terça-feira, 30 de março de 2021
PODER - VIII
sexta-feira, 26 de março de 2021
PODER - VII
terça-feira, 23 de março de 2021
PODER - VI
A palavra constituição compreende dois sentidos: (i) dinâmico = ação de constituir, fazer, organizar (ii) estático = obra resultante da ação constituinte, estrutura do ser, conjunto de elementos essenciais, sistema de regras fundamentais, organização formalizada. Como obra da ação constituinte, a constituição pode ser examinada quanto a matéria e quanto a forma, embora esses dois aspectos sejam inseparáveis. Materialmente, constituição é o conjunto de seres (constituintes) que estruturam outro ser (constituído). Formalmente, constituição é o modo pelo qual estão dispostos os elementos constituintes no ser constituído, a ordem que lhes é própria ou que lhes foi dada. Assim, por exemplo, materialmente, o átomo é constituído de prótons, neutros, elétrons e outras partículas; formalmente, ele é constituído de um núcleo (prótons, nêutrons) e de órbitas de elétrons, segundo leis da física. Materialmente, uma instituição é composta de pessoas e coisas; formalmente, compõe-se de regras que orientam e disciplinam a atividade dessas pessoas para consecução de determinados objetivos e que reúnem aquelas coisas em uma unidade patrimonial.
A relação entre matéria e forma é quantitativa e qualitativa. O ser suporta mudanças quantitativas e qualitativas dos seus elementos constituintes até certo limite sem alteração essencial. Ultrapassado esse limite, o ser já não será o mesmo. Um animal, por exemplo, pode perder certa quantidade de sangue ou de tecidos musculares e, ainda assim, conservar a sua constituição física e a sua vida, porém, ultrapassado o limite da sua capacidade vital, ele passa por transformação qualitativa e se torna cadáver. Com o ser humano ocorre a mesma coisa. Fenômeno semelhante acontece com as instituições (família, empresa, estado): sofrem perdas de pessoal e de patrimônio; ultrapassado o limite suportável, a instituição se desagrega. Por outro lado, as instituições podem crescer e se desenvolver a um ponto que, em decorrência da complexidade atingida, transformam-se em outro tipo de organização.
Do ponto de vista material, nem todo sistema abarca todas as nuances do seu objeto, todos os detalhes e acidentes. A realidade não cabe inteiramente no entendimento humano. Do múltiplo, a razão abstrai o essencial, o interessante, o útil, o necessário, de acordo com os fins perseguidos pelo sujeito pensante. Como diz Merton, referindo-se à teoria sociológica, um sistema global em que “as observações sobre todos os aspectos do comportamento, da organização e da mudança sociais encontrariam prontamente seu lugar preordenado tem o mesmo desafio estimulante e as mesmas promessas insignificantes daqueles sistemas filosóficos que procuram tudo abarcar e que caíram num merecido esquecimento”. Entretanto, como adverte Lassalle, a constituição material da sociedade não se compõe só de sistemas; inclui os fatores reais do poder que são a verdadeira constituição de um país. Ao tempo de Lassalle, esses fatores eram a monarquia, a aristocracia, os banqueiros, a grande e a pequena burguesias e a classe operária.
Nessa linha, portanto, as forças sociais convergentes e divergentes formam um paralelogramo que compõe a constituição do estado. Poulantzas vê nas instituições como a igreja, a universidade, a empresa, o estado, centros de poder dominados pelas classes sociais. Esse poder caracteriza-se pela relação específica de dominação/subordinação vivenciada pelas classes sociais interna e externamente. Destarte, uma classe pode ter a capacidade de realizar interesses econômicos (sindicalismo operário) e não ter a capacidade de realizar interesses políticos. Cita como exemplo, a Inglaterra de 1683, onde o domínio econômico era da burguesia e o domínio político era da aristocracia fundiária. No Brasil, o sindicalismo operário fundou partido político e passou a participar dos governos municipais, estaduais e federal e da produção das leis (1980).
