quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

METÁSTASE NAZISTA

No dia 6 de dezembro de 2021, a cidadã fluminense Gabriela Lima ocupou a tribuna livre da Câmara Municipal de Resende/RJ por 5 minutos regimentais. Em nome do Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores (PT) e do seu próprio, ela protestou contra as ofensas que, em sessão anterior, certo vereador dirigiu aos ex-presidentes da república Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e demais militantes do PT e dos partidos de esquerda em geral. Os ofendidos foram (i) acusados de corruptos, terroristas e assassinos (ii) tratados como ratos, ratazanas e baratas. O ofensor ainda elogiou Sérgio Paranhos Fleury por ter matado Marighella. Disse que o delegado fizera pouco, pois, devia exterminar todos os esquerdistas. 
Nesse diapasão, quando parlamentar, o atual presidente da república censurou o regime militar por não fazer o que tinha de ser feito: matar uns 30 mil inimigos. No exercício do seu mandato presidencial, esse cidadão é responsável pela morte de cerca de 300 mil brasileiros, em decorrência: [1] do seu negacionismo no que tange à eficácia: (i) das recomendações da ciência (ii) da vacinação na pandemia [2] da injustificada demora no atendimento à saúde pública. 
Na referida sessão do dia 6/12, vereadores e público se comportaram de forma civilizada. Aos militantes do PT foi permitido estender bandeira vermelha no auditório. A plateia aplaudiu os dois discursos proferidos da tribuna livre. Na saída, os militantes do PT entoaram palavras de ordem e tiraram fotografia na frente do prédio, sem agressões e sem ofensas. No dia seguinte, antipetistas chamaram essa pacífica manifestação de “baderna”, vocábulo usado pelos oficiais do exército na ditadura militar, e comentaram de forma pejorativa o discurso de desagravo proferido pela cidadã fluminense Gabriela Lima. No entanto, ela o proferiu em bom tom e salientou a gravidade dos crimes que denunciava, sem gritaria ou paroxismo.
A inviolabilidade por opiniões, palavras e votos não isenta de pena e nem livra de processo judicial os parlamentares que abusam das suas prerrogativas, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal. A conduta do vereador foi abusiva. Pregar o extermínio dos adversários colide com a garantia constitucional do pluralismo político e caracteriza prática nazista definida como crime nas leis de segurança nacional e do genocídio. Rebaixar humanos à condição de animais irracionais é ferir o princípio da dignidade da pessoa humana declarado na Constituição da República (CR/1988). Louvar a prática criminosa de um assassino e torturador como o delegado Fleury, serviçal da ditadura militar, caracteriza o delito definido no Código Penal como apologia ao crime e ao criminoso. Injuriar, difamar e caluniar, extrapolando os limites éticos e jurídicos da legislatura municipal, configura crime comum e falta de decoro parlamentar.
O Diretório Municipal do PT denunciou esses crimes em petições dirigidas ao presidente da Câmara Municipal e ao Promotor de Justiça, mas estão sendo tratadas com morosidade, o que pode ser visto como aval à conduta delituosa. O direito de petição é assegurado a todos os brasileiros. As autoridades públicas têm o dever jurídico de despachar as petições que lhes são apresentadas, deferindo ou indeferindo, sem engaveta-las e sem retardar os trâmites. 
O caso em tela não se reduz a uma questiúncula paroquial. Desborda dos lindes municipais. A oradora falou em metástase cancerosa. Lembrou que o município é uma célula do organismo político da nação. O vírus do nazismo aninhado numa célula comunica-se às demais até infectar todo o organismo multicelular da vida nacional. O município (à romana) ou comuna (à francesa), é a microfísica da vida social e política com peculiares interesses e básicas necessidades da população no âmbito de uma circunscrição territorial. A comuna foi a base dos movimentos emancipatórios na colônia e no império do Brasil. Na república, apesar dos retrocessos autocráticos no país, a comuna se firmou como pessoa jurídica de direito público. Dotada de governo autônomo, provida de lei orgânica, órgãos legislativo e executivo próprios, a comuna consiste na unidade política, administrativa e geográfica onde, dentro dos limites espaciais traçados no mapa do estado, obras públicas são realizadas e serviços públicos são prestados. O esteio financeiro do município compreende impostos, taxas e contribuições de melhoria, todos autorizados pela CR/1988 e disciplinados por leis federais, estaduais e municipais. Há também (i) o produto da arrecadação de alguns tributos federais e estaduais destinado, total ou parcialmente, aos municípios (ii) assistência técnica prestada pelo estado. 
A comuna está sujeita à intervenção do governo estadual [1] quando deixa de (i) pagar a dívida fundada (ii) prestar contas (iii) aplicar parte da receita municipal em educação e saúde [2] quando a intervenção é determinada pelo tribunal de justiça para (i) assegurar a observância de princípios constitucionais (ii) prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. 
Na vida comum e cotidiana da população local mui próxima da administração da comuna, são vivenciados objetivamente, na linha dos costumes, da história e da cultura de cada região: (i) hábitos democráticos e autocráticos (ii) progresso, estagnação e retrocesso (iii) ações e omissões lícitas e ilícitas (iv) alegrias e tristezas (v) amor e ódio. A mentalidade autoritária e o projeto de dominação política de um grupo geram condutas nazifascistas. O episódio da comuna de Resende aqui tratado, serve de exemplo por ser tipicamente nazista, reflexo, talvez, do nazismo renascido na Europa e na América neste século. A Academia Militar das Agulhas Negras, localizada na comuna, prenhe do fascismo visceral do exército desde a proclamação da república, passando pela ditadura civil (1930) e pela ditadura militar (1964), também influi, juntamente com a vocação do atual governo de extrema direita, no pendor nazista de alguns vereadores que deram o seu aval, ainda que silencioso, à criminosa conduta do colega.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

POSSE IMPUGNÁVEL

Firmes nos seus estatutos, a ordem dos advogados, o ministério público, o partido político, têm legitimidade para impugnar, no Supremo Tribunal Federal, a posse no cargo de ministro da pessoa nomeada pelo presidente da república. A impugnação pode ser fundamentada nos seguintes motivos: 
Alinhamento com o nazifascismo do presidente da república a quem serviu por algum tempo. O pensamento e a ação nazifascistas são contrários ao fundamento democrático da república brasileira. 
Falta de idoneidade moral e de decoro para execer a judicatura revelada publicamente ao se vangloriar de haver mentido e enganado os examinadores na sabatina do Senado. 
Como dois garotos arteiros, ele e o presidente da república se deixaram fotografar e filmar abraçados com largos sorrisos, comemorando a proeza esperta e enganosa. Mostraram tratar de modo leviano assunto muito sério e relevante para a nação brasileira.  
A religião da pessoa não é óbice à judicatura, salvo se alicerçar projeto político revolucionário para fazer do Brasil uma república autocrática religiosa fundamentalista. O cidadão cuja posse no STF está marcada para esta semana, deu mostras de ser “terrivelmente evangélico”, ou seja, de integrar o grupo evangélico que nutre o propósito de assumir o poder político no país e exercê-lo de forma hegemônica e autoritária. Esse projeto é contrário à democracia, à liberdade religiosa e à laicidade do estado brasileiro. 
Além das instituições acima mencionadas, qualquer ministro do STF poderá se insurgir contra a posse de pessoa que se revela desqualificada para a judicatura no mais alto escalão do Poder Judiciário. Urge cancelar a cerimônia de posse até que o plenário do STF decida sobre a oportuna, necessária e conveniente impugnação. Se a decisão for contrária à posse, o presidente da república indicará outra pessoa.  


domingo, 12 de dezembro de 2021

FRAQUEZAS HUMANAS

Os seres humanos são deficientes físicos, emocionais, intelectuais, morais e espirituais. Reconhecer, controlar e superar essas deficiências depende do esforço de cada indivídulo. A educação doméstica,  escolar e social, bem como o atendimento à saúde física e mental, ajudam os humanos nesse reconhecimento e nessa superação. Quem consegue assumir o controle de si mesmo estará apto a controlar a conduta alheia, quer como legislador, quer como governante e magistrado. 
No plano dos fatos, muitas vezes, essas relevantes funções políticas são exercidas por pessoas despreparadas, que não conseguem sequer controlar a si próprias ou viver em harmonia com a sua família e seu círculo de amizades; pessoas mentirosas, hipócritas, desleais, sem pudor algum, insensíveis à segurança e ao bem-estar da comunidade local ou nacional, desprovidas do senso moral, da empatia e da compaixão. Ainda assim, muitas vezes, algumas delas prestam concurso para cargos públicos e são aprovadas por bancas examinadoras frouxas e condescendentes. 
O fato, por exemplo, de alguém ser padre, pastor ou rabino, não significa necessariamente que esse alguém seja técnica e intelectualmente preparado para o cargo civil; que esse alguém seja honesto, confiável, eticamente idôneo. A experiência social indica que esse alguém pode ser: (i) explorador da fé religiosa alheia (ii) molestador de crianças, adolescentes e adultos de ambos os sexos (iii) ladrão de galinhas e/ou de gravatas (iv) mercador da crença religiosa (v) estelionatário (vi) nazista (vii) portador de vícios comuns às fraquezas humanas.  
Acautelai-vos contra os espertalhões da vida civil, militar e religiosa! Eles são os sepulcros caiados de que falava o profeta Jesus, o Cristo. 

