Entre as teorias e doutrinas citadas nos artigos
anteriores foi incluída a teoria da unidade cósmica (mundo material + mundo espiritual).
Admitida esta união cósmica, ponderou-se: (1) deus a criou e vive em função
dela; (2) o fim de um dos mundos implica o fim do outro; (3) o fim do mundo por
vontade divina significa o suicídio de deus. Certamente, grande parte da
humanidade não aceita esta conclusão. A população mundial está dividida entre
os que acreditam e os que não acreditam na existência de deus e do mundo
espiritual. Embora sem um levantamento estatístico, a mera observação empírica
mostra que a maioria da população é de crentes e a minoria, de descrentes. Do
ponto de vista quantitativo e demográfico, pois, a fé supera a razão. O
conhecimento humano vai além do mundo físico e adentra a esfera metafísica para
chegar a uma visão filosófica, religiosa e mística do universo.
Às duas perguntas sobre a existência de deus e do
mundo espiritual segue esta outra: é possível aos humanos conhecer deus e o mundo espiritual? Obviamente, para os descrentes
(ateus e materialistas) a pergunta carece de sentido. Para os crentes, a
pergunta tem sentido, porém, as repostas tanto podem ser afirmativas como
negativas.
Para algumas pessoas (filósofos, intelectuais, religiosos,
místicos), a resposta é negativa: deus é incognoscível. O humano, por ser
encarnado, não tem acesso direto a deus. Somente após a morte do corpo humano,
a alma poderá conhecer deus. O humano apenas sente a presença divina sem
discernir a forma e sem perceber a substância de deus. A estrutura lógica do
pensamento humano é insuficiente para defini-lo. A divindade está além do plano
conceitual humano.
Para outras pessoas (filósofos, intelectuais,
religiosos, místicos), deus é cognoscível. O humano pode conhecer deus pela
intuição e pela revelação. Algumas destas pessoas afirmam a impossibilidade de
traduzir em palavras essa experiência extática. Outras descrevem a imagem e
arrolam os atributos do deus com o qual dizem haver entrado em contato direto.
Assim acontecia, por exemplo, com o líder hebreu chamado Moisés, com o místico
persa chamado Zaratustra, com teólogos, sacerdotes e santos cristãos. Os
pensadores e crentes que não conseguem traduzir em palavras o seu conhecimento
de deus usam símbolos e recorrem a analogias com as coisas familiares aos
humanos tais como: astros, luz, calor, forças telúricas, figuras geométricas,
números e assim por diante. Deus recebe diferentes nomes que lhe são atribuídos
inclusive por aqueles pensadores e crentes que entendem impossível conhecê-lo.
Possibilidade e impossibilidade de conhecer o mundo espiritual dividem os pensadores e crentes. O conhecimento do mundo natural (criado por deus) e do mundo cultural (criado pelo homem) pode ser obtido por métodos intelectuais. O conhecimento do mundo espiritual (criado por deus) é obtido por vias irracionais. Nem todos acham isto possível.
Todo conhecimento na esfera humana ocorre pela apreensão de um objeto pela consciência. A estrutura geral de qualquer conhecimento compreende a consciência do sujeito, o objeto e a imagem do objeto formada na consciência. O processo do conhecimento consiste, pois, em formar a imagem de algo na consciência. Esse algo (objeto de conhecimento) pode ser produto da experiência (real, sensível) ou da razão (ideal). Da relação entre a mente do sujeito e o objeto advém a verdade ou a falsidade do conhecimento. A verdade do conhecimento consiste na concordância da imagem na consciência com o objeto apreendido.