Coulanges, Fustel de. A Cidade Antiga. Lisboa. Clássica Editora. 1971.
Porchat, Reynaldo. Curso Elementar de Direito Romano. São Paulo. Melhoramentos, 2ª edição. 1907.
Paulino Jacques. Curso de Direito Constitucional. Rio. Forense. 1977, p. 22/24.
Garcia del Corral. Corpus Juris Civilis. Cuerpo del Derecho Civil Romano. Espanha.
Barre, Raymond. Economia Política. Vol I. Rio. Difel. 1978, p. 173/176.
Merton, Robert K. Sociologia, Teoria e Estrutura. São Paulo. Mestre Jou. 1970, p. 57/60.
Caveing, M. e G. Besse. Princípios Fundamentais de Filosofia. São Paulo. Hemus. 1970, p. 57/59.
Lassalle, Ferdinand. Que é uma Constituição? Porto Alegre. Villa Martha. 1980, p. 21/34.
Poulantzas, Nicos. Poder Político e Classes Sociais. São Paulo. Martins Fontes. 1971, p. 110/111.
Heller, Hermann. Teoria do Estado. São Paulo. Mestre Jou. 1968, p. 290/291.
sábado, 20 de março de 2021
PODER - V
Desvinculado da ética, o poder descamba para o despotismo e a fria legalidade. Além de racional, a natureza humana também é biológica, emocional e espiritual. As apetências humanas não são apenas físicas, mas, também, intelectuais, emocionais e espirituais, responsáveis pela inclusão da ética como real fenômeno nas relações intersubjetivas. Como realidade individual e social, a ética está na base da legitimidade do poder humano na sociedade e no estado.
O referencial da legitimidade está em relação direta com o estágio cultural da nação. O que foi legítimo no século XVI pode não ser no século XXI. O que é legítimo para a China pode não ser para os EUA. Na opinião de Russell, esse relativismo – que me lembra Pascal: verdade aquém dos Pirineus, erro além dos Pirineus – não impede o conhecimento dos preceitos éticos como verdades equivalentes às da ciência. Para sustentar a sua opinião, o filósofo e matemático britânico arrola algumas proposições: [I] Do levantamento dos atos que suscitam sentimentos de aprovação ou desaprovação, verifica-se que, como regra geral, aprovados são os atos que se acredita terem, no saldo, efeitos de certa espécie, enquanto efeitos opostos devem resultar de atos desaprovados; [II] Efeitos que recebem aprovação definem-se como “bons” e os desaprovados, como “maus”; [III] Ato do qual, mediante evidência disponível, os efeitos sejam provavelmente melhores do que os de outro ato possível nas circunstâncias é definido como “certo” e o outro, como “errado” (deve-se praticar o ato “certo”); [IV] Certo é aprovar um ato certo e desaprovar um ato errado. Nessa linha, o que Wiener, matemático estadunidense fundador da cibernética dizia de um indivíduo, pode-se aplicar, mutatis mutandi, a uma nação: Importa pouco que o bando militar em que o indivíduo (ou a nação) se alista seja o de Inácio de Loyola ou o de Lênin, desde que ele (ou a nação) considere mais importante que as suas crenças estejam do lado certo do que a sua liberdade.
