sábado, 28 de novembro de 2020

VIRA-LATA

O falecimento nesta semana do argentino Diego Armando Maradona, notável jogador de futebol, comoveu o mundo esportivo (25/11/2020). Milhares de pessoas compareceram ao velório no palácio do governo (Casa Rosada). Cortejo de carros e motos acompanhou o féretro até o cemitério. O acesso à cerimônia de sepultamento foi obstado ao público. Políticos da Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Itália, Uruguai, Venezuela, apresentaram suas condolências. Nos meios de comunicação social, o panegírico aliado ao sentimentalismo, ao oportunismo e ao sensacionalismo, soava como latido da cachorrada ao escapar do canil. Homenagem a quem partiu pode ser feita com elegância sem atacar a quem ficou. Críticas injustas e infundadas, diretas ou indiretas, são dispensáveis. O fúnebre evento avivou o complexo de vira-lata da gente colonizada cuja mentalidade inclui o pressuposto universal da superioridade das pessoas e coisas estrangeiras em relação às pessoas e coisas nacionais. Em decorrência dessa mentalidade – e não só da cor da pele – os brasileiros recebem dos argentinos o apelido “macaquitos”. 

O vira-lata brasileiro apoia a opinião argentina sobre superioridade de Maradona e inferioridade de Pelé. Dizem, os áulicos, que Maradona conquistou sozinho duas copas do mundo enquanto Pelé contou com o auxílio de Rivelino, Tostão, Gerson e outros craques. Além de desprestigiar os valorosos jogadores da seleção argentina, tal comparação é bisonha. Pelé exibiu o seu talento não só na seleção brasileira de 1970 como também nas seleções de 1958, 1962 e 1966. Das 4 (quatro) seleções, jogando em campos estrangeiros, 3 (três) foram campeãs mundiais e 1(uma) vice-campeã. Futebol é esporte coletivo. Exige 22 jogadores em campo, metade para cada lado. Vencer, perder ou empatar é responsabilidade da equipe (treinador inclusive). Ninguém vence, perde ou empata sozinho. Alguns jogadores destacam-se por suas habilidades, cuja participação tende a ser mais decisiva do que a dos companheiros. Maradona foi um desses jogadores.

Ele é Deus? Sim, dos argentinos. Lenda? Sim. Realidade? Não. A paixão escurece o véu de maya. Ídolo? Sim, dos argentinos e dos napolitanos. Genial? Não. Habilidoso? Sim. Ao jogar usava bem as duas pernas? Não. Primoroso apenas com a esquerda. Dominava todos os fundamentos do futebol? Não. Só o drible. Sofrível nas assistências e finalizações. Durante toda a sua carreira não fez sequer um terço (1/3) dos 1.200 gols de Pelé. Herói? Sim. Desde a derrota diante da Inglaterra na Guerra das Malvinas em 1982, a Argentina necessitava de um herói. Maradona foi o guerreiro providencial. Em território mexicano, ele comandou a tropa que venceu a Inglaterra no desenrolar da Copa de 1986. O seu exitoso e extraordinário lance individual contra vários jogadores ingleses lavou a alma dos argentinos. As imagens foram repetidas milhões de vezes nos aparelhos de televisão mundo afora. Maior jogador de todos os tempos? Não. Fora o cabeceio com a mão, Maradona mais nada criou. Com Rivelino, ele aprendeu a bem usar a canhota e o drible elástico. Com Pelé, ele aprendeu a driblar dois ou mais adversários e, sem a regularidade e a eficiência do mestre, a chutar a bola do meio do campo contra o desguarnecido gol do adversário, a aplicar lençól (chapéu) e meia-lua. Com Sócrates, ele aprendeu a usar o calcanhar. Tal como a maioria dos jogadores americanos, europeus, africanos, asiáticos, ele também copiou jogadas lícitas criadas por craques brasileiros. 

Bom treinador de futebol? Não. Tanto na seleção como nos clubes, o trabalho de Maradona como treinador foi sofrível. Carismático? Sim, exuberante. Apaixonado? Sim, pelo futebol e por sua pátria. Inteligente? Sim. Politizado? Sim. Pendia para a esquerda. Admirava Chávez, Evita, Fidel, Guevara, Lula, Perón. Sua preocupação com a justiça social entrava em rota de colisão com o bunker nazista entranhado na Argentina. Exemplo a ser seguido? Na prática esportiva e no posicionamento político, sim. Na conduta social, não. Embora alegre, irreverente, havia traços negativos: turbulento, arreliento, consumidor dependente de drogas e de bebidas alcoólicas, mulherengo, paternidade irresponsável. Os áulicos retocam esse retrato com lindas cores e frases poéticas. Ao vira-lata, embevecido com o som da própria voz, caramujo em seus ouvidos, pouco importa se a conduta do ídolo é moral ou imoral, honesta ou criminosa.        

O maior jogador de futebol de todos os tempos, reconhecido internacionalmente, ainda está vivo, 80 anos de idade, mora no Brasil e se chama Edson Arantes do Nascimento, alcunha Pelé. Ombrear com Pelé? Só Leônidas (“Diamante Negro”), Zizinho (“Mestre”, espelho de Pelé) e Garrincha (“Alegria do Povo”). Nenhum outro o iguala ou supera na arte de jogar futebol. [Post scriptum. Domingos da Guia (1912/2000), quiçá o maior zagueiro driblador de todos os tempos, sabia das coisas do futebol. Entrevistado pela imprensa (salvo engano, nos anos 90) disse categoricamente: “Leônidas foi o Pelé da Era do Rádio; Pelé foi o Leônidas da Era da Televisão”].   

