segunda-feira, 30 de março de 2015

FUTEBOL



No jogo amistoso contra a seleção da França, em Paris (26/03/2015), a seleção brasileira de futebol masculino apresentou deficiência no ataque apesar de ter vencido (3 x 1). Começou perdendo e terminou vencendo o jogo, o que foi bom para aumentar a confiança dos jogadores no seu potencial e na sua capacidade de recuperação. O primeiro gol da seleção brasileira contou com o esforço de Oscar e uma pitada de sorte. O segundo gol resultou de boa jogada dos brasileiros e da proveitosa finalização de Neymar. O terceiro gol resultou de cobrança de escanteio com oportuno e eficaz cabeceio de Luis Gustavo.

Durante a partida foi possível notar a insistência do ataque pela esquerda onde se posicionava o jogador Neymar. A ala direita ficou sem função a maior parte do tempo. Capenga desse jeito, a seleção facilita o trabalho da defesa adversária. Necessário escalar um bom atacante que saiba atuar eficientemente na ala direita e confundir a defesa adversária. Desse modo, a seleção atacará tanto pela direita como pela esquerda por diferentes e bons jogadores. A equipe adversária terá de distribuir os seus defensores e, assim, abrir espaço para a penetração dos atacantes brasileiros. A seleção carece de inteligência e liderança no setor de armação. Notou-se, também, a falta de um centroavante do tipo Luis Fabiano, que saiba movimentar-se fora e dentro da área adversária, driblar, prestar assistência, aproveitar oportunidades e fazer gols. 

No jogo amistoso contra a seleção do Chile, em Londres (29/03/2015), a seleção brasileira apresentou deficiências em todos os setores, o que é compreensível, pois o treinador testava jogadores que ainda não haviam atuado. Em jogo preparatório de campeonato internacional, o comportamento do jogador estreante não é o mesmo do treino ou do clube em que atua. O entrosamento entre os jogadores fixos e os jogadores estreantes demanda tempo; uma só partida é insuficiente para tal desiderato. A seleção chilena aproveitou-se da situação e esteve melhor durante a partida. Apesar disto, coube à seleção brasileira a magra e sofrida vitória decorrente da trama bem urdida pelo setor direito do ataque (1 x 0).  

O fato de Robinho ficar no banco explica-se: ele já foi testado. Os novos é que precisam do teste. O importante é participar de todos os treinos e manter conexão em campo com os demais convocados, pois ele poderá ser decisivo na Copa América a ser disputada no Chile no meio do ano (inverno). A seleção chilena é forte candidata ao título ao lado da seleção argentina. A comissão técnica da seleção brasileira repete erros do passado ao desprezar bons jogadores, veteranos ainda em forma, tais como: KK, Lucas, Luis Fabiano, Ronaldinho Gaúcho. Resolvidos o problema físico e o problema familiar, KK voltou a apresentar o seu bom futebol. Esses jogadores ainda podem atuar na Copa América (2015). A Copa do Mundo está longe e até lá novos talentos podem surgir e se firmar (2018).

Embora esforçados, alguns convocados e estreantes estão aquém da eficiência e do talento dos jogadores acima citados. Assim como a seleção brasileira anterior, a de 2015 parece corpo sem alma. As jogadas coletivas parecem robóticas. Os jogadores parecem células desprendidas do organismo e conectadas ao acaso. Falta aquele clima de união espiritual – autêntica e não artificial – bem evidenciado em outras seleções brasileiras, como as de 1970, 1982, 1994.  

Manter no ataque apenas o jogador Neymar é pouco. Como estrela de primeira grandeza, esse jogador recebe marcação implacável, situação agravada por sua fama de cai-cai. Na copa mundial de 2014, a sua atuação foi discreta. A continuar na mesma toada, a seleção brasileira obterá novamente um suado quarto lugar, se tanto. Convém não se iludir com a série de oito vitórias nos jogos amistosos da fase preparatória que terminou neste domingo. Como dizia mestre Didi: treino é treino, jogo é jogo. Durante os jogos da Copa América, veremos outra realidade. Assim como a brasileira, as demais seleções também farão seus ajustes. Todas entrarão em campo dispostas a vencer. Na eventualidade de alguma equipe se reconhecer tecnicamente inferior, buscará, pelo menos, o empate, sem perder a esperança no tropeço da equipe que se apresentar como superior.

Espera-se que, desta vez, o interesse financeiro de empresários e patrocinadores na convocação de jogadores não suplante o interesse esportivo no bom desempenho da seleção brasileira e que o trabalho nefasto dos cartolas não se repita.

sábado, 28 de março de 2015

FILOSOFIA XV - 34



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Na opinião marxista de Antonio Gramsci, a classe dominante cria no povo o sentimento de solidariedade com os interesses dela e o faz “em nome da pátria” ou de um suposto “destino nacional”. O poder hegemônico da classe dominante combina coerção e consenso. A prévia direção intelectual e moral do povo é requisito para a conquista do poder hegemônico. Os intelectuais (extrato de pessoas especializadas na elaboração conceitual e filosófica) são necessários à organização do proletariado.

No mundo modero, o Príncipe – de Maquiavel – é um ente coletivo produto do desenvolvimento histórico, a saber: o partido político. Trata-se de uma célula onde se concentram as sementes da vontade coletiva que almeja a se tornar universal e total. O partido é o organizador de uma reforma intelectual e moral que se manifesta com um programa de reforma econômica. [Ao escrever isto na primeira metade do século XX, Antonio tinha em mente o partido comunista e o combate ao governo fascista italiano. No mundo contemporâneo, alguns partidos visam a manter o status quo e outros a modificá-lo. Em países como o Brasil, os partidos abrigam quadrilhas de bandidos, gente desonesta que disputa o poder para dele se beneficiar. Partidos são organizados tão somente para atender às ambições pessoais dos seus dirigentes sem preocupações morais. Os partidos menores buscam alianças visando a obter benefícios financeiros. Quanto às reformas, os partidos defendem apenas aquelas que os favorecem]. 

A sociedade civil e a sociedade política são os dois componentes do Estado ocidental. O “homo sapiens” e o “homo faber” são inseparáveis, assim como a função intelectual é inseparável da práxis (ação teleológica) e a sociedade civil inseparável da sociedade política, embora a primeira seja o reino do consenso e a segunda o reino da coerção. O intelectual orgânico é gerado pela classe a que pertence; o intelectual inorgânico é extraclasse (literato, filósofo, artista).

A realidade é histórica. [A história é criada pelo homem mediante processo mental seletivo ao registrar e narrar atos e fatos ocorridos no tempo e no espaço]. A ação política revolucionária (práxis) é uma catarse (purificação) que indica a passagem do momento meramente econômico (egoísta + passional) para o momento ético-político significativo da superior elaboração da estrutura em superestrutura na consciência humana, transição do objetivo para o subjetivo, da necessidade para a liberdade. O processo catártico coincide com a cadeia das sínteses que resultam do desenvolvimento dialético.

