domingo, 20 de janeiro de 2008

direito - indenizações

INDENIZAÇÕES JUDICIAIS

Excelentes artigos, fincados em bibliografia nacional e estrangeira, sobre responsabilidade civil, foram publicados na revista da EMERJ (nº 36, 2006) em justa homenagem ao centenário de nascimento do Ministro Aguiar Dias, cuja leitura provoca algumas reflexões. Nota-se, há algum tempo, uma profusão de teorias e de princípios no campo do direito. Teorias sobre o óbvio, algumas vezes. Princípios sem formulação adequada, outras tantas. Fala-se, até, em “principiologia”. Outrora, ao estudo dos primeiros princípios e das causas últimas dava-se o nome de Filosofia. Certamente, haverá uma “finologia” para tratar dos fins da norma em cada disciplina jurídica.

Responsabilidade, tema da obra clássica de Aguiar Dias, constitui uma das categorias fundamentais do direito. Significa qualificação de alguém para assumir deveres e obrigações e responder por suas ações e omissões. Ao desvio de conduta são previstas sanções morais e jurídicas aplicadas pela pessoa investida de autoridade no círculo familial, na igreja, na escola, na empresa, no sindicato, no Estado, consoante a natureza da infração. No Estado, aplica-se a sanção jurídica, mediante o devido processo, ao infrator da regra contida na Constituição, na lei ou no contrato. No processo judicial, a autoridade é chamada a declarar o direito, resolver conflitos, apurar a responsabilidade de quem pratica atos ilícitos e aplicar sanções. Na hipótese de dano, o responsável poderá ser condenado a repara-lo ou a compensa-lo. Em se tratando de dano material, caso o responsável não o repare, ou o faça de modo defeituoso ou insuficiente, o credor poderá encarregar-se da reparação, às custas do devedor, ou pleitear conversão em pecúnia. Em se tratando de dano imaterial, o responsável pagará a quantia em dinheiro fixada na sentença. Reparar e compensar são dois tipos de sanção que podem ser aplicados em conjunto, no mesmo processo e pelo mesmo ato ilícito. Veja-se o caso de atropelamento em que a vítima sofre graves lesões e fica deformada fisicamente, sem algumas das funções básicas do organismo e incapacitada para o exercício da sua profissão. O responsável pelo dano reembolsará as despesas de tratamento pretéritas e pagará as futuras, bem como, os lucros cessantes; pagará, ainda, certa quantia pela deformidade estética e pelo abalo psíquico sofrido pela vítima.

A sanção civil assemelha-se à sanção penal no que tange ao duplo objetivo que decorre da política do direito: reprimir e prevenir a ilicitude. Ambas têm em comum o caráter punitivo e pedagógico. Assim como a norma penal contida na legislação contém o preceito e a sanção, a norma posta em concreto pela sentença também comporta o preceito (causar dano a outrem) e a sanção (reparar e/ou compensar). No dispositivo da sentença, o juiz passa por três momentos lógicos: (i) o declaratório, em que considera provadas a autoria e a materialidade do ilícito civil e a responsabilidade do agente; (ii) o condenatório, em que atribui ao agente a obrigação de reparar e/ou compensar o dano causado ao paciente; (iii) o executório, em que fixa: (a) o quantum indenizatório pelo dano material, o modo e o prazo para o cumprimento da obrigação (pagar, fazer, não fazer); (b) o quantum indenizatório pelo dano imaterial. A sanção civil é aplicada à semelhança da sentença penal, dentro dos parâmetros usuais da jurisprudência brasileira: (i) extensão, gravidade, natureza e repercussão do dano (tanto na esfera íntima do paciente como nas esferas social e profissional); (ii) intensidade da culpa do agente e do sofrimento do paciente; (iii) vida pregressa e personalidade do agente; (iv) situação econômica e social do agente e do paciente; (v) comportamento do paciente no episódio; (vi) necessidade de desestimular a reincidência e a difusão da conduta ilícita. O vigor repressivo e preventivo acompanha a operação mental e o estado emocional do julgador. No caso concreto, o juiz examina as circunstâncias em que os fatos ocorreram, considerando aquelas que possam agravar ou atenuar a sanção, servindo-se da experiência, da inteligência e do bom senso para encontrar a medida adequada. O valor da indenização, por exemplo, pode ser alto para uma empresa pujante e baixo para uma empresa modesta, apesar de cada uma delas responder por ilícitos do mesmo tipo e de iguais conseqüências.