A operação mental de comparar implica elementos fáticos, históricos, lógicos e psicológicos. Isto considerado, compara-se a habilidade de Maradona com a de Romário, Ronaldinho Gaúcho, Zico. O padrão técnico do argentino ficava abaixo do padrão de Didi, Eusébio, Zidane. Pelé prestou serviço militar. Embora inclinado à direita, ficou distante da militância política. Reservado, sem paixão por holofotes, valoriza a saúde, a vida e a paz. Intuitivo, genialidade lúdica, visão de jogo ampla e privilegiada, desempenho excelente e criativo na arte de jogar futebol, hábil e eficiente no uso das duas pernas e no cabeceio, inventou jogadas que têm sido copiadas por jogadores nacionais e estrangeiros. Elevou a importância social e a dignidade do esporte. Honra a nação brasileira.  

A autofagia do vira-lata quanto aos produtos culturais (samba, carnaval, futebol, folclore, idioma, literatura, personalidades) vem exemplificada não só por essa tentativa de rebaixamento da figura exponencial de Pelé, mas também pela tentativa de rebaixamento da figura exponencial de Lula. Esse presidente aumentou o prestigio internacional do Brasil, colocou o país entre as primeiras economias do planeta, moeda valorizada e estável, erradicou a fome, reduziu o desemprego, aumentou o bem-estar da população, promoveu o bem de todos sem preconceito, contribuiu para o desenvolvimento nacional, entrou para o primeiro time dos estadistas mundiais. Respeitado pelo Papa e por estadistas e líderes americanos, europeus, africanos, asiáticos. Apesar disto, brasileiros movidos pelo ódio, pelo preconceito, pela inveja, usando de sordidez, espalhando notícias falsas, instaurando processos fraudulentos, tentam apequenar a gestão e a pessoa desse presidente, afasta-lo da cena política e da História do Brasil.

Em nação civilizada, que preza a si mesma, Pelé e Lula seriam respeitados, admirados, motivo de orgulho. No entanto, aqui nesta republiqueta de vira-latas, eles têm sido vilipendiados.  

 

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

ELEIÇÕES IV

Novembro. 2020. Eleições municipais. Mulheres e homens eleitos em primeiro turno por diferentes partidos políticos. Algumas candidatas e alguns candidatos a prefeito aguardam o segundo turno. Bipolarização esquerda x direita comum e normal no processo político democrático. Nível ético da disputa: razoável em alguns municípios; baixo em outros. Jogo sujo dificilmente aparta-se do processo eleitoral. A sujeira também transita por via eletrônica. Notícias falsas e mensagens mentirosas e ofensivas circulam pela rede de computadores e celulares (WhatsApp). Vitória a qualquer preço. Ausência de escrúpulos. A justiça eleitoral busca aprimorar-se técnica e legalmente para impedir expedientes moral e juridicamente ilícitos utilizados por candidatos e partidos. 

Ódio, inveja, maldade, preconceito, maus costumes, pulsam no corpo eleitoral (soma de todos os eleitores). Ocorrem agressões físicas e morais, vilanias, mortes, motivadas politicamente. Legislatura e chefia de governo são atividades próprias do gênero masculino. À mulher cabe exercer outras profissões que lhe sejam mais adequadas, diz o machista. Negro não é gente, diz o branco fascista. Racismo não existe no Brasil, diz o aristocrata manhoso. Negro tem que ficar no lugar que lhe cabe sem piar, diz o patrão oligarca. Lugar de negro é na senzala, diz o escravocrata. Negro é vagabundo e ladrão, diz o policial. Essa inferior, atrasada e preguiçosa raça, tal qual a indígena, tem que desaparecer, diz o nazifascista. 

A pureza das raças humanas é um dos postulados do racismo. No entanto, segundo a ciência moderna, as raças negra, branca, vermelha e amarela são todas miscigenadas desde a origem da espécie humana. Outro postulado do racismo sem amparo científico é o da superioridade física, moral e intelectual de uma raça em relação às demais. A espécie humana do reino animal comporta diferentes tipos raciais. Apesar dessa diversidade, em todos os tipos há componentes estruturais e funcionais comuns à espécie. Essa comunhão conduz à ideia e ao sentimento de uma fraternidade primitiva, natural, espiritual e universal, que tendem a se aprofundar na marcha ascensional da civilização. Por outro lado, a competição própria do mundo animal é um dos comportamentos naturais dos indivíduos e grupos na comunidade humana. O regramento dessa competição decorre do grau de civilização alcançado pelos indivíduos e grupos. A obediência a esse regramento depende do grau de educação moral e cívica conquistado pelos cidadãos (governantes e governados). A atual competição capitalismo versus socialismo será vista e estudada, dentro de 100 ou 200 anos, como etapa do progresso culural da humanidade (social, político e econômico).     

Sobre a face da Terra, não há paz duradoura, diz o filósofo sob influxo hinduísta. [Schopenhauer]. Entretanto, guerras, batalhas, revoluções, conflitos, confrontos, debates, discussões, vias de fato, ajustes de contas, podem ser regulados pela inteligência e sensatez dos humanos a fim de evitar (i) hecatombe (ii) crueldade ao tratar prisioneiros (iii) meios perversos e humilhantes de vencer, prender e matar (iv) formas desonestas de destruir os bens alheios ou deles se apropriar (v) dores e sofrimentos excessivos ou desnecessários. Destarte, tanto na competição cotidiana como na ocasional, os adversários podem combinar: (i) os golpes tolerados e os proibidos (ii) os limites temporais e espaciais (iii) os meios, armas e técnicas permitidos e os considerados ilícitos.   