Jacques Maritain (1892 a 1973), filósofo francês de orientação católica, professor, embaixador francês no Vaticano, nasceu em Paris e faleceu em Toulouse (França). Escritor prolífico, Jacques tratou de vários temas: moral, política, educação, metafísica, teologia, epistemologia. Entre as suas obras estão “Elementos de Filosofia”, “Humanismo Integral” e “A Filosofia Moral”. Nesta última ele faz um exame crítico e histórico dos grandes sistemas de filosofia sob o prisma da moral (Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Kant, Hegel, Marx, Comte, Kierkegaard, Dewey, Sartre). Explica a estreita relação entre a filosofia moral, a etnologia e a teologia, embora disciplinas distintas. Jacques privilegia o aspecto doutrinário em detrimento do histórico de modo a salientar a moral católica. Ele transitou de Spinoza, em sua juventude como estudante de filosofia na Sorbonne, para Bérgson e estacionou em Tomás de Aquino.

Jacques aceitou o batismo na religião católica apostólica romana e a orientação de frades dominicanos. A sua esposa Raíssa, judia russa, também se converteu ao catolicismo. Jacques e Raíssa formaram um casal feliz e harmônico desde a universidade em que estudaram. Celebraram pacto de amor na sua romântica juventude: se dentro de breve tempo não encontrassem um sentido para a vida os dois se suicidariam. O sentido buscado lhes foi indicado primeiro por um poeta, depois, por um filósofo e finalmente por um sacerdote católico. O casal foi separado por morte natural: ela, para a sepultura; ele, para o claustro.

Jacques manteve-se fiel à escolástica. Na opinião dele, a política devia receber o sopro da espiritualidade. Os valores morais deviam preponderar. A democracia não se limita a uma forma de governo; há de ser uma forma de vida nutrida pelos valores éticos e religiosos. Pessoa e indivíduo são conceitos distintos. A pessoa deve ser o valor fundamental da sociedade. Os direitos humanos são essenciais. Ao tratar o secular e o espiritual como esferas distintas, Jacques tomou por bússola a distinção feita por Jesus: “daí a César o que é de César e a deus o que é de deus”. O secular tem o seu próprio modo de ser. O direito natural lhe serve de guia. Em 1947, Jacques levou a sua teoria dos direitos centrada na pessoa humana para a Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela ONU em 1948, da qual foi um dos redatores. A democracia cristã assentou suas bases nos ensinamentos de Jacques. [O político paulista Franco Montoro do partido da democracia cristã, fundou o Instituto Jacques Maritain em 1992].

Jacques resume: no século V a.C. identificamos no pensamento dos sofistas a paixão do êxito. No século IV a.C. identificamos no pensamento de Sócrates a paixão da verdade, a obediência à lei ainda que nos custe a vida. No mesmo século, identificamos no pensamento de Platão a paixão do justo, a realidade e supremacia do mundo ideal.

Moral é a arte de ser feliz. Seguindo as regras morais vive-se bem. A felicidade é o bem supremo da vida e consiste no bom procedimento e êxito no agir. Com Sócrates, a idéia de bem se liberta do particularismo dos instintos e dos sentidos para ganhar autonomia intelectual. A partir daí, a idéia de bem deslumbrou o espírito humano. A idéia de fim é correlata à idéia de bem, ambas vinculadas ao agir humano. O fim supremo do agir humano é a felicidade. A conduta deve ser orientada a esse fim. Nisto consiste a arte de bem viver. “A felicidade e a boa conduta são uma só e mesma coisa”. Felicidade é ter alma boa. Riqueza e boa saúde não significam ser feliz. Um espírito liberto de perturbações, dedicado aos belos conhecimentos e à verdade, que saiba pensar, é o que torna alguém feliz. No sentido socrático, virtude é conhecer bem e pensar bem. Praticamos o mal porque desconhecemos o bem. Caímos no erro porque não pensamos corretamente. No sentido amplo, virtude é o poder ou excelência própria ou característica de uma pessoa ou de uma coisa, na sua manifestação essencial. Exemplos: virtude do artista, virtude do filósofo, virtude do imã, virtude da música. 

O conhecimento pode ser especulativo quando paira no plano das idéias, ou prático quando se refere ao comportamento animal ou à conduta humana. O objeto desse conhecimento é o mundo natural e o mundo cultural. O conteúdo do conhecimento é a representação que o ser humano tem do seu objeto. Para nos permitir o discernimento daquilo que o nosso comportamento deve ser ou não ser na realidade concreta, a que princípio de determinação vai esse conhecimento apegar-se? Qual o critério do que é bom e virtuoso? A resposta a essas indagações, dada por Sócrates, é a de que não há outro critério a não ser o da “utilidade”. O cálculo da utilidade preside a conduta humana. No plano terreno, triunfa o utilitarismo. Os homens não esperaram pelos moralistas para possuir regras morais. As normas e valores da vida moral integram uma moralidade tradicional, difusa, existente e historicamente reinante no meio social. Na sua vida comum, o feirante poderá ter conduta moral calcada naquela experiência comum mais firme do que a doutrina dos educadores e reformadores.

quinta-feira, 26 de março de 2015

FILOSOFIA XV - 33



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Johannes Hessen cita Descartes (cogito ergo sum) e Maine (volo ergo sum) para afirmar que o homem possui uma certeza imediata da existência do próprio “eu”. O racionalismo e o idealismo não podem ser afirmados ou negados mediante procedimentos puramente racionais. O método racional é insuficiente. Necessário um caminho irracional: o volitivo. O homem é um ser de vontade e de ação. Nas resistências que sofre ao seu querer e desejar o homem vive a realidade de um modo imediato. A certeza do cogito parte dos processos do pensamento. A certeza do volo parte dos processos da vontade. Johannes cita Aristóteles: os objetos do conhecimento já estão preparados, têm uma essência determinada e são reproduzidos pela consciência que reflete a ordem objetiva das coisas; o conhecimento é função receptiva e passiva. Johannes cita Kant: os objetos do conhecimento são produzidos pela consciência criadora da ordem objetiva das coisas; o conhecimento é função produtiva e ativa. Como ser de vontade e de ação, o homem está submetido à antítese do “eu” e do “não-eu”, do sujeito e do objeto, o que torna impossível superar o dualismo. Johannes cita Lotze: “a realidade abre-se como uma flor em nosso espírito”. A fonte comum do ideal e do real, do pensamento (cogitatio) e do ser (extensio), reside na divindade, origem comum do sujeito e do objeto.

