sexta-feira, 30 de março de 2018

JUSTIÇA HUMANA IV

A humana justiça envenenou Sócrates, crucificou Jesus, queimou Giordano Bruno e Joana D´Arc, esquartejou Tiradentes, asfixiou Olga Benário, torturou e depôs Dilma Rousseff. Longe de ser divina, a justiça humana é deplorável.     
A justiça, como instituição estatal, é a função do poder do estado de zelar pela ordem vigente na sociedade através de um corpo especial de funcionários (policiais, fiscais e juízes). Outrora território masculino, hoje essa instituição é composta de homens e mulheres com seus feitos e defeitos, virtudes e vícios. 
Na sua atividade judicante, os juízes têm a tarefa de interpretar as leis e aplica-las aos casos concretos de modo imparcial e honesto (esfera do dever ser). Entretanto, na análise dos fatos e na interpretação e aplicação do direito positivo (esfera do ser), ocorrem distorções, manobras cerebrinas, direcionamentos segundo a vontade e o capricho dos magistrados. Na concretude histórica dos fatos, a imparcialidade e a honestidade cedem diante das pressões internas e externas. Os juízes decidem conforme a maré, por simpatia a um partido político, por adesão a uma ideologia, para atender súplicas de parentes e amigos, para obter alguma vantagem para si ou para outrem, além dos estímulos carnais. 
No Brasil, há juízes que se comportam como autênticos barnabés de toga, pensam mais em seus direitos e prerrogativas do que no cumprimento dos seus deveres. Reclamam do seu subsídio que, no contexto nacional, é mais do que satisfatório. Aumentam-no através de subterfúgios, como o imoral e vergonhoso auxílio-moradia. Rigorosos no cumprimento do horário regimental no que tange ao intervalo para o lanche e ao encerramento do expediente, mas frouxos no que tange ao início das audiências e das sessões. Seus negócios, suas palestras muito bem remuneradas, suas aulas em faculdades e cursinhos, seus compromissos dentro e fora do país, prevalecem sobre o dever funcional de comparecer às sessões, nelas permanecer e de julgar cada ação judicial sem solução de continuidade. Há também os bandidos togados referidos pela ministra Eliane Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, então corregedora. Quando descobertos, esses bandidos logo se aposentam com subsídios integrais.  
Na esfera penal, a vertente jurídica da humana e estatal justiça move-se a partir de uma notícia criminis. Mediante procedimentos éticos e legais, a autoridade pública (policial, fiscal) investiga e busca provas da existência e da autoria de atos ilícitos. Na vertente política, a autoridade pública escolhe a pessoa a ser processada, forja provas e enredos, constrói aparente legalidade, tudo no premeditado propósito de condenar o sujeito da escolha, prendê-lo, afastá-lo das funções públicas ou impedi-lo de acessá-las. Na primeira vertente, há perseguição legítima. Na segunda, há perseguição ilegítima da qual serve de exemplo o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
As agressões com porretes, chicotes, pedras e outros objetos, contra homens e mulheres que participavam dos comícios do ex-presidente e os tiros contra a sua caravana no Sul do Brasil, com a complacência do aparelho policial, exibem ao país e ao mundo a face nazifascista de parcela da população brasileira residente naquela região. O nazismo e o fascismo (1920/1940) ainda vivem na América e na Europa. Ressurgiram das cinzas da segunda guerra mundial (1939/1945). Basta um sopro na brasa encoberta para a fogueira reacender.   
