sábado, 29 de novembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 15



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Romantismo, realismo e simbolismo convivem na Idade Moderna. O movimento simbolista caracteriza-se pelo modo de expressão e pelo psicologismo. A obra de arte é utilizada para provocar sensações, emoções e pensamentos. Os simbolistas devotavam-se à arte sem a preocupação de transmitir uma filosofia ou algum conhecimento científico. Valem-se do colorido, do florido, da delicadeza, primando pelo refinamento do estilo. Ao fugir do realismo, alguns simbolistas adentraram no misticismo; outros, cativados pela psicologia freudiana, procuravam revelar os segredos do subconsciente por meio de imagens e palavras sugestivas. Da França, o simbolismo difundiu-se por outros países europeus e americanos. Na opinião geral dos simbolistas, as anteriores formas de expressão deformavam o espírito humano. O homem não pensa por sentenças bem elaboradas e sim por palavras e frases desconexas. [A lógica de Aristóteles tem como pressuposto esse fato e por objetivo colocar ordem no pensamento e nas palavras que o expressam]. Stéphane Mallarmé (1842 a 1898), poeta francês, professor de literatura, deu ao movimento simbolista a sua teoria e a sua técnica. “A Tarde de um Fauno” foi considerado o seu mais primoroso poema, enquanto “Um Lance de Dados” foi considerado obscuro, apesar do seu valor estético. Paul Verlaine (1844 a 1896), poeta francês, autor dos versos reunidos em “Romances sem Palavras”, que expressam as suas tempestuosas relações com Rimbaud. O poema “Sabedoria” expressa a sua conversão ao catolicismo. Além desses, ainda se incluem entre a sua melhor produção: “Poemas Saturnianos”, “Festas Galantes” e “Poetas Malditos”. Arthur Rimbaud (1851 a 1891), poeta francês, literato revolucionário, aos 17 anos de idade escreve “O Barco Ébrio”, seu poema retumbante que empolgou gerações de escritores. Na Inglaterra, quando compartilhava sua vida com Verlaine, mergulhou na aventura mística para se tornar profeta. Disto resultaram duas coletâneas de poemas em prosa: “Uma Temporada no Inferno” e “Iluminações”.

O romantismo e o realismo marcaram presença também na pintura. Os pintores Jean-François Millet (1814 a 1873) e Dante Gabriel Rossetti (1828 a 1882) enquadram-se no romantismo. O primeiro artista retro citado (Millet) seguiu a tradição da escola de pintura de paisagens, mas também incluiu no seu trabalho a luta dos trabalhadores contra a pobreza e as forças da natureza como exemplificam os quadros “Homem com Enxada” e “O Semeador”. O segundo artista retro mencionado (Rossetti) primava pela simplicidade e naturalismo. Ele desprezava o artificialismo na pintura. Para ser digna do nome, a arte há de ser ligada à vida, veículo para idéias e útil para atender às necessidades do homem. Honoré Daumier (1808 a 1879) e Gustave Coubert (1819 a 1877) foram pintores realistas, defensores dos oprimidos e explorados. Ambos inseriram suas obras em uma dimensão social. Apresentavam os fatos da vida real tal qual eram vistos. Manifestavam consciência social e simpatia pelos pobres. Pintavam o sujo e o mísero, bem como os vícios e fraquezas da burguesia. Daumier expôs a corrupção dos funcionários, os disparates dos profissionais do direito e ridicularizou a piedade hipócrita dos ricos. Coubert recusou a Cruz da Legião de Honra oferecida por Napoleão III.

Nessa mesma época surge um novo movimento derivado do realismo: o impressionismo. Os pintores deste movimento também primam por reproduzir aquilo que seus olhos enxergam. Além disto, consideram a visão científica da natureza. A técnica é singular: o que esses pintores apresentam em suas obras é a impressão imediata dos seus sentidos. Cabe ao observador preencher lacunas ou adicionar detalhes. As figuras são deformadas. Poucos traços representam por inteiro o objeto. Cores são lançadas lado a lado no mesmo quadro para que o observador as misture com seus próprios olhos. Estava presente no espírito desses pintores o fato comprovado pela ciência de que a luz se decompõe em várias cores. Buscaram luz e sombra fora do atelier, no seio da natureza. O que de perto parece borrão de tinta, de longe revela imagens. A França foi o berço desse movimento e seu fundador foi Édouard Manet (1832 a 1883). Este pintor sofreu a influência dos mestres espanhóis. O pintor Claude Monet (1840 a 1926) destacou-se no modo de interpretar a paisagem. Ele fugiu do plano convencional; sugere, apenas, os modelos que pinta (contornos de montanhas, rochedos, árvores, campos). Esse pintor dava grande importância à luz. Augusto Renoir (1841 a 1919), o mais popular dos impressionistas, distingue-se pela variedade dos seus modelos, além da qualidade das suas pinturas. Ele pinta paisagens e também cenas da vida social moderna.

