sábado, 31 de agosto de 2019

ONDE FICOU?

Que olhos tristonhos. Onde ficou o brilho jovial? Quando as brumas da angústia te envolveram?

Que olhos profundos. Onde ficou a ingenuidade do olhar? Quando a serpente se moveu na tua espinha?

Que rosto marcado. Onde ficou a lisa pele morena? Quando as linhas começaram a ser traçadas?

Que feição humilde. Onde ficou o semblante altaneiro? Quando abandonaste o orgulho?

Que porte encurvado. Onde ficou a ereta postura? Quando iniciaste o novo ciclo da espiral do tempo? 

Que passos vagarosos. Onde ficou o ágil caminhar? Quando cessou a pressa de chegar? 

Que dias conturbados. Onde ficou o lar da infância? Quando mudaste o abrigo da tua inocência?

Que ausência sentida. Onde ficou a menina dos devaneios do menino? Onde ficou a musa do moço poeta? Quando a tristeza na alma se aninhou?

Que lugar sombrio. Onde ficou o espaço luminoso? Quando a música romântica se interrompeu?

Que lugar diferente. Onde ficou a paisagem que tu pintaste? Quando o desencanto zombou do colorido pincel?

Que sibilina relação. Onde ficou o amor que tu escondias? Em que espelho tu o contemplavas?

Que insípida existência. Onde ficou a essência do teu perfume? Em que inodora câmara tu a prendeste?

Que distante amizade. Onde ficou o grande amigo? Em que trecho do caminho tu o perdeste?

Que lento pensar. Onde ficou o lépido raciocínio? Em que oceano de ilusões tu o mergulhaste?

Que lição esquecida. Onde ficou a professora do garoto sonhador?

Que fria realidade. Onde ficou o sonho?

Que gelado coração. Onde ficou a ternura? 

Que noite escura. Onde ficou o luar que iluminava a serenata?

Que silêncio sem poesia. Onde ficou o som do violão? Onde ficou a voz do seresteiro?

sábado, 24 de agosto de 2019

TROVAS


Amanheceu o bougainville florido
Pétalas vermelhas forram a grama
Rubro tapete por deusa tecido
Divina graça no solo derrama.

Na estrada sinuosa desta vida
Pedra pó vento nós e desates
Abraços de ternura e guarida
Suave força na lição de Pilates

Querem-me agricultor
Mas eu quero ser poeta
Da minha vida o escultor
Da minha trilha o atleta