Conhecer significa apreender espiritualmente um objeto. Esta apreensão se faz de modo mediato pelo discurso (movimento da mente de uma idéia a outra) ou de modo imediato pela intuição sensível e espiritual. O ser espiritual do homem compõe-se de três forças fundamentais: o pensamento, o sentimento e a vontade, o que permite distinguir três tipos de intuição: a racional, a emocional e a volitiva. Todo objeto compõe-se de três elementos: essência, existência e valor, todos suscetíveis de apreensão intuitiva (racional, o primeiro; volitiva, o segundo; emocional, o terceiro). Há juízos de valor obtidos tanto mediante o discurso racional como mediante a intuição. Os valores estéticos só podem ser apreendidos emocional e intuitivamente. Os juízos morais de valor supõem uma norma ética aplicável à conduta. A verdadeira qualidade valiosa de sentimentos como justiça, temperança, pureza, só pode ser experimentada e vivida imediatamente e conhecida intuitivamente. A vivência e a intuição também representam um papel preponderante na esfera religiosa. Deus não é objeto da metafísica e sim da religião. A ausência de contradição no pensamento é um critério de verdade válido na esfera das ciências ideais ou formais. Na esfera das ciências reais o critério de verdade consiste na certeza provocada pela realidade imediata do objeto (evidência sensível x evidência racional). “O que garante a validade dos princípios não é a vivência matizada da evidência, mas sim a íntima intuição da fecundidade sistemática dos mesmos”.

Johannes expõe a sua teoria das categorias (“teoria especial do conhecimento”) ao discutir a essência das categorias como substância e causalidade e tece considerações sobre a e o saber. As categorias são conceitos fundamentais do conhecimento, segundo Aristóteles, ou puras determinações do pensamento, segundo Kant. O primeiro assim discrimina as categorias: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, estado, ação e paixão. As categorias podem ser do pensamento reflexivo e do pensamento especulativo (Hartmann) ou categorias reflexivas e categorias constitutivas (Windelband). Relação de inerência e de subsistência, a substancialidade é um produto do pensamento que intervém na experiência. A causalidade é um nexo real entre as coisas. O princípio da causalidade é um pressuposto necessário a todo conhecimento científico da realidade. Esse princípio tem o valor epistemológico de um pressuposto. O conhecimento humano não se limita ao mundo fenomênico, eis que avança até a esfera metafísica para chegar a uma visão filosófica do universo. Tal qual a filosofia, a religião também dá uma interpretação do sentido do universo. A religião é uma esfera de valor completamente autônoma, assenta-se sobre as suas próprias bases e não se confunde com a filosofia e nem com a ciência.

Martin Heidegger (1889 a 1976), professor, filósofo alemão, foi um dos expoentes do existencialismo e discípulo do mestre da fenomenologia (Husserl). Martin foi acusado de servir ao governo e à ideologia nazista no período de 1930 a 1940. A sua filosofia vem exposta no livro “O Ser e o Tempo”, publicado em 1927. Ele considerava o conceito ser como o tema principal da filosofia e que, por isto mesmo, devia ser revisitado. Nos seus estudos filosóficos, a metafísica e a epistemologia cederam lugar para a análise dos diversos aspectos da existência humana. O mais importante é a presença (o “estar aí”). O “nada” tem algo positivo. A raiz do passado está no futuro. Para compreender a história vivida é necessário saber a idéia que os homens daquela época tinham em relação ao futuro. Passado e futuro estão ligados por uma comum e intrínseca origem. O seu jogo de tensões recíprocas cria o que é próprio do tempo, o tempo autêntico.    

Antonio Gramsci (1891 a 1937), italiano nascido na ilha Sardenha, no seio de família pobre e numerosa, filósofo marxista, jornalista, militante revolucionário, cursou Literatura na Universidade de Turim, onde as fábricas Fiat e Lancia ofereciam emprego. Trabalhou para manter os estudos. Na juventude, Antonio participou de conselhos operários considerados ponto de partida para a instauração do socialismo no Estado. Escrevia textos políticos e sociais em jornais de esquerda, como o “Avanti”. Fundou o jornal “L´Ordine Nuovo” (1919) e colaborou na fundação do Partido Comunista Italiano por divergência com o Partido Socialista Italiano (1921). Na Rússia, a serviço do partido, conheceu Giulia Schucht, jovem violinista, com quem se casou e teve dois filhos (1922). Submisso a Stalin e à direção do partido soviético, Antonio foi incumbido de unir os partidos de esquerda na Itália e combater o fascismo. Organizou o jornal oficial do partido: “L´Unitá”. Foi eleito deputado (1924). Em decorrência da sua militância política, Antonio foi preso pela polícia fascista (1926). Obteve liberdade condicional em 1934 por motivo de saúde cujo bom estado nunca mais recuperou.

No período da prisão, Antonio escreveu “Cadernos do Cárcere”, expondo a sua compreensão do marxismo diferente da ortodoxia. Entendia ser a economia um fator de menor importância nas mudanças sociais. A consciência humana é independente e intervém na realidade material para construí-la e modifica-la. A consciência, pois, não é mero reflexo do mundo material como querem os ortodoxos. A luta entre os agentes do capital e os agentes do trabalho se trava no campo das idéias e condiciona a disputa pelo poder na sociedade. Cada classe busca a hegemonia ao fazer prevalecer a sua visão de mundo no Estado. Burguesia e proletariado disputam o domínio intelectual e político.

Antonio estimula os revolucionários marxistas a se esforçarem para conquistar o controle das instituições culturais através das quais poderão disseminar as idéias socialistas. O fator econômico é secundário. O poder da classe dominante no modo de produção capitalista não advém do controle do aparelho do Estado, que pode mudar de mãos mediante uso de maior força. O poder advém da hegemonia cultural sobre a classe dominada. Assim, a classe dominante exerce o controle: (1) do sistema educacional; (2) da instituição religiosa; (3) dos meios de comunicação.

terça-feira, 24 de março de 2015

FILOSOFIA XV - 32



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Johannes Hessen (1889 a 1971) teólogo e filósofo alemão, pastor protestante, professor, perdeu sua cátedra e a circulação dos seus livros por determinação do regime nazista. A partir de 1947, seus livros voltaram a circular. O cargo de professor lhe foi restituído em 1954 com o apoio político de Konrad Adenauer e o apoio acadêmico de Karl Jaspers. A sua produção intelectual é imensa e inclui textos sobre Santo Agostinho, filosofia existencial, filosofia da religião e autobiografia. No prólogo da sua “Teoria do Conhecimento” publicada em 1926, Johannes diz compartilhar com Nicolau Hartmann a convicção de que o último sentido do conhecimento filosófico não é tanto resolver enigmas e sim descobrir maravilhas. Johannes coloca o método fenomenológico a serviço da Teoria do Conhecimento e expõe o problema da intuição de modo pormenorizado como até então não acontecia com outros expositores. Ele desenvolve tanto a teoria geral como a teoria especial do conhecimento. A consciência filosófica incide sobre o macrocosmo daí resultando a filosofia no sentido da concepção do universo. Quando essa consciência incide sobre o microcosmo, resulta a filosofia no sentido da concepção do eu.