O poder absoluto do monarca no continente europeu até o século XVIII era legítimo enquanto os súditos o reconheciam, pois, viam na ordem correspondente um fato natural e tradicional, o reflexo das suas crenças, a expressão da vontade divina. Quando essas crenças mudaram ao surgirem novas ideias, técnicas e necessidades comuns alterando o referencial de legitimidade, o poder absoluto do monarca tornou-se ilegítimo. No século XX, os poderes de Mussolini e de Hitler eram legítimos nos seus respectivos países (i) enquanto refletiam o ideário comum, as crenças e aspirações do povo italiano e do povo alemão (ii) enquanto esses povos achavam suas crenças e aspirações mais importantes do que as suas liberdades. Na segunda guerra mundial, as forças aliadas quebraram o encanto (Reino Unido + União Soviética + Estados Unidos + China + Australia + Brasil e outros estados). Por não se ajustarem ao referencial ético da civilização ocidental, atos praticados pelos vencidos durante a guerra foram considerados criminosos pelos vencedores (1939/1945). O referencial dos vencedores foi colocado acima do referencial dos vencidos. Ante essa hierarquização combinada com a insuficiência do positivismo jurídico, os juízes afastaram a máxima positivista “a lei é a lei” (benéfica aos acusados) no julgamento dos nazistas no tribunal de Nuremberg; aplicaram o direito natural. Como Perelman anotou, os acontecimentos da Alemanha a partir de 1933 mostraram (i) a impossibilidade de se identificar o direito com a lei (ii) a existência de princípios que, embora não expressos na lei, a todos se impõem (iii) que o direito expressa não apenas a vontade do legislador, mas, também, valores que ele tem por missão promover, entre os quais avulta o valor de justiça.
Diante daquela amarga experiência histórica, a Organização das Nações Unidas incluiu na sua Carta um referencial de legitimidade confirmado na Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada em resolução da III Sessão Ordinária da Assembleia Geral, com as seguintes diretrizes: (i) existência de direitos fundamentais do homem (ii) dignidade e valor da pessoa humana (iii) igualdade de direitos do homem e da mulher (iv) progresso social e melhores condições de vida em uma ampla liberdade (v) igualdade das nações grandes e pequenas (vi) justiça e respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes de direito internacional. O poder e a lei serão considerados ilegítimos quando discreparem desse referencial.
Timacheff, Nicolai. Le Droit, l´ethique, le pouvoir. Archives de Philosophie du Droit. Paris. 1936, p. 133/segs.
Weber, Max. Economia y Sociedad. V. I. México. Fondo de Cultura Económica. 1964, p. 170.
Perelman, Chaim. Logique Juridique. Toulouse. Dalloz. 1979, p. 70.
quarta-feira, 17 de março de 2021
PODER - IV
domingo, 14 de março de 2021
PODER - III
Na visão lógica, normativa e teleológica de Maynez, “ordem é a submissão de um conjunto de objetos a uma regra ou a um sistema de regras cuja aplicação faz surgir entre ditos objetos as relações que permitem realizar as finalidades do ordenador”. Na opinião de Whitaker, nos períodos de crise política e social, que envolve o equipamento jurídico do estado, onde os fatos se adiantam ao direito, é que se impõe a revisão da Constituição e das leis.
A lei fundamental do estado resulta tanto do exercício autocrático como do exercício democrático do poder constituinte. Por distinção terminológica, na primeira hipótese a lei escrita fundamental do estado tem sido denominada Carta por ser imposta unilateralmente pelo governante, remontando à tradição inglesa da Carta Magna de 1215; na segunda hipótese, a lei fundamental recebe o nome de Constituição por ser elaborada e votada pelos representantes do povo. Durante a experiência constitucional do estado brasileiro foram promulgadas: (i) as Cartas de 1824, 1937, 1967 e 1969, outorgadas respectivamente pelo imperador Pedro I, pelo presidente Getúlio Vargas e as duas últimas por oficiais superiores das Forças Armadas (ii) as Constituições de 1891, 1934, 1946 e 1988, votadas pelas respectivas assembleias nacionais constituintes.
Posta pelo poder constituinte do povo, a Constituição conforma a base jurídica do estado democrático. Esse poder tem uma direção, uma pauta de ordenação com fins especificamente humanos. Governantes e governados devem-lhe obediência. A ordem daí decorrente tende à estabilidade, mas não à eternidade. O processo cultural e histórico é dinâmico. A ordem constitucional será substituída se não tiver a plasticidade suficiente para se acomodar às mutações sociais relevantes. Como diz Perelman, “obra do homem, ela (a lei constitucional ou ordinária) está submetida, como todas as coisas humanas, à força das coisas, à força maior, à necessidade”.
