ROMA (700 a.C.
a 500 d.C.).
Nos seis séculos que antecederam
a era cristã havia na península italiana dezenas de cidades com habitantes de
diferentes etnias: latinos, etruscos, gregos, troianos, sabinos (quirites). Roma era uma dessas cidades.
Situava-se às margens do Rio Tibre, na região do Lácio. A matriz Alba Longa era
habitada por latinos e troianos {que se mesclaram}. De lá vieram os fundadores
de Roma (753 a.C.).
A guerra e a agricultura eram as ocupações principais do povo. A atividade
comercial era fraca e o padrão monetário tardou a ser adotado (270 a.C.). A moralidade não
decorria da religião e sim do civismo. Patriotismo, respeito pela autoridade e
pela tradição eram os vetores morais. As virtudes mais apreciadas eram:
bravura, honradez, autodisciplina, reverência pela divindade e pelo ancestral,
cumprimento do dever para com a cidade (estado) e a família. Tais valores não
impediram vícios, devassidão, parasitismo. Nas quedas, o populacho urbano
esperava que os políticos e aristocratas lhe oferecessem alimento e diversão
(pão e circo). Na tradição romana, tudo devia ser sacrificado à cidade: vida,
bens, amigos, parentes. A segurança da cidade (estado) a tudo se sobrepunha.
A organização social de Roma
compreendia: (1) os patrícios (pater = pai, patrono, patriarca) que
tinham direitos de cidadania e compunham as gentes
(famílias gentílicas, pluralidade de clãs ou gens); (2) os clientes,
grupo misto de prestadores de serviço que não descendiam de patrícios, sem
deus, sem religião, sem lares próprios, todos com seus familiares admitidos ao
culto da família patrícia e submetidos à autoridade do patriarca, sem direito à
propriedade, à sucessão e à palavra no tribunal (quem fala pelos clientes no
tribunal é o respectivo patrono); (3) os plebeus,
grupo sem lar e religião próprios, sem pater,
sem direito de participar das cerimônias religiosas e de residir na urbe (moravam na encosta do Monte
Capitolino), população mista de estrangeiros submissos, de pequenos
fazendeiros, de artesãos, de comerciantes, gente que não descendia dos
fundadores; havia plebeus ricos, remediados e pobres; (4) os escravos, grupo constituído de
prisioneiros de guerra ou de devedores inadimplentes vendidos pelos credores; sem
personalidade jurídica (persona) e sem
direito algum (jus), eles eram
equiparados às coisas. As famílias patrícias viviam em seus respectivos
domínios cercadas da clientela e vinham à urbe para as festividades ou para as
assembléias. Somente quem fosse patrício podia exercer a função sacerdotal, ser
cônsul, membro do senado e magistrado.
A pesada carga tributária, a
discriminação nos processos judiciais, a exclusão dos negócios de governo, o
serviço militar obrigatório em tempo de guerra {estado de beligerância quase
permanente} levam a plebe à rebeldia, a abandonar a cidade (urbe) e se instalar no Monte Aventino (secessio = secessão, 494 a.C.). Os provedores de
Roma pertenciam à plebe. Parte dos patrícios aplaudiu a separação, mesmo que
Roma ficasse reduzida na sua fortuna; mais importante era livrar-se da plebe.
Venceu a outra parte que temia pelo futuro de Roma ante o perigo de falência da
sociedade. Os patrícios celebraram acordo como a plebe e esta retornou à urbe.
O movimento rebelde rendeu o direito de eleger dois tribunos com o poder de vetar
atos ilegais dos magistrados e decisões do senado (470 a.C.). Esse poder incluía
a defesa ampla dos plebeus. Pela intervenção do tribuno, cujo número aumentou
para dez, o patrício era obrigado a cessar ato físico ou moral ofensivo ao
plebeu (intercessio). O tribuno da plebe foi considerado pessoa
sagrada, inviolável. Ninguém podia agredir ou matar o tribuno ou lhe cercear a
liberdade; quem violasse tal preceito teria os bens confiscados e qualquer
pessoa poderia impunemente matar o ofensor. “Nem magistrado, nem particular, tem
o direito de fazer qualquer coisa contra o tribuno”.