A musa faz o poeta
A beleza faz o esteta
A nuvem faz chover
A saudade faz sofrer

sábado, 17 de agosto de 2019

CARTAS DE CRISTO


Visando a posterior troca de opiniões, amigo emprestou-me o livro “Cartas de Cristo” (Curitiba. Almenara Editorial. 2015). Originalmente, o livro foi editado com o título Christ Returns – Speaks his Truth, nos EUA (Indiana, 2007). A mulher que se diz autora do livro não revela a sua identidade, o que torna a obra suspeita. A ética e o direito recusam guarida à irresponsabilidade inerente ao anonimato. Por consideração ao amigo, dediquei parte do meu tempo à leitura desse livro.
No prefácio, a autora se declara inglesa que, aos 80 anos de idade e a partir do ano 2000, começou a escrever essas cartas. Ela afirma que psicografava mensagens ditadas por Cristo. Isto lembra o médium brasileiro Chico Xavier, que psicografava mensagens ditadas por espíritos. Instruída para ficar anônima a fim de evitar a mácula do toque humano na obra divina, ela diz estar em conexão com Cristo desde 1966 e que ele não mais reencarnará e se veio agora em espírito, foi só para retificar erradas interpretações dadas aos seus ensinamentos. 
As cartas parecem arremedo das epístolas dos apóstolos. Declaram o propósito de ajudar a humanidade a evoluir espiritualmente e a viver melhor na Terra. Defendem a união de pensamento, crença e ação tendo como laço o culto à divindade, ponto comum a todas as religiões.
No campo religioso, a razão não medra. Terreno fértil para os lances dos estelionatários da fé. Seara propícia à exploração da ignorância e credulidade do povo. A história registra falsidades materiais e ideológicas em documentos (manuscritos, textos impressos). Disto, as escrituras “sagradas” são exemplos notórios. Na Europa, século XVII (1601-1700), panfletos anunciavam o renascimento das antigas escolas de mistérios. Tratava-se de pura invenção. A brincadeira foi levada a sério e deu origem a organizações secretas. No século XX (1901-2000) circularam livros sobre ocultismo de autoria de um escritor chamado Lobsang Rampa. Apesar de escrever em inglês, ele se apresentava como tibetano portador de raros conhecimentos adquiridos em mosteiro do Tibete. Ganhou muito dinheiro. No final do século, salvo engano, noticiou-se que o escritor era britânico e nunca estivera no Tibete. O escritor usou pseudônimo. Afirmava que furou a testa com o objetivo de expandir a visão do “terceiro olho”, o que possibilitou a imersão da sua consciência no mundo espiritual trazendo-lhe extraordinário conhecimento. Certamente, leitor crédulo que tentasse imitar tal experiência poderia sofrer grave dano.
As cartas separam o Cristo (alma) do Jesus (corpo). Quem fala com a desconhecida autora inglesa (que se intitula “canal”) é o Cristo e não o Jesus. Nesse tipo de literatura é comum impregnar as palavras de esoterismo e mistério, usar moldura punitiva e empregar tom ameaçador a quem não segue os mandamentos. Aposta-se no medo e na ignorância das pessoas. Tenta-se impressionar e convencer. As cartas estabelecem código de conduta que entendem necessário às boas relações e à purificação das pessoas. Os princípios que o código menciona, sem originalidade alguma, podem ser encontrados nas doutrinas de Aquenaton, Krishna, Zaratustra, Lao-Tse, Confúcio, Buda, Kut-Hu-Mi e outros grandes mestres e filósofos antigos e modernos, conhecimento que integra o acervo cultural de respeitáveis instituições como, por exemplo, a Ordem Rosacruz (AMORC).
As cartas partem dos seguintes pressupostos: 1. Existiu real e historicamente – não apenas simbolicamente – há dois mil anos, na Palestina, o profeta de nome Jesus, apelidado Cristo; 2. Existe um mundo espiritual de alta frequência vibratória onde vivem espíritos de luz – entre eles, o Cristo – que se comunicam com as pessoas da Terra; 3. Os espíritos de baixa frequência encarnam e reencarnam para atingir níveis superiores, num processo evolutivo (Lamarck + Darwin = ciência; Hinduísmo + Kardec = religião); 4. A humanidade vive em estado de impureza, conflito e sofrimento, consequência das suas crenças, ideias e ações errôneas; 5. Os humanos ignoram a verdade transcendental da existência; 6. Os ensinamentos das religiões estão equivocados; 7. A ciência não alcança a verdade do ser; 8. A fé supera a razão.  