A filosofia é uma tentativa do espírito humano para chegar a uma concepção do universo por meio da autorreflexão sobre as suas funções teóricas e práticas. A filosofia tem duas faces: uma dirige-se à religião e à arte; a outra, à ciência. O conhecimento filosófico dirige-se à totalidade das coisas; o conhecimento científico, às particularidades. Há profunda afinidade entre filosofia, arte e religião. A esfera da filosofia divide-se em: teoria da ciência, teoria dos valores e concepção do universo. Como disciplina autônoma, a Teoria da Ciência ou Teoria do Conhecimento surge pela primeira vez em 1690, com a obra de John Locke. Depois de passar pela epistemologia de Leibniz, Berkeley, Hume, a Teoria do Conhecimento atinge sua culminância na obra de Immanuel Kant: “Crítica da Razão Pura”. 

Sujeito e objeto são os dois elementos do conhecimento e ambos são correlatos: a função do sujeito consiste em apreender o objeto; a função do objeto consiste em ser apreendido pelo sujeito. Conhecimento é a transferência das propriedades do objeto para o entendimento do sujeito. A estrutura do conhecimento se opõe à da ação. Verdade se relaciona com a essência do conhecimento. Necessário alcançar a certeza de que o conhecimento é verdadeiro. Concorre um terceiro elemento: imagem (sujeito + objeto + imagem). O fenômeno toca a esfera psicológica através do sujeito, a esfera ontológica através do objeto e a esfera lógica através da imagem.

Johannes arrola as correntes do pensamento filosófico no que concernem ao conhecimento. (1) Dogmatismo: o problema do conhecimento não existe. A possibilidade de o sujeito apreender o objeto é inquestionável. (2) Ceticismo: tal possibilidade é questionável. O sujeito não pode apreender o objeto. Ainda que a verdade existisse, não poderia ser alcançada. (3) Subjetivismo e relativismo: a verdade tem validade limitada. Não há verdade universalmente válida. (4) Pragmatismo: só é verdadeiro o que for útil, valioso, fomentador da vida. O homem é um ser prático dotado de vontade e inclinado para a ação. (5) Criticismo: a razão humana é confiável, porém, deve examinar todas as asserções e nada aceitar sem este cuidado prévio. Trata-se de um método de filosofar calcado na esperança de chegar à verdade. Consiste em investigar: (I) as fontes das próprias afirmações e objeções; (II) as razões em que as mesmas se assentam. Kant foi o fundador do criticismo.

Johannes também arrola as correntes do pensamento filosófico sobre a origem do conhecimento. (1) Racionalismo: corrente filosófica que vê no pensamento a fonte principal do conhecimento. A inteligência dispensa a experiência para formular juízos evidentes tais como: “o todo é maior do que a parte”, “todos os corpos são extensos”. O pensamento verdadeiro é logicamente necessário e universalmente válido. Johannes cita Platão. (2) Empirismo: corrente filosófica que vê na experiência a única fonte do conhecimento. Inexiste patrimônio da razão “a priori”. Enquanto os racionalistas procedem da matemática {prioridade da dedução} os empiristas procedem da ciência natural {prioridade da indução}. (3) Sensualismo: modalidade do empirismo que só admite a percepção dos sentidos (experiência externa) como fonte do conhecimento. O sensualismo exclui a percepção de si próprio (experiência interna) como fonte do conhecimento. Johannes cita Condillac. Há empiristas que combinam a experiência externa (sensação) com a experiência interna (reflexão), admitindo ambas como fontes válidas do conhecimento. Johannes cita Locke e Hume. (4) Intelectualismo: corrente filosófica que concilia racionalismo e empirismo. Afirma que a fonte do conhecimento tanto é o pensamento como a experiência. Há juízos logicamente necessários e universalmente válidos, porém, não são “a priori”, pois derivam da experiência. Nihil est intellectu quod prius non fuerit in sensu (nada está no intelecto sem que antes não estivesse no sentido). Johannes cita Aristóteles. (5) Apriorismo: é outra tentativa para conciliar racionalismo e empirismo. Pensamento e experiência são admitidos como fontes do conhecimento, porém, há elementos “a priori” independentes da experiência. Os conceitos “a priori” são de natureza formal, não são conteúdos e sim formas do conhecimento. Johannes cita Kant. (6) Fenomenalismo: corrente epistemológica conciliadora do realismo e do empirismo. Essa teoria afirma que não conhecemos as coisas como são em si mesmas e sim como elas se nos apresentam. Há coisas reais, mas não podemos conhecer a sua essência. Espaço e tempo são unicamente formas da nossa intuição. A “coisa em si” é incognoscível. O nosso conhecimento permanece limitado ao mundo fenomênico. Tal mundo surge em nossa consciência porque ordenamos e elaboramos o material sensível em relação às formas “a priori” da intuição e do entendimento.

Tomando posição própria, Johannes distingue inicialmente o problema psicológico do problema lógico. Do ponto de vista psicológico, o conhecimento resulta do cruzamento de conteúdos de consciência intuitivos e não intuitivos. Do ponto de vista lógico, cumpre distinguir o que é próprio das ciências ideais do que é próprio das ciências reais. Tratando-se de ciência ideal, o racionalismo está certo. A base de validade do conhecimento está na razão. As proposições da lógica e da matemática independem da experiência. Tratando-se de ciência real, o empirismo está certo. Nesse campo, a base de validade do juízo é a experiência. O conhecimento próprio da ciência real também apresenta categorias “a priori”. O princípio da causalidade serve de exemplo. Na ciência real, seria impossível estabelecer leis gerais sem supor que na natureza reinam a regularidade, a ordem e a conexão. Todo processo natural tem uma causa.

O verdadeiro problema do conhecimento localiza-se na relação entre o sujeito e o objeto. O conhecimento apresenta-se à consciência natural como uma determinação do sujeito pelo objeto. Segundo a corrente objetivista, o sujeito se rege pelo objeto, ou seja, o objeto determina o sujeito; este reproduz as propriedades do objeto. Segundo a corrente subjetivista, o centro de gravidade do conhecimento reside no sujeito; deste depende a verdade do conhecimento. O realismo é a posição epistemológica segundo a qual há coisas reais independentes da consciência. O objeto existe ainda que não o percebamos. O idealismo é a antítese do realismo: não há coisas reais independentes da consciência. O objeto do conhecimento é algo ideal, nada real. Para o idealismo psicológico toda a realidade está encerrada na consciência do sujeito. Para o idealismo lógico a realidade vem expressa no conjunto de juízos como no processo científico: a realidade se reduz ao lógico.

domingo, 22 de março de 2015

IMPEACHMENT II



Os atos que tipificam o crime de responsabilidade são aqueles que atentam contra a Constituição Federal, especialmente contra: (1) a existência da União; (2) o livre exercício dos poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e dos poderes constitucionais dos Estados Federados; (3) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; (4) a segurança interna do país; (5) a probidade na administração; (6) a lei orçamentária; (7) o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Os atos incriminadores que ensejam a apuração da responsabilidade política do titular de cargo eletivo são aqueles praticados na vigência do mandato. Se o mandato estiver extinto, não há falar em impeachment e sim em processo judicial comum. O mandato político se extingue: (1) por morte do mandatário; (2) por doença que incapacite o mandatário para o exercício do mandato; (3) por renúncia; (4) ao fim do prazo de vigência do mandato. A revogação do mandato por decisão dos eleitores ainda não está contemplada no ordenamento jurídico brasileiro. Fatos ilícitos ocorridos na vigência de um mandato presidencial não se comunicam ao mandato posterior para o fim de apurar responsabilidade política; as situações de um período são autônomas em relação ao período seguinte, neste particular.

