segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

NATAL

O vocábulo natal é empregado para indicar o dia do nascimento de alguém ou alguma coisa relacionada ao nascimento: país natal, torrão natal, missa de natal. Comemora-se, no dia 25 de dezembro, o nascimento de Jesus, o Cristo, data importante para católicos e protestantes. Nessa data havia festividades pagãs derivadas do culto ao Sol Invictus. A fim de não contrariar o festivo e popular costume, a Igreja Católica, no século IV (301 - 400), adotou e cristianizou aquela data como tática para facilitar a conversão dos pagãos ao cristianismo. A Igreja lutou muito para superar o paganismo. A vitória se consolidou ainda na Idade Média: o papa se tornou o soberano espiritual e secular da Europa e fez da Bíblia o livro religioso básico da civilização ocidental.  
O relato do nascimento de Jesus nos evangelhos de Mateus e Lucas provém de um mito pagão que precedeu ao primeiro século da era cristã: mulher que engravida sem transar com homem e traz ao mundo um ser espiritualmente iluminado. Zaratustra, Sansão, Pitágoras, Krishna, Buda, João Batista e outros, tiveram seus nascimentos relatados como milagrosos. Os relatos incluem estrelas, conjunções astrais, predições, magos, mansidão de animais.
Em termos reais e naturais, Maria perdeu a virgindade ao transar com o pai biológico de Jesus. Depois, pariu mais seis filhos. Ao criar o dogma da virgindade, a Igreja afirma que os filhos de Maria não eram irmãos e sim primos de Jesus.
A data do nascimento de Jesus é desconhecida. O evangelho de Mateus refere-se ao tempo do rei Herodes Magno. Esse rei morreu no quarto ano antes da era cristã. Logo, Jesus nasceu no último decênio do século I a.C. O evangelho de Lucas refere-se ao tempo anterior ao governo de Quirino, na Síria. Esse governo situa-se no sexto ano da era cristã. Segundo a profecia mencionada por Mateus, o filho primogênito de Maria chamar-se-ia Emanuel, enquanto Lucas diz que o nome do menino seria Jesus, como anunciado pelo anjo Gabriel. Os evangelhos de Marcos e João silenciam sobre o nascimento de Jesus.
Sobre o local e as circunstâncias do nascimento não há certeza alguma. Mateus e Lucas citaram Belém, torrão natal de Davi, a fim de atrelar Jesus à descendência desse rei e mediante este artifício convencer o público de que Jesus era o messias. O povo da Judeia, na época de Jesus, jamais o reconheceu como judeu e descendente de Davi. Na Judeia, Jesus era tratado como gentio (estrangeiro). Ao verificar que Jesus era galileu e não judeu, Pôncio Pilatos o enviou ao juiz natural: o tetrarca da Galileia, Herodes Antipas. Sobre a existência da aldeia Nazaré ao tempo de Jesus, alguns arqueólogos, no esforço de dar credibilidade ao evangelho, encontraram sinais de uma necrópole (cemitério) naquela região, mas não os de uma aldeia habitada. Outros mais tendenciosos, embalados pela fé, admitem vestígios de uma pequena aldeia a que atribuíram pouca significância. Ainda que a aldeia existisse naquele tempo, tal insignificância não condiz com as cenas descritas nos evangelhos e nem com a profissão do pai de Jesus. Tais cenas e profissão combinam mais com a cidade próxima desse local: Séforis, capital da tetrarquia de Herodes e terra  natal dos avós e da mãe de Jesus. A referida necrópole destinava-se ao sepultamento dos mortos de Séforis. 
Há duas fortes razões para o apelido nazareno dado a Jesus, nenhuma delas por ter nascido em aldeia chamada Nazaré: (i) o costume de destinar o filho primogênito ao serviço de deus; (2) a efetiva filiação de Jesus à seita nazarita, sob a qual passou a adolescência e a mocidade.           