Os representantes da extrema direita nas operações do tipo lava-jato recorrem aos jornais, revistas, emissoras de televisão, redes sociais, para acirrar os ânimos, defender as suas arbitrariedades, ilegalidades e o projeto de hegemonia política do seu grupo. Mandam atrevidos recados aos juízes da suprema corte. “Espero que eles decidam bem”, diz o inquisidor curitibano. Ele e seus asseclas esperam que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) endossem as inconstitucionalidades por eles praticadas. Quando não atendidos, vociferam, censuram, ameaçam, agridem.
O ministro Edson Fachin, do STF e da República de Curitiba, relator dos casos oriundos da operação lava-jato, veio a público denunciar ameaças que ele e sua família estariam sofrendo. Ainda não está claro o tipo das ameaças e o modus operandi dos ofensores. Será um contraponto da direita às agressões das quais a esquerda tem sido alvo? Ameaças em abstrato ao ministro da direita e em concreto ao político da esquerda?  Fachin é contrário: [1] à concessão do habeas corpus preventivo a Luiz Inácio Lula da Silva [2] à extensão da inocência presumida até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A sua primeira posição poderia suscitar a revolta dos partidários do ex-presidente e deles partirem as ameaças de que fala o ministro. A sua segunda posição poderia suscitar a revolta dos corruptos do centro e da direita que desejam: (i) ver seus nomes fora da operação lava-jato (ii) encerrar as investigações (iii) esgotar os recursos processuais antes da prisão, caso sejam processados criminalmente. Desse grupo partiriam as supostas ameaças referidas pelo ministro.
O provinciano inquisidor curitibano e seus comparsas pretendem que o Congresso Nacional vote com urgência Emenda à Constituição (EC) modificadora do inciso LVII, do artigo 5º, de modo a recuar o espaço da presunção de inocência para o segundo grau de jurisdição e permitir a imediata prisão do condenado, independente do trânsito em julgado. A pretensão é descabida e só o desespero explica o seu referendo por juristas (juízes, procuradores, parlamentares). O dispositivo em tela é cláusula pétrea que não pode ser objeto de EC. Requer assembleia constituinte para modifica-lo. Como se isto não bastasse, há intervenção federal em andamento até final de dezembro/2018, o que impede mudança no texto constitucional (CR 60, §§ 1º + 4º, IV).   
Ameaça está na moda. O inquisidor curitibano dela se queixou sem nada provar (nada aconteceu, alarme falso). As ameaças ao ministro Gilmar Mendes são notórias. O ministro Marco Aurélio referiu-se a constrangimento por ele sofrido. Por diferentes motivos, as ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber e os ministros Fux e Moraes são alvos de comentários desairosos. Tudo sem ofensas físicas.
De toda essa atual realidade, verifica-se que o nível ético e profissional da justiça brasileira deixa muito a desejar. Talvez, sirva de impulso a um futuro aperfeiçoamento. Quem sabe? Para o bem da nação, que assim seja!     