Há real e lógica impossibilidade de alguém perder: (1) mandato já extinto; (2) cargo eletivo correlato a mandato cujo prazo de vigência se exauriu. O cargo eletivo vincula-se ao mandato político. Esse mandato é conditio sine qua non à investidura no cargo eletivo. Ao se extinguir o mandato, o cargo eletivo se mantém na estrutura do poder estatal, porém vazio. Extinto o mandato, a vacância do cargo é conseqüência imediata e dura até a posse do sucessor (suplente, vice, ou quem for eleito ou reeleito) ainda que o intervalo da passagem seja de poucas horas. A candidata ao cargo presidencial nas eleições de 2014 teve sua vitória reconhecida pelo Tribunal Superior Eleitoral, onde recebeu um novo diploma correspondente ao novo mandato. Depois, tomou posse do cargo em sessão do Congresso Nacional, o que seria impossível se o cargo não estivesse vago de pleno direito. Empossada no cargo, a reeleita entrou formal e efetivamente no exercício das suas funções para novo quatriênio. Não há séria e consistente notícia de crime por ela praticado nesse período de três meses de exercício do novo mandato presidencial.

Os manifestantes da passeata paulista de março de 2015 referem-se a fatos que teriam ocorrido no mandato anterior da atual presidente, o que não autoriza o impeachment. Quanto aos fatos ocorridos na Petrobrás, alcançam outros mandatos presidenciais de outros governantes, tipificam delitos comuns e devem ser apurados pelas vias ordinárias. O Procurador-Geral da República não vislumbrou indícios veementes de participação da Presidente da República nos fatos narrados no inquérito policial. Nos termos da Constituição Federal, a Presidente da República não pode ser responsabilizada politicamente por atos estranhos ao exercício das suas funções.

No que tange ao desempenho do governo federal nos campos social e econômico, as iniciativas, ações e omissões decorrem da competência constitucional e administrativa dos órgãos do Executivo. Alguns brasileiros e estrangeiros mostram-se satisfeitos enquanto outros se mostram insatisfeitos com esse desempenho. Esta é uma situação comum em qualquer país e, por si só, não caracteriza crise alguma. O processo eleitoral é o mais seguro vetor estatístico. Se o campo da pesquisa for o Sul (incluindo São Paulo) e/ou Oeste, do território nacional, onde foi menor a votação da senhora Dilma, o grau de insatisfação popular com o seu governo será provavelmente alto e geral. Se o campo de pesquisa for o Norte e/ou Leste (excluindo São Paulo), onde foi maior a votação da senhora Dilma, o grau de insatisfação popular com o seu governo será provavelmente baixo e pontual. Além deste vetor quantitativo e lógico, entra o imponderável: a preferência pessoal do pesquisador de campo e de quem escolhe e sistematiza os dados da pesquisa, pessoas nem sempre confiáveis em decorrência da cultura brasileira do “jeitinho”. Daí, a fraca credibilidade das pesquisas sociais.

Situa-se fora do esquadro e do compasso ético e jurídico a desrespeitosa atitude e as ofensivas palavras dos insatisfeitos em relação a mais elevada autoridade do Poder Executivo Federal. A crítica às iniciativas, ações e omissões do governo há de ser fundada em cálculos elaborados sem maquiagem e em dados concretos, sem logorréia. Necessário levar-se em conta o panorama internacional, principalmente no que concerne à economia. Os dados atuais devem ser comparados com os de governos anteriores. Se a comparação for honesta e neutra, ver-se-á, com alta probabilidade, que o desempenho do governo tucano foi pior do que o desempenho do governo petista, para angústia dos insatisfeitos e decepção dos levianos detratores.

Gritar e bater em panela não basta. Aliás, nas manifestações do dia 15, foram os ricos que bateram em panelas da sacada dos seus luxuosos apartamentos, alguns deles, mui provavelmente, titulares de contas bancárias na Suíça, nas Ilhas Cayman, Seychelles ou em algum outro paraíso fiscal. Assistimos à rebeldia dessa direita aristocrática inconformada com a permanência da esquerda democrática no governo da nação. A direita aristocrática e simpática à ditadura, inventa uma “crise” artificial que existe apenas na retórica agressiva dos insatisfeitos e detratores, difundida pela grande imprensa aliada. Nas veias desses aristocratas sucumbentes, o sangue ferve de ódio. Indignação diabólica.

As instituições políticas, sociais e econômicas funcionam regularmente desde a promulgação da Constituição da República (1988). Os poderes constituídos atuam harmoniosamente. A economia brasileira está bem situada no ranking internacional, embora sinta o reflexo das marés da economia mundial. Fatores internos fazem-na oscilar (greve, lockout, estiagem, inundação, retração na produção e no consumo). Ações e omissões corrosivas planejadas pela aristocracia vingativa (banqueiros, empresariado comercial e industrial, proprietários das emissoras de televisão e de outros grandes veículos de comunicação) freiam o crescimento econômico, minando a posição de liderança do governo. O fato de o crescimento da economia nacional ser menor do que o da economia dos EUA, da China, ou da Alemanha, não significa, ipso facto, incompetência dos administradores brasileiros. A realidade social e histórica daqueles países é diferente da brasileira. O que existe no Brasil é uma imoralidade crônica surgida nos tempos coloniais, que passou incólume pelo império, prosseguiu na república e se tornou aguda nos últimos 25 anos. Essa imoralidade inclui a falta de espírito público, insensibilidade em relação ao interesse coletivo e ao bem comum da nação.      

Os partidos políticos PSDB e PT, por abrigarem bandidos do colarinho branco, não gozam da minha simpatia. A caverna de Ali Babá em que foi transformada a administração pública brasileira integra a escandalosa história republicana do período posterior à promulgação da nova Constituição (1988). Para não me sentir cúmplice, eu não votei nos candidatos desses dois partidos nas eleições presidenciais de 2014. Por seu histórico pessoal, por sua dignidade e bravura, eu teria votado na senhora Dilma Rousseff se ela fosse filiada a um partido limpo.

Juridicamente adequada e politicamente oportuna, a decisão do Presidente da Câmara dos Deputados que impediu o processamento dos requerimentos de impeachment que lhe foram apresentados. Assim, de modo legal e sensato, essa autoridade legislativa evitou dar curso a pretensões indecorosas de gente frustrada que por motivos mesquinhos, imorais e antipatrióticos, não titubeia em tumultuar a vida política e social do Brasil. 


sábado, 21 de março de 2015

IMPEACHMENT



Essa palavra inglesa, que significa impedimento, entrou para o vocabulário político e jurídico de nações européias e americanas para designar o conjunto de procedimentos a serem obedecidos para destituir do cargo público o respectivo titular. Esse instituto surgiu e vigorou na Inglaterra do século XIV ao século XIX como norma consuetudinária. Aplicava-se aos ministros acusados de má conduta ou da prática de crime. O julgamento cabia à Câmara dos Lordes. O rei estava excluído da incidência dessa norma (irresponsabilidade real). Com o advento da moção de desconfiança, o impeachment caiu em desuso naquele país.  