Para crer nas escrituras “sagradas” dos judeus (Antigo Testamento) e dos cristãos (Novo Testamento) que compõem a Bíblia, você deve manter os olhos fechados, porque se abri-los, deixará de crer. Descortinar-se-á diante dos teus olhos um mundo de fantasia, uma obra literária apologética, teológica e doutrinária de muitos autores e diferentes épocas, desprovida de valor histórico, científico e filosófico, iniciada no século IV a.C. ao tempo do exílio dos judeus na Babilônia e que prosseguiu depois com os apóstolos de Jesus e com os padres da Igreja até o século IV d.C. Na Bíblia, você perceberá inúmeras contradições, interpolações e disparidades; encontrará textos legislativos e doutrinários, epopeia, poemas, orações, genealogias, narrativas romanceadas e pretensamente históricas, profecias, sermões, cartas e milagres que desafiam a razão humana e agridem as leis da natureza.
Se você, embora dotado de inteligência lúcida, ainda assim quiser crer, não leia tais escrituras; limite-se a ouvir os sacerdotes, pastores, missionários, rabinos, e a ler o que eles escrevem. Caso você decida ler as escrituras, siga a orientação desses "vigários de deus" que lhe ensinam o caminho das pedras: (1) leitura sem pressa, atenta, com pausas para reflexão, em dias certos e na mesma hora, precedida de súplica a deus por luz e entendimento; (2) ao encerrá-la, agradecer a deus; (3) não ler a Bíblia página por pagina, da primeira à última, porque são 73 livros de conteúdos distintos; (4) examinar o estilo literário de cada um e o contexto histórico em que foi escrito; (5) ao ler os livros do Antigo Testamento, tomar como referência o período de exílio dos judeus na Babilônia: ler primeiro os livros anteriores, depois os contemporâneos e por último os posteriores; (6) os Salmos podem ser lidos fora dessa sequência; (7) ao ler os livros do Novo Testamento, deixar por último o evangelho de João e o Apocalipse; (8) ler primeiro as cartas do apóstolo Paulo; (9) ler depois os três evangelhos sinóticos [Mateus, Marcos e Lucas]; (10) a seguir, ler os Atos dos Apóstolos e as cartas de Tiago, Pedro, Judas e João. Além desse mosaico livresco, os professores aconselham o leitor a desenvolver os sentidos da fé, da história, da senda progressiva da revelação, da relatividade das palavras, tudo acoplado ao bom senso.       
A orientação dos professores e dos doutrinadores religiosos castra a liberdade do leitor. Parte do pressuposto de que o leitor é imbecil e por isso deverá vestir a armadura da fé antes de ler a escritura, como se esta fosse produção divina quando, na verdade, é produção humana e enganosa. Esses livros resultam de interesses e objetivos humanos. À classe religiosa interessa suprimir o pensamento critico e manter a comunidade submissa aos líderes religiosos. Esta submissão permite aos líderes enriquecer mediante a exploração econômica dos liderados.
Ao exercer liberdade de pensamento e de pesquisa o leitor poderá ler nas entrelinhas e isto assusta os estelionatários da fé. Nas entrelinhas é que o leitor perceberá a malandragem, o real e escuso propósito do escritor bíblico. Tome-se como exemplo o Gênesis, primeiro livro da Bíblia: pura fantasia que não se sustenta diante do moderno conhecimento do mundo. Nas linhas dos textos bíblicos podem ser constatadas falsidades e contradições; nas entrelinhas, as manipulações e o propósito enganoso. Essa é a tônica dos livros do antigo e do novo testamento. 
As novas organizações evangélicas na América evidenciam o estelionato. Graças às contribuições dos crentes, os pastores e missionários ficam ricos, donos de bens móveis, imóveis, semoventes, emissoras de rádio e televisão. Usam o espetáculo televisivo para enganar os crentes, ludibria-los com milagres forjados e discursos fundados em trechos pinçados da Bíblia. Repetem incansavelmente que a Bíblia é a “palavra de deus” quando, na verdade, foi escrita por um grupo de espertalhões judeus e cristãos. O objetivo dessas organizações é o de ganhar dinheiro, aumentar o patrimônio dos seus diretores e adquirir poder político.
O sucesso desses estelionatários da fé tem dois alicerces: (1) a esperta separação entre fé e razão; (2) o medo e a ignorância dos crentes. A razão é considerada “coisa do diabo”. O crente deve abdicar da sua faculdade racional para se entregar inteiramente à fé religiosa. Segundo os vigários, a razão é inútil para as coisas espirituais; estas são superiores às materiais. Em síntese: a fé religiosa sobrepõe-se ao conhecimento racional.