A ausência de formas, a falta de volume e de idéias e os aspectos casuais e momentâneos da natureza na obra dos impressionistas provocaram nova onda na pintura. Esta devia revestir-se da solidez que se nota na escultura. Segundo a nova corrente, a arte deve exprimir algum sentido. A forma e a técnica devem servir a um propósito. Esse movimento foi coetâneo ao tipo de sociedade que surgia no século XIX e refletia as inquietações da época moderna. Paul Cézanne (1839 a 1906), pintor francês, preferia como temas: natureza morta, paisagens e retratar a própria esposa. Ele impulsionou o desenvolvimento da arte ao lado de Gauguin e Van Gogh; lançou os fundamentos da pintura escultural, movimento artístico resultante da reação aos movimentos anteriores (romantismo, realismo e impressionismo). Ele alcançou o objetivo de representar a natureza de um modo que as imagens pintadas em uma tela plana parecessem ter o relevo e a profundidade de uma escultura. O sucesso da sua pintura gerou o brocardo: “depois de Cézanne, não há mais razão para a escultura”. [Quando um tipo de arte atinge o seu auge, a nova geração procura diferentes formas de expressão]. Paul Gauguin (1848 a 1903), peruano afrancesado, declara independência em relação aos tipos do passado. Afirma a liberdade do artista. Pinta seus quadros com cores berrantes e exótico simbolismo. Retrata o mundo segundo os seus próprios sentimentos (subjetivismo). Imprime um sentido emocional à natureza. Desiludido com a complexidade e o artificialismo da civilização moderna, ele se refugia nas ilhas dos mares do sul e passa os seus derradeiros dias pintando as cores de uma sociedade primitiva e inexplorada. Torna-se, desse modo, o precursor do movimento primitivista na arte do século XX. Vincent Van Gogh (1853 a 1890), holandês genial e genioso, desenhista e pintor cujos quadros revelam intensidade emotiva. Retratava a vida dos camponeses em cores e de forma sombria. Influenciado pelos impressionistas e pelas gravuras japonesas, já morando em Paris (1886), ampliou os temas para paisagens, retratos e natureza morta. Influenciou os pintores modernos que consideram a expressão do subjetivismo como exclusiva função da arte. A sua vasta produção pictórica nada lhe rendeu financeiramente. Viveu na pobreza. Alcoólatra, Van Gogh sofria crises nervosas, alucinação e depressão. Numa dessas crises, após brigar com Gauguin, cortou parte da própria orelha. Internado em manicômio, continuou a pintar. Suicidou-se com um tiro.

A obra dos escultores foi numerosa, porém sem originalidade. Prevaleceu o barroco (grande, pesado, decorativo). A exceção coube ao francês Auguste Rodin (1840 a 1917). Influenciado pela produção artística de Miguel Ângelo, esse pintor se mostra eclético ao refletir as correntes do romantismo, realismo e impressionismo. Interessava-se pela origem do homem e suas qualidades psíquicas. Inspirado na obra de Dante, ele produz “A Porta do Inferno”. A sua escultura mais conhecida é “O Pensador”, que sugere a culminância da evolução física do homem e a sua faculdade distintiva: a racionalidade. A arquitetura do século XIX continuou a mesma dos séculos anteriores: grandes construções barrocas como a Ópera de Paris, a catedral luterana de Berlim e o Reichstag. Notavam-se construções ornamentadas com motivos bizantinos, egípcios, chineses, mouriscos e hindus. Reviveu-se o estilo gótico medieval, adotado na construção de igrejas, universidades, parlamentos e outras edificações públicas.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 14