Para os dogmáticos, a
capacidade da inteligência para apreender o objeto é evidente. O objeto do
conhecimento é apresentado à consciência de modo absoluto, sem qualquer função
cognitiva. Logo, o problema do conhecimento não existe. Já para os céticos, o
problema existe. Alguns deles são radicais: afirmam a incapacidade humana para
conhecer a essência das coisas. Os céticos moderados afirmam a impossibilidade
apenas do conhecimento moral e metafísico. A moral tem sede na vontade humana e
por isto mesmo é cambiante. No que tange a deus, o seu conhecimento pelos
humanos é impossível. Entretanto, os céticos moderados admitem a capacidade
humana para conhecer os dados da experiência (empirismo). Qualquer verdade é
válida exclusivamente para o sujeito que a formula. O conhecimento humano
depende de fatores externos, como o meio ambiente, a cultura, o espírito do
tempo e assim por diante (relativismo). “O homem é a medida de todas as coisas”
(Protágoras).
Ao afirmar que toda verdade é
relativa, o cético se contradiz, pois está afirmando uma verdade absoluta. Para
os racionalistas, o pensamento é a fonte principal do conhecimento. O processo
de conhecimento deve incluir a crítica racional. Verdadeiro é tão somente o conhecimento logicamente necessário e
universalmente válido como, por exemplo: “o todo é maior do que a parte”. O
conhecimento fundado em juízos logicamente necessários e universalmente válidos
tem como modelo o raciocínio matemático, conceptual e dedutivo.
Na Física, a origem do
conhecimento está no mundo natural. Na Metafísica, a origem do conhecimento
está no mundo espiritual. No mundo natural e no mundo cultural a mudança é
constante. Isto os faz refratários a um saber estável e a uma certeza
definitiva. No reino metafísico das idéias está o modelo da atualidade empírica
(Platão). As idéias brotam do nous,
espírito universal que ilumina o espírito humano (Plotino). A fonte de todo
conhecimento é deus, que ilumina o espírito humano (Agostinho). A consciência
humana recebe os seus conteúdos de deus, que é a causa do aparecimento das
percepções sensíveis nos seres humanos.
Plotino refere-se à intuição
emocional na contemplação mística de deus e do mundo espiritual. Agostinho
adota o pensamento de Plotino com maior vigor quanto à superioridade da visão
divina em face da visão racional. Esse contato direto com deus resulta de um
processo emocional. No pensamento de Agostinho, convivem as intuições racional
e emocional. A par do órgão de conhecimento teórico e racional, há o órgão de
conhecimento irracional e prático: a fé,
apreensão e assentimento intuitivo e emotivo. A fé radica em um instinto psíquico que leva à certeza da
realidade do mundo.
A religião está sediada no
sentimento e não na razão ou na vontade. A religião supõe a intuição do universo.
Certeza intuitiva é a vivência
imediata de algo que se não pode experimentar, a certeza de algo transcendente.
Só a intuição alcança a essência das coisas, o conteúdo íntimo da realidade. A
intuição é a chave da Metafísica. Só chegamos a deus pelo caminho da intuição.
Só conhecemos deus quando ele a nós se revela.
A questão da existência de um
conhecimento intuitivo paralelo a um conhecimento racional discursivo
relaciona-se ao conceito de ser humano. Quem concebe o humano como criatura
teórica, cuja principal função é o pensamento, admitirá somente o conhecimento
racional. Quem o concebe como criatura essencialmente emotiva e volitiva,
admitirá também o conhecimento intuitivo. Deus chega ao homem pela experiência
religiosa e não por meio de uma atitude metafísica racional. A certeza sobre
deus é de índole distinta daquela que possa advir do raciocínio elaborado. A
religião é uma esfera de valor autônoma sustentada por seus próprios pilares, independente
de qualquer outra esfera de valor. O seu fundamento de validade repousa nela própria,
na certeza imediata peculiar ao conhecimento religioso.
Ante o exposto, tem lugar a
confissão de Sócrates: “tudo o que sei é que nada sei”. O modesto filósofo
grego referia-se aos limites da capacidade humana para conhecer o lado
metafísico da existência. Sabemos apenas que deus é, mas não sabemos o que deus é.