Na política brasileira, os pastores e missionários evangélicos compõem o clube dos corruptos. Como deputados e senadores buscam vantagens de maneira capciosa e desonesta para si próprios e para seus sequazes. O interesse público e a soberania nacional a eles nada importam como, de resto, acontece com a maioria dos parlamentares. Todos eles festejam o natal com mesa farta e muitos presentes. A maioria do povo brasileiro desconhece fartura e riqueza. O materialismo, o objetivo mercantil e o erotismo ofuscaram o sentido místico do natal. A família reúne-se para festejar. O excesso de bebida alcoólica e as drogas às vezes abrem a jaula dos recalques e o que era alegria vira tragédia.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

SOBERANIA

A soberania popular é uma das colunas da democracia ao lado da liberdade, da igualdade e da fraternidade. A expressão reveste-se de forte componente emocional.
Soberania significa: (1) qualidade do que é ou de quem é soberano; (2) superioridade moral ou intelectual: virtude soberana, razão soberana; (3) poder supremo sobre o universo: soberania divina; (4) poder superior sobre a extensão de um país: soberania territorial; (5) poder superior de um povo ou de uma nação: soberania popular, soberania nacional; (6) supremacia do poder político organizado na sociedade: soberania estatal; (7) independência de um estado em relação aos demais estados da sociedade das nações. 
O vocábulo soberano vem do latim: super anus que significa: (1) o que esta acima do ânus ou superior ao ânus; (2) o que não se mistura com o que sai do ânus. Designa: (i) o mais alto grau (ii) o poder superior máximo em determinado domínio (iii) o órgão supremo no comando de uma instituição. Soberano também é o título de quem exerce o poder em grau máximo no seio de uma comunidade (imperador, rei, ditador, papa, dalai-lama, ayatolá, legislador, presidente, juiz).
Na esfera social, soberania liga-se emocionalmente: (1) ao sentimento patriótico; (2) ao zelo da nação por sua independência e por seu patrimônio; (3) à capacidade da nação de: (i) traçar o seu destino e fixar objetivos sem interferência alheia (ii) se fazer respeitar no cenário internacional. Diante da interdependência dos estados no mundo contemporâneo, a soberania política tornou-se flexível. A Carta das Nações Unidas estabelece restrições à soberania dos estados membros no propósito de: (1) preservar a paz e a segurança; (2) assegurar a solução pacífica das controvérsias e a eficácia dos acordos; (3) submeter todos: (i) ao principio da igualdade e do respeito mútuo (ii) ao direito internacional (iii) às decisões da Corte Internacional de Justiça.
Os povos vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU) firmaram sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos do homem e da mulher (1945). No espírito da Carta, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem a ser respeitada pelos estados membros (1948). A redução consensual da soberania decorre também das obrigações derivadas dos tratados internacionais. Segundo o princípio de direito internacional pacta sunt servanda os tratados devem ser cumpridos por seus signatários. O estado que assinou o tratado de não proliferação de armas atômicas está proibido de fabricá-las. EUA, Rússia, China, França, Índia, Paquistão, possuem armas atômicas. Brasil, Argentina e outros países se comprometeram a não fabricá-las.
A soberania do Vietnã, do Afeganistão, do Iraque, foi violada pela força militar dos EUA. A soberania do Brasil e de outros países latino-americanos sofre restrições pela astúcia dos EUA, país orientador e patrocinador de golpes de estado nas chamadas “repúblicas de bananas”. Grupos nacionais dessas repúblicas fazem o serviço sujo para a Casa Grande. O petróleo brasileiro e venezuelano está na mira das companhias estrangeiras. Depois do golpe de estado, o petróleo brasileiro foi entregue a essas companhias (2016). A Venezuela resiste heroicamente.        
De acordo com a real e histórica situação de uma sociedade política, o titular da soberania pode ser o chefe de estado (autocracia), a elite (aristocracia) ou o povo (democracia). Soberano era o faraó no antigo Egito, o rei na Babilônia, o imperador na Macedônia. Na clássica Atenas, soberano era o povo. Na clássica Roma, soberano era o senado. Na Europa medieval e moderna, soberano era o papa, o monarca da Inglaterra, o da França, o imperador da Áustria/Hungria, o czar da Rússia, o kaiser da Alemanha. Geralmente, os soberanos procuravam obter a aprovação e a simpatia dos súditos, porém refugavam a participação do povo nos negócios de estado. Essa rejeição persistente aliada ao sofrimento dos súditos gerou revolta e revoluções.