terça-feira, 27 de março de 2018

JUSTIÇA HUMANA III

Supremo Tribunal Federal (STF). Sessão plenária (21/03/2018). Fora do conteúdo de ação judicial específica, mas em decorrência do modo de atuação dos ministros, abre-se acirrada discussão pessoal entre Gilmar Mendes e Roberto Barroso. A presidente suspende os trabalhos. Gilmar protesta: “Eu estou com a palavra, senhora presidente!”. Sem esperar resposta (que não veio) ele diz a Barroso para fechar o escritório de advocacia. Depois da suspensão, os trabalhos recomeçaram sem mais incidentes.
Em que pesem o temperamento agressivo e a conduta indecorosa e tendenciosa de Gilmar, irrecusáveis a sua inteligência, a sua sagacidade e o seu notável saber jurídico. Destarte, quando ele, homem sabidamente bem informado, refere-se ao escritório de advocacia do Barroso, está implicitamente dizendo algo além do que é expressado na literalidade do discurso.
Certamente, Gilmar sabia que Barroso retirou-se do escritório de advocacia ao tomar posse do cargo de ministro. Por expressa vedação constitucional, quem exerce função judicante não pode, ao mesmo tempo, exercer a advocacia (CR 95, p.u., I a V).
Formalmente, Barroso agiu dentro da ética da advocacia e da magistratura quando comunicou ao tribunal o seu afastamento do escritório e solicitou que não lhe fosse distribuído processo algum em que funcionasse o citado escritório.
Provavelmente, a insinuação de Gilmar deve-se à notícia, falsa ou verdadeira, de que a Globo, empresa jornalística, de rádio e televisão, é cliente do escritório do qual Barroso era sócio. Fato notório: essa empresa e os seus donos lutaram pela condenação do ex-presidente e continuam a lutar por sua prisão e exclusão da disputa eleitoral. Nesse contexto, a frase “fechar o escritório” significa que o ministro Barroso, mesmo física e socialmente afastado do escritório, continua, indireta e empaticamente, a defender os interesses dos seus antigos clientes. Razoável presunção autorizada pelos antecedentes de alguns ministros da suprema corte brasileira.
O ministro Barroso tem direito de receber por sua atividade como advogado anterior ao seu ingresso na magistratura: (i) os honorários resultantes da sucumbência da parte adversa nas ações judiciais por ele propostas ou contestadas (ii) os créditos decorrentes dos contratos de prestação de serviço de advocacia que ele assinou com os seus clientes. A ele – e a todo juiz – também é permitido manifestar opinião no exercício do magistério e em obras técnicas, bem como, exercer o seu direito de crítica.
Dentro ou fora do tribunal, o juiz deve manter conduta irrepreensível, cumprir obrigações para com a família, a sociedade e o estado, sem injuriar, difamar ou caluniar. Além disto, segundo o código de ética da magistratura, ao juiz é vedado: (i) opinar sobre ação ainda pendente de julgamento seu ou de outro magistrado (ii) emitir juízos depreciativos sobre despachos, sentenças, votos, acórdãos, da lavra de órgão judiciário.
Quem deixou a advocacia para ser juiz deve se abster: (i) de orientar os seus antigos colegas de escritório em ações propostas ou a propor (ii) de responder a consultas formuladas por seus antigos clientes, ainda que informais e não remuneradas.
O elevado conceito de Barroso como advogado, professor, escritor e, agora, como juiz da suprema corte, reforça os laços de fidelidade da clientela ao seu antigo escritório. Em questões de grande impacto social, político ou econômico, essa clientela pode exercer pressão sobre o ministro que, por empatia, se deixa influenciar. Isto, talvez, explique o voto de Barroso no caso do habeas corpus preventivo impetrado em favor de Luiz Inácio Lula da Silva.
No estrito âmbito jurídico, difícil entender o voto de Barroso contrário à letra e ao espírito da norma constitucional, sendo ele homem culto e festejado constitucionalista. Somente a atmosfera exterior explica a sua posição no caso mencionado. Tal como a presidente do STF, parece que ele também sucumbiu à pressão externa daqueles indivíduos e grupos, forças nacionais e estrangeiras (menos ocultas do que as citadas por Jânio Quadros) que agem para ver o ex-presidente da república condenado por crime que ele não cometeu e bradam por sua prisão.
A perseguição ao político pernambucano se traduz em atos violentos contra a sua caravana no Sul do Brasil. Quem tiver a paciência de rastrear a identidade dos agressores a partir das imagens projetadas pela televisão ou captadas nos celulares, certamente não encontrará judeu, negro ou anarquista. Encontrará brancos de sobrenome alemão ou italiano, herdeiros do pensamento e da prática nazista germânica e fascista italiana. Herança compartilhada pelos juízes do tribunal sulista que não se envergonham de condenar um inocente, desde que seja de esquerda, ainda mais se o réu for caboclo nordestino de origem humilde. 

