quinta-feira, 28 de maio de 2020

O CELULAR DO PRESIDENTE

Logo depois de visitar o procurador-geral da república (PGR), o presidente da república (PR) declarou que não entregará o seu telefone celular (27/05/2020). Alega a finalidade institucional do seu telefone cujas mensagens estão protegidas pelo segredo de estado. Citou o nome do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) como sinal de que não acatará decisão judicial sobre requisição do seu telefone. 
Certamente, depois da visita ao PGR, o PR convenceu-se de que o ministério público (MP), titular da futura ação penal, não fará requerimento com tal objetivo. Sabendo antecipadamente da posição do PGR, o PR, por bravata, lançou o repto ao ministro do STF, citando-o nominalmente. Cabe lembrar que o governador do estado do Rio de Janeiro teve o seu celular apreendido em operação da polícia federal.
O ministro do STF nada poderá fazer se o MP não solicitar ordem judicial para a apreensão do telefone. Do inquérito – e não da ação penal – o juiz tem apenas a supervisão e não a direção. Ao delegado e ao MP cabe a direção do inquérito. Diligências complementares antes de oferecida a denúncia, dependem da iniciativa do MP, consoante normas processuais e regimentais. O juiz deve se manter equidistante a fim de preservar a sua imparcialidade caso seja proposta a ação penal. 
Juiz não faz pedido ao MP, mas, ao contrário, o MP é que faz pedido ao juiz quando necessita de ordem judicial para alguma diligência. Postulante é a parte (MP, queixoso, indiciado, réu) e não o juiz. Quando toma conhecimento de fatos e documentos indicadores de ilícito penal, o juiz os encaminha ao MP. Ao tomar conhecimento desse expediente, o MP providencia o que lhe parecer adequado (instauração de inquérito, novas diligências, arquivamento, denúncia). 
Em havendo investigação criminal a fim de apurar responsabilidades por divulgação de notícias falsas, nem o MP e nem o STF devem suspender o inquérito ou a ação penal tendo em vista o superior interesse da nação no esclarecimento dos fatos, na concretização e na eficácia do direito positivo, de maneira a evitar a impunidade e a desordem. A pacificação vem da rigorosa aplicação e da real eficácia das normas constitucionais e legais no plano dos fatos e não de acordos extravagantes entre as autoridades para garantir impunidade.  
O modo desvirtuado de tratar o grave problema da pandemia por autoridades estatais brasileiras, cujas consequências adentram a esfera jurídica penal, desperta algumas reflexões. De início, verifica-se que os governadores dos estados membros da federação e os prefeitos dos municípios agem em sintonia com as recomendações dos organismos científicos e médicos nacionais e internacionais. Adotam medidas concretas para a eficácia da quarentena sem descurar de aspectos essenciais da economia no que tange à subsistência da população e à remuneração de quem ficou sem ganhos. A classe empresarial pressiona para que a quarentena seja suspensa e todos retornem às atividades econômicas. O PR, em sintonia com essa classe, opõe-se à quarentena, trata a pandemia com descaso e sarcasmo, insensível aos milhares de enfermos e mortos. Considera inimigos os governadores e prefeitos que combatem a moléstia. De um problema médico, o PR criou um problema político de feição eleitoreira. Daí, ser passível de enquadramento na lei penal. 
Diante da conjuntura, o presidente da Câmara dos Deputados, protetor da classe empresarial, leu um pronunciamento à nação (26/05/2020). A sua linguagem corporal era a de quem estava encabulado ou desconfortável, sem entonação vibrante como exigia a linha do discurso: harmonia entre os poderes, acatamento às decisões judiciais, apoio ao combate à pandemia, construção da paz, preservação da democracia. Notava-se a incerteza claudicante de quem lê o que não escreveu. Mostrou a tibieza que o caracteriza. Omisso quanto ao impeachment, deixou passar o decêndio legal in albis (Código de Processo Penal, art. 800, aplicado subsidiariamente ao regimento interno). Os inúmeros pedidos de impeachment contra o PR estão sem despacho até o momento. Esse deputado elogiou o bom e cordial tratamento que recebeu do PR quando o visitou recentemente, indício de que os dois celebraram algum pacto secreto. A omissão ilegal do deputado indica cumplicidade com os crimes do PR denunciados nas petições de impeachment, inclusive os relacionados com as milhares de vítimas do coronavirus. Esse conluio mais se mostra provável ante a existência de investigações sobre ilícitos penais cuja autoria é atribuída ao deputado. 
Nesta grave crise, quando a nação mais precisa de líderes honestos, ativos, valorosos, corajosos, de caráter sem jaça, de atitudes desassombradas, os brasileiros vivem o infortúnio de ver as presidências da Câmara e do Senado ocupadas por dois mequetrefes.   
A razão e a linguagem são irmãs siamesas. A manifestação do pensamento e da vontade, a expressão de sentimentos, têm como instrumento a palavra condutora da verdade e da falsidade, do justo e do injusto, do amor e do ódio, transmissora do conhecimento, comunicadora de boas e más notícias. O mau uso da palavra facilita o erro, dificulta a compreensão e, às vezes, estraga bons relacionamentos. A palavra pode ofender, ocultar más intenções, disfarçar mediante um jogo ou duplo sentido, o que o indivíduo pensa realmente. Serve de exemplo o substantivo bosta que o PR usa como adjetivo para qualificar os seus opositores. Todavia, ao ofender a dignidade ou o decoro de outrem, o PR fica sujeito à imediata retorsão no mesmo calibre. Assim, poderá ouvir do ofendido que ele foi uma bosta como militar, uma bosta como parlamentar e é uma bosta como chefe de governo. Isto faria parecer que o aparelho digestivo do PR está localizado na cabeça.   