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Na França, surgiram os pioneiros do realismo. Honoré de Balzac (1799 a 1850), na “Comédia Humana”, mostra de maneira franca a estupidez, a cobiça, a baixeza de homens e mulheres. Ele trazia à superfície os motivos ocultos da ação humana e revelava a corrupção existente sob a capa de respeitabilidade da sociedade burguesa. Sobre a sua produção literária Balzac dizia: “Minha obra tem sua geografia tal como sua genealogia e suas famílias, seus locais e suas coisas, suas pessoas e seus fatos; tem, também, sua heráldica, seus nobres e seus burgueses, seus artesãos e seus camponeses, seus políticos e seus dandies, seu exército; em suma, todo o seu mundo”. [Dandy era o apelido do homem bem vestido, bem apessoado, barbeado, perfumado, educado, gentil integrante das camadas média e alta da sociedade]. Gustave Flaubert (1821 a 1880) ao escrever “Madame Bovary” procede a uma análise da degradação humana. Ele expõe o conflito entre o sonho romântico e a dura realidade existencial. Guy de Maupassant (Henri René Albert) (1850 a 1893), francês, poeta, contista, romancista, jornalista, discípulo de Flaubert, nascido no seio de próspera família burguesa da Normandia. Morreu no manicômio vítima da sífilis que lhe causou perturbações mentais.  A sua primeira novela o celebrizou como obra-prima: “Bola de Sebo”. Suas obras realistas envolviam situações psicológicas e crítica social. A pequena burguesia era alvo das suas observações. O romance “Pierre et Jean” se destacou no gênero. Vários dos seus contos foram reunidos na coleção intitulada “La Maison Tellier”. Muito apreciados também, entre os seus 300 contos, os “Mademoiselle Fifi” e “O Horla”. De sua lavra foram convertidas em filmes as seguintes obras: “Bel Ami, o Sedutor” (nome do seu barco), “Une Femme Coquette” e “Masculin/Feminin”. Émile Zola (1840 a 1902) interessava-se pela natureza e pela exatidão científica. Alcoolismo, perversão, pobreza, doença, integram o cenário das suas obras, as quais refletem a miserável infância por ele vivida. Mostra simpatia pelo homem comum e paixão pela justiça social. Nutria esperança de uma sociedade melhor com o fortalecimento moral do homem. Zola defendeu vigorosa e publicamente o capitão Dreyfus no caso que agitou a Europa. O envolvimento de banqueiros judeus em escândalo financeiro serviu de pretexto aos monarquistas para atacar os republicanos. Acusaram o governo de corrupto e atribuíram parte da responsabilidade aos “judeus devoradores de dinheiro”. Em 1894, um judeu chamado Alfredo Dreyfus, capitão da artilharia, foi acusado por oficiais monarquistas de vender segredos militares à Alemanha. Ele foi julgado e condenado à prisão perpétua pela prática do crime de traição. Três anos depois, oficial superior do serviço secreto afirmou que eram falsos os documentos que alicerçaram a sentença condenatória. Movimento popular exigiu novo julgamento. O Ministério da Guerra se opôs. A nação francesa dividiu-se. Monarquistas, clérigos, militares, civis, operários, colocaram-se contra a revisão. Republicanos, socialistas, liberais, inclusive figuras de proa da literatura como Emile Zola e Anatole France, posicionaram-se a favor e tiveram êxito. O capitão foi libertado em 1899 e absolvido pela Corte Suprema em 1905. Reintegrado ao exército, ele foi promovido ao posto de major e condecorado com a insígnia da Legião de Honra. O movimento monarquista em França foi reduzido à insignificância depois desse episódio.      

