Egito (4000 a
500 a.C.).
A produção cultural do Egito foi
extensa e norteou o progresso das diversas nações antigas e modernas. Diversos
foram os componentes da civilização egípcia: (1) estratificação social: classe superior (faraó e família, nobreza sacerdotal
e militar), classe média (escribas, comerciantes, artesãos, lavradores), classe
inferior (servos e escravos), desigualdade abissal entre ricos e pobres; (2) costumes: monogamia, concubinato,
casamento entre membros da mesma família, linha feminina de descendência,
autoridade do avô materno, sucessão feminina no trono, educação masculina com
finalidade prática; (3) economia: agricultura
(irrigação), comércio (exportação, importação, cálculo, escrituração),
indústria (cerâmica, vidro, tecidos, navios), padrão monetário, escambo, trabalho
livre, servil e escravo; (4) política:
formas de governo (autocracia, aristocracia, democracia, império) e organização
administrativa (centralização e descentralização); (5) direito: igualdade formal (perante a lei), tratamento jurídico da
propriedade, do testamento, do contrato, das obrigações, do homicídio, do
roubo, do adultério; (6) arte:
literatura, pintura, escultura, arquitetura, engenharia (pirâmides, palácios,
estradas), medicina (remédios, cirurgia, ortopedia, cardiologia, odontologia,
clínica geral); (7) ciência: aritmética,
geometria, astronomia, física; (8) filosofia:
religiosa, natural, ética e política; (9) religião:
imortalidade da alma, politeísmo da massa, monoteísmo da elite, providência divina,
pecado (prêmio e castigo depois da morte).
Ao provocar admiração por sua
exuberância, o Egito antigo desafia a inteligência e a imaginação das pessoas. Livros,
revistas, filmes documentários, retratam os antigos egípcios como seres de
outro planeta que habitaram a Terra por algum tempo e depois retornaram ao seu
planeta de origem em suas naves espaciais (ou intertemporais). No embalo da
física contemporânea, os cientistas cogitam de viagem no tempo. Os antigos
egípcios teriam vindo aqui mesmo da Terra, porém do futuro; o nosso presente é
o passado deles. Enquanto faltar prova suficiente a esse realismo fantástico,
prevalece o realismo histórico.
Os egípcios passaram pelos
estágios eolítico, paleolítico e neolítico até o nível de civilização no processo
cultural evolutivo comum aos povos primitivos. Acreditavam que os deuses
criaram a ordem cósmica da qual a sociedade humana era reflexo; que tal ordem era
estática e perene; que a pessoa do rei era sagrada (divina). Os egípcios
criaram instituições básicas: família, propriedade, religião, estado; domesticaram
animais e se dedicaram à agricultura, olaria, tecelagem e navegação; utilizaram
metais, fabricaram armas e instrumentos de pedra polida e produziram fogo. Com
a invenção da escrita (pictórica, hieroglífica e silábica) e sua ampla
utilização, os egípcios atingiram o nível de civilização. As pirâmides só foram
construídas depois de dois mil anos de civilização {quase o mesmo tempo
decorrido na era cristã até o homem moderno ter conhecimento e capacidade para construir
a torre Eiffel e altos edifícios (arranha-céus)}.
Antes de adentrar no realismo fantástico
e de subestimar a capacidade dos antigos egípcios, convém lembrar que a
história do antigo Egito restrita ao estágio de civilização cobre um período de
quatro mil anos! No primeiro milênio do referido estágio cultural, surge um
texto denominado Drama Menfítico, com
a seguinte expressão: o universo é regido
por uma inteligência. Idéia revolucionária para uma época de animismo,
antropomorfismo, politeísmo e superstição. O surgimento desse texto anacrônico
é o primeiro precedente conhecido de manifestos expedidos por sociedades
secretas ou por indivíduo isolado, que surgem de vez em quando, com
prognósticos, princípios místicos e símbolos esotéricos. Aquela idéia foi
imposta ao povo egípcio dois mil anos depois do surgimento do texto. O autor da
façanha foi o faraó Aquenaton, fundador de uma religião monoteísta de curta
duração (1380 a
1360 a.C.).
A inteligência que regia o universo era Aton, deus único, simbolizado pelo sol.
Outras idéias daquela remota época foram: a eternidade do universo, os ciclos
de evolução e o princípio de causalidade (causa e efeito). A medicina egípcia
atribuía causas naturais às doenças.
A lei e o pensamento filosófico
passaram por altos e baixos no curso da história egípcia. No antigo império (3200 a 2300 a.C.) todos se
submetiam à lei, inclusive o rei. Deus governava e faraó (casa real) era o seu representante na Terra. Religião e estado eram
inseparáveis. Tribunais e funcionários (juízes) distribuíam justiça com o dever
de imparcialidade. Os egípcios daquela época prezavam a paz, não mantinham
exército permanente e só organizavam forças de defesa se atacados. Ptahotep,
vizir de um faraó (2500 a.C.)