No que tange à indenização pelo dano moral, todo e qualquer tabelamento legal perdeu a eficácia ante a vigência da Constituição Federal de 1988. Destarte, não há possibilidade de a fixação do valor da indenização contrariar lei federal. Essa matéria se esgota no duplo grau de jurisdição, eis que jungida ao subjetivismo do juiz e à objetividade dos fatos, sem penetrar na questão jurídica. No entanto, em frontal violação à Constituição, o Superior Tribunal de Justiça, substituindo-se ao legislador constituinte, atribuiu, a si próprio, competência para apreciar matéria de fato. Isto ensejou protelação do cumprimento da obrigação de indenizar, em prejuízo da celeridade processual e em benefício do devedor. A circunstância de alguém ser membro do STJ não significa que esse magistrado tenha mais conhecimento e experiência, ou que seja mais razoável, ponderado e honesto, do que os magistrados dos demais tribunais do País. Em se tratando do prudente arbítrio judicial, nada assegura que a avaliação do STJ seja melhor do que a dos tribunais de justiça e a dos juízos monocráticos. Bem ao contrário, por incidir sobre fatos, a avaliação do dano estará mais próxima do razoável quando efetivada pelos magistrados locais, que conhecem bem a realidade social e econômica das suas comarcas e dos seus Estados.

Lugar comum ocupa a assertiva de que a vida, a integridade física, a dor e a honra da pessoa não têm preço. O dano moral é incorpóreo. Ocorre na vida psíquica do paciente. Por isso mesmo, não pode ser metrificado ou pesado. Não há como tabelar o dano moral. A indenização por dano moral visa a compensar a vítima (ou seus parentes) com alguma alegria ou algum bem-estar que o valor em dinheiro possa proporcionar, ao mesmo tempo em que visa a punir o ofensor e servir de advertência à sociedade em geral. Indenizações irrisórias, longe de confortar, humilham o credor, beneficiam o causador do dano e o incentivam à reincidência. Sai barato matar ou lesar a integridade física e moral das pessoas. A nossa magistratura necessita acautelar-se contra o complexo de colônia de que padece a cultura nacional. Famílias das vítimas do acidente com o avião da TAM, em 1996, bateram às portas da justiça dos EUA, buscando indenizações mais justas do que as fixadas pela justiça brasileira. O Ministro da Saúde do governo Cardoso, no primeiro semestre de 1999, pretendia pleitear indenização nos EUA, para ressarcir o INSS dos gastos com o tratamento de doenças causadas pelo consumo de tabaco. Emissora de televisão e imprensa noticiaram decisão de juíza dos EUA que condenou companhia fabricante de cigarros, em março de 1999, a pagar U$84.000.000 a uma família cujo chefe morrera de câncer provocado pelo consumo diário de cigarros. Os juizes dos EUA pouco se importam se o credor vai enriquecer ou não. Consideram relevante o poder econômico do responsável pelo dano. Se, porventura, o credor ficar rico sem comprometer seriamente o patrimônio do devedor, tanto melhor para a família e para a sociedade. Haverá maior circulação de dinheiro na cidade e no Estado. A quantia entesourada na empresa devedora passa às mãos do credor e destas ao mercado.

