quarta-feira, 22 de outubro de 2008

DURAÇÃO DA CRISE
Antonio Sebastião de Lima

Na ciência do Direito e na ciência da Economia há correntes naturalistas que estudam os fatos jurídicos e econômicos em termos de evolução, ciclos e etapas como acontece no mundo natural (embrião, nascimento, crescimento, maturidade, envelhecimento, morte). Dessas correntes decorre a teoria sobre movimentos cíclicos: origem, ascensão e queda de impérios, governos e empresas. O que tem começo tem fim. Muda a matéria, mas não o processo de mudança (como nas estações climáticas). O ciclo pode ser visto como: (i) movimento circular que, ao se completar, recomeça e passa pelos mesmos pontos (ii) movimento em espiral que repete, em cada volta ascensional, as mesmas fases (iii) um fato central que se esgota no curso de um movimento linear progressivo.
Considerados os meios de troca, verificam-se na história os ciclos da economia natural, da economia monetária e da economia financeira. De acordo com a produção e a qualidade de vida, os países passam pelas fases do subdesenvolvimento, desenvolvimento e pleno desenvolvimento. A evolução econômica dos povos passa pelos ciclos pastoril, agrícola, manufatureira e comercial (movimento em espiral). O Brasil passou pelos ciclos do açúcar, da borracha, do café e da manufatura (movimento linear). A organização econômica passa pelos ciclos familial, tribal, nacional e internacional. O ciclo econômico de um país compreende as etapas da situação inicial, da prosperidade, da crise, da depressão, da estagnação e da retomada (movimento circular). A duração de cada ciclo varia segundo as circunstâncias históricas. Um país pode conservar a mesma situação por milhares de anos, como aconteceu na China antiga. Observando a natureza, os orientais tiram lições que, com devoção, aplicam na vida prática. As dificuldades são enfrentadas com força espiritual, paciência e perseverança. A supremacia da economia rural sobre a economia urbana durou, na Europa, mais de 1.000 anos e no Brasil, após a independência, pouco mais de 100 anos.
Na sociedade há momentos de incerteza, de turbulência, de perigo, tanto na esfera política, como nas esferas econômica e social, que abalam o regime ou o sistema em vigor e desassossegam governantes e governados, empresários e trabalhadores. São os momentos de crise como a que eclodiu neste ano (2008), a partir da implosão do sistema financeiro nos EUA, irradiando-se para os demais países do orbe. Essa crise durará pouco. O que se observa dos fatos pretéritos é que as crises duram cada vez menos. Melhor aparelhada do ponto de vista teórico e prático, a sociedade moderna encontra mecanismos de controle cada vez mais eficientes e rápidos. O ponto alto e positivo da atual crise foi a solidariedade entre os diversos Estados do planeta. Chefes de governos e auxiliares responderam rapidamente ao chamado para a união de esforços em plena turbulência. Adotaram medidas de emergência, injetando dinheiro no sistema financeiro e celebrando parceria como o setor privado com o propósito de dominar a crise, fazer da depressão um breve período de recessão, evitar a estagnação, conter os abusos, retomar o ritmo das atividades econômicas e recuperar a confiança do público. A economia mundial deixará o divã do psicanalista. A dura experiência modificará métodos e atitudes em relação à economia interna, com os olhos postos na conjuntura internacional. A presente geração está testemunhando o fim do ciclo hegemônico de uma nação e a passagem para o efetivo e permanente concerto multinacional sobre os assuntos econômicos que interessam a todas as nações do globo. O poder mundial desconcentrou-se. Dificilmente haverá outra reunião nos moldes de Bretton Woods (USA). Desenha-se um novo cenário internacional. Abre-se caminho a uma nova moeda cunhada por organismo supranacional. Inicia-se a fase embrionária de um governo mundial de extensão planetária. A solidariedade e a fraternidade entre os povos não mais se limita aos jogos olímpicos e aos campeonatos mundiais; adentra a esfera política e econômica, embora de modo desconfiado, inicialmente. A confiança virá com o tempo. A parte maior da alma humana está ocupada por desejos insaciáveis, dizia Platão (“República”). A ganância resulta desses desejos desenfreados. Ainda que algumas nações cheguem ao pleno desenvolvimento, o progresso continuará além das fronteiras para propiciar às outras nações o mesmo nível de bem-estar, de quantidade de bens e de qualidade de vida. Em moderado ritmo, sem precipitação, de modo racional, o Brasil sairá da crise mais fortalecido e retomará a marcha do desenvolvimento com justiça social. Sem humanismo, a economia é mero cálculo egoísta, sem pátria, sem povo e sem alma.