As cartas versam a história de Jesus na Palestina, os dias no deserto, a última ceia, crucifixão, ressurreição, ascensão, diferentes níveis de consciência, o reino dos céus, a verdade do ser e da existência. Abordam questões individuais e sociais, tais como: leis da existência, bem-aventurança, conhecimento de si mesmo, ego (considerado a fonte de toda atividade cruel, mentirosa e pervertida), sexualidade, racismo, autoestima, coragem, alegria, paz interior, amor incondicional. 
O autor espiritual das cartas chama a si próprio de Cristo. Admitindo-se, ad argumentandum, a real e histórica existência de Jesus e alguma verdade nos evangelhos, verifica-se que ele nunca chamou a si mesmo de “cristo”. Trata-se de alcunha dada por terceiros. Enquanto vivo, segundo os evangelhos, ele era tratado de rabi (mestre). Quando se referia a si próprio, ele dizia ser filho do homem e também citava o pai celestial. 
Cristo significa “ungido”. Embora adjetivo, esse vocábulo aplica-se como substantivo a quem é consagrado rei, profeta, grande mestre e também a todo aquele que se ungiu com óleos em cerimônia sagrada, o que lembra o simbólico episódio em Betânia, na casa de Simão, quando mulher derrama bálsamo sobre Jesus, narrado nos evangelhos de Marcos (14: 3-9), Mateus (26: 6-13) e João (12: 1-8).
Ninguém trata a si mesmo de cristo, ungido, iluminado, salvo o mistificador. Para revestir de autoridade e veracidade as suas ideias e opiniões, a inominada autora inglesa usou Cristo nas cartas. Apoiada nesse artificio, ela critica as religiões institucionalizadas, o materialismo da ciência, a ignorância dos cientistas sobre a fonte das energias fundamentais (eletricidade e magnetismo), as trevas em que vive a humanidade. 
Melhor exposição da doutrina e da moral cristãs encontra-se na “Imitação de Cristo”, de Tomás de Kempis, cônego holandês da Ordem de Santo Agostinho, obra com tintas eclesiásticas composta de manuscritos do século XV (1401-1500) organizados em quatro livros reunidos num só volume: 1. Avisos Úteis para a Vida Espiritual; 2. Exortações à Vida Interior 3. Da Consolação Interior; 4. Do Sacramento do Altar.  
A interpretação dos ensinamentos de Jesus contida nas cartas discrepa das mensagens do Novo Testamento (parte cristã da Bíblia). Nesse mister, a desconhecida autora inglesa valeu-se, provavelmente, da filosofia perene do escritor inglês Aldous Huxley (1894-1963), do conhecimento esotérico oriental e do conhecimento científico ocidental. Trechos das aludidas cartas também coincidem com a versão inglesa do livro “O Evangelho da Irmandade” publicado com o título The Fraternity´s Gospel [Antonio S Lima, Canadá, copyright 1042693, novembro, 2006; EUA, iUniverse-Indigo, ISBN 978-0595-42288-3 (em papel) e 978-0595-86625-0 (eletrônico), agosto, 2007].  
As cartas dizem que: [i] chega-se à fonte do ser (deus) através dos ensinamentos nelas expostos [2] o domínio e a prática deste saber conduzem à consciência crística [3] a humanidade alcançará felicidade e paz quando estiver harmonizada com o amor divino. A consciência é tratada como se fosse substância. Convém advertir, entretanto, que consciência é função dos seres vivos relativa à percepção e à cognição. Acredita-se que, nos humanos, essa função não se limita à dimensão material e se estende à dimensão espiritual do universo. Inclui qualidade moral do sujeito, noção do bem e do mal, do certo e do errado, do lícito e do ilícito; senso do dever e da virtude (honestidade, veracidade, justiça, escrúpulo, compaixão, piedade).
Inobstante a sua duvidosa origem, as cartas indicam, mais uma vez, entre tantas evidências do passado e do presente, que os humanos, em matéria de espiritualidade, ainda estão na Idade da Pedra, apesar do prodigioso avanço científico e tecnológico na Idade Contemporânea.

