, o símbolo da razão (sabedoria) era a coruja. Como a fé cega equivale a trevas (ignorância) o avestruz poderia ser o símbolo da fé religiosa dogmática.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

LIBERDADE PARA OS CONDENADOS
Antonio Sebastião de Lima

O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria dos seus membros, decidiu (quinta-feira, 05/02/09) que condenado algum deverá ser preso antes de a sentença judicial transitar em julgado. Mediante tal decisão, o Brasil confirma a sua fama internacional de paraíso dos criminosos. A nova orientação apoiou-se no enunciado constitucional que presume a inocência do réu: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF 5º, LVII). Diante disso, juízes e tribunais não mais poderão expedir ordem de prisão contra os condenados até que a sentença transite em julgado, o que pode demorar muitos anos e propiciar a prescrição da pena aplicada. Impunidade garantida.

Antes dessa infeliz e nociva decisão, a sentença penal recorrível produzia dois efeitos principais: a imediata prisão do réu e o lançamento do seu nome no rol dos culpados, consoante os incisos I e II, do artigo 393, do Código de Processo Penal (CPP). Admita-se, para conceder menor elasticidade à polêmica, que o preceito constitucional pudesse impedir o lançamento do nome do condenado no rol dos culpados antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Circunscreva-se a polêmica à ordem de prisão. O entendimento de que o mencionado preceito constitucional impede a prisão do condenado afigura-se exagero prejudicial à segurança da sociedade e ao poder jurisdicional dos juízes e tribunais.

O processo criminal tem por finalidade apurar a responsabilidade dos réus. A sentença os absolverá ou os condenará. Em termos lógicos, a presunção de inocência se esgota com a sentença absolutória ou condenatória. Presunção significa opinião incerta, conjectura sobre a verdade de algo até prova em contrário. Quando essa prova é realizada sob a tutela jurisdicional, a presunção cede lugar à certeza decorrente do contraditório e da ampla defesa. A reforma da sentença por tribunal superior é mera probabilidade que não afasta a autoridade do julgado.

Com a citada decisão do STF, a prisão não mais será efeito da sentença recorrível. O artigo 393 do CPP, que vigorou por 67 anos e 4 meses (outubro de 1941 a fevereiro de 2009) e que havia se incorporado à doutrina e à jurisprudência, passa de compatível a incompatível com a Constituição de 1988. Só depois de 20 anos de vigência da Constituição é que a maioria do STF considerou inconstitucional aquele dispositivo legal, estimulada pelo episódio Daniel Dantas. Os votos vencidos reconheceram a compatibilidade e a necessidade da prisão; colocaram o interesse público acima do interesse particular dos condenados. Os votos vencedores mantiveram coerência com a escandalosa decisão proferida no habeas corpus que favoreceu Dantas. O STF tirou dos juízes e tribunais o poder de mandar prender os condenados imediatamente, o que tipifica uma capitis deminutio. A decisão do STF abre ensejo à liberdade de todos os condenados que ainda não tiveram sentença penal transitada em julgado. Os juízes deverão de ofício (CPP 654, 2º) expedir alvarás de soltura, porque tais prisões, após a decisão do STF, passaram para a ilegalidade. Centenas ou milhares de bandidos serão soltos e quiçá não voltem à prisão pelo crime cuja prática justificou a condenação.

No que tange à prisão temporária e à prisão preventiva, a competência dos juízes para decretá-las foram mantidas pelo STF, por enquanto. A prisão temporária pode ser decretada pelo juiz, porém está limitada ao inquérito policial e pelo prazo estipulado na lei (5 dias). A prisão preventiva está limitada ao inquérito policial e à instrução criminal. Ambos os tipos de prisão são provisórios. Eis aí a contradição contida na decisão da maioria dos ministros. Se o juiz pode o mais (decretar a prisão mesmo antes de instaurado o processo criminal) pode o menos (decretá-la após encerrada a instrução criminal). A contradição faz transparecer o conteúdo político da decisão: prestigiar o presidente do STF no episódio Dantas; assegurar a liberdade de Dantas e de outros assemelhados que respondem a processo criminal; exibir o poder do STF sobre todos os juízes e tribunais do país. O STF mostrou a sua veia autoritária e protetora dos interesses da aristocracia. Não recuou ante o efeito pernicioso da sua decisão: abrir as portas de saída para todos os condenados com sentença ainda não transitada em julgado. Se Fernandinho Beira-Mar e outros bandidos notórios estiverem nesta situação, deverão ser postos em liberdade imediatamente.