segunda-feira, 25 de maio de 2020

FOSSA MINISTERIAL

Ao se demitir do cargo, o ministro da justiça acusou o presidente da república de intervir politicamente na polícia federal (abril/2020). Instaurou-se inquérito sob a supervisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de apurar os fatos (maio/2020). O presidente e o ex-ministro figuram como indiciados. Ao prestar depoimento na polícia federal de Curitiba, o ex-ministro confirmou a acusação e citou como prova o filme da reunião ministerial realizada em 22/04/2020. Requisitado pelo ministro supervisor, o vídeo foi juntado ao inquérito e submetido a exame pericial. Os pedidos de divulgação do conteúdo do vídeo foram deferidos, salvaguardadas as referências a estados estrangeiros. 
A decisão do ministro supervisor é prolixa, com algumas repetições e muitos grifos (54 páginas, quando duas bastavam). A verborragia e a vaidosa exibição de cultura caracterizam as decisões dos ministros do STF que, às vezes, encobrem outros pecados. No lado oposto, situa-se a Suprema Corte dos EUA, com seus juízes despreocupados em dar lições de direito e preocupados em julgar os casos concretos em sintonia com a Constituição e seus valores históricos, cujas decisões primam pela brevidade e objetividade e repercutem no mundo jurídico de países americanos e europeus. Provavelmente, as ameaças, as ofensas, os ataques de que o STF tem sido alvo, bem como a agitação política do momento, levaram o ministro supervisor do inquérito, na condição de decano, a se estender na exposição dos fatos e na fundamentação jurídica. Fê-lo dentro dos limites do ordenamento jurídico. Respeitou a independência e a harmonia decorrentes do princípio constitucional da separação dos poderes da república. Louvou, como atitude adequada do chefe de governo de uma república democrática, a entrega do vídeo para servir de prova no devido processo legal. Defendeu a jurisdição constitucional, a independência e a imparcialidade do STF. Advertiu sobre a essencialidade da prova no processo penal e a sua importância para o direito de defesa (deixou implícita essa importância para o órgão acusador). Sustentou a necessidade das requisições judiciais às autoridades estatais, inclusive ao presidente da república (salvo a hipótese de incidência do privilégio do segredo governamental). Citou precedente da suprema corte dos EUA (caso Watergate). Qualificou a publicidade como dogma da transparência próprio da república democrática. Afirmou a necessidade de acesso aos dados informativos em favor de uma instrução processual correta e eficaz. Referiu-se às ofensas contra os ministros do STF.      
A divulgação do vídeo exibiu um espetáculo deprimente. Palavras de baixo calão, linguajar chulo, atentados à gramática, baixo nível moral e intelectual. Tom raivoso, agressivo e autoritário. O presidente mencionou intervenção na polícia e em todos os ministérios. Em síntese, disse que: [i] ninguém o atendia no Rio de Janeiro e demitiria chefes e ministros (da esfera federal, evidentemente) se as suas ordens e solicitações continuassem a ser desatendidas [ii]  a população devia se armar para defender a sua liberdade (certamente a de ir e vir, cerceada pela quarentena) [iii] tinha segurança particular para obter informações e defender a sua família e seus amigos (aparelho estatal de segurança ineficiente). 
A acusação que motivou o inquérito, feita por Moro contra Bolsonaro, foi a de intervenção política na polícia federal. Tal generalidade não tipifica ilícito penal. A função do presidente da república tem duplo aspecto: político e administrativo. A sua ação governamental é indissociável desse duplo aspecto, o que se verifica com nitidez na escolha de servidores para cargos de confiança e dos atos de nomear e exonerar. Com esse duplo caráter, lícita é a intervenção do presidente nos órgãos da administração pública federal da qual ele é a superior e máxima autoridade. 
O vídeo revela a intenção do presidente de intervir. Na esfera criminal, intenção não é punível. Há necessidade de efetiva ação ou omissão. O presidente admite que tentou intervir na polícia do Rio de Janeiro e que não teve sucesso. Ao ministério público e ao cidadão cabe analisar se essa tentativa caracteriza algum delito (abuso de autoridade, arbitrariedade, concussão, corrupção, advocacia administrativa); se aconteceu na polícia estadual, como solicitação em defesa da família e dos amigos, ou se aconteceu na polícia federal, como ordem fundada na hierarquia administrativa. Quanto a outras condutas do presidente passíveis de enquadramento penal, poderão ser incluídas nesse ou em outro inquérito, a juízo do ministério público e do tribunal. 
O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República expediu nota advertindo o STF de que requisição do telefone celular do presidente da república não será tolerada e provocará imprevisíveis consequências institucionais. Tiro de canhão para matar um mosquito. Em apoio a essa nota, veio outra assinada por generais e coronéis reformados mostrando descontentamento com a conduta dos ministros do STF e advertindo sobre o risco de uma guerra civil (23/05/2020). Essas notas representam manifesta atitude autoritária de quem se coloca acima da Constituição e das leis e quer impedir a coleta da prova necessária à instrução processual, o que caracteriza obstrução ilegal. Cuida-se de grave ameaça feita por militares inativos. Alguns deles tiraram o pijama e vestiram terno e gravata para servir a um governo tirano. Apostando no medo alheio, eles pretendem: (i) blindar o chefe e impedir que o celular seja incorporado ao inquérito (ii) pela força, amparar futura desobediência do presidente. Se a prova estiver fora da proteção legal do segredo, o presidente estará obrigado a entrega-la sob pena de ser processado por crime de sonegação de documento e por crime de responsabilidade.  [CP 314 + CR 85, VII].    
Considerando que os oficiais reformados continuam sob a disciplina do estatuto militar, as duas notas podem acarretar punição aos seus subscritores tendo em vista o teor subversivo da mensagem. A ausência de providência disciplinar, nesse contexto, significará que o comando do exército endossa a indisciplina e a subversão dos seus comandados.       