Os legisladores constituintes dos Estados Unidos da América do Norte, caudatários da cultura inglesa, inseriram o impeachment na Constituição (1787). O instituto americano destina-se a apurar a responsabilidade dos funcionários civis graduados, inclusive o presidente da república, acusados de má conduta, suborno, traição ou crime grave. A pena prevista tem caráter exclusivamente administrativo. A responsabilidade desses funcionários por infrações à lei civil e à lei penal é apurada no processo judicial comum Quanto ao especial processo de impeachment, começa com a denúncia apresentada à Câmara dos Representantes; se aprovada pela maioria dos deputados, a questão é encaminhada ao Senado para julgamento; se rejeitada pelos deputados ou se não alcançar o quorum, é arquivada. A condenação exige o voto de 2/3 dos senadores, caso contrário, o acusado é absolvido. Isto ocorreu no processo do presidente Andrew Johnson, absolvido por insuficiência de quorum (1868). No período de 1797 a 1936, responderam ao impeachment: o citado presidente, um senador, um secretário de estado e quatro juízes. Houve o caso de renúncia do presidente Richard Nixon antes da conclusão do processo (1974).

No Brasil, apura-se a responsabilidade política, administrativa, civil e penal dos servidores públicos mediante uma série ordenada de procedimentos que integram o devido processo legal. O Presidente da República e outros agentes políticos dispõem de foro privilegiado estabelecido na Constituição Federal. Nos crimes comuns, o Presidente da República será processado perante o Supremo Tribunal Federal. Nos crimes de responsabilidade, será processado perante o Senado Federal, mediante prévia autorização de 2/3 dos votos da Câmara dos Deputados. A condenação exige 2/3 dos votos do Senado Federal. A pena limita-se à perda do cargo com inabilitação por 8 anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das ações judiciais cabíveis. Instaurado o processo por crime comum ou por crime de responsabilidade, o presidente será afastado das funções pelo prazo máximo de 180 dias. Decorrido o prazo sem findar o processo, o presidente reassume as funções do seu cargo.

Crime de responsabilidade, no direito brasileiro, é ato do funcionário público civil que atenta contra a Constituição. Lei especial define esse tipo de crime e estabelece as normas do respectivo processo (lei 1.079 de 1950, recepcionada pela Constituição da República de 1988, embora necessitando de atualização). Nos termos da Constituição, ficam sob controle político os atos de gestão administrativa do Presidente da República, do Vice-Presidente da República, dos ministros de Estado, dos juízes do Supremo Tribunal Federal, do Procurador-Geral da República e do Advogado-Geral da União, que possam tipificar crime de responsabilidade.

O Congresso Nacional tem competência para criar Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a fim de investigar fato determinado. Tanto a Câmara dos Deputados como o Senado Federal também podem, isoladamente, criar CPI com essa finalidade. A condenação ou absolvição dos investigados está fora das atribuições da CPI. Compete-lhe, apenas, investigar a autoria e a materialidade do fato central e ramificações, visando a municiar o Congresso Nacional para o desempenho das suas funções, entre as quais, a de instaurar processo parlamentar de impeachment. O que for apurado no inquérito poderá ser encaminhado ao Ministério Público. O relatório da CPI e a resolução que o aprovou serão encaminhados também às autoridades com poder de decisão para atos de suas respectivas competências. Nada impede que as conclusões da CPI sejam encaminhadas a outros órgãos internos do Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas.

Na atual conjuntura brasileira não há lugar para o impeachment da Presidente da República. Parcela do eleitorado brasileiro que votou na senhora Dilma Rousseff saiu às ruas em 13/03/2015 para: (1) reclamar contra: a) corrupção no governo (legislativo + executivo + judiciário); b) edição de duas medidas provisórias; (2) defender o mandato presidencial obtido de forma legal e legítima pela atual governante; (3) assegurar a vigência do regime democrático.

Parcela do eleitorado brasileiro que perdeu as eleições saiu em passeata no dia 15/03/2015 com o objetivo claramente definido de: (1) provocar o impeachment da Presidente da República; (2) defender golpe de estado com intervenção do exército, substituindo o voto pela força; (3) retornar ao neoliberalismo e às privatizações, inclusive da Petrobrás; (4) negar representatividade aos políticos; (5) aniquilar os partidos da esquerda; (6) extinguir o Supremo Tribunal Federal.  

As duas manifestações não eram do “povo brasileiro” e sim de distintas parcelas desse povo. No que concerne à segunda manifestação, realizada em São Paulo, reuniu a parcela branca, remediada e rica da sociedade, derrotada nas eleições presidenciais.

As manifestações mostram-se insuficientes para instaurar procedimento da envergadura política do impeachment cujos efeitos na vida social do país são nefastos. A destituição de um titular de cargo público eletivo significa tornar sem efeito a vontade do eleitor e cassar o mandato outorgado pelo corpo eleitoral. Abrem-se chagas nas instituições democráticas. Quando se trata do Chefe de Estado e de Governo, então, estremecem-se os pilares da democracia. Daí, esse instituto ser utilizado com parcimônia e moderação nos países republicanos e democráticos.  

A “voz das ruas”, abstraída a sonoridade poética e sedutora, emana tanto de gargantas sadias como de gargantas inflamadas. A quantificação de gente nessas manifestações é problemática. A polícia tucana estimou em um milhão o número de pessoas reunidas na Avenida Paulista, enquanto instituição independente estimou em 210 mil. Os manifestantes paulistas imitaram as “caras pintadas” da última década do século XX. Imitação artificiosa, anacrônica, ridícula, sem nobreza moral e sem justa causa.

quinta-feira, 19 de março de 2015

FILOSOFIA XV - 31



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Independente da consciência, a realidade objetiva contém em si as três categorias: singularidade, particularidade e universalidade. Georg Lukács cita Lênin: “A forma é essencial. A essência tem esta ou aquela forma”. [A energia pode ter a forma de onda e de corpúsculo]. Georg cita Hegel: “A forma da intuição sensível pertence à arte, que confere à verdade, a forma das representações sensíveis. O belo se define, por isto, como o aparecer sensível da idéia; (...) a idéia não só é verdade como também é beleza”. Cita Bielinski: “A arte é a intuição imediata da verdade, ou um pensar por imagens”. Cita Feuerbach: “A arte apresenta suas criações apenas como aquilo que são, isto é, como criações da arte, ao passo que a religião apresenta seus seres imaginários como seres reais”. A arte cria um mundo próprio. A forma estética genuína é sempre a forma de um determinado conteúdo. A forma artística é a forma específica e peculiar da matéria que constitui o conteúdo da obra de arte. Do ponto de vista científico, a técnica está divorciada da subjetividade humana (salvo no que tange à finalidade) e tende para a universalidade. Do ponto de vista artístico, a técnica é inseparável dessa subjetividade e tende para a singularidade. A personalidade do artista é determinante, inseparável da obra, mesmo quando esta é de autoria coletiva (como a catedral gótica ou a capela sistina, por exemplo). Não há objeto estético (obra de arte) sem um sujeito estético (artista). 