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

A BÍBLIA E A CONSTITUIÇÃO IV

Enquanto vigorar a Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988 (CR/1988), julgamentos com base na Bíblia ou na interpretação de textos religiosos, no âmbito do Legislativo e do Judiciário, padecerão do vício de inconstitucionalidade por violarem o fundamental princípio da laicidade do estado. A liberdade religiosa vale para todos e não só para alguns de determinada religião. Não se nega a posse de alguém no cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) por ser adepto desta ou daquela religião e sim por ter se revelado desonesto, mentiroso, hipócrita, enganador, portador de caráter incompatível com o decoro exigido de quem exerce função pública.  
O juiz e o tribunal prestam tutela jurisdicional (i) a pessoas de todas as religiões (ii) a pessoas místicas sem religião institucionalizada (iii) a pessoas que não acreditam em deus. Para essas pessoas há compreensível desconforto e constrangimento moral ao se depararem com símbolo religioso estranho à sua crença, ostentado na sala de audiências, na câmara ou no plenário do tribunal. Isto acontecia na fase imperial da história do Brasil, quando havia religião oficial. Com o advento da república, o estado passou a ser laico, ou seja, sem religião oficial. A nação continuou religiosa, porém, de forma plural e republicana. 
Não só nos tribunais, mas, também, em outras repartições públicas das esferas federal, estadual e municipal, orná-las com símbolos religiosos caracteriza afronta ao princípio da laicidade. Em artigos publicados na Tribuna da Imprensa carioca, quando ainda circulava como jornal impresso, e em postagens no sítio da rede de computadores coordenado por magistrado, lancei as ideias aqui expostas, estribado na CR/1988 que garante a igualdade de direitos e obrigações, a liberdade de consciência e de crença e declara ser vedado privar alguém dos seus direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política. [5º, I, VI, VIII].
Certa ocasião, no mencionado sítio, discutimos sobre esse assunto, em posições opostas, eu de um lado e desembargador católico de outro, ambos integrantes da magistratura fluminense. O católico afirmou que manteria o crucifixo no seu gabinete ainda que fosse retirado do plenário do tribunal. A intuição futuróloga do desembargador católico se fez presente. O novo presidente do tribunal aderiu às ideias acima citadas e determinou a retirada do crucifixo do plenário. O fato de ele ser judeu certamente contribuiu para essa boa e adequada iniciativa. 
Outra herança dos tempos imperiais e autoritários que ainda permanece no costume forense é a posição do acusador em patamar superior ao do defensor nas audiências das varas e nas sessões dos tribunais. A posição do agente do ministério público, autor da ação penal – portanto, parte ativa da relação processual – sentado ao lado do magistrado, passa ao público a imagem de conluio entre o órgão acusador e o órgão julgador. As aparências são valiosas às instituições e às autoridades públicas e por isto devem ser bem cuidadas. “Não basta à mulher de César ser honesta; ela tem que parecer que é honesta”. 
O democrático princípio da igualdade de todos perante a lei e a paridade de forças entre acusação e defesa que dele emana não estão refletidos na arquitetura forense e no funcionamento do judiciário brasileiro. Às vezes, no plano dos fatos, o mencionado conluio acontece realmente, como se viu na chamada operação lava-jato em Curitiba/PR. O infame conluio ocorreu do piso à cúpula do Poder Judiciário naquele vergonhoso capítulo da história forense, expressão do mais sórdido corporativismo da magistratura nacional. Tristes trópicos! 
O motivo da cumplicidade foi político partidário: impedir a eleição à presidência da república do candidato do Partido dos Trabalhadores. Depois de alcançado esse propósito com a injusta prisão do candidato por 580 dias, o STF anulou os processos criminais instaurados contra ele. Por indução do ministro Fachin, os processos retornaram às instâncias inferiores para recomeçar do zero e renovar a esperança de impedir nova candidatura do líder petista. Todos foram arquivados para frustração não só do esperto e traiçoeiro ministro, como também para desespero de todos os antipetistas invejosos, preconceituosos e deficientes morais.  
Serve de amostra o processo referente ao triplex de Guarujá, mencionado por tendenciosa emissora de TV, useira e vezeira em manipular notícias e falsear a verdade. A contragosto da juíza, esse processo foi arquivado com base na regra da prescrição. Decisão extintiva da punibilidade. Portanto, nem condenatória, nem absolutória. Curiosidade jurídica: prescrição de crime que não existiu! À semelhança do caso do sítio de Atibaia/SP, não havia prova alguma da materialidade e da autoria do crime imputado ao petista. Havia tão só a montagem artificial de suposições e de fatos aleatórios feita pelo agente do ministério público e pelo juiz de Curitiba. 
Ao contrário do afirmado por adversários, inclusive jornalistas da tendenciosa média corporativa, a liberdade do petista não resultou de “filigranas jurídicas” e sim da justa e correta aplicação de preceitos constitucionais atinentes aos direitos humanos e, em especial, ao devido processo jurídico, ante a ilegal e gravíssima conduta do juiz da causa: parcialidade. O STF decidiu em harmonia com o modelo constitucional brasileiro: estado democrático de direito.  
Filigrana tem significado decorativo, algo tecido em fios de ouro ou prata, trabalho feito com arte, delicadeza e fantasia. Na operação lava-jato houve muita fantasia, obra de arte criada pelo juiz e pelo procurador da república para tirar a liberdade de pessoas inocentes. Obra de arte que lhes rendeu dividendos financeiros e políticos. Arte de um grupo de moleques que, indevida e levianamente, mediante provas forjadas, destroçou a economia do país e manchou reputações.

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

A BÍBLIA E A CONSTITUIÇÃO III

No Brasil, desde que satisfaçam os requisitos de idade, experiência, moralidade, escolaridade, conhecimento especial e cultura geral, as cidadãs e os cidadãos podem prestar concurso público para a magistratura. Se aprovados, são nomeados e empossados no cargo e, assim, ingressam na carreira. Há também ingresso direto nos tribunais por via política e livre nomeação (sem concurso público). Certa vez, o Superior Tribunal Militar negou-se a empossar no cargo de ministro cidadão nomeado pelo presidente Sarney. Diante disto, o presidente nomeou outra pessoa que foi aceita pelo tribunal e empossada no cargo. O Supremo Tribunal Federal (STF) teria a mesma coragem? Os ministros negariam posse a um pastor evangélico que apesar de mentiroso e hipócrita foi aprovado pelo Senado e nomeado por um presidente nazifascista? A mentira e a hipocrisia não são impedimentos morais ao exercício da magistratura? A mentira, o engodo, a hipocrisia, não são incompatíveis com o decoro exigido para o cargo?
Os requisitos acima citados são exigidos também ao candidato a ministro do STF. Incluem idoneidade moral, notável saber jurídico e posicionamento diante de questões relevantes. Todavia, a politicagem e a esperteza enganosa tornam todos esses requisitos irrelevantes no plano dos fatos. Abrem as porteiras para a passagem da boiada. 
Nos tribunais brasileiros exercem judicatura magistrados teístas, deístas, católicos, protestantes, espíritas, judeus, muçulmanos, budistas. As crenças religiosas, ideológicas e filosóficas estruturam o pensamento e a visão de mundo, entranham-se na alma e condicionam as ações humanas. Portanto, a influência delas nas decisões judiciais é inarredável. Alguns magistrados exteriorizam-nas ao vestir a toga. Lembro de dois magistrados do Estado da Guanabara que cobriam inteiramente o terno e a gravata com a toga. Assumiam postura sacerdotal. O mesmo fazia outro juiz que ingressou na magistratura do novo Estado do Rio de Janeiro pelo quinto constitucional na vaga destinada aos advogados. Nomeado depois para ministro do STF, ele conservou aquela digna postura desprovida de vaidade. Conheci colegas que observavam rigorosamente a separação entre estado e igreja. Eles seguiam o exemplo de Lavoisier. O notável cientista francês dizia deixar a bíblia na antessala do laboratório. Aqueles juízes deixavam a bíblia no vestíbulo do fórum. Nenhum desses meus colegas de toga participava de projeto de poder político. Mantinham a independência em relação à política partidária e aos poderes legislativo e executivo. Exerciam o poder jurisdicional dentro das balizas constitucionais. Cediam às pressões só quando sintonizadas com as convicções por eles construídas a partir das provas idôneas produzidas no devido processo jurídico.   
A eleição de pastores evangélicos mudou o cenário; introduziu o fundamentalismo religioso na política. Aqueles evangélicos que têm ambições políticas e afinidade formam um bloco coeso na defesa de um informal projeto de dominação. As lideranças políticas europeias na década de 1930 comportaram-se como o avestruz. O resultado foi a dominação nazista e a carnificina da segunda guerra mundial. Os brasileiros devem ficar atentos e ativos. O bloco evangélico nazifascista ocupa as chefias do governo, da câmara e do senado. Logo ocupará a chefia da suprema corte se não houver resistência contra esse movimento do qual se depreende a intenção de fazer do Brasil uma república autoritária religiosa fundamentalista. 
Dir-se-á: Luiz Inácio Lula da Silva será eleito presidente da república em 2022. A extrema direita perderá o poder e o projeto de dominação naufragará. 
Indaga-se então: Depois de terminar o mandato de Lula, a extrema direita permanecerá sob controle? Porventura os parlamentares e ministros nazifascistas deixarão de ocupar cadeiras no parlamento e na suprema corte? 
Se os socialistas e os liberais cruzarem os braços, assistirão ao enterro da democracia. A extrema direita saiu do armário e mostra as garras na Europa e na América. Nas igrejas evangélicas, nas corporações, nos bancos, nos partidos políticos, na administração pública, nos meios de comunicação social, há células da extrema direita, bases fortes que não devem ser menosprezadas.     
Concluída a sabatina no Senado (1º/12/2021), o sabatinado se vangloriou de ter enganado os examinadores. Disse que a vitória para o homem foi um passo e para os evangélicos foi um salto. Na visão de brasileiros de outras linhas cristãs, foi um assalto. Parlamentares, presidente da república, esposa e auxiliares, todos evangélicos, festejaram a proeza com abraços, gestos, pulos e urros. A fim de acalmar as bases eleitorais e o rebanho, os parlamentares evangélicos logo avisaram que as palavras ditas na sabatina contrárias à fé e à doutrina das suas igrejas visavam apenas à vitória do pastor. Portanto, não eram para valer. Assim, também, não eram para valer as palavras contrárias ao nazifascismo por ele praticado quando servia ao atual presidente da república. 
De esperteza em esperteza, navega o barco desta republiqueta de bananas. Parodiando Napoleão Bonaparte: a quem tem padrinho ou patrocínio tudo se concede e facilita; aos outros, o rigor da lei. A consequência disto, no caso em tela, é a desmoralização do tribunal. 