sexta-feira, 22 de maio de 2020

A PANDEMIA O ESTADO E A LÓGICA

Conforme previsões de médicos e cientistas que lembram a longa duração da gripe espanhola, ainda que sejam produzidos e distribuídos remédios e vacinas este ano, a pandemia pode adentrar o ano seguinte (2021). Os presidentes dos EUA e do Brasil, pensando nas vendas e nos lucros, insistem na circulação da cloroquina como remédio contra a moléstia provocada pelo coronavirus. A comunidade médica e científica afirma: [i] que esse medicamento adequado para a malária é inadequado para o novo tipo de vírus [ii] que o uso desse produto pode causar a morte do paciente. Apesar disto, o presidente brasileiro expediu medida provisória liberando, sem restrição, a venda desse remédio, só exigindo, na sua aplicação, a concordância do paciente. Partidos políticos impetraram ações cautelares contra medida provisória que concede imunidade civil e administrativa aos agentes públicos que tomam decisões na área da pandemia. O Supremo Tribunal Federal as julgou improcedentes (21/05/2020). Prestigiou a medida provisória. O Congresso Nacional tem a exclusiva competência legislativa para converter medidas provisórias em lei. Ainda que tais medidas tenham sido objeto de ação judicial, o Congresso Nacional pode delas conhecer e sobre elas decidir ampla e livremente, inclusive erradica-las expressamente ou por decurso do prazo. [CR 59, V + 49, XI + 62, §§ 3º a 12]. 
A pandemia ensejou questionamentos econômicos, políticos, éticos e jurídicos. Objetivamente, notou-se a purificação do ar e das águas resultante do rebaixamento do índice de poluição no planeta durante a quarentena. Vídeos exibidos na rede de computadores mostram que depois de 30 anos: [i] as montanhas do Himalaia passaram a ser vistas de longa distância [ii] a praia de Botafogo, no Rio de Janeiro, está com as águas limpas. Provavelmente, em outras regiões, a melhora no meio ambiente será notada. A pandemia parece ter sido um modo de a natureza se defender da poluição provocada pelos humanos. 
Pestes, pragas, epidemias, reduzem o número de seres vivos. Mediante guerras, genocídios, crimes contra a vida, os humanos, involuntariamente, ajudam a natureza na tarefa de controlar a densidade demográfica. A natureza é neutra aos valores humanos. Vida, liberdade, igualdade, propriedade, segurança, verdade, justiça, beleza, santidade, a tudo isto o mecanismo cósmico é indiferente. As forças da natureza ferem e matam indistintamente vegetais e animais racionais e irracionais, abrem crateras, destroem cidades e sonhos, sem cogitar de culpa ou inocência. 
A maioria dos filósofos e teólogos vê na finalidade a chave do sentido da vida, a explicação da existência dos seres, a justificativa das leis morais e jurídicas. Inteligência e vontade: [i] sobrenaturais, estabelecem a finalidade do mundo natural [ii] naturais, estabelecem a finalidade do mundo cultural. A minoria discorda. Entende por inteligência a faculdade cognitiva da mente humana, capacidade de apreensão, compreensão e explicação dos estímulos internos e externos gerados no plano existencial em níveis individual e social. A crença na existência de outra inteligência transcendental, razão pura, metafísica, brotou da imaginação dos filósofos e teólogos que, por simetria, transportaram para um mundo invisível categorias do mundo visível (espaço, tempo, movimento, causalidade, liberdade, finalidade). A razão não é pura, nem impura, pois não existe como substancia e sim como faculdade operacional da mente (apreensão de ideias, formulação de juízos e raciocínios). O entendimento também não é puro, nem impuro, pois não existe como substância e sim como função cognitiva da mente através da qual os humanos, tanto de modo intuitivo como de modo racional, adquirem conhecimento de si mesmos e do que está fora do corpo. 
Finalística é a conduta humana, não a natureza. No uso da inteligência e da vontade, guiados por suas ideias, necessidades, inclinações, apetites, instintos e sentimentos, mulheres e homens imprimem finalidade às suas vidas. Desse modo, criam o seu próprio mundo no seio da natureza: o mundo da cultura (obras e serviços de todos os tipos, costumes, leis, instituições, doutrinas, teorias, ciências, artes, religiões). No tocante à natureza, quais os fins? Quem os estabelece? Existem inteligência e vontade capazes de ditar leis e impor fins à natureza? As pragas, pestes, pandemias, tempestades, terremotos, maremotos, estão entre os fins da natureza? 
Os humanos criaram leis a fim de organizar as suas relações domésticas, sociais, econômicas, políticas. A partir desse fato cultural, acreditaram que a natureza também é governada por leis e que há um legislador e uma lógica transcendentais. Cultivam essa ilusão.
Os fenômenos naturais obedecem a um tipo de regularidade que a ciência denomina causalidade (“lei de causa e efeito”). A existência dessa “lei” dispensa a paternidade e a intencionalidade de um ser inteligente, invisível, abstrato. Os animais irracionais têm o tino que os orienta na busca do proveitoso e na fuga do ameaçador. Os animais racionais têm entendimento, vontade, consciência de si próprio (“penso logo existo” - Descartes).
Letrados, ou não, há humanos que acreditam na existência de deus pela via keraunológica. Baseiam-se: [i] no sentimento de impotência ante a superioridade das insondáveis e ameaçadoras forças da natureza [ii] na inclinação de tudo personalizar [iii] no estado de necessidade [iv] na esperança de conseguir benefício mediante súplicas, oferendas, danças, cantos, preces e ritos. Na origem da ideia de existência de divindades estão: medo, debilidade, credulidade, ignorância.  
O átomo, a molécula, a célula, estão estruturados graças à inteligência e a vontade de um ser cósmico que já existia antes de o mundo existir? Teólogos e filósofos acreditam que sim. Acreditam na possibilidade da existência de inteligência e de vontade desprovidas de suporte material, sem cérebro, sem coração, sem corpo. O cientista físico nuclear contemporâneo acredita ter chegado ao âmago da matéria, mas não diz se ali encontrou inteligência e vontade dirigentes e construtoras. Ao admirar a ordem que ele acreditou existir nos universos macroscópico e microscópico, Einstein admitiu a presença de uma superior inteligência construtora e ordenadora. Como fazem os cientistas, filósofos e teólogos quando se deparam com dados que excepcionam as suas teorias e doutrinas, Einstein desconsiderou o caos no interior das galáxias e a incerteza quântica. Influenciado pelo judaísmo dos seus pais, ele escreve a um amigo: “Deus não joga dados”.  
Considerando que: [I] a inteligência é função da mente [II] a matéria tem estrutura [III] essa estrutura supõe inteligência e arquitetura lógica; lícito será concluir: [i] que a mente é intrínseca à natureza [ii] que as regularidades no dinamismo do cosmos obedecem a essa lógica natural [iii] que o mecanismo de autodefesa da natureza está impregnado dessa lógica. 
A lógica interna que se imagina presente na dimensão material do universo (reinos mineral, vegetal e animal) deriva da mente que se imagina existir numa dimensão espiritual? Aceitável provar a existência de deus através dessa lógica? 