O toque inicial do declínio do poder absoluto dos reis europeus foi dado pela Inglaterra com a revolta dos barões da qual resultou a Carta Magna de 1215. A esta, seguiram-se: a petição de direito de 1628, a lei de habeas corpus de 1679, a declaração de direitos de 1689, o ato de estabelecimento de 1701, documentos que exibiram a marcha em direção: (1º) da supremacia do poder do parlamento em face do poder do monarca e (2º) da prevalência do poder da Câmara dos Comuns em face da Câmara dos Lordes, configurando soberania popular no estado monárquico.
Na França, a soberania do monarca sofre o duro golpe da revolução de 1789. O Comitê de Salvação Pública encarna a soberania e inaugura o período de atrocidades conhecido como “Terror”. A teoria do poder constituinte exposta pelo abade Sieyes, que advogava a soberania para o povo, integrou o suporte intelectual da revolução francesa. Segundo essa teoria, os privilégios dos dois primeiros estados (clero e nobreza) era uma iniquidade, posto ser o terceiro estado (povo) o verdadeiro construtor e mantenedor da sociedade. A soberania (poder de fato e de direito) pertence ao povo, dizia convicto o abade. Cabe à nação organizar o estado mediante leis fundamentais. Os governantes ficam a elas submetidos. As leis devem emanar da vontade nacional, emitida pelos mais ilustres cidadãos representantes do povo.
Os limites ao poder do governante foram anunciados no preâmbulo da declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789: “Os representantes do povo francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos, resolveram expor em declaração solene os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem, a fim de que esta declaração, constantemente presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre, sem cessar, os seus direitos e os seus deveres, a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser, em cada momento, comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso, mais respeitados, a fim de que as reclamações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral”.    
Após tais conquistas inglesa e francesa, a monarquia europeia se torna constitucional, ou seja, os reis ficaram submetidos às leis fundamentais ditadas pelos representantes do povo. A soberania popular erigiu-se dogma da política e pilar da democracia. Tanto no estado liberal como no estado socialista, vige o dogma da soberania popular: todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido. A soberania é exercida pelos representantes do povo (parlamentares, chefes de governo, magistrados) e diretamente pelo povo (plebiscito, referendo, iniciativa de leis).
Os sinuosos movimentos da história moderna e contemporânea mostram que, em países de todos os continentes, a sede da soberania ora é o povo, ora um grupo (civil, militar, religioso, misto), ora uma dinastia, ora um ditador. Cada nação tem o governo que merece e o natural direito de determinar a si própria. Na Rússia, a soberania da dinastia reinante sucumbiu diante da revolução socialista (1917). O mesmo aconteceu na China (1949). Em ambos os casos, a soberania foi empolgada pelo partido comunista. Na Alemanha, pelos republicanos (1919). No Oriente Médio, dinastias árabes dispõem do poder soberano. Na Síria e na Coreia do Norte, o poder soberano está nas mãos de ditadores hereditários. No Brasil, a soberania, como poder de fato, está nas mãos do grupo de gatunos que golpeou a democracia em 2016.
Sob o ângulo econômico e social, a nação brasileira regrediu: o estado caminha para a bancarrota; os programas sociais sofrem cortes. Sob o ângulo político, o estado brasileiro virou baderna. “Crise” é eufemismo. Legislativo e Executivo? Repletos de bandidos do colarinho branco, alguns chefiando o Senado Federal e a Câmara dos Deputados e outros na presidência da república e nos ministérios. Presidente do Senado? Réu em processo criminal; indefere pedidos de impeachment formulados contra indecoroso e faccioso ministro do Supremo Tribunal Federal que, por sua vez, orienta o Presidente do Senado a permanecer no cargo e a resistir à ordem judicial em contrário. Juízes e procuradores? Ultrapassam o teto do subsídio mensal; colocam-se a serviço de um partido político; engajam-se no movimento contra a democracia e a favor do golpe de estado; rejeitam medida que vise a apurar responsabilidade pelos abusos que cometem. Organismos brasileiros e estrangeiros? Apoiam: (1) o golpe de estado e a súcia que assumiu o governo; (2) a impunidade de juízes e procuradores que se excedem ilegalmente no exercício da função. A Constituição da República? Vilipendiada. O Guardião da Constituição? Aviltado. [Saulo Ramos estava certo]. O guardião abandonou o posto e as armas; ajoelhou-se aos pés dos delinquentes que integram o grupo subversivo. Vade retro.                