sábado, 4 de dezembro de 2021

A BÍBLIA E A CONSTITUIÇÃO II

Aprovado na sabatina a que se submeteu no Senado para obter vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça disse que trouxera prontas as respostas ao questionário feito pelos senadores. Como noticiado na Globonews, um dos examinadores, ao saber disto, ficou decepcionado e apreensivo. Com razão. A indiscreta confissão do sabatinado tornou pública a fraude apta a anular a sabatina: informação privilegiada. Nos termos do código civil, tal sabatina está viciada e caracteriza ato nulo de pleno direito.   
Preparar-se para prestar exames nos concursos públicos é usual e necessário. Entretanto, o que não pode é o candidato receber informação privilegiada sobre as questões do exame. Há pouco tempo, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, foi impugnado concurso para a magistratura porque alguns candidatos foram previamente informados sobre as questões que seriam propostas. Percorridos os trâmites administrativos, a impugnação foi rejeitada e as nomeações dos aprovados foram confirmadas. Prevaleceu a teoria do fato consumado. No caso Mendonça, o fato ainda não se consumou.
Certamente, os componentes do bloco parlamentar evangélico que pressionavam o Senado para aprovar o presbiteriano, encarregaram-se de informa-lo antecipadamente das questões que seriam formuladas, quiçá até o ajudaram a montar as respostas. Esse fato ajusta-se à dissertação clara e firme do jornalista André Trigueiro no programa estúdio 1, do canal Globonews, sobre a formação de um ativo bloco evangélico com projeto de poder. Na ocasião, os jornalistas comentavam a citada sabatina.  
O projeto referido pelo jornalista parece existir de fato, mas não de direito. A intenção que se capta nesse movimento é a de fazer do Brasil uma república autoritária religiosa fundamentalista. Evidenciam esse propósito: (i) as ruidosas manifestações do bloco evangélico no plenário da Câmara dos Deputados sobre a conquista do poder político iniciada com a eleição do atual presidente da república (ii) a influência cada vez maior da bancada evangélica fundamentalista no Legislativo (iii) o ingresso dos seus representantes no Judiciário.
Segmento da mais ampla família religiosa protestante apropriou-se do termo “evangélico”, como se apenas os seus membros fossem os seguidores autênticos e fiéis do evangelho de Jesus, o Cristo, senhores exclusivos da sagrada escritura. Consideram pervertidas as demais denominações cristãs. O candidato sabatinado integra esse grupo “terrivelmente evangélico” que coloca a Bíblia acima de tudo. Daí, a assertiva: na vida, a Bíblia; no tribunal, a Constituição, do esperto sabatinado para agradar a comissão examinadora durante a sabatina. 
A Bíblia por ele mencionada compõe-se de 73 livros dos mais diversos autores (alguns desconhecidos) e se divide em duas grandes partes: a judaica (antigo testamento) e a cristã (novo testamento). Os cinco primeiros livros da primeira parte foram escritos no século IV antes de Cristo por eruditos judeus liderados por Esdras, sob a tutela do rei da Pérsia. Os quatro primeiros livros da segunda parte foram escritos nos séculos I e II da era cristã por eruditos cristãos em nome dos apóstolos. Intitulam-se evangelhos, palavra que significa “boa nova”, apelido da mensagem trazida ao mundo por Jesus, o Cristo. 
Na vida do povo brasileiro importa não só essa bíblia branca de pouca verdade e muita fantasia, mas, também (i) a bíblia morena das crenças, dos cultos e rituais dos nativos e dos afrodescendentes (ii) a bíblia do espiritismo (Livro dos Espíritos) (iii) a bíblia dos muçulmanos (Corão) (iv) outros textos sagrados. Há milhões de brasileiros das mais diferentes confissões religiosas e místicas todas amparadas no ordenamento jurídico.


quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A BÍBLIA E A CONSTITUIÇÃO

Na sabatina de ontem no Senado (01/12/2021), o bacharel André Mendonça, candidato ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal –STF, ao defender o seu merecimento, buscou convencer os senadores de que a sua religião não iria influir nos seus julgamentos no tribunal. Disse que na vida é a Bíblia e no tribunal, a Constituição. Certamente, pretendeu enfatizar o óbvio: o estado brasileiro é laico, embora a nação brasileira seja religiosa. Retórica oportuna e palatável com o objetivo de conquistar aprovação dos examinadores, o que realmente aconteceu. Faltam, agora, a nomeação pelo presidente da república e a posse a ser dada pelo presidente do STF marcada para o dia16/12/2021. Ante o encerramento das atividades do STF no dia seguinte, provavelmente o novo ministro entrará em exercício no próximo ano ocupando a vaga deixada pelo ministro Marco Aurélio.  
O fato de o cidadão ser filiado a uma religião não é óbice, no vigente ordenamento jurídico brasileiro, ao exercício da judicatura. Nos tribunais brasileiros há cristãos católicos, cristãos protestantes, espíritas, judeus, muçulmanos, budistas. A composição dos tribunais reflete a liberdade religiosa assegurada na Constituição. Óbice é o candidato situar-se nas extremidades do espectro político, tanto à esquerda como à direita. Ambas, a comunista e a nazifascista, são antidemocráticas e o Brasil é um estado democrático de direito. Cabe aos representantes do povo brasileiro impedir que comunistas e nazifascistas ocupem cargos relevantes para os destinos do país e venham destruir a própria democracia. Socialistas, sim, comunistas não. Liberais, sim, nazistas não. 
A formação acadêmica, cultural, ideológica, moral, religiosa e mística do juiz influi nas suas decisões, posto não haver decisão judicial puramente normativa. A complexidade do raciocínio dos magistrados na aplicação do direito ao caso concreto tem sido tratada em nível científico por respeitáveis teóricos da ciência e da filosofia jurídicas como Perelman, Alexi, Siches, Reale. 
Basta lembrar que além de norma, o direito é fato e valor, produto do pensamento, da consciência e da experiência dos humanos no seu evolver histórico e social. A juridicidade implica esse tripé. O magistrado interpreta o fato sub judice à luz dos valores materiais e imateriais vigentes na sociedade que mais lhe tocam na alma e busca no ordenamento jurídico a norma que melhor se afeiçoa à sua compreensão e à sua vontade para fundamentar a sua decisão final. 
Nesse mister, o magistrado não está alheio às pressões de grupos ou da sociedade em geral. A elas pode sucumbir. O direito está longe de ser uma ciência exata. Caracteriza-se mais como ciência do razoável. Por vezes, ao aplicarem a norma ao caso concreto, os magistrados se afastam também do razoável e do honesto, nutrindo ideias, sentimentos e interesses próprios e/ou de outros. Isto não só no Brasil como também em outros países. Na democracia estadunidense, por exemplo, os juízes da suprema corte são tendenciosos e racistas, apesar da flexibilização quanto aos negros e indígenas a partir da segunda metade do século XX.  Se o juiz foi indicado por presidente republicano, ele não facilitará causa dos democratas; se indicado por presidente democrata, ele não facilitará causa dos republicanos. Isto em nível político. Em nível econômico, facilitam causa dos donos do capital e são rigorosos com os prestadores de serviço remunerado. Em nível religioso, facilitam causa do protestantismo e são rigorosos com os católicos e demais confissões.  
A Bíblia é livro sobre o qual se põe a mão para jurar obediência à lei e à verdade. Divide-se em duas grandes partes contraditórias entre si: a judaica (Antigo Testamento) e a cristã (Novo Testamento). O líder cristão, hebreu-israelita, revogou a escritura do líder hebreu-hebreu, embora, com astúcia política, tenha dito que viera apenas aperfeiçoá-la. Na verdade, os dogmas essenciais do judaísmo foram por ele rejeitados. Até o seu deus, amoroso e misericordioso é diferente do deus cruel e vingativo dos judeus. 
Os cristãos católicos e protestantes apegados ao Antigo Testamento, na verdade, não são cristãos e sim judeus. Os católicos e protestantes fiéis aos ensinamentos de Jesus, o Cristo, apegados ao Novo Testamento (à “boa nova” = evangelho) são os autênticos cristãos. Ainda assim, ser cristão na linha de Jesus, o Cristo, é missão quase impossível neste planeta. Daí, ele ter afirmado que o seu reino não era deste mundo. Todavia, a sua doutrina contribuiu para melhorar o pensamento e a conduta de grande parte da população mundial. Entretanto, decorridos dois mil anos, ainda prevalece a face demoníaca da natureza humana, tanto no Oriente como no Ocidente.      


terça-feira, 30 de novembro de 2021

A NOIVA DO ARISTIDES

A imprensa informou que na manhã do dia 27 ou 28 de novembro de 2021 (sábado? domingo?) o presidente da república estava à margem da movimentada Rodovia Dutra, no município de Resende/RJ, acenando para as centenas de pessoas que por ali trafegam com seus veículos de passageiros e de cargas, quando a passageira de um dos carros o xingou de filho da puta e de noivinho do Aristides. 
Nessa região, localiza-se a Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN, onde Jair estudou, formou-se oficial do exército e tinha sessões de judô com Aristides, sargento instrutor. 
O judô caracteriza-se pelo agarramento entre dois praticantes, ambos de quimono, cada qual tentando derrubar, dominar e finalizar o outro. A luta começa em pé e acaba no chão. O toque dos corpos pode, ocasionalmente, provocar a libido, despertar a sensualidade, a paixão carnal, se houver empatia ou atração física entre os contendores. Nas atividades esportivas é comum treinadores transarem com seus pupilos e pupilas. Às vezes, há namoro e até casamento.  
O episódio de sábado, ou domingo, trouxe à luz do dia o namoro do cadete Jair com o sargento instrutor. Isto explica o apelido “Noivinha do Aristides”. O cadete era mais novo do que o sargento. A revelação desse apelido traz luz também à fobia do presidente, sem necessidade de apelar a Freud. 
O presidente encontrava-se em local público, fora das atribuições do cargo, acenando aos passantes em demagógica postura, servindo-se de bens e funcionários públicos naquela particular e extemporânea campanha para se reeleger. Ao ordenar a prisão da ofensora, ele mexeu no vespeiro. Teria sido melhor para o segredo presidencial, que a polícia rodoviária federal tivesse permanecido onde estava e não saísse em perseguição da mulher. Perseguida como se fora bandida, ela foi presa em flagrante e conduzida à delegacia da polícia federal de Volta Redonda/RJ. Ao ser lavrado o boletim de ocorrência, foram anotados os termos injuriosos. Depois de assinar o compromisso de comparecer aos demais atos do inquérito policial e da ação judicial, a ofensora recuperou a liberdade. 
O episódio trouxe à tona o teor, o significado e os motivos do xingamento. No que concerne ao palavrão, parece que houve a intenção de ofender, embora em diversas ocasiões, no estádio de futebol, no bar, na roda de amigos, no ambiente doméstico, seja usado de maneira cordial ou amistosa. Quanto ao noivado homossexual, parece estar mais para caçoada, jeito brasileiro de fazer gozação. 
Da ligeireza da polícia em mostrar serviço ao presidente da república resultou escândalo. Desenterrou-se aquilo que acontecera na AMAN há 48 anos. Aliás, Jair gosta muito de visitar essa academia, conforme se depreende das suas andanças. Parece que ele sente muita saudade do antigo ninho.  
Na conduta, nas mensagens e nas manifestações públicas do presidente, nota-se exagerada preocupação em demonizar a homossexualidade. Ele faz questão de alardear que é macho. Sente necessidade de declarar publicamente que certa manhã transou com a esposa, sinal de que ele passa muito tempo sem incomodá-la. Gosta de mostrar que manda e o general obedece; que estupra mulher, desde que seja bonita; que só gera macho; que a filha foi uma “fraquejada”. Ele também gosta de exibir gestos e atitudes significativos de valentia e coragem. Evidencia a intenção de impressionar o público, de mostrar que é capaz de metralhar os seus adversários, ou de atingi-los com tiros de revólver. Toda essa “forcejada” de barra seria desnecessária se ele fosse realmente o que diz ser.  Isto lembra trecho da canção letrada por Vinicius: o homem que diz sou/ não é / porque quem é mesmo/ não diz
Quem está seguro da própria heterossexualidade não necessita dessas extroversões, exibir armas, falar grosso, cavalgar, pilotar motocicleta, como se fosse protagonista de filme de ação e aventura. 
Quem é honesto consigo mesmo não necessita esconder o fato de ter se deitado com um parceiro. Espartanos, considerados excelentes guerreiros, deitavam-se uns com outros. Filósofos atenienses não escondiam a sua preferência por rapazes. Antes da moral cristã, lesbianismo e pederastia eram comuns e socialmente aceitos em Roma. No vigor da moral cristã, no Ocidente, em conventos, seminários, internatos e presídios, as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo são frequentes e costumeiras, embora nem sempre divulgadas.
Destarte, se o presidente saísse do armário, provavelmente mais ganharia do que perderia votos. Aplacar-se-ia o seu ódio contra homossexuais e mulheres. Livrando-se do ranço, ele poderia ser feliz. 
  