segunda-feira, 18 de maio de 2020

LIÇÕES DA VIDA POLÍTICA

O Partido dos Trabalhadores (PT) do município de Resende/RJ, realizou eleições intestinas no sábado (16/05/2020) para escolher quem concorreria ao cargo de prefeito municipal. Dois petistas disputaram a preferência dos companheiros: um do sexo feminino e outro do sexo masculino. Por diferença mínima, a mulher venceu. Desse pleito brotam interessantes lições da vida política. 
Constata-se a atuação de grupos dissidentes no interior do partido, tanto em nível municipal como em nível nacional. Em outros partidos, nota-se o mesmo fenômeno. A dissidência e a rivalidade internas podem ter reflexos na conduta fora do partido. Por mágoa, desilusão, mesquinhez e outros sentimentos, os vencidos na eleição interna podem votar, na eleição externa, contra o candidato do partido, ou anular o voto. Na eleição presidencial de 2018 é possível que petistas descontentes com a escolha de Haddad estejam incluídos nos 42 milhões de eleitores que se abstiveram. O grupo Lula/Gleisi venceu a eleição interna e perdeu a eleição externa. A disciplina e a fidelidade partidárias ainda gatinham no mundo dos fatos. Há dificuldade de sair da regra escrita para a regra obedecida, ou seja, de materializar princípios e normas formalmente vigentes mas sem eficácia.      
Durante a ditadura, os militares cunharam a expressão “esquerda festiva” para qualificar aqueles que, sem autenticidade e sem íntima convicção, gostavam de passar a imagem de contestadores só para agitar, ficar na moda e ser admirado, tipo Fernando Henrique Cardoso (FHC) et alios. Pois bem. Da citada eleição interna do PT de Resende emana o “feminismo festivo”. Eleitoras que se dizem feministas votaram no homem e não na mulher, embora as duas candidaturas tivessem igual peso. A mulher e o homem, pessoas respeitáveis e valorosas, apresentaram bons projetos. Entretanto, a paixão pelo homem derrotou o ideal feminista e pariu o feminismo festivo. Apesar disto, a mulher venceu a acirrada disputa.  
Passada a ressaca das eleições internas, os membros do partido talvez superem as mágoas, coloquem de lado as traições e divergências e se determinem a trabalhar unidos e com afinco na campanha eleitoral que se aproxima. A precipitação e a frustração geram resultados desagradáveis na vida política. Quando disputava com Jânio Quadros a prefeitura municipal de São Paulo, animado pelas sondagens, FHC deixou-se fotografar sentado na cadeira do prefeito antes do resultado final das eleições. Jânio venceu a disputa e se deixou fotografar desinfetando a cadeira de prefeito. Quando Aécio Neves disputava com Dilma Rousseff a presidência da república, animado com o resultado parcial da votação que lhe era favorável, deixou-se fotografar ao lado de FHC celebrando a vitória. Dilma venceu a disputa. Frustrados e inconformados com a derrota, Aécio e FHC partiram para o golpe de estado. Exibiram as suas faces antidemocráticas. A direita assumiu o governo. A nação brasileira sofre as más e infelizes consequências.  
A união, a fidelidade e a disciplina são essenciais ao partido político. A direita é forte em Resende, cidade em que está sediada a Academia Militar das Agulhas Negras. A vitória da esquerda será difícil, mas não impossível. Afinal, o pequeno Davi superou o gigante Golias. Com inteligência, habilidade, agressividade, persistência e firmeza, a esquerda poderá vencer, mormente diante do desastrado governo da direita na esfera federal. A luta revigora e rejuvenesce. 
A conquista do poder municipal não difere da conquista do poder federal. Trava-se o embate entre a direita e a esquerda. Desde 2013, a direita organizada atua com esperteza, determinação, falsidade e violência, com o notório apoio do governo dos EUA. A extrema direita conquistou a presidência da república e aniquilará a frágil democracia brasileira se não houver convincente reação da esquerda e da parcela moderada da direita. Vejo isto do alto do meu “saber todo de experiência feito” (Camões), adquirido durante a minha existência [i] como cidadão civil: filho, neto, irmão, amigo, esposo, pai, avô, sogro, comerciário, bancário, industriário, estudante, eleitor, advogado, professor universitário e [ii] como autoridade civil: juiz de direito nas áreas cível, criminal, fazenda pública, família, eleitoral.
A esquerda deve agir coesa, determinada, com plena força física, intelectual e moral. Sob este aspecto, oportunos são os versos de Augusto dos Anjos, poeta nativo: “quem nesta terra miserável habita entre feras sente inevitável necessidade de também ser fera”. 
Paz e amor só depois do jantar. Sobremesa doce, com pitada de sal. 