Ainda que a paz não seja duradoura e esteja submetida às oscilações provocadas pelo essencial egoísmo dos seres vivos, a natureza humana tem, na sua face angelical, a força que impulsiona indivíduos e grupos para níveis mais elevados de iluminação espiritual. Tais níveis implicam alto grau de moralidade, compaixão, solidariedade e fraternidade. Chegará a época, ainda distante, em que a santificação da mulher e do homem será a regra e não a exceção.     



domingo, 22 de novembro de 2020

A PODÓLOGA E EU

Mascarado e precavido contra o vírus assassino, arrojo-me pela Rodovia Dutra na boleia do meu jipe em direção à Resende/RJ, a fim de cuidar dos meus pés de diabético. Embora Penedo, onde moro, pertença ao Município de Itatiaia/RJ, mais fácil e mais perto é ir à Resende, cidade maior e de mais amplos recursos. Itatiaia tem cerca de 31 mil e Resende, 131 mil habitantes.

Como de costume, nestes últimos meses, encontro vazio o pequeno, bem montado e asseado consultório localizado no subsolo do edifício de 3 andares onde há várias clínicas medicas e de estética. Local sem aglomeração, conforme o figurino. Mascarada, com seu uniforme limpo e bem assentado no corpo, a podóloga me esperava na parte externa. Cumprimentamo-nos à distância de acordo com o atual protocolo. Acomodado na cadeira profissional semelhante à de consultório de dentista, observo a podóloga calçar luvas, colocar algodão nas pontas dos dedos dos meus pés cobrindo as unhas e borrifa-los. Nesse dia, fora do seu hábito, ela resolveu puxar conversa.

Ela – E sua filha, como foi nas eleições?

Eu – Ficou em quarto lugar. 

Ela – A sua filha precisa mudar de partido. Aqui, o PT não ganha. Odeio o PT. Lula é ladrão. Nada fez no governo. Só roubou. 

Eu – Em todo governo sempre há “roubo”, independente do partido e do sujeito que estão no poder. A corrupção está encalacrada na administração pública. O “ladrão” nem sempre é o chefe de governo ou o diretor da empresa pública, mas, sim, auxiliares próximos ou pessoas dos escalões inferiores que agem à sorrelfa. [Pela expressão corporal dela, creio que não entendeu, ou fez ouvidos moucos].  

Ela – Não gosto do Fernando Henrique. Está doendo algum dedo?  

Eu – Sim, o dedão direito. [Ela ataca com o cortador afiado, penetra na carne, arranca um encravado pedaço de unha. Queixo-me da dor lancinante].    

Ela – Tem que doer mesmo; não tem outro jeito.  

Eu – Odiar o partido e o político, não vejo sensatez, mas, vá lá; porém, injuriar, difamar e caluniar, não é direito teu e de ninguém. O que foi que ele roubou de você?

Ela – De mim nada. Do país. 

Eu – O que foi que ele roubou do país?

Ela – Muita coisa. Todo mundo sabe.  

Eu – Gente do Brasil e do resto do mundo não sabe. Tampouco eu. 

Ela – O Lula foi processado e condenado por ser ladrão. Todo mundo sabe. 

Eu –Todo mundo sabe também que o processo é fraudulento, que teve início em foro incompetente, atuação de juiz parcial e de procurador faccioso e teve o propósito político partidário de afastar Lula do processo eleitoral. Além disso, o processo judicial não foi por roubo e sim por outro delito inventado pelo procurador em conluio com o juiz. 

Ela – Isso eu não sei. É assim que eu penso. Fico na minha. 

Eu – Pior cego é quem não quer enxergar. Como você pode afirmar que no governo Lula nada foi feito? 

Ela – É a minha opinião. 

Eu – Caramba! O homem elevou o prestigio internacional do Brasil às alturas, colocou-o entre as primeiras economias do planeta, moeda valorizada, erradicou a fome, reduziu o desemprego, aumentou o poder aquisitivo, o bem-estar e o padrão de vida dos pobres e dos trabalhadores como você, promoveu o bem de todos sem preconceito, fortaleceu a segurança, contribuiu para o desenvolvimento nacional permitindo lucros enormes aos bancos, à indústria, ao comércio, ao agronegócio, entre outras coisas relevantes. 

Ela –Travestis foram eleitos em São Paulo. [Tom de censura]. Travesti é homem que se veste e se comporta como mulher. Antes, isto não acontecia. O mundo está perdido. Eu não gosto de política. Prefiro ficar na minha profissão.

Eu – Tudo bem, mas, hoje você não ficou. Caberá à Câmara Municipal de São Paulo decidir se dará ou não dará posse aos travestis eleitos, se a identidade social encobrindo a identidade natural tipifica ou não tipifica contrafação no processo eleitoral. Ademais, você falou como se tivesse poderes de investigação superiores aos da polícia federal e provas contra o partido e o político. A referida polícia que, assim como você, também não morre de amores por Lula e pelo PT, investigou de cima a baixo a vida do político e nada encontrou que o incriminasse; nenhum apartamento em Paris, em outra cidade europeia, na zona nobre da capital paulista ou de outra capital,  nenhuma conta bancária na Suíça ou em qualquer outro país, nenhuma remessa de dinheiro a amante e a filho bastardo dentro ou fora do Brasil, nenhuma fazenda em zona rural, nenhum bem sonegado à Receita Federal. Na conta bancária dele havia saldo compatível com os seus ganhos como presidente e como ex-presidente da república. Então, cadê o produto do roubo? Assim como não há homicídio sem o cadáver, não há roubo sem a coisa alheia. 

Ela –Eu disse o que todo mundo diz e que eu acho que é verdade. [Tom defensivo].