domingo, 28 de novembro de 2021

CRIMES POLÍTICOS

O movimento popular em São Paulo (2013), a operação lava-jato em Curitiba (2014), o golpe de estado em Brasília (2016), a prisão do ex-presidente e as condutas ilícitas dos novos presidentes da república (2016-2021), trouxeram à balha o conceito e a tipificação do crime politico e a aplicação da pena correspondente.  
Num amplo sentido, crime consiste na ação e na omissão dolosas ou culposas contrárias às regras éticas e às regras jurídicas. As regras éticas, escritas ou não, emanam das convenções sociais e dos valores difusos e têm força persuasiva desprovida da ameaça de violência. A aplicação de algum castigo é facultativa e obedece aos desígnios da sociedade e à consciência coletiva. 
As regras jurídicas (mínimo ético imprescindível) emanam dos fatos e dos valores de maior relevo para a pessoa, para a sociedade e para o estado e são formalizadas pelo legislador. Se forem violadas dolosa ou culposamente, o consequente castigo é obrigatório. A aplicação cabe ao estado, que dispõe do monopólio da força física para manter a ordem e fazer cumprir as leis. 
No avanço da civilização, a vingança instituída substituiu a vingança pessoal. O castigo pelo mal praticado por alguém virou tarefa do estado. A justiça pelas próprias mãos entrou para a esfera do ilícito. A legítima defesa entrou para a esfera do lícito. A vítima suplica ao estado: justiça! Critérios científicos, morais e religiosos foram estabelecidos para avaliar a gravidade do mal e calcular o quantitativo da pena. 
A fim de garantir a liberdade individual, a ação e a omissão dolosas e culposas tratadas como crimes puníveis pelo estado, devem ser descritas previamente e de modo claro e preciso no texto legal. Incide o princípio de direito: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal”. Nullum crimen nulla poena sine praevia lege
Ao cominar penas aos transgressores, a lei tem por escopo a proteção dos bens e valores tutelados pelo direito, tais como: vida, saúde, honra, dignidade, verdade, liberdade, igualdade, justiça, paz, trabalho, patrimônio, segurança, família, bem-estar, meio ambiente, democracia, soberania, cidadania. Destarte, o crime pode ser de natureza política, social e econômica. Os motivos de quem o pratica variam: nobre (eutanásia), torpe, fútil, pecuniário, passional, ideológico. 
As vítimas do crime de natureza política são: o cidadão, a sociedade e o estado. Como povo, governo e território são os elementos constitutivos do estado, a ação e a omissão dolosas e culposas que lhes provocam dano ou que os colocam em perigo, classificam-se como crimes politicos. Compete ao legislador ordinário descrever as ações e omissões consideradas crimes politicos. A referência a esses crimes na Constituição da República (CR/1988) é genérica, sem definição do tipo penal. Portanto, ninguém pode ser processado com base exclusiva no seu artigo 109, IV, que é precipuamente regra de competência. 
Os crimes politicos devem ser garimpados no Código Penal e nas leis esparsas como (i) a 14.177/2021 sobre segurança nacional (ii) a 1.079/1950 sobre responsabilidade do presidente da república, dos ministros, inclusive os do supremo tribunal, do procurador-geral da república, dos governadores e secretários dos estados (iii) o decreto-lei 201/1967 sobre prefeitos e vereadores (iv) a lei 2.889/1958 sobre genocídio (v) a 4.898/1965 sobre abuso de autoridade (vi) a  8.176/1991 sobre ordem econômica. Leis complementares, leis ordinárias e decretos-leis não revogados expressamente por leis posteriores, são recepcionados, total ou parcialmente, pela CR/1988. A extensão desse recebimento deve ser examinada caso a caso. 
A competência para o processo e julgamento dos crimes politicos passou da Justiça Militar para a Justiça Civil. Há crimes politicos conexos aos crimes comuns. Alguém, por exemplo, obtém fundos mediante assalto a banco (crime comum) para financiar movimento rebelde contra o governo (crime politico). Segundo a CR/1988, a competência para o processo e julgamento pode ser do Legislativo (crimes politicos) ou do Judiciário (crimes comuns e politicos). Compete ao Judiciário decidir, no caso concreto, em derradeiro grau de jurisdição, sobre a constitucionalidade dos procedimentos.   
A materialidade e a autoria do crime são provadas mediante confissão, testemunho, documento e/ou perícia. Geralmente, nos crimes comuns, instaura-se inquérito policial a fim de obter provas e instruir a denúncia a ser oferecida pelo ministério público (MP). O inquérito policial é dispensável: [I] quando às mãos do MP chegam documentos idôneos e suficentes para provar a materialidade e indicar a autoria do delito [II] quando ha inquérito parlamentar. 
Em havendo inquérito parlamentar não se há de falar em inquérito policial sobre os mesmos atos e fatos. Seria um injustificável bis in idem, explicável apenas como chicana, expediente protelatório para evitar ou retardar a ação penal. Autonomia nao se confunde com soberania. A autonomia do MP está condicionada à soberania do Poder Legislativo. O inquérito policial, na hipótese em tela, significaria capitis deminutio à autoridade soberana do Congresso Nacional. Se a materialidade e a autoria do delito estiverem provadas, o MP tem o dever funcional de propor a ação penal com base no inquérito parlamentar sem mais delongas. 
Ao MP é defeso arquivar ou engavetar inquérito parlamentar. Não lhe cabe também decidir sobre culpabilidade, pois, tal decisão compete ao magistrado no bojo do devido processo judicial. Constatada a protelação do MP, cabe a qualquer cidadão (de preferência parlamentar) com fulcro no inciso LIX, do artigo 5º, da CR/1988, oferecer denúncia perante o Judiciário contra o autor do crime apurado no inquérito parlamentar. Quanto ao chicaneiro agente do MP, ele poderá ser processado criminalmente por omissão dolosa.  
   


domingo, 21 de novembro de 2021

O BENFEITOR

Melchiades, parentes e amigos abreviavam seu nome para Mel, residia num bairro afastado da cidade, atmosfera rural, paisagem bucólica. Exercitava-se no quintal aproveitando o frescor da manhã quando vê passar pela rua de chão bruto, endereço da sua casa, jovem mulher. Tênis nos pés, bermuda e camiseta no corpo, ela caminhava e falava sozinha. Certamente, não estava no seu juízo perfeito e precisava de ajuda. Assim pensando e preocupado, Mel, descalço e vestindo apenas calção de ginástica, saiu pelo portão no intuito de interceptá-la, mas, ao se aproximar, prestativo e cauteloso, depois de observar ligeiramente as panturrilhas bem definidas, os glúteos fírmes e os seios empinados da moça, notou que ela segurava alguma coisa junto ao ouvido direito. Era um pequeno telefone sem fio. Mel sentiu alivio e frustração simultaneamente. Aliviado ficou, porque a moça falava com alguém e não sozinha. Portanto, não era maluca. Frustrado, por perder a oportunidade de praticar a sua escoteira boa ação do dia. 
Na opinião de Mel, juramento de escoteiro vale por toda a vida. Já entrando nos quarenta anos de idade,  ele ainda se via de uniforme bege, calça curta, cinto de fivela redonda e de encaixe, cantil nele pendurado, meia grossa e cinzenta até o joelho, mindinho e polegar juntos na palma da mão direita, três dedos unidos e esticados encostando na aba do chapéu semelhante ao da polícia montada canadense, em posição de continência, a saudar a bandeira nacional: “sempre alerta”.   
Na esperançosa tentativa de agarrar aquela oportunidade, prestes a escapar, e no intuito de exibir a bondade do seu coração e a sua humana solidariedade, Mel levantou dúvida que lhe pareceu conveniente e sensata: o aparelho podia estar desligado. Neste caso, a moça precisaria de ajuda. Ligado ou desligado, eis a questão. Como verificar? “Psiu, moça! Um momento aí! Posso examinar o seu telefone para ver se está funcionando”? Alternativa: “Posso usar o seu telefone? O meu está sem bateria e preciso ligar para a minha mãe antes que ela seja hospitalizada. Eu sou filho único e solteiro, ela necessita da minha atenção”. 
Desolado, cabeça baixa, braços caídos paralelos ao tórax, Mel conclui: no fim e provavelmente, eu é que irei parecer maluco, saindo desse jeito, sem banho, barba por fazer, magro, alto, pernalta, gesticulando e pedindo para telefonar. A moça poderia pensar, inclusive, que eu estava a lhe dar uma cantada. A minha boa intenção seria mal interpretada. Eu estava até disposto a convidá-la a entrar na minha casa, servir-lhe chá enquanto o médico e os enfermeiros não chegassem. Ela poderia descansar no sofá da sala ou na cama do quarto de hóspedes. Para maior conforto, ela poderia descalçar os tênis, tirar a bermuda e a camiseta e se deitar. Respeitosamente, eu a cobriria com lençol branco e limpo. 
A voz da experiência intrometeu-se no monólogo de Mel: “Nem sempre falar ao telefone desligado é maluquice. Pode haver algum propósito nisto”. 
Como assim?  Irritado, Mel interpela a voz intrometida, chata e desmancha prazeres. A resposta da voz foi imediata: 
“Simples, meu caro”. Pelo tom irônico, a voz parecia estar se divertindo às custas dele, menosprezando a sua inteligência e debochando da sua honesta iniciativa. Há pessoas que gostam de humilhar a si próprias, penitentes inveteradas. A voz intrometida parecia supor que estava se dirigindo a uma pessoa desse tipo. Prossegue: “A pessoa finge que está falando ao telefone para enganar, para se livrar de alguém ou de situação indesejável, ou para impressionar o público, passar a imagem de pessoa importante. Esse fingimento também é usado para fins artísticos em cenas de teatro, cinema, televisão. O ator, ou atriz, simula estar conversando ao telefone com outro protagonista”.   
A réplica de Mel foi na bucha:  Escute aqui, voz intrometida. Você está vendo aqui alguma vagoneta sobre trilhos com equipamento de filmagem e cinegrafista? Você está vendo aqui na minha rua alguém filmando essa moça? Não? Então, não se intrometa onde você não foi chamada! A boa ação escoteira é minha, desinteressada, até mesmo cristã, inspirada na doutrina de Jesus, no propósito de amar e ajudar o próximo. Só porque a moça tinha dourados cabelos que brilhavam sob a luz solar, claros e verdes olhos, nariz afilado, lábios carnudos, quase mais bonita do que Angelina Jolie, você acha que eu me intimidaria e deixaria de lhe prestar auxílio? Você está muito enganada!  
A voz da experiência deu um muxoxo de incredulidade e desdém. Mel não gostou nem um pouquinho. Aborrecido, desistiu do seu intento beneficente. Sozinho e solteiro, entrou em casa e preparou o café matinal. 