ESPÍRITO OLÍMPICO
Antonio Sebastião de Lima

As olimpíadas e a democracia comungam o mesmo berço: a Grécia (Olímpia e Atenas). Banidos pelo imperador Teodósio I (séc.IV d.C.), os jogos olímpicos foram reativados pelo francês Pierre de Fredi, Barão de Coubertin (séc.XIX). Caracterizam-se por seu cosmopolitismo, espírito de paz e fraternidade. O importante é competir, mostrar boa técnica, vigor físico e mental. Se possível, vencer. Na derrota, respeitar o vencedor. Lágrimas? Só de alegria e saudade. A primeira olimpíada do novo ciclo foi realizada em Atenas (1896). Desde então, cresceu o número de países participantes e se multiplicaram as modalidades desportivas. Da olimpíada de 2008 participaram duas centenas de nações. Países capitalistas e socialistas batalharam para conquistar medalhas e exibir a excelência dos seus regimes políticos. Felizmente, os desportistas conservaram a nobreza do espírito olímpico.
A pressão exercida por uma parcela da população brasileira sobre os seus atletas amplifica-se através dos meios de comunicação. Só vale a medalha de ouro. A vitória sobre si mesmo, que classificou o atleta para os jogos olímpicos, não tem valor algum aos olhos dessa gente. Se Maggi não tivesse conquistado medalha, certamente o seu esforço seria ignorado. Nem todos têm estrutura psicológica para suportar a pressão. Alguns se defendem com bravatas do tipo “que venham os leões”, “este ouro ninguém nos tira”; outros se defendem com sorriso artificial e fuga no olhar. O fracasso é conseqüência. Quem não conquista medalha torna-se alvo de crítica implacável.
Ao ser vencido no judô, Eduardo chorou de vergonha. Não queria decepcionar os pais, os judocas e a nação. No entanto, nada havia do que se envergonhar. Por alguns anos ele permaneceu na mesma faixa porque não tinha dinheiro para pagar o exame. Outrora, o mestre concedia o grau superior quando notava o progresso do discípulo. Hodiernamente, nos países capitalistas, a arte marcial virou negócio. Inventaram o exame de faixa pago. Não basta a mensalidade da academia. Os praticantes têm que sustentar o dono da academia e os cartolas da federação. Quem não tem poder aquisitivo permanece nos graus inferiores, ainda que tenha recurso técnico excelente. As jogadoras do futebol feminino comem o pão que o diabo amassou até conseguirem contrato com clube europeu. As que não conseguem ficam na rua da amargura. Apesar disso, as brasileiras verteram sangue pelos poros. Exibiram o melhor futebol desta olimpíada. A ansiedade represada as derrotou na partida final. A equipe vencedora (EUA) ao se encolher na defesa, reconheceu tacitamente a superioridade da brasileira. Apostou na ansiedade e no desespero das brasileiras. Deu certo. Ninguém perde o que ainda não tem. Para ter a medalha é preciso competir e vencer. Só depois de ganha é que a medalha poderá ser perdida, assim mesmo, se constatada alguma ilicitude. A equipe olímpica brasileira conquistou, no futebol, as medalhas de prata (feminina) e de bronze (masculina), o que não é pouco, nem fácil. Até a festa de encerramento, não perdera medalha alguma; perdera, sim, algumas competições.