sexta-feira, 15 de maio de 2020

A RAPOSA E O GALINHEIRO

O atual presidente da república e o ex-ministro da justiça são alvos de notícia criminis gerada pelo escandaloso divórcio entre os dois. Instaurou-se inquérito sob a supervisão do decano do Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de apurar a existência de crimes e respectivas autorias (maio/2020). Por determinação do juiz relator (ministro) os nomes de ambos foram lançados na capa do inquérito como indiciados. A matéria inclui interesses políticos partidários e corporativos. Fuga da verdade, jogo de aparências, depoimentos facciosos, manipulação de documentos, edição de gravações, tudo possível na atmosfera de falsidades que hodiernamente envolve o mundo político e social do Brasil. Destarte, as instituições civis devem ficar vigilantes e intervir no inquérito e no processo em defesa dos bons costumes e do direito.
Confiar à polícia federal de Curitiba a investigação dos delitos praticados pelo ex-ministro e ex-juiz é o mesmo que entregar o galinheiro aos cuidados da raposa. Aquela polícia foi conivente com as ilicitudes praticadas pelos procuradores e juízes federais na operação lava-jato. Há, portanto, evidente suspeição. A tarefa devia ser executada: [1] em outra circunscrição, fora da Região Sul [2] no prazo legal [3] sob sigilo quando necessário à elucidação dos fatos [4] por uma comissão especial composta de profissionais escolhidos pela Procuradoria Geral da República e pela Ordem dos Advogados do Brasil [5] com a concordância do ministro do STF sorteado relator. Para evitar que o inquérito seja mais uma farsa, a sociedade civil deve se organizar, juntar as provas e intervir na persecutio criminis, exercendo o direito de petição assegurado no texto constitucional, tal e qual procedeu ao protocolar petições de impeachment na Câmara dos Deputados. Cuida-se do exercício direto da soberania (“todo o poder emana do povo”) e dos direitos de cidadania, inclusive o de ação penal privada supletiva, o de representação e o de ajudar o tribunal (amicus curiae). 
A Constituição da República Federativa do Brasil distingue crimes de responsabilidade e crimes comuns. Tanto naqueles como nestes, o presidente brasileiro só pode ser julgado se a Câmara dos Deputados autorizar a instauração do processo mediante o voto, no mínimo, de 2/3 dos seus membros. O presidente brasileiro mostra admiração, fidelidade e submissão ao governo dos EUA. Talvez ele ficasse honrado e envaidecido se lhe fosse aplicada a jurisprudência da suprema corte daquele país que, no caso Clinton (especulação imobiliária e abuso sexual), afastou as prerrogativas do cargo presidencial por entender que não alcançavam os atos pessoais do chefe de governo (1997). Na seara comum, entram delitos definidos na legislação penal tais como: homicídio, furto, assédio sexual, ato obsceno, ato contra as finanças públicas, expor a vida ou a saúde de outrem a perigo, infringir determinação destinada a impedir introdução ou a propagação de doença contagiosa, dar causa a procedimentos contra alguém imputando-lhe crime de que o sabe inocente, caluniar, corromper, contrabandear, danificar, prevaricar, violar sigilo, obter vantagem ilícita, incitar a prática de crime, fazer apologia de fato criminoso, falsificar documentos, inserir dados falsos em sistema de informações, e tantos outros.  
Nos crimes de responsabilidade, qualquer cidadão pode denunciar o presidente da república. A petição inicial (denúncia), instruída com documentos, deve ser apresentada à Câmara dos Deputados. Compete ao seu presidente despachá-la. Se indeferir, cabe recurso à Câmara reunida em sessão plenária. Se deferir, envia o expediente à comissão especial previamente eleita. O regimento interno da Câmara e a lei especial não fixam prazo para o presidente despachar a denúncia. Essa lacuna é preenchida pelo código de processo penal, subsidiário à lei especial, que fixa o prazo de 10 dias para decisão definitiva ou interlocutória mista. 
O tempo tem valor jurídico. Decorrido o prazo: (i) prescricional, extingue-se a punibilidade (ii) decadencial, perde-se o direito de queixa ou de representação (iii) preclusivo, perde-se o direito de praticar o ato processual (iv) constitucional, perdem eficácia as medidas provisórias expedidas pelo presidente da república. 
A celeridade e a razoável duração do processo são garantias constitucionais que valorizam o tempo e devem ser respeitadas por todas as autoridades estatais. Na falta de prazo específico para determinado ato, incide o prazo geral estabelecido no ordenamento jurídico. No caso concreto do impeachment do atual presidente da república, o presidente da Câmara extrapolou o decêndio legal dentro do qual devia despachar as várias denúncias. Sua atitude pública e notória caracteriza omissão dolosa. Intimação judicial expedida pelo STF para que o presidente da Câmara despache as petições tem estribo constitucional no sistema de freios e contrapesos, sem ferir o princípio da separação dos poderes. Caso o deputado permaneça omisso, ele poderá ser processado tanto na esfera parlamentar como na esfera judiciária (perda do cargo e prisão). O direito político do cidadão de requerer o impeachment não pode sofrer cerceamento do presidente da Câmara quando vigora o estado democrático de direito. O requerimento tem de ser despachado no prazo legal, quer seja deferido, quer seja indeferido. Outrossim, por analogia com a medida provisória, no sentido favorável ao cidadão requerente e em atenção ao interesse maior da nação, poder-se-á considerar deferido o requerimento que não for apreciado no prazo legal. Nesta hipótese, mesmo sem o despacho do presidente, as petições seriam enviadas à comissão especial e seguiriam seus trâmites legais e regimentais.    
Nos crimes comuns atribuídos ao presidente da república, o respectivo inquérito – não o processo – pode ser instaurado sem autorização da Câmara. Concluído o inquérito, o chefe do ministério público pode oferecer denúncia ou opinar pelo arquivamento. Nesta última hipótese, a Constituição permite a ação penal privada supletiva. Oferecida a denúncia (ação penal pública) ou a queixa (ação penal privada) o ministro relator solicita à Câmara dos Deputados autorização para instaurar o processo. Negada autorização, arquiva-se o expediente. Concedida autorização, instaura-se o processo perante o STF.     