segunda-feira, 15 de novembro de 2021

REPÚBLICA

A palavra república tem origem latina: res publica. Significa coisa pública, o que é da propriedade e do interesse de todos os membros de uma comunidade. Na esfera política, os romanos referiam-se ao status rei publica, ou seja, ao estado da coisa pública, dos negócios de geral interesse do povo (independência + soberania + cidadania + ordem + progresso + bem-estar + segurança + direitos e deveres). O estado republicano opõe-se ao estado monárquico. Significa que o estado republicano é patrimônio da nação, do povo, do conjunto de cidadãos; que o chefe de estado republicano não é o seu proprietário e sim o seu zelador e administrador; que o chefe de estado, os ministros, os secretários, os legisladores e os magistrados têm que zelar pelo bem comum, pela manutenção e integridade do bem público, seja sob governo aristocrático (da elite, como o de Fernando Henrique), seja sob governo demagógico (da massa popular, como o de Luiz Inácio). 
No Brasil e em outros países, o estado republicano tem sido tratado como República, simplesmente. Antes de ser república, o Brasil, após a independência política, foi um estado monárquico sob a dinastia Bragança (1822/1889). O estado era tratado como propriedade particular dessa família. O primeiro imperador dissolveu a primeira assembleia constituinte ante os ardores republicanos de alguns deputados. Outorgou a primeira carta constitucional à nação brasileira de acordo com a sua vontade e manteve a realeza e a nobreza superiores ao povo (1824). Decorridos 65 anos dessa outorga, os oficiais militares de alta patente golpearam o estado monárquico, derrubaram o imperador e se instalaram no governo (1889). O povo ficou alheio a esse movimento político da caserna, estupefato com a queda e o exílio do seu estimado imperador. 
Na data de hoje, 15 de novembro, comemora-se a proclamação da república. Aquele evento histórico nos vem à lembrança. No curso destes 132 anos (1889/2021) a república brasileira já alternou democracia e autocracia algumas vezes. Tanto nos períodos democráticos como nos períodos autocráticos, o autoritarismo tem sido frequente no proceder dos chefes de estado, ministros, legisladores e juízes, como se tal conduta fosse ditada pelo DNA de quem exerce o poder político nesta república.           


domingo, 7 de novembro de 2021

SURUÍ

A voz de uma índia brasileira retumbou no alvorecer da 26ª Conferência da Cúpula para Mudança do Clima (COP26) em Glasgow, Escócia, 1º/11/2021. Txai Suruí, 24 anos de idade, estudante de direito, ocupou a tribuna para, em inglês, denunciar o desmatamento da Amazônia, salientar a importância da floresta para a vida dos indígenas, pedir a imediata execução das medidas protetivas. Ela foi ouvida com atenção e respeito por líderes mundiais. A essa moça de pequena estatura física e de grande estatura moral coube representar o Brasil. 
Descubro agora, depois de viver mais de 80 anos, que Suruí é o nome de uma nação indígena. Antes, para mim, suruí era só o nome da farinha de mandioca moída que, na infância, eu e meus irmãos misturávamos ao feijão no prato, cobríamos com arroz, juntávamos a carne e seu delicioso molho, sob o atento e afetuoso olhar da nossa mãe, olhos castanho-escuros que pareciam sorrir de satisfação. À nossa mesa jamais faltou comida, apesar da pobreza. A imagem daquela índia a discursar lembrou-me das índias avós dos meus avôs, uma do Norte e outra do Sul do Brasil. Essas raízes talvez expliquem a minha sensibilidade em relação à causa indígena.
Em 1980, o cacique xavante Mario Juruna pretendia comparecer ao fórum internacional das comunidades indígenas no Tribunal Bertrand Russell em Roterdã, Holanda. O governo brasileiro impediu a sua saída do país sob o argumento de que índio era incapaz para os atos da vida civilizada. De Porto Alegre/RS alguém interpôs mandado de segurança por telegrama. Soubemos disto, eu, minha esposa Jussara, nossos amigos Jorge Beja e esposa Clarinda, quando estávamos em Teresópolis/RJ, na casa de pessoa amiga. Manifestei a minha opinião: a medida judicial adequada é o habeas corpus e não o mandado de segurança. O cacique estava sendo cerceado na sua liberdade de locomoção. Regressamos ao Rio e no meu apartamento em Ipanema redigimos petição de habeas corpus. Beja assinou e a protocolou no Tribunal Federal de Recursos (atual Superior Tribunal de Justiça). O ministro Washington Bolívar de Brito foi o relator. 
Para evitar atraso no julgamento por eventual questionamento sobre o fato de um dos signatários ser juiz de direito, resolvi não assinar a petição, embora como cidadão pudesse fazê-lo. A impetração de habeas corpus dispensa procuração e atuação de advogado. O cacique nada pediu. Nós não o conhecíamos e com ele não tivemos contato algum. O nosso trabalho foi independente, voluntário e gratuito, produto da nossa consciência social e jurídica. O tribunal concedeu a ordem. O cacique viajou para a Holanda e ocupou a cadeira que permanecia vazia naquele sodalício internacional. Para alegria e surpresa nossa, o nome de Jorge Beja foi lançado no livro Guinness World Records. 
Antes de encerrar o ano letivo de 1980, um dos professores do mestrado em ciências jurídicas da PUC/RJ ficou curioso acerca dos fundamentos daquele habeas corpus. Disse-lhe que o atenderia se ele aceitasse a minha explanação por escrito como trabalho final da sua disciplina (Direito Constitucional). Ele aceitou a proposta. Então, elaborei o trabalho sob a égide da carta constitucional de 1969, apresentando as seguintes teses: [1] Capacidade plena do índio de expressar seus pensamentos e defender a sua cultura [2] Identidade nacional e cultural da comunidade indígena [3] Equiparação ao protetorado de direito internacional [4] Analogia com o direito de passagem do ocupante de prédio encravado [5] As exigências do estado brasileiro para o índio integrar a nação brasileira significam trata-lo como estrangeiro e reconhecer a autonomia da nação indígena. 
Em 1986, na iminência de se instaurar assembleia constituinte no país, o desembargador Fernando Whitaker da Cunha, catedrático de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que havia participado, em 1981, da banca examinadora diante da qual defendi a minha dissertação de mestrado (“Poder Constituinte e Constituição” que ele considerou tese de doutorado) sugeriu-me a elaboração de um artigo a ser publicado na Revista de Informação Legislativa do Senado Federal. Aceitei a sugestão. Baseado na petição e no trabalho acadêmico mencionados e com o título “A Proteção Jurídica das Comunidades Indígenas do Brasil”, o artigo foi publicado na citada revista (nº 93, jan-mar/1987). Ao invés da breve referência aos índios nas disposições finais das constituições anteriores, o legislador constituinte de 1987/1988 deu-lhes tratamento extenso em capítulo próprio sob o título da ordem social na Constituição da República. 
Na década de 1990, quando lecionava na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, eu afirmei, em uma das aulas, que os índios não eram brasileiros, eis que tinham as suas próprias nações antes de a sociedade e o estado brasileiros existirem. Alguns estagiários reagiram severamente como se estivessem diante de um burguês fascista. Tornei a explicar a extensão e a compreensão dos artigos 22, XIV + 231/232 da Constituição da República de 1988, cujo pressuposto lógico e sociológico é a independência das nações indígenas (organização social, costumes, línguas, crenças, tradições, direito natural originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam). Desde que seja da sua livre vontade e preencha os requisitos legais, o índio pode se incorporar à nação brasileira e ter dupla nacionalidade: (i) a originária da comunidade natural (ii) a adquirida da sociedade política organizada. A aguerrida jovem Txai Suruí é um exemplo disto. 

BIBLIOGRAFIA. [1] Fragoso, Heleno Cláudio. Direito Penal e Direitos Humanos. Rio. Forense. 1977. [2] Levi-Strauss, Claude. O Pensamento Selvagem. SP. Nacional. 1976. [3] Ribeiro, Darcy. Os Índios e a Civilização. Petrópolis. Vozes. 1979. [4] Rugiero, Roberto. Instituições de Direito Civil. Rio. Saraiva. 1971. [5] Declaração Universal dos Direitos do Homem. Porto Alegre. Sulina. 1968. [6] Constituições Brasileiras. Império e Republica. SP. Sugestões Literárias. 1978. [7] Lei 6.001. Estatuto do Índio. 1973. [8] HC 4.876 + 4.880. Tribunal Federal de Recursos. Voto do Relator. 1980.  
    


domingo, 31 de outubro de 2021

MOROSIDADE & IMPUNIDADE

SUMÁRIO. Eleições presidenciais de 2018. Chapa Bolsonaro/Mourão. Cassação. Equívocos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Causa sem efeito. Lógica do razoável e doutrina do fato consumado mal aplicadas no caso concreto. Divórcio entre a Moral e o Direito. Bravatas inúteis ante a insensibilidade ética dos destinatários.  