sexta-feira, 23 de março de 2018

JUSTIÇA HUMANA II

Na sessão plenária de 22/03/2018, sem repetir as baixarias e as ofensas ao decoro ocorridas na sessão do dia anterior, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento do habeas corpus preventivo (HCp) impetrado em favor de Luiz Inácio Lula da Silva. Esse julgamento será paradigmático. Orientará a solução dos casos semelhantes em todo o território nacional. O relator, ministro Edson Fachin, estava com o processo desde fevereiro sem leva-lo a julgamento pela Turma ou pelo Plenário do STF. Demora injustificável, pois se trata de garantia constitucional da liberdade dos cidadãos brasileiros que exige tratamento especial, atencioso e célere. A má vontade e a indisposição desse ministro de lidar com os direitos do réu evidenciam-se na sua ambígua e indigesta atuação na Turma e no Plenário. Além dele, outros ministros também permitiram que a antipatia pessoal pelo réu e por seu partido político influísse nos seus votos. Não se lhes escapou, todavia, o entendimento do fato de a prisão impedir a candidatura do réu à presidência da república. Por outro lado, ministros que não morrem de amores pelo réu e tampouco por seu partido, superaram a antipatia e atuaram de modo imparcial, sobranceiro, sereno e independente, como convém a juízes que honram a toga e respeitam o estado democrático de direito. A maioria dos componentes do tribunal admitiu a ação de HCp e concedeu salvo-conduto ao réu.       
Na questão preliminar, os 4 ministros vencidos entendiam inadmissível a impetração do HCp, posto haver recurso processual tanto da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) como da decisão do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF4). Segundo tais votos, em havendo recurso ordinário, não cabe habeas corpus. Em sentido contrário, votaram 7 ministros, citaram precedentes do próprio STF, entenderam admissível habeas corpus mesmo quando cabíveis outras modalidades de recursos processuais. Lembraram que, nos termos da lei processual, a ordem judicial de habeas corpus pode ser expedida até de ofício (sem pedido da parte interessada).      
Encerrado o exame dessa questão preliminar, o ministro Fachin, com o seu enfadonho, afetado e provinciano modo de falar e escrever, relatou o feito. A seguir, o advogado impetrante ocupou a tribuna e discursou no teatral estilo antigo, preocupado em exibir cultura geral e dotes retóricos, sem a objetividade exigida no mundo atual. A procuradora-geral da república, de modo elegante, austero, claro, direto e objetivo, opinou pela denegação da ordem. Esgotado o tempo regimental, o relator pediu para expor o seu voto antes de a sessão ser encerrada. Houve discordância. A presidente colocou o assunto em votação. A maioria decidiu pela suspensão do julgamento até o dia 04/04/2018, ocasião em que o relator fará a leitura do seu voto.
Resolvida a questão regimental, o advogado impetrante requereu fosse obstada a expedição do mandado de prisão até o final do julgamento do HCp. A presidente colocou o assunto em votação. O requerimento foi aprovado por maioria (6 x 5). A presidente determinou a imediata expedição do salvo-conduto. Destarte, ainda que o TRF4 rejeite, parcial ou totalmente, os embargos de declaração com efeito infringente oferecidos pelo réu e, assim, mantenha a sentença condenatória de primeiro grau, o mandado de prisão não poderá ser expedido. O juiz da execução deverá aguardar a decisão final do STF. Até lá, o réu continuará em liberdade e poderá prosseguir com a caravana lulista ouvindo o ladrar da matilha sulista.
Nessa questão técnica da tutela de urgência, os ministros vencidos (Carmen Lúcia, Fux, Barroso, Fachin e Moraes) apegaram-se ao formalismo excessivo e equivocado, o que é imperdoável em juiz de suprema corte. A questão reclamava decisão unânime. Em julgamento estava um habeas corpus do qual dependia a liberdade do réu. A sessão foi suspensa por motivo alheio à vontade e à iniciativa do réu. A liberdade do réu estava ameaçada por iminente expedição de mandado de prisão decorrente de sentença penal condenatória confirmada em segundo grau de jurisdição, cuja execução está sub judice (questionada no STJ e no STF). Via de regra, para executar os seus decretos, os juízes e tribunais de inferior jurisdição devem aguardar as decisões dos tribunais de superior jurisdição sobre o caso concreto em andamento na esfera recursal.  
A situação jurídica está indefinida. A decisão do STF de 2016 que permitiu a execução da pena após o encerramento do segundo grau de jurisdição foi impugnada no devido processo legal mediante ações judiciais questionando a constitucionalidade. O HCp resulta dessa indefinição do espaço da presunção de inocência. O que prevalecerá: (i) a letra e o espírito da norma constitucional que condiciona o reconhecimento da culpa ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou (ii) o acórdão do STF que afasta esse condicionamento? Cabe ao STF resolver essa pendência em nome da segurança jurídica e do princípio da supremacia da Constituição. Enquanto isto, há de se preservar a liberdade. In dubio pro reo. O réu não pode ser prejudicado e preso antecipadamente. Os votos vencedores (Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Rosa Weber) ajustam-se à lógica, ao bom senso, à ideia e ao sentimento de justiça.      
O mérito do HCp será apreciado na primeira quarta-feira de abril. A noticiada ausência do ministro Gilmar Mendes não impedirá a regularidade dos trabalhos. Considerando a normal extensão dos votos e as costumeiras discussões e interrupções nos casos de maior impacto social, o julgamento será concluído provavelmente na segunda semana de abril. A primeira metade da sessão de quarta-feira (04/04/2018) será ocupada pela leitura e discussão do voto do relator (Fachin). A segunda metade (após o intervalo para o lanche) será ocupada pela leitura e discussão dos votos dos ministros Moraes e Barroso. Na quinta-feira (05/04/2018) serão lidos e discutidos os votos dos ministros Rosa Weber, Luíz Fux, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Na quarta-feira da semana seguinte (11/04/2018) será a vez dos votos dos ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Carmen Lúcia. Então, a presidente proclamará o resultado final.