Fontes.
Constituição da República Federativa do Brasil. Artigos: 1°, I a III e p.u. + 3º, I + 5°, XXXIV, XXXV, LIX, LXXVIII + 51, I, + 62 § 2º + 85/86.   
Lei 1.079/50. Crimes de responsabilidade. Artigo 38.
Resolução 17/89. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Artigos 217/218.
Decreto-Lei 3.931/41. Código de Processo Penal. Artigos 10, 20 e 800.
Lei 13.105/15. Código de Processo Civil. Artigos 138 e 218.
Decreto-Lei 4.657/42 + Lei 12.376/10. Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Artigo 4º.
Decreto-Lei 2.848/40. Código Penal. Parte especial. Artigos 121/359.

  

sexta-feira, 8 de maio de 2020

O DIREITO E O TORTO

Direito se diz do que é reto, do que mantém o rumo sem desvio, aprumado, certo, honesto, justo. Refletem-se, tais significados, em expressões como estas: “mentir não é direito”, “reta razão”, “retidão de caráter”, "vida honesta", “justa causa”. 
Torto, antônimo de direito, se diz do que é curvo, do caminho sinuoso, do que está fora do prumo, do errado, do desonesto, do injusto. 
Transportadas para a política partidária, essas noções levam ao estrábico engano de ver o certo na direita e o errado na esquerda. Transportadas para a religião, salientam a contradição no ditado “deus escreve certo por linhas tortas”. 
No campo da ciência, entende-se por direito as normas éticas bilaterais de caráter geral e obrigatório que disciplinam as relações humanas e organizam a sociedade e o estado. A norma escrita é expressão verbal, visível e objetiva do direito (constituições, leis, decretos, sentenças judiciais). Essa normatividade das relações humanas é estudada sob três prismas distintos: [1] dogmático, estudo do direito visto como norma (Ciência do Direito) [2] ontológico, estudo do direito visto como fato social (Sociologia do Direito) [3] axiológico, estudo do direito visto como expressão de valores (Filosofia do Direito). 
Entende-se por torto o comportamento que se desvia do direito (conduta ilícita, antijurídica). As leis penais, codificadas ou não, destinam-se ao torto; definem crimes e cominam penas. A malícia do operador (juiz, promotor, delegado, advogado) entorta o direito. Serve de exemplo, a operação lava-jato. Inúmeras distorções foram praticadas, do primeiro ao último grau de jurisdição, por delegados, procuradores e magistrados. Do Supremo Tribunal Federal (STF) vem outro exemplo. Esse tribunal invadiu competência privativa do presidente da república; violou princípio fundamental da república democrática: independência e harmonia dos poderes (CR 2º). Abriu precedente quando a presidente Rousseff nomeou para compor o ministério o ex-presidente Silva. Alegou-se que o ato presidencial visava a dar foro privilegiado ao ex-presidente. Isto, ainda que fosse verdadeiro, não tipifica ilícito algum. Foro privilegiado não significa obstrução da justiça e tampouco canal da impunidade. Além disto, o nomeado era qualificado para o cargo. Apesar disto, o STF (o ministro relator, em decisão monocrática) suspendeu o ato presidencial. Outra invasão se deu quando o atual presidente nomeou o chefe da polícia federal. Alegando que a nomeação visava a intervenção ilegal do presidente em inquéritos policiais, o STF (o ministro relator, em decisão monocrática) suspendeu o ato presidencial. Nos dois casos, o desvio de finalidade estava ausente. O STF partiu da suposição de que a nomeação tinha ilícita finalidade. Suposição não autoriza intervenção judicial. Não cabe ao tribunal impugnar supostos motivos e razões que não constam do ato presidencial. Ao presidente da república compete privativamente exercer a direção superior da administração pública federal, nomear e exonerar ministros, prover os cargos públicos federais (CR 84, I, II, XXV). No legítimo uso das suas atribuições privativas, a presidente Rousseff e o presidente Bolsonaro fizeram as citadas nomeações. Finalidade lícita: prover cargo público; preencher vaga existente. Se, depois, no exercício do cargo, o nomeado atuasse fora da lei, o desvio seria dele e não do presidente. Ao abusar dos freios, o STF entortou o direito.    
Nessas duas ocasiões, os presidentes evitaram o rompimento da harmonia e a eclosão de crise política. Contudo, paciência tem limite. A hora do basta pode chegar; a hora Floriano de “quem dará habeas corpus aos ministros do supremo?”. Ante a conduta dos ministros no curso das duas décadas deste século XXI, deixou de ser remota a possibilidade de zelosos e corajosos presidentes das casas legislativas se negarem a cumprir ordem contrária ao princípio da separação dos poderes, cujo precedente foi aberto por Renan Calheiros na presidência do Senado Federal. A mesma recusa pode partir do presidente da república. Haverá mais do que “um cabo e um soldado”. Os abusos do STF podem provocar guerra civil. O clima está propício. Para o bem da democracia e da nação, convém que cessem os argumentos falaciosos, as interpretações capciosas e politiqueiras.   
Exercer função essencial do estado não significa estar o servidor sem controle, fora e acima do governo. Não há função estatal que não seja função do governo. Cabe lembrar que estado se constitui de três elementos essenciais: povo, território e governo. O poder político do estado é exercido pelo governo mediante três funções essenciais: legislativa, executiva e judiciária. Todo servidor público civil ou militar, agente político ou administrativo, com maior ou menor autonomia, é servidor do governo, portanto, servidor do estado (e da nação). 
A polícia federal é um dos órgãos permanentes da segurança pública, com atribuições específicas distintas das atribuições da polícia estadual. Os servidores, nas duas esferas, organizados em carreira, devem obediência aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A chefia da polícia federal é cargo de confiança reservado a delegado de carreira. A escolha cabe ao presidente da república ou ao ministro de estado a quem ele delegar essa atribuição. Além da confiança do presidente, ou do ministro, o nomeado tem a seu favor a presunção de idoneidade para exercer o cargo. A suposição em contrário não caracteriza impedimento. Suposição é imprestável para alicerçar decisão judicial. Tal suposição tem raiz na degradada cultura política do Brasil, porém, não serve de fundamento a decisão judicial, salvo se materializada no caso concreto provado no devido processo jurídico. [CR 5º, LIV + 37, V + 84, p.u. + 144, § 1°].
Noticiou-se que o ministro Marco Aurélio apresentou proposta de vedar decisão monocrática sobre suspensão de ato dos presidentes das casas legislativas ou do executivo. Se aprovada, a mudança no regimento do STF será o primeiro passo para restabelecer a decisão colegiada nos tribunais. O volume de trabalho não pode servir de justificativa para suprimir o que é da essência de um tribunal de justiça. Decisão monocrática é própria do juiz singular no primeiro grau de jurisdição. No grau superior, os jurisdicionados têm o direito a decisões colegiadas. Os casos devem ser analisados e decididos por três ou mais juízes em conjunto de modo a reforçar a certeza e a segurança jurídicas e, assim, contribuir para a paz social e fortalecer o sentimento de justiça.   