Eu – Então, você seguiu opinião alheia, sem exigir prova alguma. “Achar” que é verdade é o mesmo que não ter certeza. Fechar os olhos para a realidade dos fatos é vontade de aceitar a falsa versão que lhe agrada. Logo, em termos legais, no mínimo, você xingou o político e o partido por simples ojeriza e fútil motivo. Isso é crime contra a honra. 

Ela banhou meus pés com duas diferentes substancias, os massageou e enxugou. Encerrou a sessão. Além do tratamento dolorido, suportei o azedume da podóloga. Ela informou o preço e apresentou a máquina de porte manual. Introduzi o cartão de crédito, digitei a senha, apanhei o recibo e me despedi. 

  


quarta-feira, 18 de novembro de 2020

ELEIÇÕES III

A tendência do eleitorado tem sido a de manter na chefia do governo municipal, estadual ou federal, quem já venceu a eleição anterior e está no exercício do mandato. A derrota do ocupante do cargo é menos esperada. Nos EUA, por exemplo, na esfera federal, Carter e Trump, que eram presidentes eleitos, não conseguiram se reeleger. No Brasil, desde que foi instituída a reeleição dos chefes de governo durante o mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995/1998), todos os presidentes foram reeleitos, porém, alguns prefeitos e governadores não se reelegeram. 

As eleições municipais deste ano chegaram ao fim no primeiro turno na maior parte dos municípios brasileiros (15/11/2020). Nos municípios de menor densidade demográfica a reeleição dos prefeitos é mais frequente. Em 57 municípios, inclusive capitais, onde o primeiro colocado não alcançou votos suficientes para vitória definitiva em primeiro turno, haverá segundo turno (29/11/2020). Nova campanha eleitoral já começou. No Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, por exemplo, os opositores disputam as prefeituras com os atuais prefeitos. No pleito carioca, os dois candidatos são da direita. Nos pleitos paulistano e porto-alegrense, os prefeitos são da direita e os adversários são da esquerda. Os partidos da esquerda, inclusive o PT, mostram disposição de apoiar os candidatos do PSOL (Boulos) e do PC do B (Manuela). A direita marcha unida, salvo no RJ, onde se divide entre a direita moderada (Paes) e a extrema direita miliciana pentecostal (Crivella). [No antigo Estado da Guanabara, isto era impensável].    

Em Curitiba/PR, a vitória do atual prefeito era esperada (DEM). Golias venceu Davi. O mesmo se diga da estrondosa vitória do atual prefeito de Maricá/RJ (PT): obteve 76.885 dos votos válidos, cerca de 88% do eleitorado municipal. Em Resende/RJ as abstenções foram altas, cerca de 25% do corpo eleitoral. Provavelmente, a pandemia contribuiu para esse número. Votos nulos e em branco giraram em torno de 5% do total de votantes. O corpo eleitoral de Resende totaliza 94.212 eleitores. Desse total, votaram: 70.334; abstiveram-se de votar: 23.878. Dos votos apurados, 1.271 foram em branco, 2.600 nulos e 66.463 válidos. Dos votos válidos, o atual prefeito obteve 54.880 (DEM), cerca de 58% do eleitorado municipal; o segundo colocado obteve 5.182 (PDT); o terceiro obteve 3.712 (Rep); a quarta obteve 1.287 (PT); os demais candidatos, menos de 1.000 votos. 

Nos estados do RJ, SP, PR, SC e RS a fatia nazifascista da população é grande e o contingente da direita é maior e mais unido do que o contingente da esquerda. Portanto, nessas regiões, a vitória da esquerda, embora possível, é muito difícil, trabalhosa, quase heroica. A eleição em Resende/RJ, acima citada, serve de exemplo, com a agravante de lá funcionar, há 76 anos, a escola de formação de oficiais do Exército, difusora da mentalidade fascista na cidade. Criada em 1944 como Escola Militar de Resende, mudou o nome, em 1951, para Academia Militar das Agulhas Negras, que mantém até hoje. O atual presidente da república foi lá diplomado e a visita ocasionalmente. Nas eleições em foco, o candidato que recebeu apoio declarado do presidente da república ficou em terceiro lugar. 

Os cidadãos resendenses orgulham-se de sediar essa modelar e notável instituição de ensino militar. Esse orgulho se traduz em votos para os candidatos da direita em época de eleições. O voto feminino vai para os homens. O feminismo ainda não emplacou nessa província. Das 49.367 eleitoras resendenses, só uma escassa minoria vota em mulher (2%). Provavelmente, os fardados maridos e companheiros influem na mentalidade e nas decisões das esposas e companheiras. 

Do resultado das urnas, percebe-se que parcela do eleitorado é indiferente à dicotomia política esquerda-direita. Nota-se mudança no comportamento dos eleitores. O brilho e o entusiasmo da novidade e da originalidade não mais lhes ofuscam a visão. Perceberam, quiçá, após a campanha eleitoral e as eleições presidenciais de 2018, a ilusão desse brilho e a infantilidade desse entusiasmo. O candidato vendeu e o eleitor comprou vidro por diamante. Agora, esses eleitores, num sincrético bailado, guiam-se por fatores objetivos e subjetivos, racionais e emocionais, tais como: (i) simpatia, parentesco, amizade (ii) carisma, aparência física, postura (iii) qualificação moral, intelectual, profissional, patrimonial (iv) intuição dos imediatos benefícios (v) esperança de obter vantagem futura (vi) interesse de mudar ou de manter o status quo (vii) inércia, preguiça de escolher entre vários candidatos, programas e planos de governo (viii) valor ou favor recebido antecipadamente (ix) desilusão com o governo e/ou com o sistema político (x) ódio, antipatia, preconceito, dirigidos contra candidatos e partidos. 