quinta-feira, 22 de março de 2018

JUSTIÇA HUMANA

Há justiça divina? Talvez. Antes, mister saber se deus existe e, caso afirmativo, se é possível, em face das nossas limitações, senti-lo e compreende-lo. Quanto a isto, campeia a divergência entre os humanos e entre as suas religiões e filosofias. Os místicos hindus conceberam a lei do carma como expressão da justiça divina concernente aos fatos humanos. Crentes na reencarnação, tomam por base o comportamento individual e social e a atitude mental dos homens e mulheres (crianças e adultos). Bons sentimentos, bons pensamentos e boa conduta geram boas consequências, neste e no outro mundo. Maus sentimentos, maus pensamentos e má conduta geram más consequências, neste e no outro mundo. Os religiosos cristãos afirmam que, após o sincero arrependimento pelos pecados cometidos em pensamento e no comportamento individual e social, há o perdão divino; que esse perdão é superior à ideia e ao sentimento de justiça, ou seja: superior ao propósito de punição.
Há justiça humana? Sim. Ainda que exercida em nome de deus, essa justiça nada tem de divina. Cuida das nada divinas relações humanas neste planeta. Da necessidade de estabelecer regras de convivência entre os indivíduos e entre os grupos humanos brotou a ideia de justiça. Para assegurar o respeito a essas regras, a cultura humana, ao atingir o grau de civilização, organizou a segurança pública composta de guardas, fiscais e juízes, autorizada a se valer da força quando necessário. Pretendia evitar que os indivíduos e grupos se valessem da sua própria força para resolver suas divergências ou que castigassem, ao modo de cada um, os desafetos e os violadores das regras.         
A polidez, a cortesia, a tolerância, a paz entre os humanos, são próprias da civilização. Historicamente, são propriedades ocasionalmente ausentes. As guerras, os conflitos, as grosserias, as violências física e psicológica, são frequentes e muitas vezes terríveis. O esforço civilizatório com base na face angelical encontra muro fortificado na face demoníaca da natureza humana. Os sacerdotes egípcios resistiram ferozmente à revolução religiosa monoteísta do faraó Aquenaton. Sidarta, o primeiro Buda, rebelou-se contra a família, resolveu ser anacoreta, inicialmente abstêmio, depois glutão. Jesus, o Cristo, perdeu as estribeiras no vestíbulo do templo, às vezes xingava os seus opositores e não escondia sensualidade em relação às mulheres, principalmente à Maria Madalena. Maomé, jovem pobre, deu o golpe do baú, casou com viúva rica, fundou uma religião, declarou guerra aos infiéis e as batalhas prosseguem no presente século. Gandhi, o pacifista, obrigou sua esposa a lavar latrinas públicas. Padres e pastores dedicam-se à santa pedofilia.
Nas instituições políticas grassam hipocrisia, mentira, desonestidade e violência. As formalidades comuns às civilizações cedem ocasionalmente lugar às informalidades, aos ataques físicos e morais, violentos e indecorosos. A instituição judiciária, no plano ético, a mais destacada numa nação civilizada, também dá os seus tropeços.
No Brasil, a suprema corte exemplifica esse fato. Em geral, bem comportados, fiéis ao decoro (salvo o desleixo no uso da toga), corteses e respeitosos, mantenedores da solenidade das sessões e da austeridade do cargo, conscientes da relevante função social que exercem, os juízes da suprema corte, diante de situações concretas e adversas, às vezes perdem as estribeiras ao atingirem o limite da sua contenção formal e subjetiva. Isto aconteceu em sessões plenárias diferentes. Na última, de maior impacto do que as anteriores, os ministros Gilmar Mendes e Roberto Barroso confrontaram-se agressivamente. Valentia dos contendores.
Graças à televisão, o povo testemunhou o entrevero (21.03.2018), a manifestação, ao vivo, do polo demoníaco da natureza humana. Embora de modo pacífico e mais elevado espiritualmente, seria bom que os juízes manifestassem a sua humanidade com maior frequência e fundamentassem as suas decisões menos na justiça legal do estado e mais na justiça do coração; que buscassem algum equilíbrio entre os polos demoníaco e angélico da natureza humana, ou seja: entre os dois tipos de justiça.