A Constituição poderá ser reformada por exclusiva assembleia extraordinária ou pelo poder legislativo ordinário. Segundo Friedrich, não se deve confundir poder constituinte com poder de reforma, porque o primeiro é poder político de fato de mudar ou substituir a ordem vigente por uma nova Constituição, enquanto o segundo é poder político de direito, portanto, limitado, de mudar parte da ordem vigente. Loewenstein menciona a existência de mutações assimiladas pela estrutura material do estado que deixam intacto o texto constitucional. Da experiência dos EUA, cita os seguintes exemplos: (i) o controle judicial da constitucionalidade das leis não está expresso na Constituição, mas existe como se fora norma constitucional desde a célebre decisão do juiz Marshall, da Suprema Corte, no caso Marbury x Madison (ii) a proibição de reeleição do presidente da república por mais de dois períodos, que só passou a ser norma escrita mediante a Emenda XXII, porque a norma consuetudinária foi violada pela terceira reeleição de Franklin D. Roosevelt (iii) a utilização política do veto, o que elevou o presidente a “partner” do processo legislativo quando, originalmente, o veto destinava-se tão só para denunciar: (a) defeito técnico da lei (b) inaplicabilidade material da lei.
No Brasil, o Congresso Nacional tem competência para reformar a Constituição, porém, não pode alterar as cláusulas pétreas: (i) forma federativa de estado, (ii) voto direto, secreto, universal e periódico (iii) separação dos poderes (iv) direitos e garantias individuais. Revisão total exige convocação de nova assembleia nacional constituinte.
Whitaker da Cunha, Luiz Fernando. Prefácio do livro de Antonio Sebastião de Lima: Poder Constituinte e Constituição. Rio. Plurarte (1983, 7).
quinta-feira, 11 de março de 2021
PODER - II
Desde a pré-história, os humanos sentem necessidade de uma vida coletiva organizada. Muito cedo, aprenderam a dividir tarefas entre adultos de ambos os sexos para o bem do grupo. Esse aprendizado pressupõe a linguagem. O senso de ordem lhes é inato, reflexo da organização interna do corpo humano. Ainda que a dimensão material do universo seja caótica e a ordem seja um enclave nesse caos, o sistema planetário impressiona os humanos a tal ponto que eles se veem tentados a explicar o mundo da cultura como extensão das leis que determinam o mundo da natureza. Foi esse processo mental que levou o físico Ernest Rutherford a descrever o invisível átomo como um sistema solar microscópico: núcleo em torno do qual giram os elétrons (1911).
A estrutura constitucional da tribo, da cidade, do reino, foi sendo tecida paulatinamente no curso de milhão de anos mediante regras consuetudinárias, usos, costumes, crenças, tradições, valores materiais, morais, místicos e religiosos, à medida que fossem surgindo as necessidades, as utilidades e os interesses e se desenvolvessem as habilidades humanas. Às vezes, surgiam legisladores como Hamurabi, rei da Suméria (Babilônia, Mesopotâmia), Licurgo na Esparta, Sólon em Atenas, com o poder e o propósito de dar nova configuração à sociedade e ao estado, cristalizando-a na pedra, no papiro ou no pergaminho, denotando a importância da linguagem escrita ao lado da comunicação oral.
Inventada a prensa móvel por Gutemberg (1439), o abade Sieyes, na França do século das luzes (1701-1800), lança em livro a doutrina do poder constituinte na política. Em oposição à monarquia absoluta e aos privilégios de casta, o revolucionário abade afirma que o terceiro estado (povo) sustenta o primeiro e o segundo estados (realeza + nobreza secular e eclesiástica); portanto, a soberania, poder supremo na esfera estatal, cabe ao povo e não ao monarca. Aos governantes cabe o poder constituído (limitado); ao povo cabe o poder constituinte (soberano).