A maioria dos eleitores rompe a inércia só quando o descontentamento com o estado de coisas em vigor ultrapassa limites suportáveis. Nas relações humanas, prevalece o egoísmo essencial aos seres vivos. Homens e mulheres, quando livres, escolhem e buscam o que lhes parece mais necessário, útil, interessante ou vantajoso. O altruísmo ocupa lugar secundário e complementar. 


sexta-feira, 13 de novembro de 2020

MARICAS?

O presidente da república ressuscitou um vocábulo da língua portuguesa que eu considerava morto ou em desuso há muitos anos. Quando criança, nos anos 1940, em Ponta Grossa/PR, minha cidade natal, eu e meus amiguinhos usávamos essa palavra para xingar uns aos outros. Bastava alguém choramingar por ter se machucado enquanto jogava bola na rua, ou mostrar medo de mergulhar pelado no rio, para os demais xingarem-no de “maricas”. Homem que é homem não chora, tem que ser macho, não ter medo, “seu” viadinho. O garoto ficava acabrunhado. 

O uso da expressão não significava crença real na homossexualidade do amigo. O objetivo era confuso, contraditório, não premeditado, impulsivo (humilhar, caçoar, confortar, incentivar). Levava em si, embutido na provocação, o preconceito contra homossexualidade. Ninguém gostava de ser chamado de maricas ou de viado (assim mesmo, com i). Doía menos ser chamado de filho-da-puta do que ser chamado de maricas. Muitas vezes, os garotos se atracavam na porrada por causa deste xingamento. Sangramento pelo nariz e hematomas no rosto e nas canelas eram os mais frequentes resultados da briga. Chegando em casa, os briguentos apanhavam dos pais. 

Na década 1951/1960, em Curitiba/PR, para onde nossa família se mudou, o uso do vocábulo maricas foi caindo em desuso, pelo menos no meu círculo de amizade. Na década seguinte, 1961/1970, quer em Curitiba, quer em São Paulo, nunca mais vi e ouvi alguém pronunciar essa palavra. Nos anos 80 e 90, dizia-se “boiola”, "bicha", "viado", "gay". Esses qualificativos eram empregados sempre contra pessoas do sexo masculino que manifestavam, de modo ocasional ou permanente, maneirismos e atitudes mais presentes nas mulheres. Os pederastas e os homens fronteiriços à pederastia estavam mais sujeitos a esses qualificativos, à zombaria e às agressões físicas e morais.  

Maricas, em português, maricón em espanhol, referem-se a esses homens pederastas ou fronteiriços e às pessoas do sexo masculino que apreciam afazeres mais comuns às mulheres, tais como: cozinheiro, faxineiro, costureiro, modista, maquiador, cabelereiro, bailarino, guia turístico. No Brasil, neste século XXI (2001/2100), aumentou o respeito por esses profissionais, entre eles, muitos heterossexuais. Aqueles qualificativos depreciativos não lhes são mais aplicados, pelo menos na intensidade dos séculos anteriores. Os efetivos das forças armadas se compõem de mulheres e homens homossexuais e heterossexuais. Outrora, as mulheres não eram admitidas e os pederastas não eram tolerados em qualquer das 3 armas (Marinha, Exército, Aeronáutica). 

Mando e obediência decorrem da estrutura hierárquica do governo do estado. A autoridade superior (presidente da república) manda e o escalão inferior obedece (ministério). A hierarquia e a disciplina estão na base da organização militar. O comando supremo das forças armadas brasileiras cabe ao presidente da república. O ministro da defesa e os chefes das 3 armas lhe devem obediência. Na opinião do presidente, quem quer tomar vacina, usar máscara e seguir as demais recomendações da ciência, é indivíduo medroso, covarde, maricas. Essa opinião presidencial alcança civis, militares e religiosos. No que tange aos militares, integrantes das forças armadas, a vacina é obrigatória. A obrigação decorre do medo de contrair doenças infecciosas, de fragilizar a saúde própria e de outrém, ou de perder a vida. Portanto, a prevalecer a opinião do presidente, as forças armadas se constituem de batalhões de medrosos, covardes, maricas. Nesta imagem se encaixa a frase do ministro da saúde: um manda e outro obedece. Postura de maricas. O ministério é civil. O ministro, se for corajoso, se não for medroso, se não for maricas, recusa-se obedecer às ordens inconstitucionais, ilegais, imorais e/ou absurdas, entrega a pasta, manda o presidente às favas e, em sendo militar ainda na ativa, volta à caserna. Duas coisas não podem faltar ao militar da ativa: brio e coragem.   


domingo, 8 de novembro de 2020

ELEIÇÕES II

No Brasil, os cargos eletivos municipais (prefeito e vereador) são disputados em época distinta da prevista para os cargos eletivos estaduais e federais (presidente, governador, deputado e senador). O mandato de chefe de governo e de parlamentar é de 4 anos; o de senador é de 8 anos. Só pode ser candidato quem estiver filiado a algum partido político. O sistema constitucional brasileiro não admite candidatura avulsa (estreitamento do modelo democrático). O partido político deve ter caráter nacional, vedada, pois, a criação de partido estadual ou municipal (estreitamento do modelo federativo). 

As eleições municipais acontecem neste ano em todo o território nacional. As eleições estaduais e federais estão previstas para 2022. O processo eletrônico de votação e apuração dos votos permite resultados seguros, rápido encerramento das eleições e imediato conhecimento da população. Os eleitos tomarão posse em janeiro de 2021 e de 2023, respectivamente. Todos os legisladores e chefes de governo eleitos nas esferas municipal, estadual e federal estão obrigados a exercer suas funções em sintonia com os preceitos constitucionais da república, tais como: dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; construir uma sociedade livre, justa e solidária e garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo e cor. 