elaborou algumas proposições de natureza ética para instruir o filho. Dois mil
anos depois, Aristóteles faria o mesmo para seu filho (Ética a Nicômaco). O citado vizir orientava o filho a ter sucesso
na vida sem prejuízo do idealismo. Aconselhava-o a ser cortês, tolerante,
bondoso, jovial, honesto e justo, ainda que isto importasse em sacrifício dos
próprios interesses, pois só o poder da retidão perdura. O coração deve abrigar
a moderação e a continência; a cobiça, o orgulho e a sensualidade devem ser
barrados. Nos anos posteriores ao colapso do antigo império um sacerdote e
filósofo de Heliópolis chamado Khekheperre-soneb se opõe ao status quo e se coloca na defesa da
justiça social: a sociedade é corrupta e
complacente; a miséria reina por toda parte; ao pobre faltam forças para se
libertar do mais forte; aqueles que nasceram para dirigir são degenerados e
covardes. Na mesma época são
publicados os escritos de Ipuwer e Nefer-rohu, dois conservadores saudosos do
antigo regime que expõem uma filosofia social, política e messiânica. Deploram
a anarquia, a opressão e a pessoa que rouba do fraco; acusam o governante por
estabelecer a discórdia, agir injustamente e eximir-se da responsabilidade;
acenam para uma idade de ouro quando o direito será justo e a iniqüidade não
terá lugar. A idade nova será precedida de um rei que livrará o povo da
opressão, restabelecerá a paz e trará prosperidade.
No médio império (2100 a 1790 a.C.) os fatos sociais
e políticos influíram no pensamento filosófico e nas atitudes dos egípcios. O
pessimismo, a desilusão e o ceticismo passaram a vigorar. A religião primitiva
perdeu a força. Um clima de insegurança e desalento adveio da invasão
estrangeira, da dissolução do antigo império e da desordem social. A existência
de vida após a morte foi colocada em xeque: ninguém
de lá voltou para narrar o que lá encontrou; fama, riqueza e poder são ilusões;
a morte é o destino comum do faraó e do servo; o caminho a seguir é o da
satisfação dos desejos e do gozo dos prazeres e zelar pelo bom nome (“Canção
do Harpista”). Em um texto dessa época, um egípcio conta o seu infortúnio
pessoal. Condenado por delito de cuja prática se diz inocente, abandonado pelos
amigos e roubado pelos vizinhos (isto lembra “O Ébrio”, canção popular
interpretada por Vicente Celestino), tece o seguinte comentário: na sociedade vê-se apenas corrupção,
desonestidade e cobiça; as pessoas são despudoradas, qualquer um toma os bens
do vizinho; a terra tornou-se presa de ladrões, velhacos e opressores; em todo
lugar os bons são olhados com desprezo; a morte libera o homem do sofrimento;
na outra vida, o bom será premiado e o mau, castigado (“Diálogo de um
Misantropo com sua Alma”). Outro texto desse período, também de autor
desconhecido (certamente pessoa culta, inteligente e de bom nível social)
recebeu o nome de “Discurso do Camponês Eloqüente”. A história que serve de
fundo à mensagem moralizadora é a de um campônio que se queixa perante o
tribunal de ter sido roubado por um funcionário público. Em suas alegações, ele
diz quais devem ser as obrigações do funcionário (juiz, autoridade): agir como pai dos órfãos, marido das viúvas
e irmão dos abandonados; proteger o miserável e prevenir o roubo; punir os que
merecem; julgar imparcialmente e não afirmar falsidades; promover um estado de
harmonia e prosperidade que ninguém possa sofrer fome, frio e sede.
No último império (1580 a 1090 a.C.) inaugurado por
Amósis após derrotar os hicsos, povo invasor que governava o Egito há 200 anos,
os egípcios recuperaram a liberdade, mas se distanciaram do pacifismo isolacionista
que os caracterizava; tornaram-se agressivos e imperialistas; submeteram ao seu
domínio: a Palestina, Fenícia, Síria, Líbia, Núbia e Assíria. O faraó tornou-se
governante absoluto garantido por bem equipado exército permanente. Desse
período é o trabalho intitulado “A Sabedoria de Amenemope” com o seguinte
texto: Deus é o arquiteto do destino
humano; Deus derruba e constrói a cada dia; o homem deve ser tolerante com a
fraqueza do outro e lhe perdoar as transgressões e auxiliar quem está
desamparado; Deus faz um milhar de humildes quando deseja e põe um milhar em
vigilância; o homem deve se contentar com pouco, ganhar o pão com seu próprio
esforço e confiar em Deus para ter paz de espírito. Nesse período histórico
também foi implantada a religião solar e monoteísta de Aquenaton, cujo deus
único (Aton) corporificava a retidão, a justiça e a verdade. Esse faraó poeta
elaborou um hino ao sol e introduziu a idéia de salvação do pecador mediante
penitência e súplica de perdão. Depois de Ramsés III (1198 a 1167 a.C.) começou a
decadência. Líbios, etíopes e núbios invadiram o Egito e rebaixaram o padrão
cultural. Os egípcios perderam a liberdade. A vida social foi dominada por
formalismo religioso e sacerdotes ambiciosos. Depois do governo dos bárbaros
vieram os assírios (670 a.C.)
e os persas (525 a.C.).
A tradicional civilização egípcia nunca mais reviveu, salvo os produtos
culturais assimilados por outros povos e que chegaram aos nossos dias.