domingo, 18 de março de 2018

VIOLÊNCIA

Caso Marielle. Tipo: homicídio doloso. Autoria: desconhecida até o momento. Modo: execução a tiros, de emboscada, sem possibilitar defesa à vítima. Local: Estácio (bairro da cidade do Rio de Janeiro). Motivo: torpe. Causa imediata: denúncia feita pela vítima de crimes praticados por policiais militares em determinada favela (Acari). Causa remota: ativismo político e social da vítima: [i] em defesa das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos favelados, dos pobres [ii] em oposição ao governo de direita, à intervenção federal no estado e à administração estadual e municipal.  
Violência evoca a ideia de força impetuosa e intensa contra coisas, pessoas e instituições. Força natural como a dos ciclones e a dos animais. Na sociedade, a violência provém da natureza demoníaca do animal humano e ocorre entre indivíduos (crianças, adultos), famílias, grupos e nações rivais. A violência pode ser: [i] verbal, física e moral [ii] local, nacional e internacional [iii] contra o desafeto, o inimigo, o estado, o governo, o povo, a igreja, a classe, a etnia, a arte, a ciência, a vida, a liberdade, a igualdade, a propriedade, os direitos sociais, econômicos e políticos [iv] provocada por medo, frustração, vingança, desejo de dominar, de fazer silenciar [v] estimulada pelo ódio, raiva, rancor, inveja, senso do dever.
No regime autocrático (China) e no democrático (EUA), combate-se o divergente [i] no plano intelectual (ataque às ideias, aos programas e projetos) [ii] no plano moral (ataque à honra) [iii] no plano dos fatos (agressão física, prisão, assassinato). Tanto na extrema esquerda como na extrema direita, a palavra de ordem é matar os opositores sem pestanejar.
No Brasil, há inúmeros exemplos de violência social e estatal (invasão de lares, espancamentos, lesões, prisões ilegais, assassinatos de líderes sindicais, comunitários, ambientalistas). O revoltante caso de Marielle é o mais recente. Não se trata de um “cadáver como outro qualquer” e sim de uma pessoa cuja vida foi ceifada de modo brutal, inesperado e à traição. Essa pessoa tinha alma, sentimento, pensava e agia. Segundo o noticiário, ela buscava não só o seu bem-estar como também o das outras pessoas e das comunidades. De origem pobre, conhecia por experiência própria as aflições daquelas pessoas e comunidades semelhantes a ela e à comunidade na qual nasceu e cresceu. Trabalhou, estudou, ingressou na universidade, formou-se em Sociologia, colocou em prática os ensinamentos, filiou-se a um partido político e se dedicou à causa pública como vereadora. O seu futuro auspicioso acabou no presente crivado de balas de pistola.
Os eleitores cariocas viram os seus votos irem para a sepultura. Não há prova alguma da cumplicidade da vereadora com a bandidagem. Ao contrário, há evidência de que ela combatia o crime e lutava por maior segurança e melhor qualidade de vida nas comunidades. Lamentáveis as opiniões levianas e caluniosas manifestadas por parlamentar e por magistrada do Rio de Janeiro. Esqueceram que, nos termos da lei brasileira, a calúnia contra os mortos é crime (CP 138, 2º).
Compreensível a reação popular no Rio de Janeiro e em outros estados da federação. A maioria do povo está descontente com o governo federal. Daí, também, a revolta contra a intervenção federal. As forças armadas pagam o pato sem merecer. Desde o restabelecimento da democracia, a partir de 1985, as forças armadas atuam dentro da legalidade. Fazem-no com galhardia, pois não lhes é fácil engolir governos de esquerda e tampouco obedecer as ordens de um delinquente posto na chefia da nação por um golpe civil. Atuam fielmente com base na hierarquia e na disciplina.
O efeito do trágico episódio Marielle na esfera política afigura-se natural. A esquerda enaltece a pessoa da vítima, apoia as bandeiras por ela defendidas enquanto vivia, participa das manifestações populares e acusa o governo federal. A direita defende o governo, nega a motivação política do assassinato e atua nas redes sociais e nos três poderes do estado para desqualificar a vítima. O trágico episódio aumentou a tensão entre esquerda e direita gerada pela expectativa da prisão do ex-presidente. Cresce a efervescência da massa popular. A fim de evitar derramamento de sangue, o Tribunal Regional Federal de Porto Alegre poderá, em nome da prudência, suspender a execução da pena e aguardar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.
O brutal assassinato de Marielle torna mais aguda a sensibilidade do povo em relação à desestruturação política e econômica do Brasil promovida pelos derrotados nas eleições de 2014. Até 2010, o governo da esquerda fazia do Brasil uma potência. O governo dos EUA não podia tolerar uma segunda potência no continente americano. Planejou e patrocinou a obra do desmonte. Recrutou agentes no Brasil para a sórdida tarefa, entre eles, o inquisidor da República de Curitiba.