Leis, decretos, resoluções, portarias, planos de governo e respectivas execuções devem se ajustar: [i] aos princípios e objetivos fundamentais da república [ii] aos direitos e garantias individuais e coletivos [iii] aos direitos sociais, tais como: educação, cultura, desporto; saúde, previdência social, assistência social; proteção à maternidade, à infância e aos idosos; segurança, trabalho, moradia, lazer [iv] à promoção do desenvolvimento científico [v] ao incentivo à pesquisa e à capacitação tecnológicas [vi] ao direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado [vii] aos direitos dos indígenas. 

Em decorrência da pandemia gerada pelo coronavirus, provavelmente serão evitados debates presenciais entre os candidatos. Eventual confronto dar-se-á de modo virtual segundo cláusulas previamente combinadas entre os participantes. Em decorrência desta nova circunstância, poderá crescer a audiência do programa eleitoral levado ao ar pelas emissoras de rádio e televisão. As exposições dos candidatos têm mantido aceitável nível ético, pelo menos, no Município de Resende/RJ. Assisto-as pela TV com muito interesse não só por civismo como também pelo fato primordial de minha filha, Gabriela Lima, disputar a Prefeitura Municipal de Resende pelo Partido dos Trabalhadores (PT). 

Os candidatos expõem as carências do Município, as mazelas e os erros atribuídos ao Prefeito, como o de priorizar hospital para animais quando falta hospital para humanos, o mau funcionamento do hospital veterinário, atendimento precário, falta de material e de profissionais preparados, concursados e dignamente remunerados (médicas e médicos veterinários, enfermeiras e enfermeiros, auxiliares, pessoal burocrático). Os candidatos que dispõem de maior tempo na TV ilustram suas mensagens com fotografias, filmes e depoimentos de moradores. Denunciaram propaganda enganosa. Talvez, sejam estes os motivos de o Prefeito faltar ao debate entre os candidatos. 

A direção nacional do PT investiu forte nestas eleições municipais conforme se nota do teor da propaganda. Quiçá isto faça parte da estratégia de recuperar a confiança e o entusiasmo da sua base de filiados e simpatizantes um tanto negligenciada quando o partido ocupou o governo federal. Percebe-se um sincero, decidido e contagiante empenho dos seus líderes. Na tela da TV os candidatos e os líderes mostram de modo convincente, real e verdadeiro, o bom desempenho quando o PT governou o Brasil e alguns estados e municípios. Arredados o ódio, a leviandade  e o preconceito emanados da direita, suspenso o aspecto ideológico inerente ao jogo político, o exame racional e objetivo dos fatos passados e comprovados revela que a administração petista gerou: (i) reais benefícios à população brasileira (ii) efetivo desenvolvimento econômico e social à nação brasileira (iii) prestígio internacional ao estado brasileiro.

Nos limites das constituições federal, estadual e municipal (lei orgânica), compete aos prefeitos e vereadores: (i) tratar dos assuntos de interesse local (ii) suplementar normas federais e estaduais (iii) instituir e arrecadar tributos (iv) aplicar suas receitas (v) prestar contas (vi) criar, organizar e extinguir distritos (vii) organizar e prestar serviços públicos (viii) planejar e realizar obras necessárias, ou úteis, de interesse público local (ix) manter programas de educação infantil e de ensino fundamental (x) prestar serviços de atendimento à saúde da população (xi) promover adequado ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (xii) proteger o patrimônio histórico e cultural (xiii) ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes em obediência às diretrizes legais de uma política de desenvolvimento urbano. 

Exemplo emblemático da criatividade, da capacidade e do bom desempenho do PT em nível municipal é dado pela Prefeitura de Maricá/RJ, citado por Gabriela Lima, principalmente quanto ao transporte público gratuito e à moeda local para pessoas de baixa renda. Ela afirma que incluirá essas duas medidas no seu plano de governo quando for Prefeita. A proposta é tão boa que está sendo copiada por candidato de outro partido. Diferença: Gabriela não é sócia de empresa de ônibus e nem patrocinada. Gabi é pessoa simpática, autêntica, bem educada, culta, carismática, honra a palavra empenhada, tem maturidade e boa disposição para o trabalho físico e intelectual. Essas qualidades têm sido testemunhadas diretamente: (i) pelos resendenses quando ela conversa com eles ao percorrer o centro e os bairros da cidade (ii) pelas pessoas com quem ela trava conhecimento no exercício das suas tarefas oficiais e comunitárias.  

Quanto a mim, observador, escritor, professor de direito constitucional, juiz de direito aposentado, sou o pai coruja que deposita fé e confiança nas virtudes e no talento da filha.     


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

ELEIÇÕES

Há brasileiros que na rede de computadores, nos vídeos de celulares, em programas jornalísticos de televisão, manifestam sua estranheza e criticam pejorativamente o processo eleitoral dos EUA. Negam  zombeteiramente a esse país o título de “maior democracia do planeta”. A crítica vem fundada na cultura luso-franco~teuto-ítalo-afro-nativo-brasileira, diversa da cultura anglo-americana. 