A originalidade consiste na reprodução da natureza pelo artista. A falta de originalidade consiste na reprodução da reprodução (cópia, imitação). Georg cita Hegel: “A originalidade consiste em produzir algo inteiramente universal (...) é idêntica à verdadeira objetividade; ela une estreitamente o lado subjetivo e o lado objetivo da representação de tal modo que cada um dos lados não conserva nada de estranho com relação ao outro”. Georg traz à balha a estética marxista: “original é o artista que consegue captar em seu justo conteúdo, em sua justa direção e em suas justas proporções, o que surge de substancialmente novo em sua época; o artista capaz de elaborar uma forma organicamente adequada ao novo conteúdo e por ele gerada como nova forma”. A originalidade consiste em captar os traços decisivos na luta entre o velho e o novo. A vida reproduz sempre o velho e produz incessantemente o novo. A luta entre o velho e o novo penetra em todas as manifestações da vida. Sobre a mais intensa forma de surgimento do novo (na política, a revolução), Georg cita Lênin: “Só quando os de baixo não querem e os de cima não podem continuar vivendo à moda antiga é que a revolução pode triunfar. Em outras palavras, esta verdade exprime-se do seguinte modo: a revolução é impossível sem uma crise nacional geral (afetando explorados e exploradores)”. A realidade refletida e plasmada pela arte, tomada em seu conjunto, implica já, desde o primeiro momento, uma tomada de posição em face das lutas históricas do presente no qual vive o artista (partidarismo).    

Ludwig Josef Johann Wittgenstein (1889 a 1951) nasceu em Viena, no seio de família abastada (filho de industrial e neto de banqueiro). Na juventude, estudou física e matemática em Linz (Áustria), engenharia mecânica na Escola Técnica Superior de Berlim, engenharia em Manchester (Inglaterra). No setor aeronáutico, fez pesquisas, projetou um motor a jato e um propulsor. Interessando-se pelos fundamentos da matemática, ingressa no Trinity College, torna-se aluno de Bertrand Russell e se dedica à Lógica (Cambridge, 1912). Destacou-se na linha do positivismo lógico embora sem pertencer ao Círculo de Viena. Depois da primeira guerra mundial, quando voluntariamente alistou-se no exército austríaco e prestou serviço militar, retorna à vida civil e publica o seu “Tractatus Logico Philosophicus” (1921). Posteriormente, ao mudar o rumo das suas reflexões, ele repudiou essa obra.

Ao tentar a vida monástica, Ludwig é rejeitado pelo abade (1926). [Cena provável: o abade olha o postulante à sua frente, coça a barba e pensa: este infeliz doa toda a sua imensa fortuna às suas duas irmãs sem reservar uma parte da rica herança a este monastério e agora, sem tostão algum, vem pedir admissão. Duvidando da higidez mental do postulante, diz o abade: meu filho: não vejo em ti vocação para o serviço de deus, mas você pode servir ao monastério na tarefa doméstica de faxina e jardinagem]. Frustrado o intento de se tornar monge, Ludwig presta serviço como auxiliar de jardineiro no mosteiro de Hütteldorf até decidir voltar a Cambridge quando, então, retoma os estudos de filosofia e obtém o título de doutor (1929).

Aluno de Bertrand Russell em Cambridge, Ludwig pergunta ao mestre: sou ou não sou um completo idiota? Bertrand quis saber a razão da pergunta. Ludwig explica: se eu for um completo idiota, dedicar-me-ei à aeronáutica; caso contrário tornar-me-ei filósofo. Bertrand solicitou-lhe um texto filosófico para avaliar e lhe dar a resposta. Depois de algum tempo, o aluno apresenta um trabalho escrito. [Cena provável: Bertrand olha o texto e pensa: um idiota que doa seu enorme patrimônio para viver na miséria só pode ser filósofo ou santo; a igreja desprezou-o; então, que a universidade o consagre. Bertrand suspira, encara o discípulo, move a cabeça de um lado a outro e com a flegma britânica responde: “não, você não deve se tornar um aeronauta”]. E, assim, o século XX ganhou um dos seus mais confusos e notáveis filósofos.

Na segunda guerra mundial, com mais de 50 anos de idade, Ludwig presta serviço voluntário como porteiro e ajudante em hospitais (1941 a 1944). Depois da guerra, ele renuncia à cadeira de Filosofia na Universidade de Cambridge (1947). Ludwig escreveu: “Algumas Observações sobre Forma Lógica”, “Investigações Filosóficas”, “Observações Filosóficas”, “Cadernos Azul e Marrom”, além de uma série de apontamentos organizada por amigos após a sua morte e contida no livro “Conferências e Discussões sobre Estética, Psicologia e Crença Religiosa”.

Na opinião de Ludwig, são tautológicas: todas as verdades da lógica e, por estarem despidas de significado factual, todas as proposições matemáticas. As suas pesquisas impulsionaram o positivismo lógico. Ele se interessou pela análise lingüística ao verificar que as perplexidades na Filosofia derivam do uso desleixado da linguagem. Cabe ao filósofo tornar claras as proposições. Quando uma questão é formulada adequadamente, a resposta será provavelmente clara e precisa. Do negligente uso da linguagem resultam divergências filosóficas. Captadas as ambigüidades, a solução se mostra simples e o problema insignificante.

A pergunta sobre o que aconteceu antes do início de um espetáculo é plausível e adequada. Perguntar o que aconteceu antes do início do universo não é plausível, nem adequado. Se alguma coisa precede o início, a pergunta tem sentido; se nada o precede, carece de sentido. O significado da palavra é revelado na sua aplicação. Como em um jogo, a linguagem segue as regras conhecidas pelos jogadores. Há movimentos permitidos e outros proibidos. Ludwig nega a possibilidade de uma linguagem que permita a comunicação entre pessoas sem confusão alguma. Os problemas metafísicos resultaram de uma defeituosa apreensão da “gramática” das palavras, ou seja, da lógica das palavras. Na opinião de alguns analistas lingüísticos, os enigmas surgem dos solecismos filosóficos {erros de sintaxe} e não da linguagem corrente, como se esta linguagem fosse imune à confusão.

terça-feira, 17 de março de 2015

FILOSOFIA XV - 30



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Gaston Bachelard adverte sobre a necessidade de serem revistas, no ambiente microfísico, as ideias mais simples, como a de choque, reação, reflexão material ou luminosa, derivadas das nossas intuições comuns. As permutas de energia e de luz se estabelecem segundo um duplo jogo de escrita regulado por conveniências numéricas complicadas. O azul celeste é tão instrutivo para o novo espírito científico como o foi há alguns séculos o mundo estrelado por cima das nossas cabeças. Quando se examina o fenômeno luminoso resistindo ao esquematismo e à primeira intuição, provocando razões de pluralismo experimental, é que se chega a pensamentos que retificam pensamentos e a experiências que retificam observações.