quinta-feira, 15 de março de 2018

INDULTO II

A Procuradora-Geral da República, alegando inconstitucionalidade, impugnou o decreto que concedeu indulto natalino a diversos presos. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a vigência do decreto até que o tribunal voltasse a se reunir em fevereiro. O ministro Barroso, na condição de relator do processo, acolheu a impugnação e modificou o decreto.
A decisão monocrática não retirou do presidente da república o poder de graça. O decreto presidencial foi mantido, porém, o número de beneficiados ficou menor. O relator estribou-se na legislação ordinária e vislumbrou excesso. Para obter o benefício, o presidiário deve ter cumprido, pelo menos, 1/3 da pena e não 1/5 como quer o presidente da república. A competência privativa do presidente da república deve ser exercida dentro das balizas estabelecidas pela Constituição e na forma da lei.
Tanto sob o regime autocrático como sob o regime democrático, aos juízes cabe interpretar as normas do direito positivo e aplica-las aos casos levados ao conhecimento dos tribunais. Na autocracia, a eficácia das decisões judiciais depende da anuência, tácita ou expressa, do rei, do ditador ou do grupo oligárquico. Na democracia, as decisões judiciais são soberanas, ou seja: independem da concordância dos demais poderes do estado e da sociedade.        
Quando vigora a separação dos poderes do estado, como no Brasil, os juízes podem examinar a constitucionalidade e a legalidade dos atos do Legislativo e do Executivo, porém, não podem legislar. Na hipótese de faltar lei adequada ao caso concreto, ou de a lei existente mostrar-se vaga, cabe aos juízes, no devido processo jurídico, preencher a lacuna mediante regras específicas que vigoram enquanto o Legislativo não elaborar nova lei.
No caso em tela, o relator julgou parcialmente inconstitucional o decreto do indulto porque o presidente da república teria exorbitado ao exercer a sua competência. Provavelmente, em sessão plenária, o STF verificará se, ao limitar a extensão do decreto, o relator, por sua vez, também extrapolou. Ao indulto, a Constituição da República impõe as seguintes restrições: prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo, crimes hediondos (CR 5º, XLIII). Ao acrescentar outras restrições, o ministro pode ter invadido a competência do Legislativo.  
Considere-se, ainda, que ao Congresso Nacional cabe fiscalizar e controlar diretamente os atos do Poder Executivo. No silêncio do Congresso, reputa-se lícito o ato do Executivo. Presunção juris tantum, posto que, sob o crivo do Judiciário, no sistema de freios e contrapesos, os atos do Executivo podem se revelar total ou parcialmente inconstitucionais.
Em decorrência das suas relevantes funções dentro do estado, os juízes e tribunais estão sujeitos a pressões internas e externas. Aceitam algumas, resistem a outras. Atualmente, há forte pressão social sobre o STF. De um lado, os amestrados meios de comunicação social, o presidente da república (recebido na residência particular da presidente do tribunal), o presidente do tribunal regional federal de Porto Alegre (recebido no gabinete da presidente do tribunal), os juízes federais, os políticos e partidos que executaram o golpe de estado, pressionam para que o tribunal protele o julgamento das ações sobre o início da execução da pena dos condenados em processo criminal. Pretendem a imediata prisão do ex-presidente da república e, assim, afastá-lo do pleito eleitoral. Do outro lado, advogados do ex-presidente, políticos e partidos que o apoiam, jornalistas independentes, juristas, intelectuais, artistas, movimentos sociais, pressionam para que o tribunal julgue urgentemente as referidas ações. Pretendem manter a liberdade do ex-presidente e a sua candidatura ao cargo presidencial. Até o momento, surtiu efeito apenas a pressão exercida pelos autores do golpe de estado. A presidente do STF se nega a cumprir o seu dever (pautar os processos).
No que concerne ao habeas corpus, a presidente do STF atribui a culpa pela demora à omissão do relator (Fachin) que não solicitou o julgamento pelo plenário da corte. Por seu turno, o relator diz que remeteu os autos à presidência do STF para julgamento em sessão plenária (o que dispensava pedido específico em separado). Fachin misturou a ação de habeas corpus com a ação direta de inconstitucionalidade como se ambas tivessem o mesmo tratamento processual. Sofisma proposital (juiz da suprema corte tem a seu favor a presunção de notável saber jurídico). Manobra maliciosa, porque o habeas corpus devia ser apreciado pela turma e não pelo plenário e com a devida celeridade por sua natureza de garantia constitucional. Esse episódio nefasto para a liberdade e os direitos dos cidadãos brasileiros revela baixo nível ético dos juízes. Parcialidade e politicagem descaradas.
Solteira, quiçá solitária, Carmen Lúcia, presidente do STF, abriu as portas da sua residência particular a um homem casado, desacompanhado da esposa, charmoso, cheiroso, sedutor (vampiresco poder de sedução), vestido esportivamente, que exerce o afrodisíaco cargo de presidente da república. Assuntos oficiais, tratam-se nos locais de trabalho e os extraoficiais em qualquer lugar conveniente. Certamente, ambos trataram de assuntos extraoficiais. Se, porventura, trataram de assuntos oficiais, então escolheram modo extraoficial e local impróprio de fazê-lo, com ostensiva desobediência aos princípios da impessoalidade e da publicidade insculpidos no artigo 37 da Constituição da República. Outrossim, é dever do magistrado (homem e mulher togados) manter conduta irrepreensível na vida pública e particular (LC 35/1979, art. 35, VIII).  Detalhe: a idoneidade moral do visitante está sub judice.

