sexta-feira, 24 de junho de 2022
PALAVRAS
segunda-feira, 20 de junho de 2022
TRISTES TRÓPICOS
O etnólogo francês Claude Lévi-Strauss publicou livro intitulado Tristes Tropiques sobre suas viagens na primeira metade do século XX, incluindo o interior do Brasil e as tribos indígenas Caduveo, Bororo, Nambikwara, Tupi-Kawahib, traduzido para o português com o título acima [Lisboa. Edições 70. 1981). Descreveu alguns povos indígenas, mulheres, homens, crianças, corpos, habitações, aldeias, costumes, apetrechos, adornos, artesanato, pintura (principalmente do corpo), escultura, cerâmica. Notou poligamia em uns e monogamia em outros. Mencionou aborto, infanticídio, espírito guerreiro, agricultura, caça, crenças, magia, superstições, danças, cantos, cerimônias fúnebres, relações sociais internas e externas, paisagens, plantas, florestas, águas, reservas territoriais. Faz referência ao Serviço de Proteção ao Índio (governo Vargas).
Lévi-Strauss tudo observa e anota com
seus olhos de europeu civilizado e iniciado no método científico. Porém, ao
escrever, não abdica de uma nuance poética. Do Paraná, menciona o Rio Tibagy, o
pinheiro, o seu contacto com os Kaingang, indígenas da família Gê, a miséria
desse povo, a rejeição deles à cultura dos brancos, a rivalidade com os índios
de língua Tupi agrupados na região costeira. Do Mato Grosso (território ainda
não dividido naquela época) o etnólogo descreve o chimarrão e o hábito local de
tomá-lo, a sua visita ao pantanal, à fronteira com o Paraguai e o seu contacto
com os indígenas da região. Da Amazônia, ele relata as peripécias da navegação
fluvial, as características das populações ribeirinhas e do seringal. Disse que
ali, quiçá pela exploração econômica da borracha mesmo na fase decadente, o
padrão de vida era melhor do que o padrão do planalto central de onde viera a
sua expedição.
O antropólogo Darcy Ribeiro, no seu
livro O Povo Brasileiro (São Paulo, Companhia das Letras, 1995, pp.
31/37) ao tratar da matriz Tupi situada na costa marítima, menciona o cultivo,
pelos índios, de milho, feijão, batata-doce, pimentas, guaraná, erva-mate,
amendoim, abóbora, abacaxi, mamão, algodão, tabaco, cuias, cabaças, cará, carauá,
urucu, além de outras plantas e árvores frutíferas. Todavia, os índios
dependiam do acaso para obter outros alimentos através da caça e da pesca. Da
produção de alimentos, todos os membros da tribo participavam. Avançando da costa marítima para o interior
do país, o antropólogo pesquisou também os meios de sobrevivência e os costumes
de índios de diferentes troncos étnicos que passavam por alternados períodos de
abundância e de escassez (Bororo, Kaingang, Kayapó. Paresi, Tapuia, Xavante).
Demorou-se um pouco mais ao tratar dos índios Guaikuru, por suas peculiares
características. Os homens desse povo tinham compleição física admirável como
se fossem Hércules; eram guerreiros de cavalaria e de corso; tinham domínio
sobre os outros povos indígenas; eram altivos e independentes ao enfrentar ou
ao se aliar aos brancos.
De passagem, ao comentar a tendência
dos índios de se afastarem dos brancos a fim de proteger a sua identidade
étnica e cultural, Darcy mencionou o povo Yanomami que havia se retirado para os
confins da selva amazônica, na fronteira norte do Brasil. Atualmente, graças às
persistentes e cautelosas ações dos indigenistas, esse povo permite a
aproximação com os brancos e o intercâmbio cultural.
Tanto no planalto como na região
amazônica, a penúria era comum à maioria da população, inclusive a indígena. O
cientista francês gostou da culinária amazônica. Achou-a deliciosa e abundante.
Todavia, a refeição básica regional consistia em feijão, arroz, carne seca e
farinha de mandioca. Naqueles anos (1935-1939) o planalto central ainda
aguardava Brasília, cuja edificação estava prevista na primeira Constituição
republicana (1891, art. 3º). A mudança da capital só aconteceu 70 anos depois,
durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960).
Nos dias atuais, arrisca-se a ser
assassinado ou a sofrer danos pessoais e materiais, todo aquele que, mulher ou
homem, em sintonia com o disposto nos artigos 231/232 da Constituição,
coloca-se na efetiva defesa dos direitos, do bem-estar, do patrimônio e da
cultura dos índios. Recentemente, um indigenista brasileiro e um jornalista
britânico foram mortos (05/06/2022). Eles pesquisavam e denunciavam ilegais
invasões e explorações das terras indígenas localizadas na região amazônica.
Fora os povos indígenas, no que
concerne exclusivamente à população brasileira, a fome que havia sumido na
primeira década do século XXI, voltou a afligir 33 milhões de brasileiros.
Quanto aos 177 milhões restantes, feijão, arroz e ovo têm sido a refeição
básica da maioria. O melhor poder aquisitivo da minoria permite incluir a carne
nas suas refeições. Na camada acima dos remediados, nada falta às refeições,
tudo pago com o seu próprio dinheiro. O luxo nas bebidas e na comezaina chegou
ao ápice no escalão superior das forças armadas e na cúpula do poder
judiciário, todos regiamente abastecidos, tudo pago com o dinheiro do tesouro
nacional. O uso abusivo do erário é facilitado e estimulado quando o chefe de
governo é perdulário.
Tristes trópicos!