A equipe masculina de futebol jogou bem, com atuações individuais excelentes. A equipe argentina jogou melhor. Ao contrário dos brasileiros, os argentinos não sorriram durante a partida e nem fizeram gentilezas. Estavam determinados a vencer. Mereceram a medalha de ouro. Os nigerianos mereceram a de prata. Não há motivo justo para decapitar o treinador brasileiro. Centenas de equipes ficariam felizes com o bronze tal como as chinesas no vôlei. A equipe brasileira feminina de vôlei de quadra brilhou como nunca. A masculina suportou as feridas internas ainda não cicatrizadas. Ambas venceram equipes fortes. Mereceram as medalhas de ouro e prata. No vôlei de praia e nas outras modalidades desportivas, os brasileiros atuaram nos seus limites, com esforço e dedicação. Visando a bons resultados nas olimpíadas, o governo brasileiro devia criar um fundo com contribuições compulsórias e permanentes das empresas estatais e concessionárias (CF 217, II, III + lei 9.615/1998, 56, I). A gerência desse fundo teria a participação dos atletas em paridade com membros do COB. A fiscalização caberia à sociedade e ao TCU. Parte desse fundo destinar-se-ia ao atleta olímpico carente. Cada atleta cadastrado receberia, no mínimo, 500 euros mensais enquanto treinasse e tivesse condições de participar dos jogos olímpicos, sem prejuízo de eventual patrocínio pelo setor privado. A parte residual do fundo serviria de apoio a modalidades desportivas específicas, praticadas pelas camadas média e pobre da população, tais como: futebol feminino, ginástica, natação, vôlei, basquete, corrida, saltos em distância e em altura, boxe, judô e taekwondo.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

CARMA NA POLÍTICA
Antonio Sebastião de Lima

A lei do carma incide sobre os setores político, econômico e social de qualquer país, além de incidir sobre a vida de cada indivíduo. Cuida-se de um automatismo cósmico mais eficiente do que a mão invisível de Adam Smith. Os pensamentos, os sentimentos, as ações e omissões dos seres humanos o colocam em funcionamento. Quem entender e dominar esse mecanismo terá poder sobre si mesmo e sobre a sociedade. Todavia, não haverá benefício a quem usá-lo com maus propósitos. Na Tribuna da Imprensa de 02.10.2008 (p.4) foi publicado artigo sobre o carma coletivo, tendo por mote a crise mundial provocada pela ganância dos banqueiros e pelas artimanhas dos economistas. A disputa eleitoral, no Brasil ou em outros países, fornece exemplos da atuação da lei do carma.
No pleito para governador do Estado do Rio de Janeiro, a candidata Denise Frossard foi acusada, injustamente, de ter preconceito contra os deficientes físicos. Do seu parecer, como deputada federal, em projeto de lei sobre deficientes físicos, pinçou-se trecho em que ela se referia às chagas expostas na via pública por seus infelizes portadores. O parecer era contrário ao projeto apresentado pelo PT. Esse partido utilizou aquele trecho fora do contexto do parecer, deturpando o seu real significado, só para jogar a opinião pública contra a candidata, no visível intuito de lhe retirar votos. O PT aliara-se a Sérgio Cabral em troca de cargos. Agora, o PT recebe o troco. A candidata à prefeitura de São Paulo (Marta Suplicy) também é injustamente acusada de preconceito contra os homossexuais. A verdade não interessa quando não favorece a vitória. Deturpar para derrotar é o que interessa. O eleitor brasileiro que não dispõe de acesso à rede de computadores, a jornais e revistas e assiste a novelas na TV, guia-se mais pela emoção do que pela razão. Para alguns eleitores, considerar o fato de a candidata ser favorável à liberdade sexual exige atividade cerebral mais cansativa do que a simples intuição emocional. Marta está certa e em sintonia com preceito constitucional sobre a vida pregressa dos candidatos a cargo eletivo. Quem aspira ao exercício de cargo público não pode se esconder sob o véu da privacidade. O eleitor tem o direito de saber quem é o candidato, seu nome completo, estado civil, profissão, domicílio, se é bom vizinho, se cumpre as suas obrigações para com a família, a sociedade e