Após as revoluções francesa e americana daquele século, a estrutura normativa do estado moderno passa a ser registrada em um documento escrito denominado “Constituição” elaborado por representantes do povo no exercício do poder constituinte. O constitucionalismo, então, insere-se na cultura dos povos da Europa, América e demais continentes, integrando-se à civilização moderna.
Da experiência política dos povos modernos constata-se que a sede do poder constituinte varia no tempo e no espaço: pode ser pessoa física (rei, general, líder civil = poder monocrático), grupo de pessoas (elite civil/militar/religiosa = poder aristocrático) ou massa popular (burgueses + campônios = poder democrático). O titular do poder constituinte também o é da soberania; ao legislar, ele não está subordinado a poder e a direito que lhe seja anterior ou superior; faz prevalecer ideia, filosofia, ideologia, crença, projeto (político, econômico, social) que motivaram a ação constituinte. Os condicionamentos ético, psicológico, sociológico, ideológico e filosófico da ação constituinte advêm não só da cultura nacional do detentor do poder constituinte como também da civilização na qual a nação está integrada.
No seu nascedouro, a ação constituinte dos revolucionários franceses de 1789 teve por escopo: (i) transferir a sede da soberania para a nação (ii) limitar o poder do governo (iii) extinguir os privilégios da nobreza (iv) instituir um regime de igualdade jurídica (v) atribuir competência legislativa ao povo e seus representantes a fim de que a produção do direito positivo espelhasse a vontade nacional (vi) reconhecer à pessoa natural direitos individuais inalienáveis e impostergáveis a fim de protege-la contra o arbítrio da autoridade estatal (vii) substituir a economia feudal pela economia capitalista.
Da evolução histórica, verifica-se que a ação constituinte: (i) altera total ou parcialmente a realidade social pré-existente (ii) cria um novo estado ou modifica o existente (iii) propõe fins e indica os meios para realiza-los. A ação constituinte se desenvolve sob pressão da carga emocional e do esforço racional, fatores subjetiva e objetivamente influentes. Apesar do caráter prospectivo da ação constituinte, o desapego ao presente e ao passado não é total. O misticismo, por exemplo, é um dos fatores influentes, embora paradoxal, pois conduz (i) de um lado, à verdade ante a superioridade da sua fonte de inspiração e revelação (ii) e de outro, à mistificação da realidade diante da necessária interação dos humanos com a existência histórica e cultural. Sobre esse ponto, diz Mannheim:“E mesmo que se conceda que a experiência mística é o único meio adequado de revelar ao homem a sua natureza final, cumpre admitir que o elemento inefável que constitui o objeto dos místicos necessariamente deve ter uma relação com a realidade social e histórica”.
Coulanges, Fustel de. A Cidade
Antiga. Lisboa. Clássica Editora. 1971.
Mannheim, Karl. Ideologia e Utopia. Porto Alegre. Globo,1956, 85.
domingo, 7 de março de 2021
PODER
Na origem do universo está o poder de criar, organizar, transformar e destruir. Explicar a fonte desse poder tem sido árduo trabalho para o entendimento humano. Considerá-lo divino é a explicação mais cômoda e simples: consta das escrituras sagradas e dos registros históricos da cultura humana desde as antigas civilizações egípcia e mesopotâmica. A ciência moderna dispensa o divino: objetivamente, poder existe por si mesmo, não tem começo nem fim, gerou o universo mediante máxima concentração de energia seguida de explosão e expansão. A matéria do universo é energia atomicamente estruturada.
À fonte divina do poder, basta a fé; à fonte natural do poder, basta a explicação racional; à fonte humana do poder são necessárias explicação e justificação. “O poder não é simples dominação material, mas energia de uma ideia de ordem social que tende a prevalecer e na qual encontra, a uma só vez, o seu fim e a sua justificação”. [Georges Burdeau. Traité de Science Politique. Vol. 1. Paris. Píchon et Durand-Auzias. 1966, p. 11].