segunda-feira, 12 de março de 2018

MANUELA



A parlamentar gaúcha entrou na disputa eleitoral de 2018. Concorre ao cargo de presidente da república. Se apoiada por Luiz Inácio, ela provavelmente enfrentará o cearense no segundo turno. A justiça  federal (polícia + ministério público + magistratura) alijou o pernambucano da disputa eleitoral. Essa venal e politiqueira justiça poderá arranjar também para Manuela um tríplex em Tramandaí. Então, o caminho ficará desobstruído e nele farão passeio, xingando-se mutuamente, o paulista, o carioca e a acreana, com o cearense assistindo de camarote. O Brasil será governado por pessoa situada à direita ou na faixa central do espectro político com as bênçãos do governo dos EUA e das corporações estrangeiras (principalmente petroleiras).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF), não permitirão a presença do pernambucano como candidato nas eleições de 2018. Carta fora do baralho. Alegar a falta de provas, a fraude processual, a evidência das arbitrariedades e dos abusos praticados em primeira e segunda instâncias durante os trâmites da ação penal promovida contra o pernambucano, não sensibilizará os parciais e colonizados juízes. A defesa servirá apenas para documentar historicamente o vergonhoso episódio, protagonizado pela justiça federal, que fez regredir o Brasil ao status de republiqueta de bananas. Aliás, não só a justiça federal contribuiu para essa regressão, mas também os políticos e seus partidos que, inconformados com a derrota sofrida nas urnas em 2014, executaram o golpe de estado planejado e promovido diplomática e logisticamente pelo governo dos EUA, com apoio dos amestrados meios nacionais de comunicação social.     
Os tribunais superiores já exibiram os seus músculos. Nada os demoverá do propósito de afastar o pernambucano, cuja prisão, anunciada com anos de antecedência, será agora executada. A presidente do STF retarda intencionalmente o julgamento das ações e do habeas corpus que poderiam beneficiar o pernambucano e outros cidadãos brasileiros. O retardo facilitará a prisão do ex-presidente da república. A deliberada e premeditada omissão da presidente tipifica ilícito penal e civil. Retira do cidadão o direito líquido e certo de ver apreciado pelo tribunal o pedido de garantia constitucional formalmente protocolado.
A censurável conduta da presidente pode ser atacada por meio de outra garantia constitucional: o mandado de segurança (singular e/ou coletivo). “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública...” – “O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída...” (CR 5º, LXIX + LXX). 
Ao não incluir as ações e o habeas corpus na pauta dos julgamentos dos meses de março e abril de 2018, a presidente confirmou o seu anterior pronunciamento oral e mostra toda a sua disposição de protelar a prestação da tutela jurisdicional a que todo cidadão brasileiro tem direito. “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CR 5º, XXXV). A ignominiosa conduta da presidente frustra a eficácia desse dispositivo da Constituição da República Federativa do Brasil e contraria a letra e o espírito da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, da qual o Brasil é signatário. Todo homem tem direito: (i) à vida, à liberdade e à segurança pessoal (ii) a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei (iii) a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele (iv) de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. (DUDH artigos III, VIII, X, XI).  
Em breve, o pernambucano será solto por decisão majoritária do STF e solto ficará até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Do ponto de vista jurídico, resta ainda a possibilidade, na corte suprema, de o réu ser absolvido ou ver anulado o processo por vício formal e/ou material, apesar dos eventuais votos contrários de ministros nazifascistas como Alexandre (do Grupo Temer) e Fachin (da República de Curitiba). A esperança é a última que morre.      

domingo, 11 de março de 2018

TROVAS



Sem o teu corpo estou ciente
Que devo ser bem paciente
Até a noite em que você deixar
O meu corpo ao teu lado deitar

Sem a tua alma estou ciente
Que devo ser bem paciente
Até o dia em que você deixar
A minha com a tua comungar