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

FRATERNIDADE

A fraternidade é uma das colunas da democracia ao lado da liberdade, da igualdade e da soberania popular. Pode ser vista como preceito da ética cristã e também como retórica dos revolucionários franceses. Trata-se de relação afetiva entre irmãos ou entre indivíduos que se comportam como irmãos; união amorosa entre aqueles que comungam ideais, crenças, visão de mundo e atuam associados e harmônicos. Neste passo, oportuna a lição de Augusto Comte, positivista francês, para quem os parâmetros da sociedade civilizada são: amor por princípio, ordem por base e progresso por fim. Amor, aí, significa o elo afetivo que agrega pessoas e possibilita o convívio social. Na política e no direito há lugar para o amor, embora estas ciências estudem os fenômenos do poder e da organização jurídica da sociedade e do estado.
Os seres da natureza comungam origem (energia fundamental que os cria e anima) e estrutura (atômica, molecular, celular). Ao tratar o Sol, a Lua, os pássaros, como seus “irmãos”, Francisco de Assis, no século XIII, antecipava-se à Física moderna ao intuir essa igualdade genética e estrutural. O santo percebeu-a como fraternidade universal. Os arranjos dos átomos, moléculas e células são diferentes; em consequência, os seres naturais variam do mais simples ao mais complexo e se classificam em minerais, vegetais e animais. Original e estruturalmente, pois, todos os seres da natureza são “irmãos”, porém são desiguais nas suas respectivas existências. A desigualdade e a mudança são inerentes ao mundo natural. Sob este ângulo, fraternidade é laço afetivo entre pessoas naturalmente desiguais que se tratam como irmãos.
Jesus, o Cristo, ícone das igrejas católica e protestante, pregava o amor entre os humanos, todos tratados como irmãos, filhos de deus. Insistiu que os apóstolos se tratassem como tal, sem precedência de um sobre o outro, amparando-se mutuamente, dividindo as tarefas, as receitas, os alimentos, usufruindo os bens em comum, unidos pelos laços do amor incondicional. Enquanto Jesus viveu, o colégio de apóstolos era autêntica fraternidade. Todavia, a doutrina cristã do amor fraterno é uma quimera num mundo repleto de conflitos, agressões, traições, ciúmes, ambição, inveja, ódio, em que os humanos se matam havendo ou não havendo guerras. Jesus foi o único cristão que existiu neste planeta, porém, se dermos crédito aos evangelhos, verificaremos que em várias ocasiões ele agrediu os seus “irmãos” (fariseus, mercadores) e se portou com jactância ante seus interlocutores, altivez no tribunal judeu e arrogância diante dos governadores da Galileia e de Jerusalém. Marcas indeléveis da sua natureza humana. 
Fé, esperança, caridade, aliadas aos múltiplos interesses e objetivos, às vezes encobertos por enganosas razões, fomentam atos de mútua confiança instituidores de fraternidades (ou irmandades). No antigo Egito, havia sociedades secretas lideradas por faraós, como Tutmosis e Amenhotep, cujos membros se tratavam de irmãos e investigavam as leis do universo no seu duplo aspecto: material e espiritual. Na clássica Atenas, as academias de Platão e de Aristóteles tinham essa feição de irmandade, onde os estudos eram feitos de maneira respeitosa, mesmo perante questões problemáticas que despertavam divergências. Corporações medievais funcionavam como irmandades. No seio da igreja católica há inúmeras irmandades. 
Na Europa dos séculos XVII e XVIII foram organizadas as irmandades leigas dos rosacruzes e dos maçons, cujos filiados, pouco numerosos, firmavam compromisso e juramento de se tratarem como irmãos, de se apoiarem mutuamente, de estudarem e trabalharem em prol da humanidade. Levaram o seu ideário para a arena política sob o lema liberdade, igualdade e fraternidade, fornecendo o alicerce intelectual e o combustível ideológico à revolução francesa. No século XX, elite nazista fundou irmandade secreta de colorido místico para difundir doutrina de forte conteúdo racista, com pretensão de dominar o mundo.