sábado, 2 de maio de 2020

DIA DO TRABALHO

Trabalho significava para mim: (i) afazeres não remunerados da minha mãe dentro de casa (ii) atividade remunerada do meu pai, minha e dos meus irmãos fora de casa. Com os nossos ganhos supríamos as necessidades básicas da família. Essa minha estreita noção foi alargada por lição recebida no curso científico ministrada por excelente e entusiasmado professor de Física no Colégio Estadual do Paraná (1955). Supõe um ponto de aplicação, a força incidente e a distância percorrida. Erg é a unidade de valor do trabalho. Muito amigo da ciência, provavelmente Marx sabia disto.Nesse amplo sentido, compreende-se no conceito de trabalho o deslocamento de um corpo no espaço por certa quantidade de energia. Os seres vivos trabalham para sobreviver. O pássaro trabalha ao construir o ninho, buscar alimento e levar aos filhotes. Os órgãos internos (coração, pulmão) trabalham para manter vivos os animais racionais e irracionais. Do ponto de vista da natureza, pois, entende-se por trabalho o pulsar da vida. Do ponto de vista da cultura, entende-se por trabalho a ocupação dos humanos na realização dos mais variados fins; aplicação das potencialidades físicas, morais, intelectuais e espirituais na produção de bens materiais e imateriais.
De acordo com o primeiro livro da Bíblia (Gênesis), o parto dolorido, o trabalho suado e a expulsão do paraíso, foram punições aplicadas pela divindade a Eva e Adão, extensivas a toda a descendência do casal, por haverem desobedecido a proibição de comer o fruto da árvore do conhecimento. Sob ângulo histórico e sociológico, ao invés de maldição divina, o trabalho humano pode ser visto como benção. Sem trabalho, o ser humano sucumbe ao tédio, corpo atrofiado pela inércia, potencial de criatividade inutilizado pela mesmice. No alvorecer da civilização no antigo Egito e na Mesopotâmia, os humanos já haviam herdado dos ancestrais a noção da relevância do trabalho individual e coletivo para manutenção e preservação da vida em comunidade (família, tribo, aldeia). Na ancestralidade, mulheres e homens dividiam entre si as diversas tarefas. As crianças aprendiam a amar a natureza e o trabalho, a compreender a importância [i] da busca por alimento mediante a coleta, a caça, a pesca, a lavoura [ii] da domesticação e criação de animais [iii] da construção das suas choupanas e paliçadas [iv] da abertura de caminhos e navegação [v] da troca de bens (escambo), cooperação e solidariedade [vi] da fabricação de ferramentas e outros instrumentos [vii] da comunicação, ensino, aprendizagem. 
Essa cultura elementar ampliou-se com a cidade e a civilização. Multiplicaram-se as necessidades, as utilidades e os interesses. Em consequência, distinguiram-se o trabalho manual e braçal, o trabalho técnico, o trabalho intelectual, o trabalho sacerdotal e místico, valorizados desigualmente nas diferentes épocas e nações. Ocorreu a diversificação e classificação das áreas de trabalho: agricultura, pecuária, pesca, usina, mineração, transporte terrestre, fluvial, marítimo, aéreo, comércio, indústria, serviços autônomos, administração pública, governança. 
O elenco dos direitos também foi ampliado nessa marcha civilizatória. O direito divino dos governantes secularizou-se. Aos governados foram reconhecidos direitos que limitam os poderes dos governantes (vida, igualdade, liberdade, propriedade, segurança) e determinam a ação governamental (educação, saúde, moradia, família, trabalho, lazer, esportes, previdência e assistência sociais, meio ambiente, arte, ciência, tecnologia, comunicação social). Da escravatura passou-se ao trabalho assalariado, às leis trabalhistas, ao contrato laboral, ao sindicato, ao partido político, à organização