Na literatura realista inglesa destacam-se: Charles Dickens (1812 a 1870), Thomas Hardy (1840 a 1928), George Bernard Shaw (1856 a 1950) e Herbert George Wells (1866 a 1946). O primeiro escritor retro mencionado (Dickens) mostra simpatia pela camada menos afortunada da sociedade. Entre outros livros, escreveu: “Oliver Twist” e “David Copperfield”. Ele relata os horrores no interior das fábricas, ataca os adiamentos (postergações) dos casos nos tribunais e critica o tratamento desumano dispensado às pessoas presas por dívidas. O segundo escritor retro citado (Hardy) apresentava o homem como um joguete do destino. O universo é belo, mas não amável. A batalha com a natureza é quase impossível de ser vencida. Deus, se existe, espreita com indiferença os habitantes do formigueiro humano. O homem é um grão de pó agarrado às rodas da máquina cósmica. O terceiro escritor citado (Shaw) irlandês, dramaturgo, crítico de arte, recebeu o prêmio Nobel de literatura (1925). Morava em Londres, escreveu mais de 50 peças para o teatro. “Pygmalion”, a mais popular, foi adaptada para a comédia musical “My Fair Lady”. Variavam os temas: prostituição, socialismo, exército da salvação, evolução criadora. Shaw aderiu ao socialismo e liderou a Sociedade Fabiana vinculada ao marxismo em nível doutrinário. Devotou-se à filosofia materialista, nutriu fé na ciência e desprezo pela sociedade burguesa. O escritor citado por último (Wells), professor, historiador, jornalista, seguiu linha semelhante ao realismo de Shaw: fé no socialismo e na ciência. Escreveu: “A Máquina do Tempo”, “O Homem Invisível”, “A Guerra dos Mundos”. Os seus livros contêm utopia e ficção científica. A fadiga e a pobreza seriam eliminadas como efeito do progresso tecnológico. A guerra e a superstição seriam banidas por uma educação adequada. A verdadeira tragédia humana está na escravidão dos indivíduos às instituições caducas e aos ideais pervertidos.
Robert Louis Stenvenson (1850 a 1894), escocês, poeta, ensaísta, novelista, romancista, deixou extensa obra, apesar de morrer cedo. Tornou-se mundialmente conhecido por seus livros narrando aventuras, dos quais, o mais famoso, é “A Ilha do Tesouro”. A novela “O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, também vulgarizada com o título “O Médico e o Monstro”, alcançou sucesso mundial ao relatar o desdobramento da personalidade de um médico que colocou a si mesmo como cobaia de experiência científica. Após ingerir um composto químico, o médico se transformava física e emocionalmente em outra pessoa má e horrorosa. Robert explora a dualidade da alma humana, a bondade e a maldade do ser humano em constante luta intestina.
Oscar Wilde (1854 a 1900), dandy irlandês, filho da nobreza, poeta, dramaturgo, romancista, novelista, criou o movimento estético, a arte pela arte, o belo como solução dos males da sociedade. Casado, dois filhos, vida social intensa e desafiadora na Inglaterra conservadora, caiu em desgraça ao ser descoberta a sua homossexualidade, considerada crime na época. Foi processado, condenado e preso. Esse episódio o inspirou a escrever dois grandes livros: “De Profundis” e “Balada do Cárcere de Reading”. Outras obras famosas, escritas antes da prisão, foram: “O Fantasma de Canterville”, “O Príncipe Feliz” e “O Retrato de Dorian Gray”. Esta última teve versões para o cinema. O personagem vende a alma ao diabo para permanecer sempre jovem e bonito. O seu retrato sofre modificações pela degradação da matéria e do espírito. Na sua produção literária e na sua dramaturgia anteriores à prisão, Oscar costumava ridicularizar a aristocracia inglesa e a burguesia estadunidense. Cumprida a pena, ele foi morar em Paris, onde morreu pobre e abandonado.

Na literatura realista alemã destacam-se: Henrik Ibsen (norueguês), Gerhart Hauptmann e Thomas Mann, nascidos em 1828, 1862 e 1875, respectivamente. O primeiro dos escritores retro citados (Ibsen), autodidata, leitor incansável, vivenciou a pobreza que o marcou para o resto da vida. Na sua obra nota-se a amarga revolta contra a tirania e a ignorância reinantes na sociedade. Suas peças mais conhecidas são: “Os Pilares da Sociedade” e o “O Inimigo do Povo”. Ele satiriza as convenções e as instituições sociais que se dizem respeitáveis. Há nos seus escritos desconfiança em relação aos governantes (classe dominante). Na opinião dele, a democracia entroniza pessoas sem princípios que tudo fazem para angariar votos que as perpetuem no poder. O segundo dos escritores citados (Hauptmann) dramaturgo, poeta, romancista, abordava as lutas dos trabalhadores contra a pobreza e o tratamento desumano dado pelos patrões. Escreveu: “Antes do Sol Nascer”, “Gente Solitária”, “Os Tecelões”, a comédia popular “A Peliça de Castor” e peças satíricas e simbólicas sobre conflito psicológico. Recebeu o prêmio Nobel de literatura (1912). O terceiro escritor mencionado (Mann), romancista, contista, ensaísta, distinguiu-se pelo volume dos detalhes significativos em “Buddenbrooks”, novela sobre a saga (ascensão e declínio) de quatro gerações de uma grande família de comerciantes de Lübeck. Por essa obra, ele recebeu o prêmio Nobel de literatura (1929). Entre outras obras, escreveu: “A Montanha Mágica”, “José e Seus Irmãos”, “Carlota em Weimar”, “Doutor Fausto”.       