o Estado. Segundo a religião que professa e os valores que cultiva, o eleitor tem o direito de saber se o candidato acredita em Deus ou é ateu, homossexual ou heterossexual, socialista ou liberal, se exerceu suas atividades no setor público e/ou no setor privado com honestidade e eficiência. O eleitor tem o direito, inclusive, de exigir que o candidato exiba folha penal sem mácula. No pleito fluminense, o adversário de Denise era um boneco fabricado pelos marqueteiros, produto a ser vendido ao eleitorado. Cumpriu rigorosamente o roteiro que lhe foi traçado, decorou bem os textos que lhe foram passados e mostrou bom desempenho diante das câmeras de TV. No debate, insistia no preconceito. A adversária, mais natural e autêntica, ficou em desvantagem. Apesar de culta, corajosa e competente, Denise perdeu as eleições para um adversário medíocre. No exercício do mandato, Sérgio mostrou a sua mediocridade e incompetência. Sem ensaio prévio, ele fala mal o português, tem dificuldade de organizar e expressar idéias e exibe uma deficiência cultural espantosa (para ele, Getúlio Vargas morreu com um tiro na cabeça). Diante dos problemas do Estado, responde com clichês. Dedicou-se ao turismo político, viajando para as diversas partes do mundo com o dinheiro do contribuinte, sem solucionar o problema da segurança pública (o que Denise certamente teria resolvido no primeiro ano do mandato). Claudica na solução dos assuntos de governo. Tal qual o seu candidato a prefeito (Eduardo Paes), o governador preferiu a politicagem a se dedicar a alguma profissão. Eduardo tentou contornar esse óbice em sua biografia se declarando advogado. A falsidade logo ficou provada. Jamais advogara na vida. Sérgio e Eduardo desconhecem freios éticos ou jurídicos quando se trata de ganhar eleição. Eduardo qualificou Luiz Inácio de criminoso (chefe de quadrilha) publicamente. Agora, em busca de apoio político, pede desculpas. Nesse episódio, Eduardo suplicando e Luiz Inácio aceitando desculpas, ambos retrataram o que há de pior no mundo político: a falta de brio. Infelizmente, esse é o perfil da maioria dos políticos no Brasil. Dizer que o passado não importa é escamotear princípios morais e jurídicos (CF 14, §9º). Coerência com o passado de luta pela democracia e pela ética na política é sinal de bom caráter.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

TRAPALHADAS NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Antonio Sebastião de Lima

A suspeição tem rondado os concursos para ingresso na magistratura do Estado do Rio de Janeiro. A anulação de um deles, por improbidade, foi pedida ao Conselho Nacional de Justiça. Negado por este, o pedido foi submetido ao Supremo Tribunal Federal. Concurso posterior foi anulado. No mais recente, de 2.303 inscritos, 510 passaram para a segunda fase e apenas 3 para a terceira. Na primeira prova da segunda fase houve questão duvidosa. Optou-se por repetir a prova sem anular o concurso. Na prova seguinte, o fiscal de uma das salas explicou certa questão enquanto nas demais salas não houve explicação alguma. Violou-se a isonomia e a norma que proíbe qualquer explicação. Ao invés de anular o concurso, o presidente do Tribunal de Justiça preferiu qualificar de despreparados 2.300 candidatos, quando a probabilidade de bom preparo era a de 2 por 10, aproximadamente.
No Brasil, a escolha dos juizes se dá por livre nomeação ou mediante concurso. Para ingressar no Supremo Tribunal, o candidato deve ter entre 35 e 65 anos de idade, ser bacharel em direito e cair nas graças do presidente da República. O notável saber jurídico e a reputação ilibada ficam por conta do subjetivismo presidencial. Prática forense é presumida. A sabatina no Senado tem sido mera formalidade. Os juízes de outros tribunais superiores são escolhidos entre magistrados, procuradores e advogados na proporção estabelecida na Constituição, o que limita o arbítrio presidencial. Exige-se 10 anos de exercício profissional para advogados e procuradores. Esse mínimo devia ser de 15 anos, tempo aproximado que um juiz de carreira leva para chegar ao tribunal a que está vinculado.