domingo, 11 de agosto de 2019

POLÍTICA E FEMINISMO


O Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres, sob os auspícios da Prefeitura Municipal de Resende/RJ, organizou o Seminário Dossiê Mulher 2019, realizado no dia 9 de agosto de 2019, no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Resende. Tema do seminário: “Violência de Gênero: Desafio e Avanços”. Mesa dos trabalhos composta de mulheres, entre elas, duas deputadas fluminenses. No auditório, maioria absoluta de mulheres. Da lista de frequência constavam 85 assinaturas. A exposição do tema, com recursos audiovisuais, coube às representantes do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres e da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos. Tarefas e tempo bem distribuídos entre as palestrantes.
Foram apresentados dados oficiais sobre a violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial contra a mulher no Estado do Rio de Janeiro e no Município de Resende (homicídio, lesão corporal, estupro, assédio sexual, ameaça, injúria, difamação, calúnia). Confirmaram o que também ocorre nas demais regiões do país: maior frequência dos casos de violência contra a mulher acontece no seio da família, no ambiente do trabalho e no círculo de amizades. O abuso acontece também nos meios de transporte de massa (especialmente quando lotados de passageiros). Recomendaram às mulheres reação ativa, mais que resistência passiva, quando vítimas de violência. Denunciar os fatos às autoridades sem receio de represália. Campanha de auxílio às mulheres em situação de risco nos bares, restaurantes e casas noturnas, tipo de resistência disciplinado em recente lei estadual (abril/2019). 
Do século XIX (1801-1900) até o século XXI (2001-2100), no Ocidente, as mulheres, na busca por igualdade, paulatinamente foram conquistando direitos. Constituições e leis passaram a reconhecer direitos à mulher no âmbito da família, nos setores da indústria, do comércio e de serviços, na administração pública e na atividade política. No curso do século XX (1901-2000), na América e na Europa, após muita luta e reivindicação por dezenas de anos, a mulher conquistou o direito de votar e de ser votada. Forçou e abriu as portas do mundo político para ela. No Brasil, esse direito foi reconhecido à mulher na década de 1930. A Constituição de 1988 declara a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações. Todos gozam dos mesmos direitos e garantias fundamentais. A mulher presidiária tem direito a estabelecimento penal adequado e a ter os filhos em sua companhia durante o período de amamentação. A trabalhadora gestante tem direito a licença por 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário. O mercado de trabalho da mulher goza de proteção constitucional. Na sociedade conjugal, a mulher tem os mesmos direitos e deveres do homem. Na esfera do direito civil, ao completar 18 anos de idade, a mulher adquire plena capacidade para todos os atos da vida civil. À mulher cabe o poder familiar tanto quanto ao homem. Ambos têm o direito de exercê-lo. Ela pode conservar o seu nome de solteira após o casamento e manter em seu nome os bens que lhe pertenciam antes de casar. Ela pode ser herdeira e meeira. Na esfera do direito penal, a Lei Maria da Penha (07/08/2006) foi um avanço notável na defesa da mulher contra a violência doméstica e familiar. Essa lei assegura à mulher (independentemente da idade, origem, etnia, posição social, estado civil, profissão, escolaridade, religião, orientação sexual, nível econômico e cultural) as condições para o efetivo exercício dos seus direitos individuais e sociais. Nos termos dessa lei, a mulher deve ser resguardada de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.      
A situação da mulher no mundo ocidental mudou para melhor desde a percuciente análise científica, sociológica e filosófica, baseada no panorama mundial de 1948, feita por Simone de Beauvoir (“Le Deuxième Sexe”, Paris, Gallimard, 1949). Todavia, no plano concreto da realidade social, o grande óbice à efetivação dos direitos conquistados permanece o mesmo: a histórica e permanente posição dominadora masculina enraizada na civilização (oriental e ocidental). Este é o grande desafio das feministas: mudar essa forte tradição. A mudança formal (mediante normas jurídicas) foi importante, porém, insuficiente. Falta aliar discurso e ação no plano dos fatos, o que implica: [1] neutralizar os efeitos subordinantes da mulher ao homem produzidos pela estrutura e doutrina das religiões cristã, muçulmana e judia [2] substituir a mentalidade belicista dos homens por mentalidade pacifista e fraterna [3] aumentar a presença da mulher (i) nas funções executivas do estado, inclusive como chefe de estado e de governo (ii) nos parlamentos, como senadora, deputada, vereadora (iii) nos tribunais, como juíza (iv) no culto à divindade, como sacerdotisa e mestre.
No Rio de Janeiro, ao longo de 50 anos, o número de juízas superou o de juízes. Cresceu o número de desembargadoras no tribunal de justiça estadual. O tribunal fluminense já foi presidido por mulher. Em Brasília, duas mulheres, em períodos distintos, ocuparam a presidência do Supremo Tribunal Federal. Nos concursos públicos, as mulheres tendem a superar os homens em aprovação. Grande é o número de mulheres na administração pública municipal, estadual e federal. As chefias de governo continuam território masculino. Na presidência da república: uma só mulher. Nos governos estaduais: poucas (RJ: duas; RS, RN, MA: uma). Nos governos municipais: poucas (nas prefeituras do Rio e de Curitiba: nenhuma). Na função legislativa, os homens compõem o maior número. Senadoras, deputadas e vereadoras estão em menor número, porém, via de regra, são muito atuantes, honestas, vigorosas e destemidas. 
O início do seminário previsto para as 13,00 horas, ocorreu às 14,15 horas. A justificativa pelo atraso foi a intensidade do trânsito entre o Rio e Resende (180 km) enfrentada pelas palestrantes cariocas. Essa falta de pontualidade é constante em nosso país. Da parte dos palestrantes e conferencistas há um soberbo desprezo pelo horário. Isto contribui para o conceito depreciativo: “O Brasil não é um país sério”. A falta de consideração para com o público é vista como normal, como se fosse um direito imperial brotado da superior posição do palestrante/conferencista aliada ao sentimento de reverência à autoridade. Os protagonistas demoram-se em conversas, bebericam, consultam o telefone celular e assim por diante, antes de se disporem a fazer o seu trabalho. Sabendo disto, parte do público também chega depois da hora marcada para o início da reunião pretendendo, desse modo, reduzir o tempo de espera.
A pontualidade é levada a sério mais na área militar do que na área civil. Se o compromisso é para as 13,00 horas, chega-se 15 minutos antes. Se há necessidade do deslocamento de uma cidade a outra para chegar ao local do evento no horário marcado, calcula-se o tempo de viagem acrescido de 30 a 60 minutos, conforme exigir a situação concreta, para a eventualidade de alguma demora no trânsito. Assim procedem as pessoas bem educadas, disciplinadas, civilizadas, que respeitam o tempo, os compromissos e a paciência das outras pessoas. Se queremos mudar para melhor a nossa sociedade, devemos, antes, reformar os nossos costumes e começar a mudança por nós mesmos, em nível individual. Isto imprimirá maior autenticidade e valor moral ao esforço de mudança em nível coletivo.