Na literatura realista russa o destaque coube a Ivan Turgueniev (1818 a 1883), Feodor Dostoievski (1821 a 1881) e Leão Tolstoi (1828 a 1910). O primeiro (Turgueniev) passou parte da sua vida na França, capital da cultura européia. “Pais e Filhos”, obra na qual ele cunhou o termo niilista, trata da luta entre as gerações no seio da família. O herói da narrativa é niilista, convencido de que toda ordem social nada tem em si que valha preservar. O segundo escritor retro mencionado (Dostoievski) fazia resplandecer a sua tragédia pessoal nos seus textos. Condenado por atividades revolucionárias, ele foi exilado na Sibéria por quatro anos. Regressando, enfrentou a pobreza, obrigações familiares e ataques epiléticos. Como literato, descreveu os aspectos piores da vida, a angústia dos miseráveis, os atos ignominiosos provocados pelas emoções primitivas. Revelou-se um mestre da análise psicológica. Na opinião dele, a alma do homem só pode ser purificada pelo sofrimento. Os personagens dos seus livros eram trágicos. Suas mais conhecidas obras são: “Crime e Castigo” e “Os Irmãos Karamazov”. O terceiro escritor citado (Tolstoi) divide com Dostoievski a glória de ser o maior novelista russo. Anarquista e defensor da vida simples do camponês, o conde Tolstoi doa os seus bens à esposa, veste-se e alimenta-se como um campônio. Em “Guerra e Paz”, obra universalmente conhecida e apreciada, ele descreve aspectos da Rússia quando invadida por Napoleão. Mostra como os indivíduos ficam à mercê do destino quando se desencadeiam forças elementares poderosas. No seu livro “Ana Karenina”, igualmente famoso, ele mostra a tragédia que se esconde atrás da procura de satisfação do desejo egoísta. Levine, protagonista da história, encontra no amor místico pela humanidade o refúgio da dúvida e da vaidade. Em “Ressurreição”, Tolstoi condena instituições da sociedade civilizada, o egoísmo e a cobiça; valoriza o trabalho manual e as virtudes cristãs da pobreza, da humildade e da resignação.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 13



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

A essência do romantismo presente na literatura e nas artes desse período histórico consiste: (1) na glorificação dos instintos e das emoções em contrapartida ao culto da razão; (2) na veneração à natureza; (3) no desprezo ao formalismo; (4) na inclinação sentimental pelos humildes; (5) no zelo pela reforma do mundo. Geralmente, os escritores e artistas românticos se comprometiam com o bem da humanidade, da nação e do proletariado. Havia nas suas obras certo engajamento político e social. O zênite do movimento romântico na Europa ocorreu por volta de 1830, com ênfase na literatura, na pintura e na música. [Coincidência: nessa mesma época a expressão “classe média” entra para o vocabulário sociológico].

Na Inglaterra, a tradição literária romântica vem representada por Thomas Carlyle (1795 a 1881), Alfred Tennyson (1809 a 1892), Robert Browning (1812 a 1889), John Ruskin (1819 a 1900), Rudyard Kipling (1865 a 1936), entre outros. O primeiro dos autores retro mencionados (Carlyle) era ensaísta e crítico, mais conhecido por sua teoria da construção da história pelos heróis e por sua crítica à cultura do século XIX. A indústria, o materialismo, o utilitarismo, a ciência e a democracia eram os alvos da sua indignação. A cultura medieval era o alvo da sua admiração. Na opinião dele, ao forte cabe o direito de governar. O segundo dos citados autores (Tennyson), laureado poeta, obteve o título de Lorde. Os seus poemas agradavam mais pela cor e musicalidade do que pelas idéias. Ornamentava os pensamentos mais comuns; imprimia-lhes um brilho que os fazia parecer originais e sublimes. O terceiro (Browning) concebia o homem como um ser moral, um propósito benévolo do universo. Admitia a baixeza das paixões humanas, mas acreditava no triunfo da bondade e da verdade. Os seus escritos são dramáticos e desvelam o caráter humano. O quarto (Ruskin) também admirava mais a Idade Média do que a Idade Moderna. Mostra aversão pelo materialismo da ciência e pelo sistema fabril, cuja feiúra criticava. Condenava a feroz competição dos capitalistas por lucro. Na opinião dele, os operários devem ser tratados como sócios da fábrica com direito ao resultado econômico da produção. O quinto (Kipling) era poeta e escritor de contos populares. Ele não envolve a sua poesia na questão industrial. Canta as glórias do império inglês. Defende a subjugação dos povos hindus e africanos como justo e desejável empreendimento missionário para livrá-los das trevas. Em prosa, ele relata aventuras num clima de simpatia e ternura pelos encantos da Índia. Em verso, ele discrimina os caracteres de um homem exemplar no belo poema intitulado “Se”, difundido mundialmente.            