Na sessão matinal do dia 28/10/2021, o TSE terminou o julgamento das duas ações que impugnavam a chapa Bolsonaro/Mourão. Ambas repelidas, por unanimidade, sob o argumento de que os autores não provaram que os disparos de mensagens pelas plataformas digitais influíram no resultado das eleições. Ficou mantida a validade dos diplomas dos eleitos e da posse nos respectivos cargos. Resta apurar na esfera (i) do Legislativo, os crimes políticos (ii) do Judiciário, os crimes comuns; todos praticados pelo presidente da república.  
A celeridade processual foi alçada ao nível de garantia constitucional. [EC 45/2004 + CR 5º, LXXVIII]. Diante das relevantes consequências do exercício das funções presidenciais para a vida nacional, a celeridade no processo eleitoral assume proporções dramáticas. A doutrina do fato consumado incidente quando há morosidade, facilita a impunidade e enseja a validade dos atos praticados pelo governante. A chefia do governo exercida por quem foi eleito mediante fraude, além de repugnante, pode causar graves prejuízos ao estado e à sociedade, como acontece atualmente. Para esse infortúnio contribuiu a morosidade do TSE. Se aquelas ações fossem apreciadas tempestiva e honestamente, novas eleições seriam realizadas. Entretanto, isto não sensibilizou o TSE (i) quer pelos gastos e trabalhos adicionais (ii) quer pelo risco de ser eleito candidato da esquerda. Historicamente, na magistratura brasileira, do piso à cúpula do Poder Judiciário, há o predomínio político da mentalidade liberal burguesa, tal como entre os oficiais militares há o predomínio da mentalidade autocrática burguesa. 
As ações foram julgadas tardiamente. Nos alvores da república, Ruy Barbosa já censurava os juízes tardinheiros. [Trocadilho do genial baiano!!??]. Certamente, os ministros entenderam inconveniente e inoportuna a cassação (i) quer pela proximidade do fim do quadriênio (ii) quer pelo risco de a chefia do governo ser assumida pelo presidente da Câmara dos Deputados, o que significaria a troca de um nazifascista por outro até a eleição indireta de novo presidente da república pelo Congresso Nacional para terminar o vigente mandato. [CR 81]. 
A lógica do razoável e a doutrina do fato consumado são aplicadas pelos juízes quando há espaço para a razoabilidade. Manter um criminoso sequencial na chefia do estado não se afigura razoável e nem sensato. Melhor seria que o TSE tivesse mantido as ações na geladeira até as eleições de 2022. Depois, então, lançaria a decisão extintiva: “Em decorrência do recente pleito eleitoral estas ações perderam o objeto. Arquive-se”. Desse modo, os ministros teriam poupado a si mesmos e ao público das longas e enganosas argumentações através das quais celebraram o divórcio entre a moral e o direito, tal como os capitalistas celebram o divórcio entre a moral e a economia. Formalmente, o raciocínio dos ministros está correto, pois, as premissas autorizam a conclusão. Materialmente, o raciocínio dos ministros peca pela falsidade, quiçá para desculpar ou encobrir a desídia e a parcialidade do tribunal.  
A ação humana é teleológica. O disparo de mensagens tem finalidade. A existência dos disparos em massa foi reconhecida pelos ministros. Esses disparos durante a campanha eleitoral viciaram a disputa, provocaram disparidade, favoreceram um dos competidores. Para tipificar a violação da lisura na competição, basta a materialidade do ato ilícito. A necessidade de realizar nova eleição era imperiosa. Apesar disto, os ministros afirmaram, com argúcia, falta de prova da influência dos disparos no resultado das eleições, como se fosse possível haver causa sem efeito. 
“Choveu granizo” (causa); “as verduras da horta foram danificadas” (efeito). Há consequências necessárias que dispensam prova; bastam a experiência e o bom senso para certificar o efeito se presente a causa. Na investigação científica, a prova é essencial à demonstração da verdade e da falsidade. Contudo, o cientista não precisa provar que o Sol gera luz e calor; nem o jurista precisa provar que o disparo de arma de fogo pode ferir ou matar alguém. 
As bravatas dos ministros são estéreis. Os destinatários delas são adultos insensíveis à ética; acostumados à lama, não temem a faxina; tentarão driblar novamente a regra da honestidade; os ministros declarar-se-ão surpreendidos; vida que segue. No mundo político, a moralidade é escassa.  Nas décadas republicanas anteriores a 1930, o Legislativo organizava e controlava as eleições. Fraudes e violência eram frequentes. Resultados manipulados para favorecer determinados concorrentes. Isto motivou o golpe de 1930. Criou-se a Justiça Eleitoral como garantia contra os maus costumes. Sob nova roupagem, as ilicitudes prosseguiram. Em 1996, adotou-se a urna eletrônica para curar a doença moral, flagelo das eleições. Para sobreviver, o vírus desenvolveu nova cepa: deslocou-se do suporte material do voto para o suporte pessoal. A mente e o coração do eleitor passaram a ser bombardeados por estímulos provocados por vasta, contínua e intensa propaganda (liminar e subliminar) disseminada pelos meios de comunicação (inclusive plataformas digitais), sem controle eficaz. Na campanha de 2018, as plataformas foram utilizadas para disseminar o ódio, a mentira, a ofensa, a fim de favorecer um dos candidatos. Abuso do poder econômico e esperteza malandra patenteados. 
A liberdade de expressão, essencial à democracia, tem balizas morais e jurídicas. Transpô-las, significa adentrar o terreno do arbítrio, da violência, da ilicitude. A consciência humana distingue o uso legítimo da liberdade, do uso ilegítimo (contrário à democracia, à ordem jurídica, aos bons costumes); o uso tolerável, do uso intolerável (criminoso, afrontoso); o útil, do nocivo (danoso). 

domingo, 24 de outubro de 2021

CPI x MINISTÉRIO PÚBLICO

ABREVIATURAS. Comissão Parlamentar de Inquérito = CPI.  Ministério Público = MP. Constituição da República = CR. Código Penal = CP. Código de Processo Penal = CPP. Regimento Interno do Senado Federal = RISF. 

SUMÁRIO. Abusos na pandemia. Dever institucional do MP de acatar as conclusões contidas no relatório da CPI. Distinção entre inquérito parlamentar e inquérito policial. Soberanias do Poder Legislativo e do Poder Judiciário como limites à independência funcional do MP. 

No Brasil, até o momento, a pandemia ceifou mais de 600 mil vidas e abalou a saúde de mais de 20 milhões de pessoas. Da pandemia se aproveitaram pessoas físicas e pessoas jurídicas para lucrar de modo lícito e ilícito. Ante o clamor popular, o Senado Federal criou comissão temporária a fim de verificar o que realmente aconteceu. Instaurado o inquérito, procedeu-se à busca da verdade mediante inquirição de pessoas (inclusive autoridades), requisições e diligências para obtenção e exame de documentos. Ao findar os trabalhos, extingue-se a comissão ex vi legis. O relatório é a peça de encerramento do inquérito. Nele, a autoridade parlamentar relata o que foi apurado e destaca as provas produzidas. Além desse relato estrito e minucioso, a autoridade faz o enquadramento legal dos fatos e das pessoas indiciadas e determina a remessa do inquérito ao MP (opcionalmente, ao juiz ou tribunal) para os fins de direito. Aprovado em sessão plenária, o relatório adquire força política e jurídica própria da soberania estatal do Poder Legislativo que se conecta com a soberania do Poder Judiciário ex vi do preceito constitucional que outorga aos parlamentares poderes judiciais (próprios de juízes e tribunais). Portanto, as conclusões do relatório revestem-se do caráter soberano do Poder Legislativo com força jurisdicional. Por isto mesmo, obrigam. O dever institucional, a independência funcional e o direito de ação judicial do MP, no presente caso, estão jungidos às conclusões do inquérito parlamentar no que concerne à materialidade e autoria de ações e omissões delituosas, à prova oral e documental produzida, ao enquadramento legal dos fatos e das pessoas que ocuparão o polo passivo da relação processual. [CR 58, §3º; 127, §1º + RISF 74, II; 148/153]. 
Considerar-se-á procrastinatória eventual pretensão do MP a inquérito policial sobre fatos já cuidados no inquérito parlamentar. [Bis in idem]. Diferente do que ocorre com a autoridade policial, o MP não pode devolver o inquérito à autoridade parlamentar. [CPP 16]. Assim, também, a devolução é vedada quando, em autos ou papéis que examinam, ao verificarem a existência de crime de ação pública, os juízes e os tribunais (órgãos da soberania estatal) enviam esse material ao MP para que seja promovida a ação penal. [CPP 40]. Polícia, Ministério Público e Forças Armadas são órgãos auxiliares que exercem funções executivas subordinadas aos três poderes da república. Esses órgãos integram o aparelho de segurança do estado.  
Espécie do gênero inquérito, o parlamentar não se confunde com o policial. Diferente do inquérito policial, o inquérito parlamentar não visa exclusivamente a apuração da materialidade e autoria de delitos, pois inclui, também, a busca de explicação e justificação de fatos de qualquer natureza (administrativa, tributária, financeira, ambiental, sanitária, educacional, eleitoral, patrimonial), para fins de produção legislativa, de controle e de fiscalização. A autoridade do inquérito parlamentar é soberana, exercida pelos representantes do povo e dos estados federados, em sintonia com o devido processo jurídico. O trabalho da CPI é transparente, sob ampla publicidade e luz dos holofotes, para conhecimento geral, direto e imediato da nação. 
Na petição inicial da ação penal (denúncia) o MP expõe os fatos apurados no inquérito parlamentar com a respectiva tipificação jurídica e requer a condenação dos denunciados. Tipos de delito não cogitados no relatório podem ser incluídos na denúncia, desde que contidos implicitamente no inquérito (homicídio, genocídio, condescendência criminosa). O que o MP não pode é contrariar as conclusões do relatório aprovado pelo Senado Federal. Na hipótese de desobediência direta, por negação, ou indireta, por protelação, o agente do MP responderá por crime de responsabilidade. Diante da omissão do MP, ou das suas manobras protelatórias, a ação penal poderá ser proposta por qualquer cidadão (mais representativo se for parlamentar). Trata-se de corolário da cidadania, princípio fundamental da república brasileira. Daí, a garantia constitucional: “será admitida ação privada nos crimes de ação pública se esta não for intentada no prazo legal”. Esse prazo é de 15 dias, a partir da data em que o MP recebe o inquérito. [CR 1º. II; 5º, LIX + CP 100, § 3º + CPP 29 e 46]. 
A tipificação jurídica dos fatos formulada na petição inicial da ação penal prevalece ao ser instaurado o processo judicial. No entanto, depois da instrução processual e antes de prolatar a sentença, o juiz (ou tribunal) poderá dar aos fatos definição jurídica diversa da que constar da petição inicial. Nesta hipótese, o juiz (ou tribunal) baixará o processo para que o MP e a defesa se pronunciem e apresentem aditamentos e alegações. [CPP, 383/384]. 
No estado democrático de direito, o processo penal consiste na sequência legalmente ordenada de atos (acusação, defesa, interrogatórios, depoimentos, exames periciais, requisições, diligências, alegações finais, sentença) sob a direção da autoridade judiciária competente, cujo escopo é chegar ao veredicto sobre a culpa ou a inocência de quem está sendo formalmente acusado da prática de crime. O processo penal tem por base os princípios da presunção de inocência, moralidade, legalidade, eficiência, publicidade, possibilidade jurídica, legitimidade das partes, proporcionalidade e individualização da pena e as garantias de paridade de forças, contraditório,  ampla defesa, juiz natural, celeridade e prescrição. [CR 5º + 37].  