Na teoria democrática, fraternidade é postulado da razão prática cujo desiderato é estabelecer clima de entendimento entre os cidadãos, cooperação em nível coletivo para o desenvolvimento pleno da pessoa humana, para o bem-estar comum e para a felicidade geral. A fraternidade se expressa, na política e no direito, como solidariedade social. Esse espírito fraterno advém da compaixão de uma elite intelectual, moral e espiritual diante do estado de necessidade, de miséria e de sofrimento de milhões de homens e mulheres, adultos e crianças. No século XIX, a escravatura foi banida dos costumes e das leis de países europeus e americanos. Na América Portuguesa, a escravidão foi mantida pelo governo português por 300 anos, desde os tempos coloniais até o de reino unido (Portugal + Algarves + Brasil). Como nação independente, o Brasil manteve a escravidão por 66 anos (1822 a 1888). Após a abolição, os negros foram segregados. A mentalidade escravocrata permanece até os dias atuais na sociedade brasileira. 
Os deputados constituintes franceses incluíram na declaração de direitos, em 1793, o dever do estado de prestar assistência pública aos necessitados, de lhes assegurar ocupação, meios de subsistência e instrução. No século XIX, a encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, refletiu a compaixão pelas vítimas da era industrial. A encíclica repercutiu na civilização ocidental e contribuiu para a introdução, no século XX, de obrigações positivas do estado nos ordenamentos jurídicos de países europeus e americanos. Intelectuais, operários e sacerdotes lutaram para que essas obrigações fossem institucionalizadas. No pólo oposto colocavam-se os plutocratas amparados pelas forças do estado. Confrontos ora pacíficos, ora violentos.
Textos constitucionais, a começar pelo mexicano de 1917, lançaram como dever do estado assegurar trabalho, educação, saúde, previdência e assistência social. Instituíram garantias contra o desemprego, a despedida injusta, os salários irrisórios, a retenção criminosa dos salários, a excessiva duração da jornada de trabalho, os riscos inerentes ao trabalho. Asseguraram: (1) remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, da hora extraordinária superior à da hora ordinária; (2) repouso semanal e férias remuneradas; (3) licenças em razão da maternidade e da paternidade; (4) direito de greve; (5) participação em órgãos públicos colegiados. Proibiram: (1) diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; (2) distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os respectivos profissionais; (3) trabalho a crianças. Estabeleceram a obrigatoriedade do seguro contra acidentes do trabalho. Permitiram associação profissional e sindical. Reconheceram a validade das convenções e dos acordos coletivos.            
A educação foi declarada direito de todos e dever do estado e da família mirando o desenvolvimento físico, moral e intelectual da pessoa. O estado se compromete com o ensino fundamental obrigatório e gratuito, com especial atenção às necessidades dos portadores de deficiência e à educação infantil em creche e pré-escola. Garante o acesso aos níveis elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. Adota princípios tais como: (1) igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; (2) gratuidade do ensino público; (3) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; (4) pluralismo pedagógico; (5) autonomia didática, científica e administrativa das universidades; (6) gestão democrática do ensino público.
O estado garante o direito à saúde através de políticas que visem a: (1) reduzir o risco de doença; (2) permitir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde; (3) regulamentar, fiscalizar e controlar as ações e serviços de saúde.      
O estado organiza previdência social de caráter contributivo e filiação obrigatória, com a seguinte finalidade: (1) cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (2) proteção: (i) à maternidade e à gestante (ii) ao trabalhador desempregado. Institui: (1) salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (2) pensão por morte do segurado ao cônjuge ou companheiro e dependentes; (3) aposentadoria.
A quem necessitar, o estado presta assistência jurídica e social independente de contribuição à previdência social. A assistência jurídica compreende consultoria geral e defesa específica tanto em processo judicial como em processo administrativo. A assistência social tem por objetivo: (1) proteger a família, maternidade, infância, adolescência e velhice; (2) amparar crianças e adolescentes carentes; (3) promover a integração ao mercado de trabalho; (4) habilitar e reabilitar pessoas portadoras de deficiência e promover sua integração à vida comunitária; (5) garantir benefício mensal aos portadores de deficiência e aos idosos.      
A experiência histórica mostra retrocessos na Europa e na América, que retiram a eficácia dos direitos individuais e sociais. O Brasil vive atualmente um desses tristes momentos.