Na França, a tradição literária romântica vem representada por Victor-Marie Hugo (1802 a 1885), Alexandre Dumas (1802 a 1870), George Sand (1804 a 1876), Júlio Verne (1828 a 1905), entre outros. O primeiro dos autores retro mencionados (Hugo) foi o grande nome do romantismo em França. Escritor prolífico, dramaturgo, romancista, ensaísta, político, defensor da liberdade e dos direitos humanos, ele escreveu peças de teatro, dramas históricos, poemas, discursos. No prefácio de “Cromwell”, ele inaugura o movimento romântico na literatura francesa ao protestar contra o formalismo clássico cujas amarras deviam ser rompidas. “Os Miseráveis” e “Notre Dame de Paris” (também conhecida como “O Corcunda de Notre Dame”) são obras mundialmente conhecidas, quer através dos livros, quer através dos filmes. A primeira obra retro citada narra a vida de um condenado por furto famélico. Após a prisão, já socialmente recuperado, o personagem consegue boa posição econômica e social, mas é perseguido implacavelmente por uma autoridade policial. Roído pelo remorso ao sentir a injustiça dessa perseguição, o policial se suicida. Esse livro contribuiu para a humanização do processo criminal. A segunda obra retro mencionada narra o episódio de um sineiro da catedral de Paris, fisicamente deformado, que se apaixona por uma cigana, resgata-a da multidão que lhe quer fazer mal e lhe dá abrigo no sótão da igreja. Hugo foi o mais bem remunerado escritor da sua época. De um modo geral, os artistas dependiam de pensões do governo ou de outras atividades para viver. Alguns morreram na pobreza.

Alexandre Dumas, mulato, pai militar, avó negra (escrava), ganhou muito dinheiro com literatura, mas também gastou muito com mulheres e uma vida folgazã. Escrevia artigos para revistas, peças para teatro, além de romances de aventura. Um dos seus filhos tinha o nome e a profissão do pai. As suas obras mundialmente famosas são: “O Conde de Monte Cristo” e “Os Três Mosqueteiros”, adaptadas ao cinema e traduzidas para vários idiomas. Vencido o preconceito de cor, o presidente da França, Jacques Chirac, autorizou o traslado dos restos mortais do mulato Dumas, da cidade natal para o panteão de Paris, colocados ao lado dos de Hugo e Voltaire. Chirac afirmou que assim se fazia justiça ao genial francês (2002).     

George Sand, pseudônimo de Amantine Aurore Lucile Dupin, baronesa de Dudevant, nascida em Paris, encontrou resistência no início da sua carreira de escritora. A literatura era território de homem. Daí a sua iniciativa de adotar pseudônimo masculino como tática para aceitação dos seus textos. Balzac a desestimulou. O Fígaro nela apostou e acertou. O sucesso não demorou. Amantine escreveu vários romances com os nomes dos personagens centrais, a maioria femininos, tais como: “Valentine”, “Lelia”, “Consuelo”, “Pauline”, “A Pequena Fadette”. Ela tem sido vista como precursora do feminismo no século XIX, papel semelhante ao de Simone de Beauvoir no século XX, embora ambas as escritoras não admitissem integrar o movimento feminista. Após se divorciar do marido, François-Casimir Dudevant, a escritora iniciou intensa vida amorosa, a começar pelo escritor Jules Sandeau, de quem tirou o pseudônimo para a atividade intelectual. Relacionou-se intimamente com o poeta Alfred de Musset, viveu com o músico e compositor Frédéric Chopin e conviveu com a atriz Marie Dorval. Aderiu ao pensamento socialista e participou ativamente da revolução de 1848.  