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

ISONOMIA x MINISTÉRIO PÚBLICO

Agitam-se os meios forense e político ante a proposta de mudança parcial da organização do Ministério Público (MP). A necessidade, a utilidade, a oportunidade e a conveniência dessa mudança são evidentes diante dos abusos de conhecimento público e notório cometidos pelos agentes do MP a pretexto de combate à corrupção. Discute-se no Legislativo, sob pressão do MP, a extensão da mudança. 
As instituições estatais – e o MP é uma delas – devem refletir nas suas estruturas e no seu funcionamento o modelo republicano democrático posto pelo legislador constituinte e expresso no texto constitucional. Portanto, as instituições devem se adaptar aos princípios e objetivos fundamentais da república enunciados nos artigos 1º a 5º da Constituição. A igualdade e a justiça são valores supremos da sociedade brasileira declarados no preâmbulo da Constituição. Esses valores, princípios e objetivos não devem se limitar às expressões verbais, porém, mais do que isto, devem se materializar em atos e fatos concretos no seio da sociedade e do estado. 
No âmbito forense, pois, o órgão de acusação devia situar-se ao lado e no mesmo nível do órgão de defesa em atenção ao modelo republicano democrático implantado pelo legislador constituinte de 1987/1988. Entretanto, isto não aconteceu até a presenete data. Herança cultural aristocrática e autocrática mantém, na organização judiciária, o agente acusador (MP) ao lado do órgão julgador (juízo de direito, presidente do tribunal) em patamar superior ao do agente defensor (OAB). Essa topografia passa a imagem de conluio entre o órgão acusador e o órgão julgador e de uma justiça tendenciosa.
Como diz o brocardo: “não basta a mulher de Cesar ser honesta, ela também deve parecer que é honesta”. A imagem pública é importante para o prestígio das instituições. A topografia atual está em descompasso com a arquitetura política e jurídica desenhada pelo legislador constituinte de 1987/1988. Cabe ao Legislativo, no exercício da soberania estatal, colocar as coisas no devido lugar, em sintonia com o vigente modelo constitucional e, por emenda à Constituição ou por lei complementar, estabelecer que (i) nas varas e nos tribunais judiciários o agente do MP ocupará lugar ao lado e no mesmo nível do advogado (ii) nas audiências e nas sessões dos tribunais o agente do MP e o advogado apresentarão em pé as suas alegações e os seus requerimentos escritos ou verbais (iii) os juízos de direito e os tribunais judiciários devem se adaptar aos preceitos desta (emenda ou lei) no prazo de 60 dias a contar da data de sua publicação no diário oficial. 

domingo, 17 de outubro de 2021

SOBERANIA versus MINISTÉRIO PÚBLICO

Em trâmites pela Câmara dos Deputados proposta de mudança parcial na organização do Ministério Público (MP). Os agentes dessa instituição, alegando autonomia e independência funcionais, pressionam os parlamentares para que votem contra a proposta. No entanto, a mudança objeto da proposta é salutar, sintonizada com o interesse público. Sustenta-se na soberania do Poder Legislativo que detém a competência constitucional de legislar sobre a estrutura e o funcionamento do MP, inclusive a de criar e extinguir cargos e estabelecer os planos de carreira (CR 127).      
Soberania significa qualidade do que é ou de quem é soberano.  O vocábulo soberano significa [1] grau máximo (i) de uma ordem hierárquica (ii) do poder de decisão em determinado domínio [2] título de quem exerce a soberania (imperador, rei, chefe). Na Política e no Direito entende-se por soberania nacional ou popular, o poder de uma nação ou de um povo de se organizar livremente, sem subordinação a qualquer outro poder ou a qualquer norma moral ou jurídica precedente. Entende-se por soberania estatal, a supremacia do poder do estado em relação à sociedade civil, dentro dos limites traçados pelos costumes, pelas convenções, por leis e constituições jurídicas.
No Brasil, em termos de legitimidade constitucional, a soberania estatal é exercida por três órgãos distintos e independentes: o legislativo, o executivo e o judiciário (poderes constituídos). Cada órgão exerce o poder do estado segundo o sistema de competências posto pelo legislador constituinte, por escrito, na Constituição. No legítimo exercício das suas funções, o parlamentar, o chefe de governo e o magistrado personificam a soberania estatal. Os demais órgãos civis e militares, ainda que gozem de autonomia e independência no funcionamento do estado para boa, correta e efetiva aplicação dos princípios e objetivos fundamentais da república, eles não são soberanos e sim subalternos. No modelo jurídico constitucional vigente no Brasil, inexiste quarto, quinto ou sexto poder. No período imperial, havia o poder moderador ao lado (na verdade, acima) dos outros três poderes. Todavia, esse quarto poder foi suprimido pelo golpe republicano de 1889. A tarefa de moderar as relações entre os poderes da república é realizada mediante o mecanismo de freios e contrapesos adotado pelo modelo constitucional republicano que, salvo nos períodos autocráticos, vigorou em todos os períodos democráticos da nação brasileira, inclusive o atual (1988-2021). 
O MP é sujeito passivo e não sujeito ativo da soberania estatal, situado em plano inferior ao patamar dos três poderes essenciais. O MP exerce funções essenciais à Justiça tal como a Defensoria Pública, a Advocacia Pública e a Advocacia Privada, todos adstritos à ordem jurídica em vigor. Destarte, a eventual pretensão do MP de se impor como órgão soberano perante os poderes da república não encontra guarida no vigente modelo constitucional brasileiro. Por exercer função de inconteste relevância social, principalmente no combate à criminalidade, não significa que o MP seja o quarto e intocável poder da república. Sobre a mudança em tela, os parlamentares não devem se intimidar com as pressões do MP. Interessante ouvir, se ainda não ouviram, a Ordem dos Advogados, representantes da Defensoria Pública e outros juristas. 
O interesse público há de prevalecer sobre interesses corporativos destoantes. O Poder Legislativo está no uso legítimo das suas atribuições ao propor, estudar e debater projeto que introduz necessárias, úteis, oportunas e convenientes modificações na organização do MP (estrutura e funcionamento administrativos), dentre as quais, constam as relativas à Corregedoria Geral, órgão interno da instituição encarregado dos procedimentos disciplinares sobre a conduta dos promotores e procuradores. A proposta visa a (i) preservar o prestígio da instituição (ii) evitar os desvios de conduta dos promotores e procuradores (iii) afastar a impunidade dos desviantes. No que tange ao Corregedor-Geral, atualmente a escolha compete ao Conselho Nacional do Ministério Público. Todavia, nada impede, tudo aconselha, que mediante emenda à Constituição ou lei complementar, essa competência seja transferida para o Congresso Nacional. Ante a corporativa conivência da atual Corregedoria com os abusos praticados por agentes do MP, como se viu da famigerada força-tarefa na operação denominada Lava-Jato, essa transferência se mostra urgente, oportuna e conveniente. Interessante também: (i) a cogitada mudança na composição do Conselho Nacional do MP (ii) formalizar a ética funcional (codificação das normas).  
Certamente, a maioria dos parlamentares esquivar-se-á das espertas manobras protelatórias dos que dizem querer a mudança, mas que, na verdade, não a querem. Os manobristas de dentro e de fora da corporação alegam que o momento não é oportuno, que mais urgente é enfrentar a crise sanitária. Buscam, assim, remeter os trabalhos para as calendas gregas até caírem no esquecimento. A crise sanitária já é objeto de inquérito parlamentar no Senado. As diversas comissões permanentes e temporárias do Congresso Nacional e de suas Casas, cuidam dos outros assuntos relevantes para a nação, inclusive este concernente à organização do MP.   


segunda-feira, 11 de outubro de 2021

FUTEBOL MASCULINO III

Copa do Mundo de Futebol Masculino/2022. Jogos eliminatórios.
10/10/2021. Domingo. Vários jogos em diferentes campos e horários. Alguns terminaram empatados; outros, em vitórias/derrotas. Destaque para seleção argentina 3 x 0 seleção uruguaia. 
Os platinos estavam endiabrados. Eles tiveram desempenho extraordinário que, se mantido perante as seleções europeias no próximo ano, certamente os levará ao tricampeonato mundial. Exibiram um futebol alegre e de alto nível sem perder o tônus do começo ao fim da partida. Conjunto harmonioso de jogadores bem entrosados, dedicados, atuando com entusiasmo. Brilhou a estrela de Messi. Ele fez um passe/gol espírita, o primeiro da partida. O seu companheiro que estava na área uruguaia não conseguiu tocar na bola que Messi lhe passou. Isto enganou o goleiro. Surpresa geral: a bola rolou caprichosamente para dentro do gol. No mais, o craque argentino colocou o seu talento individual a serviço do conjunto. Disto, resultaram dois gols feitos por seus companheiros. Os uruguaios exibiram a costumeira bravura, boa técnica em nível individual e coletivo. Entretanto, apesar da presença de Suárez e Verani (entrou no segundo tempo) no ataque, a seleção uruguaia não conseguiu transformar suas habilidades em gol. O sistema defensivo da seleção argentina neutralizou o bom ataque uruguaio. O goleiro estava num dia inspirado e praticou excelentes defesas. Nenhuma das duas equipes jogou na retranca. Arbitragem boa. 
A seleção brasileira e a seleção colombiana empataram sem gols (0 x 0). Por experiências consecutivas com vários jogadores, a brasileira ainda não apresenta um desenho tático definido e estável, nem a formação definitiva de um time de futebol. Por fazer experiências e tardar na definição da equipe, Mano Meneses, tempos atrás, foi afastado do comando técnico da seleção brasileira. Na atual conjuntura, todavia, Tite permanecerá no cargo de treinador enquanto Neymar for mantido como titular absoluto, jogando bem ou mal, em forma ou fora de forma, caindo e fazendo cena e careta a todo momento, provocando adversários e/ou árbitros, recebendo advertências verbais e cartões. Tem jabuti nessa goiabeira.  
Foi possível perceber, nos jogos contra as seleções da Venezuela e da Colômbia, liga pouco consistente entre os defensores, armadores e atacantes da seleção brasileira, o que prejudica o desempenho do conjunto. O desempenho individual dos jogadores não tem sido dos melhores. Nuvens imperceptíveis ocultam o brilho das estrelas da constelação nacional. No que tange aos colombianos, não são os mesmos da talentosa seleção em que despontava o craque Valderrama. A grande promessa chamada James está ausente. A presença de Falcão, centroavante de boa cepa, foi insuficiente. Ademais, não é de hoje que os colombianos passam a impressão de que não levam o futebol tão a sério como os argentinos e uruguaios. Parecem não ambicionar o título de campeões, contentes apenas por estarem participando dos jogos eliminatórios com alguma chance de participarem também dos jogos principais da copa do mundo. 