Nos EUA, a federação de estados é autêntica e original; no Brasil, a federação é cópia infiel e artificial. Lá, as colônias se libertaram como estados soberanos (1776). Depois da vida independente isolada, os estados soberanos se uniram para fortalecer a defesa de todos contra as pretensões metropolitanas da Inglaterra. Mediante pacto entre os representantes dos estados soberanos, constituíram um novo estado sem abdicar da autonomia de cada um deles e das suas próprias e respectivas constituições. Deram-lhe o nome de Estados Unidos da América imutável desde a primeira e única Constituição Federal (1787). Instituíram a federação como forma de estado composto. Vínculo federativo forte e indissolúvel bem demonstrado na guerra civil em defesa da indissolubilidade do vínculo, da integridade da união dos estados e da abolição da escravatura (Sul x Norte, 1861/1865). Adotaram a república como forma de governo, a democracia e a separação de poderes como sistema de governo (freios e contrapesos). Conciliaram a monarquia (presidência da república), a aristocracia (senado + suprema corte) e a democracia (câmara dos representantes do povo). 

Cá, no Brasil, a colônia se libertou como estado unitário composto de províncias submetidas à soberania do imperador (1822). Depois do golpe militar contra o império, as províncias foram elevadas, pelo decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, ao nível de estados autônomos e unidos. Assim, de modo artificial e despótico, os militares instituíram a república federativa. Portanto, não há falar em pacto federativo. Sob o conhecimento jurídico e o esforço intelectual de Ruy Barbosa foi elaborada e promulgada pela assembleia nacional constituinte a primeira Constituição da República (1891). As instituições estadunidenses serviram de modelo. A macaquice brasileira vem de longe. 

O novo estado composto foi batizado de Estados Unidos do Brasil, organizado artificialmente como federação de estados autônomos, república presidencialista e democrática, incluindo declaração de direitos fundamentais. No curso da história colonial, imperial e republicana, o país mudou de nome várias vezes. No período republicano, inicialmente recebeu o nome de “Estados Unidos do Brasil” em 1891; depois, o nome simples de “Brasil” em 1967; finalmente, o nome de “República Federativa do Brasil” em 1969 e 1988. A fragilidade da federação brasileira resulta do seu artificialismo. Vínculo federativo dissolúvel como demonstrado nos períodos autocráticos de 1937/1945 e 1964/1985 quando, no plano dos fatos, os estados perderam autonomia. Na primeira república, dois estados federados exibiam autonomia e se revezavam no governo federal (SP + MG, 1891/1930). 

Nos períodos democráticos, a federação se recompôs juridicamente, porém, no plano existencial, os estados federados continuaram anêmicos politicamente (1946/1964 + 1988/2020). O processo eleitoral atende a um estado unitário e não a um estado composto (federal); atende a uma homogeneidade nacional desmentida pela realidade social. Da escolha do chefe do estado federal (presidente da república) participam diretamente os cidadãos e não os representantes dos estados federados. O processo eleitoral está nacionalmente sob administração, controle e fiscalização de uma justiça nacional especializada. Atualmente, a votação ocorre por meio eletrônico seguro. A apuração dos votos e o resultado das eleições são imediatos. Poupam-se os nervos e a paciência dos eleitores. A sociedade livra-se do clima de ansiedade e insegurança. Os estados, como unidades federativas, ficam alheios ao processo.   

Lá, nos EUA, os estados federados são ciosos da sua soberania anterior à união (1776) e zelosos da sua autonomia posterior à união (1787). Cada estado tem suas próprias leis penais, civis e administrativas; uns adotam a pena de morte, outros não; as fronteiras físicas e jurídicas são fortemente demarcadas e respeitadas. Os procedimentos eleitorais têm características próprias em cada estado, respeitados o direito geral de sufrágio e as liberdades públicas. O processo eleitoral ocorre e se exaure na seara política; não há justiça eleitoral; excepcionalmente, a justiça comum é chamada a resolver, à luz do direito, controvérsias de cunho político eleitoral. A escolha do chefe do estado federal (presidente da república) compete a um colégio eleitoral. Passa por dois momentos: [1] o povo local escolhe os cidadãos que representarão o seu estado federado no colégio eleitoral (momento democrático) [2] o colégio eleitoral formado por representantes de cada estado federado (delegados) escolhe o chefe do estado federal (momento republicano federativo). Essa técnica ocasiona demora na apuração dos votos o que impacienta nacionais e estrangeiros. Cuida-se de deficiência tecnológica e não de ausência de democracia. 

Os cidadãos estadunidenses podem votar nas seções eleitorais e até pelo correio. Ninguém está obrigado a votar. O voto é facultativo, um direito subjetivo do cidadão e não um dever imposto ao cidadão pelo legislador para fortalecer os partidos políticos. O volume de cédulas ultrapassa a casa dos milhões. A contagem manual é demorada; gera um clima de impaciência, desconfiança e insegurança durante a espera dos resultados. Entretanto, ao governo dos EUA, potência mundial, parece afigurar-se impróprio, até humilhante, importar tecnologia criada por uma republiqueta vagabunda localizada no seu quintal. 

 

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

LAMAÇAL REPUBLICANO

CARTÃO CORPORATIVO

Em republiquetas vagabundas como a brasileira, notórias pela corrupção dos administradores públicos, onde a honestidade é rara e elogiável exceção, instituir cartão corporativo equivale a confiar a chave do cofre ao ladrão. Criar esse tipo de cartão onde impera a frouxidão moral é o mesmo que institucionalizar a imoralidade; criação que reflete o deficiente caráter dos criadores. Legisladores pilantras cristalizaram na regra escrita (lei) a corrupção cristalizada nos costumes. Liberaram o dinheiro público para festa dos portadores do cartão.   