Júlio Verne foi o pioneiro da ficção científica na literatura francesa. Ele conheceu Hugo, Dumas, além de diversos cientistas. Foi bem orientado por seu editor. Verne escreveu dezenas de livros de larga aceitação popular. Demonstrou possuir prodigiosa imaginação. Antecipou a criação do submarino, da nave espacial e da viagem à Lua. Os seus livros mais famosos, adaptados ao cinema, traduzidos para mais de 150 idiomas, são: “Viagem ao Centro da Terra”, “Vinte Mil Léguas Submarinas” e “A Volta ao Mundo em 80 Dias”.

Alguns escritores reagiram ao sentimentalismo e às extravagâncias das obras românticas. Qualificavam-nas de bruxuleantes, difusas, sem claros objetivos. Assim, em oposição aos românticos, eles trataram da vida humana dentro dos fatos revelados pela ciência, sem retoques e idealizações emocionais. Apresentavam os fatos dentro da realidade objetiva captada pelos sentidos. Realismo reagindo ao romantismo. Os realistas interessavam-se pelos assuntos psicológicos e sociais, pelo comportamento humano conflituoso, pelas frustrações decorrentes das relações humanas. Apoiavam-se em idéias científicas e filosóficas do seu tempo. Em seus livros, alguns escritores apresentavam os homens como vítimas da hereditariedade e do meio natural e social. Outros escritores apresentavam os homens como portadores de qualidades bestiais herdadas dos animais irracionais no processo evolutivo. Imbuídos do espírito de reforma política e social, alguns escritores descreviam a iniqüidade do drama humano em um cenário sórdido, salientando a necessidade de eliminar a pobreza e a guerra, bem como, a de dar um tratamento mais humano aos delinqüentes presos.  

domingo, 23 de novembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 12



O trabalho científico e filosófico da era moderna, cujo impulso se deve à revolução francesa e à revolução industrial, afetou a religião cristã dominante na civilização ocidental. A concepção de um universo resultante de um processo evolutivo choca-se com o dogma religioso de um universo criado por deus em certa época e de modo definitivo, habitado por um casal humano original. Ante a concepção mecanicista do universo (deo ex machina) e os postulados da ciência de que os impulsos humanos são conseqüências da herança social e biológica, ficou abalada a idéia de deus e de alma posta pela religião. Ainda podem ser arrolados como fatores do enfraquecimento da religião: (1) os efeitos da revolução industrial (busca por conforto e sucesso financeiro, divórcio entre economia e moral, objetividade para suprir necessidades materiais); (2) nacionalismo; (3) repúdio ao clero; (4) desprezo à religião por obnubilar a mente humana (ópio do povo); (5) socialismo.

As teorias de Lamarck e Darwin serviram de bandeira para seus seguidores desancarem os religiosos e ridicularizarem a versão bíblica da criação do mundo e do homem. Disto resultou a deserção de muitas pessoas das fileiras do exército cristão e judeu. As afirmações de Spencer e Huxley de que as instituições, as idéias morais e as religiões resultaram naturalmente da luta do homem para sobreviver e se adaptar ao meio assombrou os cristãos e os judeus. O antropólogo James Frazer publica, em 1890, “O Ramo de Ouro”, relatando usos, costumes, cerimônias e superstições primitivas. Revela a existência, entre povos antigos, do mito do dilúvio, das idéias de expiação por algum salvador, das lendas de morte e ressurreição de uma divindade, a demonstrar que a estrutura das religiões atuais foi herdada de culturas antigas e resultou do processo social evolutivo. Ao se equiparar o universo à máquina, nos termos propostos por Haeckel, a crença em deus e na alma se torna inútil e desnecessária. O automatismo dessa máquina dispensa qualquer divindade para guiá-la. O espírito humano é função da matéria e está determinado por leis físicas, exclusivamente. O altruísmo é forma disfarçada de egoísmo. A consciência é a soma total das crenças e preconceitos inoculados no indivíduo pela sociedade.

David Friedrich Strauss, professor da Universidade de Tübingen, expõe em seu livro “Vida de Jesus”, publicado em 1835, a biografia do profeta como figura humana. O autor nega a divindade e os milagres de Jesus e lança ao descrédito a inspiração divina das escrituras. William Robertson Smith, professor em Cambridge, publica, em 1885, o livro “Religião dos Semitas”, no bojo do qual mostra a falta de originalidade dos hebreus (israelitas + judeus) cujas crenças eram comuns à maior parte dos povos semitas. [Os hebreus não eram os únicos semitas]. Comenta contradições e inexatidões de diversas partes do Antigo Testamento e menciona vários elementos da teologia cristã de origem babilônica e persa. O golpe desferido pela inteligência dos cientistas e filósofos foi mortal para quem acreditava em uma Bíblia infalível e de autoridade espiritual suprema. Para safar-se da enrascada, a igreja defendeu a interpretação alegórica da Bíblia para substituir a interpretação literal e histórica.