O poder humano consiste na força física, mental e espiritual guiada pela inteligência e impulsionada pela vontade de alguém capaz de dominar a si próprio, a outrem e ao entorno e atingir com êxito os fins a que se determinou. No autodomínio, o indivíduo controla os seus impulsos, emprega a sua inteligência e a sua vontade para moldar o seu caráter e expandir a sua consciência para as dimensões material e espiritual do universo (força biopsíquica volitiva do indivíduo direcionada à submissão dos seus instintos, desejos, sentimentos e pensamentos). Os humanos criam, conservam, modificam e extinguem coisas, tais como: usos e costumes, bens móveis e imóveis, modo de produção econômica, instrumentos e técnicas de trabalho, obras de arte, conhecimento vulgar, científico e filosófico, doutrinas místicas e religiosas, instituições. No seio da natureza, os humanos geram o seu próprio universo, organizam a convivência social mediante regras por eles estabelecidas (consuetudinárias, convencionais, éticas, jurídicas). Nesse universo, mundo da cultura, o poder localiza-se no centro da vida relacional humana; atua de modo difuso e de modo concentrado; tem sido classificado (i) segundo o seu objeto, em temporal e espiritual (ii) segundo o seu titular, em monocrático, aristocrático e democrático (iii) segundo os seus fins, em político, econômico e social.
No curso da história, o convívio social apresenta-se hierarquizado e em crescente complexidade. O poder monocrático prevaleceu na família, na tribo, na cidade, no reino, desde a idade antiga até a idade moderna. No governo da cidade, do reino, do império, o poder monocrático carece da pureza que lhe empresta a teoria, pois, fatores influentes, eminências pardas, sempre cercaram e orientaram as decisões e ações do governante. Na idade contemporânea, esses fatores estão mais visíveis e organizados: burocracia civil e militar, bancos, corporações privadas nacionais e multinacionais, sindicatos, associações civis e religiosas, elite intelectual, universidade, imprensa, empresas privadas de comunicação social.
A partir das revoluções americana e francesa do século XVIII, a titularidade do poder político passou para o povo (conjunto dos cidadãos aptos a escolher os governantes). Por intermédio dos representantes eleitos, reunidos em assembleia constituinte, o povo exerce o seu poder político no mais alto grau: a elaboração da lei fundamental do estado. Geralmente, para exercer o poder do estado por eles constituído, os representantes do povo colocam três órgãos na cúpula da organização política da nação: legislativo, executivo e judiciário, independentes e harmônicos entre si. A experiência de países europeus e americanos mostra o difícil equilíbrio entre esses órgãos. Na América Latina, o predomínio tem sido do executivo. A essa regra, o Brasil abriu exceção: nas duas décadas deste século XXI, o judiciário predominou apesar do esperneio do nazifascista que atualmente ocupa o órgão executivo (2021).
quarta-feira, 3 de março de 2021
PDT versus PT
O ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, provável candidato à presidência da república pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista, fundado por Leonel Brizola), afirmou que o seu propósito é derrotar o PT (Partido dos Trabalhadores, fundado por Luiz Inácio Lula da Silva) já no primeiro turno das eleições de 2022. A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, ao replicar, afirmou que a luta há de ser contra Jair Bolsonaro.
A afirmativa do pedetista pode se tornar realidade caso ele esteja à frente de um bloco monolítico formado pelos partidos e líderes da direita moderada e da direita extremada e pela totalidade dos eleitores dessas facções. Esse eleitorado supera numericamente o eleitorado da esquerda. Se não vencer no primeiro turno, o pedetista vencerá no segundo. Dois fatores dificultarão a meta do pedetista: (i) as abstenções que, em 2018, somaram 42 milhões (ii) até a próxima campanha eleitoral, o ex-presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, poderá recuperar os seus direitos políticos e se candidatar. Numa atitude pragmática, Luiz Inácio, além de estimular a sua base formada por eleitores filiados e não filiados ao PT, buscará apoio em setores da direita moderada como aconteceu com a vitoriosa chapa Lula-Alencar.da qual resultou bom governo. Em política partidária, no Brasil, tudo é negociável: princípios, programas, cargos, licitações, contratos, pactos, isenções. Ninguém é santo e aquele “que diz sou, não é, porque quem é mesmo, não diz” (royalties para Vinicius de Moraes).