Quem utiliza recursos do erário no exercício da função pública deve prestar contas. Incide o princípio da responsabilidade inerente ao modelo republicano de estado. O dinheiro e os bens da república não pertencem ao governo e sim à nação. Cabe ao Congresso Nacional com auxílio do Tribunal de Contas, a fiscalização contábil, financeira e orçamentária dos negócios do governo. Perante esses órgãos. na forma da lei, as contas devem ser prestadas por quem utiliza o dinheiro do tesouro estatal e administra o patrimônio da nação. As despesas do cartão corporativo são pagas com dinheiro do tesouro estatal. Logo, o titular do cartão tem que prestar contas dessas despesas ao órgão estatal competente. Caracteriza crime de responsabilidade a negativa do agente político em prestá-las, ou quando as presta sem comprovantes, deturpadas ou lacunosas. 

Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”. [CR 70, p.u. + 71/72].

Qualquer lei que abra exceção ou disponha em sentido contrário ao preceito constitucional adentrará o campo da imoralidade e da antijuridicidade. Será nula de pleno direito.

Mediante o uso do cartão corporativo, o atual presidente da república multiplica por 50 os seus subsídios mensais. Há notícias de que os seus gastos superam a casa do milhão de reais e que foi proposta ação judicial perante o Supremo Tribunal Federal – STF, a fim de apurar a sua responsabilidade. Al Capone só foi processado, condenado e preso por causa de ilícito fiscal. A justiça dos EUA não conseguiu provar os outros crimes praticados pelo gangster. Bol Sonaro ainda não foi processado, condenado e preso. A justiça do Brasil (polícia + ministério público + magistratura) está travada, não só pelas próprias mazelas, inépcia, lerdeza e fraqueza moral, como também (i) pela cumplicidade do presidente da Câmara dos Deputados com o presidente da república no que tange aos crimes de responsabilidade e (ii) pelo apoio de parlamentares e generais ao criminoso. 

Eventual sigilo nos afazeres do presidente da república aplica-se aos casos excepcionais de caráter estratégico. A regra constitucional é a publicidade. Não há razão alguma para esconder, no desempenho da função pública, ainda que em assuntos sigilosos e de segurança nacional, gastos com locomoção, estadias e acessórios. O sigilo há de cobrir o assunto tratado e não as despesas efetuadas. Uma coisa é o conteúdo político, econômico ou cultural da ação ou da missão governamental; outra coisa é o suporte burocrático, financeiro e contábil da atividade. Todas as despesas devem ser autorizadas em lei e acompanhadas de comprovantes. Despesas desnecessárias, inúteis, voluptuárias, devem ser pagas com recursos pessoais do seu autor e não mediante cartão corporativo (CPGF). O dinheiro do tesouro nacional não se destina a pagar: [1] as compras das autoridades e familiares realizadas no Brasil ou no exterior, em mercearias, boutiques (perfumes, joias, bijuterias, roupas e calçados finos); ou em lojas comuns (eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos, veículos automotores, bicicletas, brinquedos, artesanatos, presentes) [2] as despesas com (i) o  colégio e a faculdade dos filhos (ii) academias (iii) viagem de férias (iv) lazer nos feriados e fins de semana (v) serviços especiais e diversão. 

REELEIÇÃO NAS CHEFIAS 

Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal movimentam-se para permanecer no cargo. Seus mandatos terminarão em janeiro/2021. O deputado diz que o Brasil está próximo do precipício. Não percebeu, ainda, que o Brasil já caiu no precipício pelo menos há 4 anos e só não chegou ao fundo porque esse abismo não tem fundo. Ignora, ou finge ignorar, que ele é um dos causadores da queda. Os dois mequetrefes pretendem reeleição expressamente vedada pela Constituição da República. 

Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse dos seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. [CR 57, §4º].  

Como não se trata de cláusula pétrea, o óbice pode ser afastado por emenda à Constituição. Ante a supremacia da Constituição na hierarquia das leis, a norma regimental está em nível inferior. Portanto, a mudança nos regimentos internos da Câmara e do Senado para acolher a pretendida reeleição tem que aguardar a mudança na lei superior. Ainda que os interessados recorram ao STF, só uma decisão escatológica poderá salvá-los. 

PARCIALIDADE

Apesar da sua inconstitucionalidade, o pleito desses dois parlamentares poderá ter sucesso porque nos últimos 20 anos o STF tem adotado em seus julgamentos critérios marginais, tais como: (1) da “flexibilização” das normas constitucionais e legais (inclusive cláusulas pétreas) conduto largo das soluções políticas (2) da “excepcionalíssima” situação do caso (3) do "domínio" do fato. Por estes ralos  escorrem as soluções mais vergonhosas. Essa linha ativista neoliberal fora do padrão ético, iniciada no "mensalão" e continuada na "lava-jato", espraiou-se. Em Santa Catarina, estado atualmente governado por nazistas, o judiciário, no intuito de absolver o macho integrante da alta sociedade barriga verde, criou a figura do “estupro culposo”. O estupro é crime doloso por definição legal. Se houve estupro, então houve dolo. Se não houve dolo, então não houve estupro. Não há modalidade culposa. No caso em tela, segundo o que foi publicado nos meios de comunicação, não há controvérsia sobre a existência da relação sexual e o consumo da droga pela mulher. A controvérsia gira em torno da violência e do consentimento. A mulher diz que foi drogada e não consentiu na relação (portanto houve dolo). O homem diz que ela consentiu (portanto não houve dolo). O homem diz que desconhecia o efeito inibidor da droga. Isto significa confessar tacitamente a culpa (imprudência ou negligência), mas não o dolo (intenção de violar). O homem foi absolvido porque o judiciário entendeu que a conduta foi culposa e não dolosa. A mulher ficou a ver navios no porto catarinense.