internacional. Houve recuos e avanços no curso da história. No século XIX, na América e na Europa, em plena era industrial, os operários rebelaram-se contra as desumanas condições de trabalho. Reivindicavam redução da jornada de trabalho para 8 horas e melhor salário. Os donos do capital resistiram com violência e apoio político, mas os trabalhadores acabaram triunfando. Colossal greve dos trabalhadores no dia 1º de Maio de 1886, em Chicago (EUA) repercutiu no mundo. Fora o Canadá e os EUA, os demais países americanos adotaram essa data como símbolo da luta do trabalhador por seus direitos. O mesmo aconteceu nos países europeus (alguns preferem comemorar em outra data). A Internacional Socialista contribuiu para a expansão dessa consciência. 
No Brasil, desde o governo Bernardes (1923/1926) o dia 1º de Maio é feriado. No governo Vargas (1930/1945), as leis trabalhistas foram consolidadas e a Justiça do Trabalho foi criada. [Nessa justiça especializada, em Curitiba/PR, eu iniciei a minha trajetória forense ainda como solicitador acadêmico (1966)]. A legislação trabalhista, além dos operários, abrange as demais categorias de trabalhadores. Os direitos e garantias arduamente conquistados pelos trabalhadores foram reduzidos no governo Temer (2016/2018) e no governo Bolsonaro (2019/2020). Os donos do capital mostraram a sua carranca. A quarentena destinada a enfrentar a pandemia causada pelo vírus da moda, mostrou a importância e a indispensabilidade do trabalhador para a economia nacional. Preocupados com a redução dos seus lucros, os donos do capital, indiferentes ao risco de contágio e morte dos empregados, tudo fazem para boicotar a quarentena. A abundância de mão-de-obra milita contra a classe trabalhadora e a favor dos donos do capital, salvo no setor de alta especialização tecnológica e nos setores que exigem superior qualificação técnica e/ou intelectual.       
Grande foi a luta da mulher obreira e da mulher empreendedora para conquistar seu espaço no comércio, na indústria e no setor de serviços. Na Idade Moderna, a mulher ocidental conquistou a igualdade perante a lei. Na Idade Contemporânea, a mulher luta pela igualdade material. No plano dos fatos, o princípio da igualdade entre os que exercem a mesma função só vale para os homens, pois recebem salários superiores aos das mulheres. Apesar dessa desigualdade, pessoas de ambos os sexos, sob o risco de contaminação, ajudam a combater o vírus que atormenta a humanidade: médicos, enfermeiros, terapeutas, funcionários, dentro e fora dos hospitais, caminhoneiros, pilotos, motoristas, motoqueiros, entregadores, empregados de farmácia e supermercado. Cientistas dedicam-se à pesquisa para encontrar remédio e vacina contra essa praga. Trabalhadoras e trabalhadores, ante o egoísmo, a ambição e a desumanidade dos empregadores, perdem empregos e salários por obedecerem a quarentena necessária à proteção contra o vírus. Governos municipais e estaduais buscam amenizar essa desesperadora situação. Urge que governantes e governados unam esforços para solucionar esse angustiante problema.  
Em Resende/RJ, o Partido dos Trabalhadores (PT), ao qual minha filha está filiada e pelo qual talvez ela dispute a prefeitura ou a vereança, está solidário com a população e com as medidas concretas que visam a solucionar essa grave crise social e econômica. Os seus membros nutrem a esperança de que trabalhadoras e trabalhadores do município estejam com seus direitos e bem-estar restabelecidos brevemente. Apesar da pandemia, o PT de Resende não cessou a luta pela reconquista dos direitos e garantias das trabalhadoras e dos trabalhadores urbanos e rurais. Os seus filiados não esmoreceram e continuam nas trincheiras sem ensarilhar as armas.