Para ser juiz estadual ou federal o candidato deve ter diploma de bacharel em direito, 3 anos de experiência (o que é pouco), reputação ilibada e ser aprovado em concurso público de provas e títulos. O vínculo de parentesco ou de amizade com autoridades, por si só, não gera impedimento. O acesso aos cargos públicos é garantido a todos os cidadãos que preencham os requisitos legais. Nenhum candidato deve ser discriminado por ter aquele vínculo, salvo se a autoridade participar da organização do concurso, da banca examinadora ou sobre elas exercer influência. Todos os candidatos devem concorrer em plano de igualdade, sem favorecimentos diretos ou indiretos. Os organizadores do concurso e os examinadores devem agir com sensatez, lisura, altivez e independência, de modo que a escolha dos futuros juizes recaia sobre os candidatos mais preparados do ponto de vista moral, psicológico, intelectual e técnico. A prévia informação a algum candidato, sobre matéria da prova, tipifica fraude.
O concurso não pode ser encarado como exame escolar em que se procura o certo e o errado, pois não se trata de matemática, nem de geografia. A correção das provas deve ser criteriosa, desprovida do ânimo de eliminar o maior número possível de candidatos. Corrigi-las superficial e apressadamente faz do concurso uma farsa. Tipifica constrangimento intelectual abusivo exigir dos candidatos que amoldem suas respostas a um gabarito ou a lições contidas em livro de autoria ou da preferência do examinador. O discurso forense é retórico. A lógica do razoável o conduz. A ponderação entre valores lhe é própria. Importa verificar, nas provas, a capacidade de análise do candidato, a fundamentação da resposta, o modo coerente de organizar idéias e a linguagem adequada ao expressá-las. O candidato pode dar boa resposta sem obrigação de encaixá-la na fórmula criada pelo examinador. O gabarito privilegia a capacidade mnemônica em detrimento da capacidade de operar com as idéias.O examinador deve ser tolerante com as respostas contrárias ao seu entendimento e recebe-las com naturalidade. Entendimentos opostos compõem a dialética jurídica. Nos tribunais, há votos vencidos e vencedores. A divergência ocorre em clima de mútuo respeito. Há candidatos cultos e preparados (advogados, defensores públicos, promotores de justiça). As suas provas não devem ser examinadas como provas de colegiais. A linguagem escorreita, comum ou técnica, não se confunde com preciosismo. O examinador não deve se sentir culturalmente inferiorizado ao se deparar com texto bem escrito. Citar doutrinas antagônicas sobre a mesma questão constitui esforço do candidato para mostrar conhecimento jurídico e aptidão para o cargo. Esse modo de expor não significa embromação, necessariamente. As idiossincrasias, os preconceitos, recalques e outras limitações do examinador podem prejudicar candidatos que seriam excelentes magistrados. Bons candidatos podem ser reprovados por faltar ao examinador preparo moral, psicológico, intelectual ou técnico. Nos concursos públicos, a mediocridade pode estar tanto nos candidatos como nos organizadores e examinadores.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

CARMA COLETIVO E PLUTOCRACIA

Crença oriental que se irradiou para o ocidente, o carma é concebido como um mecanismo cósmico de compensação que funciona tanto no mundo da natureza como no mundo da cultura. Há diferentes expressões verbais do carma, tais como: “para toda ação há uma reação”, “não há efeito sem causa”, “com a medida que julgares, sereis julgados”; “quem com ferro fere, com ferro será ferido”; “quem semeia vento, colhe tempestade”; “após a tempestade vem a bonança”, “aqui se faz, aqui se paga”. O carma pode ser individual ou coletivo e corresponde: (i) na esfera científica, à lei da causalidade (ii) na esfera moral, à lei da retribuição (talião): o bem que hoje fizeres, amanhã o receberás (carma positivo); o mal que hoje fizeres, amanhã o receberás (carma negativo). As duas modalidades se compensam. Se houver saldo positivo, a alma do indivíduo entra na bem-aventurança. Se houver saldo negativo, a alma prosseguirá nos ciclos das reencarnações. No plano religioso, prevalece o caráter punitivo da lei do carma: cada indivíduo carrega a sua cruz, cujo peso está na razão direta dos seus pecados. Visto do ângulo místico, o carma se apresenta como atuação da justiça divina.