A réplica da petista à assertiva do pedetista está equivocada. A luta contra Jair Bolsonaro não deve aguardar a campanha eleitoral de 2022; deverá, isto sim, ser desfechada agora, em março de 2021, com a maior urgência possível, para destitui-lo do cargo de presidente da república, cassar seus direitos políticos e, assim, impedi-lo de prosseguir na senda da criminalidade que tantos males tem causado ao estado e à nação. A imediata destituição evitará também: (i) que ele indique e nomeie novo ministro do Supremo Tribunal Federal para a vaga que será aberta ainda este ano (ii) que ambiciosos membros do ministério público e do judiciário deixem de cumprir com exação os seus devceres oficiais para agradar ao dono da caneta e assim obter a indicação e a nomeação para aquela vaga.
Os partidos da esquerda e da direita moderada devem unir esforços no Congresso Nacional para instaurar o processo de impeachment. Esses partidos não devem permitir a supremacia dos partidos apoiadores do genocida nazifascista que ocupa a presidência da república. O medo da reação militar é extemporâneo. Oficiais superiores ficarão felizes se esse tenente/capitão for expelido da presidência. A honra militar é incompatível com esse mentecapto e mau brasileiro no comando supremo das Forças Armadas.
O antipetismo da direita gerou esse monstro. Agora, o antimilitarismo da esquerda não deve obstar a sucessão do tenente/capitão por um general. Hamilton Mourão devolverá o respeito e a dignidade à presidência da república brasileira. Certamente, do ponto de vista moral, político e administrativo, Hamilton será superior a Jair. Com o general na presidência até 2022, o Brasil estará em mãos seguras no que tange à vigência e à eficácia da Constituição da República. Haverá eleições pacíficas e transmissão da faixa presidencial sem sobressaltos.
Outrossim, há notícia veraz de que a Polícia Federal reuniu provas sobre a prática de crime eleitoral em 2018 que justificariam a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão. Contudo, setores do Congresso Nacional e do Judiciário servem-se de argumentos pífios gerados por falta de coragem, por safadeza e politicagem, a fim de escapar ao cumprimento do dever de aplicar a lei aos infratores (“no momento não há clima”, “a medida legal cabível será contraproducente” e outras falácias nesse diapasão, palavrório vazio sem alicerce na realidade e sem fundamento racional). Parlamentares e magistrados desprezam a identidade política do Brasil como estado democrático de direito e favorecem a impunidade ao se esquivarem de instaurar processo parlamentar (impeachment) e processo judicial (eleitoral e comum) contra os agentes de crimes apurados e comprovados. Essa dolosa esquiva indica certo grau de cumplicidade, desmoraliza as instituições parlamentar e judiciária, enfraquece a democracia e envergonha o povo brasileiro.
Oportuno lembrar o apreço devotado à Constituição por general de exército (mais alta graduação na carreira) eleito presidente: Eurico Gaspar Dutra governou atento aos preceitos do “livrinho” como ele afetuosamente chamava o texto constitucional de 1946. No episódio de 1964, percebeu-se a forte preocupação de oficiais superiores com o direito constitucional ao ponto de um coronel da linha dura, na reunião dos conspiradores, exasperar-se e bradar: “às favas com os escrúpulos” (Jarbas Passarinho). A mesma preocupação da ala moderada dos oficiais levou-os a estruturar normativamente o novo regime mediante as Cartas de 1967 e 1969. O atual Ministro da Defesa assegurou respeito das Forças Armadas à Constituição. O impeachment é um processo jurídico previsto na Constituição. Portanto, o recado afigura-se inequívoco. Cabe aos parlamentares exercerem o seu papel de representantes do povo em defesa da democracia e da vida dos cidadãos.