Há uma supremacia do número em relação à coisa e uma supremacia do provável sobre o número. A substância química não é mais do que a sombra de um número. Temos tanto a aprender dos fluídos como dos sólidos; devemos pensar os sólidos a partir da experiência primitiva dos fluídos e, assim, contrabalançar o tradicional movimento epistemológico inverso. A propósito do dualismo ondas e corpúsculos, das noções físicas da teoria ondulatória e da teoria corpuscular, pode-se concluir ser a onda um quadro de jogos e o corpúsculo uma hipótese e que o problema do realismo das ondas e dos corpúsculos confundir-se-á, pouco a pouco, com o problema do determinismo e da probabilidade. O determinismo desceu do céu a terra. Há uma filosofia do céu estrelado: ensina ao homem a lei física nos seus caracteres de objetividade e de determinismo absolutos. Os fenômenos astronômicos representam, de algum modo, a forma mais objetiva e mais estritamente determinada dos fenômenos físicos. O princípio de causalidade se subordina ao que o pensamento objetivo exige. Assimilar o provável ao irreal é um equívoco. Probabilidade e ignorância são conceitos distintos; pode haver leis estatísticas sem convergência causal (princípio da incerteza de Heisenberg). Na microfísica há interferência essencial do método e do objeto; o realismo elementar é um erro. Gaston cita Carrera: “Não estamos em condições de saber se a mecânica quântica criada para interpretar a radiação dos átomos isolados basta para esclarecer o problema muito complicado da dinâmica da molécula”.        

Georg Lukács (1885 a 1971) filósofo húngaro, militante comunista, filiou-se ao partido em 1918 e prestou serviços ao exército vermelho. A sua reflexão filosófica parte da análise crítica do pensamento de Aristóteles, Kant e Hegel e se posiciona ao lado das teorias de Marx, Engels e Lênin, nas quais assenta sua base filosófica conforme consta do livro “História e Consciência de Classe” (1923). Com a ascensão do nazismo, Georg muda-se de Berlim para Moscou (1933). Regressa à Hungria no final da segunda guerra mundial e se torna membro da Academia de Ciências. Combateu autores e obras colidentes com a ética e a ideologia do partido comunista. Preferia ver o triunfo da cultura socialista na pacífica e livre competição cultural. Georg participou da revolução húngara e defendeu a organização do partido comunista em novas bases a fim de conquistar o apoio do povo húngaro. A liderança social do partido devia ser conquistada pela persuasão e não pela força. Exilado na Romênia, Georg volta a Budapeste (Hungria, 1957) onde permaneceu até morrer.

Georg criticou o partido comunista da União Soviética e iniciou a corrente denominada marxismo ocidental. Tratou da relação entre sociologia, política e filosofia sob o enfoque marxista e abordou conceitos como “alienação”, “ideologia” e “consciência de classe”. Ele também se dedicou à teoria literária e estética. Escreveu substanciosa “Introdução a uma Estética Marxista”, livro publicado em 1957, na certeza de a particularidade ser um dos problemas centrais da Estética. Na opinião dele, essa questão foi negligenciada tanto do ponto de vista lógico como do ponto de vista estético. Na obra retromencionada, Georg analisa a particularidade como categoria da Estética, a gênese filosófica do princípio estético, o particular à luz do materialismo dialético, o particular como categoria central da Estética, a concretização da particularidade como categoria estética em problemas singulares {característica geral da forma artística, conteúdo e forma da obra artística (tipicidade), a arte como autoconsciência do desenvolvimento da humanidade}. Ele procede à análise dos escritos de Aristóteles, Kant, Schelling e Goethe, relativos à questão lógica do particular e seu liame estético.

Na base do seu estudo, está a ideia geral de que o conhecimento científico e a expressão estética refletem a mesma realidade objetiva. Entre a doutrina das categorias científicas e a doutrina das categorias estéticas há identidades e diversidades. Será impossível uma práxis e nos orientarmos na realidade sem delimitarmos as recíprocas relações entre universalidade, particularidade e singularidade, problema do pensamento posto desde a Idade Antiga. A relação entre a particularidade e a universalidade é um eterno processo de superação. Necessário se faz adquirir conhecimento da mútua superação de uma categoria na outra (dialética entre o universal e o particular). Georg cita Engels: “Todo conhecimento efetivo, completo, consiste apenas no seguinte: com o pensamento nós elevamos o singular da singularidade à particularidade e desta à universalidade”. Engels cita a sequência das descobertas históricas separadas por longos anos, uma da outra, como exemplo do movimento do juízo: “O atrito é uma fonte de calor” = juízo do ser (etapa da singularidade). “Todo movimento mecânico pode se transformar em calor por meio do atrito” = juízo de reflexão (etapa da particularidade). “Toda forma de movimento revela-se apta e obrigada a se transformar em qualquer outra forma de movimento” = juízo do conceito (etapa da universalidade).

O interesse particular de uma classe, como a burguesia, é posto como sendo o interesse universal de toda a sociedade. Na visão marxista, o interesse particular do proletariado há de coincidir com o interesse universal de toda a sociedade. Georg cita Marx: “Toda classe que aspira a dominação mesmo quando – como no caso do proletariado – sua dominação implique na superação de toda velha forma da sociedade e da dominação em geral, deve, antes de tudo, conquistar o poder político a fim de representar, por sua vez, o seu interesse como universal, a isto estando obrigada em primeiro momento”.

O conhecimento humano deve percorrer dois caminhos: (1) da realidade concreta dos fenômenos singulares às mais altas abstrações; (2) destas abstrações à realidade concreta a qual – com ajuda daquelas – pode agora ser compreendida de um modo mais exato. A arte – tal qual a ciência e o pensamento ligado à vida cotidiana – é um reflexo da realidade objetiva e não o reflexo das ideias como quer o neoplatonismo. Essência e aparência, no reflexo estético, formam uma unidade real e inseparável; no reflexo científico, estão separadas. Georg cita Lênin: “A aparência é uma das determinações da essência em um dos seus aspectos, em um dos seus momentos”.

Ao estabelecer a prioridade da realidade objetiva comum, o materialismo cria um fator diferencial em relação à filosofia idealista. O idealismo cria mundos isolados um do outro. No sistema de categorias do reflexo estético a particularidade tem uma função diversa da função que desempenha no sistema científico. O fenômeno típico é encarnação concretamente artística da particularidade, embora a arte não se limite a constatá-lo. Como todos os elementos do conteúdo artístico, o típico é uma categoria da vida. Nas ciências sociais, que tem por objeto as ações e relações humanas, o típico pode desempenhar função autônoma ao lado das leis universais. [Traços típicos de pessoas (físicos,biométricos), da cultura de um povo ou de uma época (ideias, crenças, costumes, modismos, folclore, músicas regionais, cancioneiro)].