Dos pensamentos, sentimentos, ações e omissões de cada grupo humano (família, empresa ou nação) há conseqüências boas e más. Trata-se do carma coletivo. Os atuais problemas do Rio de Janeiro podem ser atribuídos à conduta pretérita do carioca. Do seu espírito galhofeiro, da aversão a regras, do hedonismo, do imediatismo, da indisciplina e da esperteza enganosa resultaram construção civil predatória, expansão descontrolada das favelas, poluição das praias, comércio informal, sujeira nas ruas, flanelinhas, fiscais e policiais corruptos, violência e todo tipo de transgressão às normas de civilidade. Os governantes refletem essa conduta licenciosa e contribuem para a má qualidade de vida. De modo displicente e demagógico tratam dos negócios públicos sem se preocuparem com o futuro da cidade. Obras maquiadas e superfaturadas. Serviços mal prestados. Povo e governo emporcalharam uma das regiões mais bonitas do planeta.
Entre os fatores do carma coletivo dos EUA se incluem a voraz exploração dos outros países, as mortes e os sofrimentos causados a outros povos. A conduta do povo e do governo dos EUA gerou crises econômicas e financeiras (1853, 1929, 2008) e a tragédia das torres gêmeas (2001). Com a guerra de 1914, os EUA ganharam em 4 anos quantia em dólar equivalente a todo o ouro produzido no mundo em 4 séculos. Na segunda metade do século XX, patrocinaram ditaduras na América Latina e apoiaram os israelenses nos massacres dos palestinos. Na primeira década do século XXI invadiram o Afeganistão e o Iraque. Sobre a crise de 1929, Churchill advertiu: “não é acelerando vertiginosamente a circulação monetário-creditória que uma nação enriquece”. Após uma década e graças à intervenção do governo, cessou a depressão nos EUA. O egocentrismo do capitalista voltou a preponderar. Como os libertinos em geral, os plutocratas detestam freios éticos, jurídicos e algemas. A especulação amoral ganhou velocidade. A liberdade econômica chegou ao paroxismo. A economia se converteu em crematística. A jogatina superou o investimento produtivo. Dirigido pela mão invisível, o trem descarrilou (2008). O povo sofre as nefastas conseqüências. A intervenção permanente e moderadora do Estado no mercado é necessária à estabilidade da economia. Daí a importância de estadistas honestos no governo. Nem liberdade plena, nem dirigismo estatal absoluto. A intervenção episódica para proteger meliantes de colarinho branco repugna ao senso moral. Com alma plutocrática e verniz matemático, economistas arquitetam o furto do dinheiro público e privado. Os legisladores legalizam a roubalheira. Banqueiros, seguradores, empresários, tratam o mercado como cassino e lupanar. A canalha gosta do Estado mínimo, pródigo e cúmplice. Os governantes garantem a safadeza. O erário cobre os danos. Da negligência dos governantes resultaram a expansão das favelas e o agravamento dos problemas urbanos. Do simulacro de democracia resultou a ascensão da escória ao governo. A nação verga com o peso da tributação abusiva. Vigora a lei de bronze: os pobres cada vez mais pobres, os ricos cada vez mais ricos. A jurisprudência favorece os interesses dos plutocratas. Juizes corajosos são vistos como exceção e comparados aos juízes de Berlim (alusão à desavença entre dois vizinhos, na Alemanha, em que o mais fraco mostrava confiar no Judiciário ao advertir o mais forte: “ainda há juízes em Berlim”). Juiz brasileiro do tipo berlinense enfrenta resistência tenaz. A independência o faz maldito.