A seguir, a plebe reivindica –
com êxito – o direito de se reunir em assembléia para tratar dos seus
peculiares interesses e votar as leis respectivas. As resoluções tomadas no comício
(comitia tributa) receberam o nome de
plebiscito (plebis scita = ordem da plebe). Na seqüência, a plebe reivindica
leis escritas. Pretendia com isto: (1) o prévio conhecimento das leis sem ser
surpreendida nas questões cíveis e criminais {no que teve pleno êxito}; (2)
margem de liberdade e igualdade em face dos patrícios (no que teve êxito
parcial). Houve consenso: o governo seria entregue – como foi – a 10 senadores
(decemviros) eleitos pelos comícios
com a missão de elaborar o código pleiteado pelo povo e de governar enquanto
esse trabalho não fosse concluído. No prazo fixado (um ano) os decemviros apresentaram o código em 10
tábuas. O povo não se mostrou satisfeito com a obra. Foram eleitos novos decemviros, que gostaram do privilégio
de administrar Roma. Governaram despoticamente. Ultrapassaram o prazo para
elaborar o código. Finalmente, apresentaram o projeto em 12 tábuas que foi
aprovado e publicado. Este primeiro código jurídico escrito em Roma recebe o
nome de Lex Duodecim Tabularam (“Lei
das Doze Tábuas”, 445 a.C.)
e constitui o marco da autonomia do direito em relação à religião e à
filosofia, ainda que normas sejam inspiradas em valores religiosos e idéias
filosóficas. Essa autonomia se caracterizou pelo pragmatismo com que as regras
foram estabelecidas e positivadas, por sua fonte estatal, pela base social que
as exigiram e pelo poder civil que garantiu a sua vigência e eficácia.
As três primeiras tábuas
referiam-se ao processo judicial: (1) chamamento a juízo com a advertência de
que o procedimento deve começar antes do meio-dia (no comício ou no fórum) e
não ultrapassar o pôr-do-sol; (2) disposições sobre o depoimento das partes
(consignando-se o sacramentum) e a
intimação das testemunhas; (3) execução forçada (manus injectio): direito do credor de executar o devedor
inadimplente, prende-lo, escraviza-lo ou vende-lo como escravo; se houvesse
mais de um credor, o devedor inadimplente podia ser condenado à morte e seu
corpo partilhado entre os credores.
As quarta e quinta tábuas
referiam-se à família e à sucessão de bens: (1) estabelecia o pátrio poder: os
filhos podiam ser vendidos, presos, flagelados, postos em trabalhos rústicos e
mortos, ao talante do pai; após ser vendido por três vezes, o filho
livrar-se-ia do pátrio poder; se nascido disforme ou monstruoso, o filho devia
ser morto imediatamente; (2) tutela das mulheres, dos menores e dos alienados;
(3) direito dos filhos sobre a herança dos pais, respeitados os laços civis da
agnação (lado paterno) e não da cognação (lado materno); (4) regras sobre o
testamento e a petição de herança.
A sexta e sétima tábuas
referiam-se aos direitos reais: (1) domínio e posse dos bens móveis e imóveis;
(2) criação do nexum e do mancipium por meio de palavras
sacramentais a serem pronunciadas pelos contratantes; (3) aquisição do poder
marital sobre a mulher; (4) autorização à mulher para ausentar-se três noites
consecutivas do domicílio conjugal (trinoctium)
a fim de interromper a posse do marido sobre ela; (5) vedação aos estrangeiros
de adquirir bens pertencentes a cidadão romano; (6) regras sobre a propriedade
dos edifícios, sobre construções, campos, jardins, plantações e vizinhança; (7)
garantias para circulação da charrua (tipo de arado) e para defesa contra danos
provenientes das chuvas.
A oitava tábua cuidava dos
delitos e das penas: (1) cominava pena de morte aos ultrajes públicos
difamatórios; (2) mantinha a pena de talião: olho por olho, dente por dente,
braço por braço; (3) punia o dano e o roubo; (4) quem prestasse falso testemunho
era lançado do alto de uma rocha denominada tarpeia;
(5) o dano causado por um animal devia ser indenizado pelo respectivo dono.
A nona tábua cuidava do direito
público (de jure publico): (1)
proibia propor lei de caráter pessoal; (2) estabelecia a pena de morte ao juiz
ou árbitro que recebesse propina para sentenciar; (3) permitia ao condenado
apelar ao povo.
A décima tábua versava sobre o
direito sagrado (de jure sacro): (1)
inumação dos mortos e cerimônias fúnebres; (2) proibição às mulheres de gritar
imoderadamente e maltratar as próprias faces nas suas lamentações; (3) ouro
algum podia ser enterrado com os mortos, salvo os contidos nos dentes; (4)
nenhum sepulcro podia ser adquirido por usucapião.
A décima primeira tábua proibia o casamento entre patrícios
e plebeus. A décima segunda tábua regulava: (1) a cobrança de certas dívidas;
(2) a ação judicial contra o senhor do escravo que praticasse furto.