Falar em enriquecimento sem causa quando se cuida de responsabilidade civil, é cair na armadilha semântica preparada pelos detentores do capital, que não gostam de pagar indenizações ou salários dignos e se organizam para obter leis e decisões judiciais que favoreçam os seus interesses, algumas vezes apoiados em pareceres de juristas bem pagos e em livros de doutrina encomendados. Todo aumento de patrimônio, ainda que pequeno, significa enriquecimento. A indenização aumenta o patrimônio da vítima, o que significa enriquecimento lícito, oriundo de uma decisão judicial ou de um acordo extrajudicial, com base em fato verdadeiro juridicamente qualificado. As indenizações de milhões de dólares nos EUA, pagas pela indústria às vítimas do tabaco (ou a seus familiares) não são qualificadas como enriquecimento sem causa. Tal expressão não tem sentido. Como qualquer fato natural ou cultural, o enriquecimento tem causa eficiente. No caso das indenizações essa causa é moral e juridicamente lícita. O valor da indenização deve estar à altura da força econômica do devedor. Nem aquém, nem além.

O Tribunal de Justiça do Paraná, em 1997, confirmou sentença que condenara uma emissora de televisão a pagar R$150.000,00 por violar direito de imagem. A vitima encontrava-se na via pública quando a sua imagem foi captada e projetada, sem o seu consentimento, em programa sobre doença de pele. O juiz tomou como base de cálculo os ganhos da vítima. Adotou o entendimento de que o salário mínimo devia ser utilizado como base de cálculo apenas quando as vítimas não tivessem renda própria, ou os ganhos fossem desconhecidos. Na cidade de Londrina, região Norte do Paraná, o juiz condenou empresa de transporte aéreo a pagar à mãe de uma passageira que morrera na queda de avião, indenização de R$2.000.000,00 sendo a metade desse valor por danos patrimoniais e a outra metade por danos morais. O Tribunal de Justiça reduziu para R$600.000,00 o quantum indenizatório. Em 1998, o Estado de São Paulo foi condenado a pagar à mãe da vítima, R$20.000,00 de indenização por dano moral, porque o IML trocara o corpo de sua filha pelo corpo da aeromoça, ambas mortas no mesmo acidente.

Sentenças fixando o valor da indenização em 10 a 100 salários mínimos, pelo dano moral, são comuns em acidentes de trânsito quando há morte. Nos casos de indevido lançamento do nome da pessoa no cadastro de emitentes de cheques sem fundos, as indenizações por danos morais têm atingido a casa dos 200 salários mínimos, o que é uma fortuna, se comparada com a ninharia anterior, porém, quantia irrisória se comparada com os lucros fabulosos dos bancos. Em abril de 1999, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por uma das suas câmaras, condenou empresa de transporte terrestre a pagar a quantia equivalente a um salário mínimo (R$130,00), por dano moral, à vítima de atropelamento que ficara 30 dias recebendo tratamento no ambulatório do hospital. O relator fixara a indenização em R$39,00 (30% do salário mínimo). O revisor ficou escandalizado e sugeriu uma quantia maior. Depois de demorada e acalorada discussão, chegaram ao consenso: um salário mínimo! O melhor teria sido economizar aquele tempo todo, passar para o processo seguinte da pauta e nada fixar a título de danos morais, para não ferir, ainda mais, a dignidade da vítima. Há, também, o outro lado da moeda. Indenizações altíssimas, desproporcionais aos fatos e ao contexto social e econômico. São casos excepcionais, raros. Em ações de acidente do trabalho, no Estado do Rio de Janeiro, ocorreu essa anomalia, que enriqueceu um grupo de advogados. Em tais hipóteses, o juiz perde o senso de medida e esquece, ou negligencia, o fato de estar lidando com dinheiro dos trabalhadores brasileiros. O juiz não está adstrito ao laudo pericial. Apesar disso, parece faltar-lhe, algumas vezes, coragem ou disposição para divergir do perito e arbitrar o valor com base nos dados dos autos, na sua experiência e no bom senso. Com a esperada reestruturação do judiciário brasileiro, talvez as indenizações mesquinhas assim como as exorbitantes passem para o museu da arqueologia forense.-.

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