sábado, 9 de outubro de 2021

FUTEBOL MASCULINO II

Copa do Mundo de Futebol Masculino/2022. Partidas eliminatórias/2021. 
As seleções brasileiras de futebol masculino, no curto período de 12 anos, conquistaram 3 copas mundiais e 1 vice-campeonato (1958-1970). Depois disto, chegaram os cientistas e filósofos do futebol com suas teorias, estratégias e riqueza vocabular. Se você é incapaz de criar algo novo, mude o nome daquilo que já existe e ganhará fama de inovador moderno. Os intelectuais do futebol demoraram 24 anos para conquistar uma copa mundial (1970-1994) e mais 8 anos para outra (1994-2002). Daí em diante, decorridos 19 anos (2002-2021) não mais conquistaram copas mundiais. Como se isto não bastasse, a seleção brasileira de 2014 ainda levou uma surra da seleção alemã jogando aqui no Brasil (7 x 1). A “inteligência” dos cientistas e filósofos do futebol brasileiro e a nefasta influência dos corruptos dirigentes da Confederação Brasileira de Futebol e patrocinadores, contribuíram para essa decadência. Na copa de 2022, a seleção dificilmente passará das partidas quartas-de-final. Apesar dos pesares, o Brasil continua a ser celeiro de craques.  
No jogo contra a seleção venezuelana realizado no dia 07/10/2021, a seleção brasileira venceu, mas não convenceu (3 x 1). Dois gols de bola parada (escanteio e tiro direto da marca do pênalti) e um gol de bola em movimento tático. A seleção brasileira demorou para se refazer do gol sofrido. Faltou liga entre os jogadores, esse elemento abstrato, psíquico, afetivo, entre companheiros. Alguns deles, talvez preocupados em se manter no elenco, prejudicaram involuntariamente o entrosamento e a solidariedade interna da equipe. 
A seleção nacional de qualquer país funciona também como vitrine internacional para os seus jogadores. Quando, no espírito do jogador, não há insegurança no que tange à sua permanência no elenco, nem outro motivo que agrave a concorrência interna, mais fácil se torna a formação da liga ética e afetiva entre ele e os demais jogadores. Há ligas duradouras e ligas efêmeras, tanto nas seleções como nos clubes. Basta lembrar as duplas: Pelé/Coutinho (Santos 1958-1970); Assis/Washington (Fluminense 1984); Romário/Bebeto (seleção 1994) e os trios: Pelé/Garrincha/Didi (seleção 1962); Messi/Neymar/Suarez (Barcelona 2014-2017); Arrascaeta/Bruno Henrique/Gabi (Flamengo 2021). No campeonato francês, a derrota do PSG para o Rennes em 03/10/2021 (0 x 2), evidenciou a fraca consistência da liga do trio Messi/Mbappé/Neymar. No segundo tempo, o brasileiro foi substituído. O trio mexicano Los Panchos tinha um repertório mais agradável e era bem mais afinado do que o trio “galáctico” francês. [Metáfora musical]. Mbappé x Neymar desafinam em duo e se repelem por motivo mal explicado, quiçá de natureza moral, religiosa e/ou profissional. Enfim, eles são pretos, que se entendam. 
A propósito, cabe citar episódio ocorrido na circunscrição do registro civil de Copacabana em 1974. Alguém solicita o registro de nascimento de uma menina com o nome de Preta. O oficial do cartório recusou o registro por se tratar de nome comum e não de nome próprio. O pai da menina apelou para o juiz de direito com o seguinte argumento: se era possível o registro de menina com o nome de Branca, também devia ser possível o registro de menina com o nome de Preta. No entanto, num país onde o preconceito racial é muito forte, aquele nome poderia tornar a menina alvo de zombaria e constrangimento na vida social futura, inclusive na escola. Apesar disto e com fulcro no constitucional princípio da igualdade perante a lei (isonomia), o juiz de direito [meu colega de concurso para o tribunal de justiça do Estado da Guanabara/1973, de magistratura e de magistério superior], deferiu o pedido do pai da criança e determinou ao oficial do cartório que procedesse ao registro do nascimento da menina com o nome de Preta Maria Gadelha Gil. Agora, sirvo-me de argumento semelhante: se é possível a frase “eles são brancos, que se entendam”, também o é a frase “eles são pretos, que se entendam”. 
As afinadas e harmoniosas ações conjuntas dos defensores, armadores e atacantes ensejam ao time de futebol bom e eficiente desempenho. Individualmente, os jogadores da atual seleção brasileira são de bom nível técnico, pois, caso contrário, não teriam sido convocados. Entretanto, a boa qualidade técnica individual pesa pouco (I) quando não há solidariedade e companheirismo entre os jogadores (II) quando falta entrosamento (III) quando ausentes:  (i) o senso de unidade do todo (ii) o respeito mútuo (iii) a isonomia. 
O solista exibe a sua arte de modo egocêntrico. A orquestra exibe a sua arte de modo altruístico e harmonioso. Por analogia, o mesmo se aplica ao craque e ao time de futebol. Há momentos do jogo nos quais, com coragem, oportunismo e perícia, o craque tem que executar o solo. Todavia, durante a maior parte do jogo, ele exibe a sua perícia sintonizado e sincronizado com o grupo, dentro das linhas estratégicas traçadas pelo treinador. Para a dosagem respectiva não há fórmula farmacológica e sim a solução do momento apreendida intuitivamente pelo jogador e/ou pelo treinador durante a partida, diante do que está acontecendo em campo. 

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

FUTEBOL MASCULINO

Liga europeia dos campeões. 28.09.2021. Paris Saint-Germain (PSG) x Manchester City (MC). O clube francês venceu o clube inglês (2 x 0). O primeiro gol foi marcado no primeiro tempo pelo meio-campista Gueye. O último gol foi marcado no segundo tempo pelo atacante Messi após elegante troca de passes com o atacante Mbappé. Aos ingleses faltou o que sobrava aos franceses: artilharia. Coletiva e tecnicamente o time inglês foi superior durante toda a partida; atacou sem cessar confinando o adversário no seu próprio campo. O time francês teve atuação mediana, ficou todo na defesa durante a partida, teve menos tempo de bola e poucas chances de contra-ataque. A inoportuna declaração do treinador do time inglês, feita às vésperas do jogo, de que não sabia o que fazer para segurar o trio galáctico da equipe francesa (Messi + Mbappé + Neymar) foi desmentida durante a partida. Briosos, os jogadores ingleses entraram em campo e superaram a carga negativa daquela infeliz declaração do seu experiente treinador.  
Copa Libertadores da América. 28.09.2021. Atlético/MG x Palmeiras/SP. Empate pelo placar mínimo (1 x 1). Disto resultou a festejada classificação do clube paulista para a partida final contra o Flamengo em Montevideo dentro de algumas semanas. A tática do treinador do time paulista foi semelhante à do treinador do PSG: concentrar-se no sistema defensivo da sua equipe, barrar o ataque adversário e apostar no contra-ataque por um gol, pelo menos. Diferenças: (i) os atacantes do clube francês são tecnicamente superiores aos atacantes do clube paulista (ii) a atuação coletiva do clube paulista é superior tecnicamente à do clube francês. 
A retranca (prioridade da equipe em se defender) se enquadra na bem conhecida teoria do “futebol de resultado” há muito tempo aplicada por alguns treinadores brasileiros. O que mais importa é garantir a classificação da equipe e não jogar bonito. A simplicidade do feijão com arroz.  
Quando em conversa doméstica na sua casa, em Curitiba/PR, nos anos 50, mencionava-se a vizinha bonita, minha avó materna, Lúcia Brunelli Chaves, com seu ítalo-brasileiro modo de falar, dizia: “beleza não se põe na mesa”. Meu gordo avô, Sebastião Chaves, no seu modo luso-guarani de ironizar,  em tom mais baixo, acrescentava: “mas se põe na cama”. Minha avó escutava e entre ralhar e achar graça, replicava: “velho sem-vergonha”. Pois é, saudosa vó Lúcia, razão lhe assistia: na modesta mesa de refeição se põe alimento e não enfeite e nem perfume. Todavia, em lar de gente rica, a mesa de refeição é decorada e perfumada; junta-se o útil ao agradável; a água da torneira ou do poço, servida na moringa ou na jarra, perde o seu lugar para a água mineral, para o vinho, para a fina bebida destilada e para o licor. O cafezinho ao término da refeição até que tem no modesto lar e é bem gostoso, passado no coador de pano. O cigarro que se lhe segue é de palha com fumo enrolado. Depois da refeição, da sobremesa e do cafezinho na mesa de gente rica, fuma-se charuto cubano, cachimbo com fumo cheiroso ou cigarro de papel com filtro, às vezes importado, preso a uma piteira de prata.     
Ao substituir os seus dois melhores atacantes no segundo tempo da partida, o treinador do time paulista mostrou o intento de brecar o ataque do time mineiro e jogar pelo empate. Ele foi bem sucedido, apesar do risco de sucumbir perante a valorosa equipe mineira que tinha a seu favor o estádio e a torcida. “Quem não arrisca não petisca” (ditado popular). Aos mineiros coube o maior tempo na posse da bola; atacaram muito mais do que foram atacados; pressionaram a defesa adversária durante toda a partida, porém, com poucas e infrutíferas finalizações. Da rispidez em algumas jogadas resultaram cartões amarelos e nenhuma expulsão. Arbitragem razoável.       
29.09.2021. Flamengo (Brasil) x Barcelona (Equador). O clube carioca confirmou o seu favoritismo: venceu o equatoriano pelo placar de 2 x 0 e se classificou para a partida final contra o Palmeiras. O Flamengo entrou em campo com a sua força máxima, sinal de respeito pelo Barcelona. Cautela necessária, pois, afinal, cuida-se de uma equipe equatoriana muito competitiva, tanto assim, que chegou ao patamar das partidas semifinais de um torneio de clubes campeões. As duas finalizações exitosas do clube brasileiro ocorreram dentro da pequena área adversária, depois de talentosas manobras dos meio-campistas e dos atacantes. O treinador do clube carioca bem calibrou a ação dos seus defensores, armadores e atacantes, prevenido contra uma esperada pressão muito forte do adversário, o que realmente aconteceu. O treinador e os jogadores equatorianos estavam nervosos e ansiosos desde o começo da partida. Quiçá, o fator psicológico decorrente do peso da responsabilidade perante a sua torcida e o seu país tenha influído para tais nervosismo e ansiedade. No entanto, mesmo inferiorizado no placar, o time local recebeu o apoio da sua torcida. No primeiro tempo,  por lesão na coxa ou virilha esquerda, um defensor rubro-negro foi substituído. No segundo tempo, os treinadores das duas equipes substituíram diversos jogadores sem que houvesse mudança no panorama da partida: poucas finalizações, muitos passes e dribles, alguns cartões amarelos, nenhuma expulsão. Arbitragem razoável.