Perante a ciência e a filosofia, os cristãos assumiram duas posições básicas: (1) A conservadora ou fundamentalista que não admite conciliação alguma entre religião e ciência. A Bíblia há de ser interpretada literalmente e a tradição há de ser respeitada. (2) A moderna bipartida em conciliadora e nominalista. (2.1) A moderna conciliadora aceita os resultados da ciência e procura manter a religião em harmonia com os novos conhecimentos. A teoria da evolução apenas enaltece a criação divina. Religião e ciência pertencem a campos distintos. O papa Leão XIII, que esteve no comando da igreja católica de 1878 a 1903, não via real conflito entre razão e fé. Incentivou o estudo da história da igreja. Franqueou os seus arquivos aos eruditos. Instalou equipamentos de astronomia no Vaticano onde reuniu um grupo de astrônomos. Proclamou filósofo oficial da igreja católica o aristotélico Tomás de Aquino. (2.2) A moderna nominalista desiste de conciliar a religião com a vida moderna. Os cristãos desse grupo freqüentam a igreja e seguem os rituais formalmente, sem uma crença sincera, profunda e fervorosa. Pertencem a esse grupo os cristãos estéticos: permanecem na religião porque admiram as suas características artísticas e não por sua teologia.           

A arte clássica reviveu no tempo de Napoleão. Ele adotou a águia romana como um dos seus emblemas, nomeou rei de Roma o seu filho, erigiu colunas, templos e arco do triunfo em Paris. Essa conduta do governante refletiu-se nas artes. A influência da revolução francesa e da revolução industrial no espírito e nas obras dos artistas foi o denominador comum das artes desse período. O classicismo foi superado pelo romantismo. Para os românticos, a música não era só beleza objetiva e sim um meio de exprimir os impulsos íntimos do ser humano. Insuficiente agradar; era preciso dizer alguma coisa, despertar uma vibração simpática no ouvinte. O nacionalismo se expressa na música alemã: a ópera desvencilha-se das delicadezas artificiais e lança mão do poder dramático, emprega motivos germânicos, exprime-se numa atmosfera heróica visando a inspirar o amor pelo país. Ludwig Von Beethoven (1770 a 1827) compõe com liberdade, combinando o espírito romântico e a disciplina do classicismo.

Johann Wolfgang Von Goethe (1749 a 1832) poeta, cientista, advogado, estadista alemão, nasceu no seio de abastada família em Frankfurt Am Main. Formou-se em direito pela Universidade de Strassburg e exerceu a profissão jurídica. Carlos Augusto, grão-duque de Weimar, admite-o como conselheiro político e econômico. Nesta cidade, mora em requintada casa para os padrões da época. Da sua produção científica resultaram: “Ensaio de História Natural e de Morfologia”, “Ensaio Sobre a Metamorfose das Plantas”, “Teoria das Cores”. Na opinião de Goethe, frequentemente os problemas da ciência estão ligados à carreira: uma só descoberta pode tornar um homem famoso e lhe garantir venturoso futuro. [Tentação que pode levar o cientista a cometer fraudes]. Todo fenômeno observado pela primeira vez é uma descoberta. Toda descoberta é uma propriedade. Mexa-se na propriedade de um homem e logo as suas paixões vêm à tona. Da sua produção literária resultaram, entre outras obras, as seguintes: “Os Sofrimentos do Jovem Wertker”, “O Rei de Tule”, “Ifigênia em Táuride”, “Egmont”, “Torquato Tasso”, “Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister”, “Poesia e Verdade” e “Fausto”, esta última considerada a sua obra-prima, na qual ele gastou quase 60 anos devido a algumas interrupções. Movido pela sede de saber e de gozar, Fausto celebra um pacto com Mefistófeles (diabo). Seduz a jovem Margarida e depois a abandona. Em duelo, mata o irmão da moça. Desesperada, a jovem mata o filho que gerou. Condenada pelo crime, mas arrependida, ela morre nos braços de Fausto. A segunda parte versa a aposta entre deus, que diz que Fausto se salvará, e o diabo, que diz o contrário. Deus vence a aposta. Fausto é salvo graças ao seu idealismo.

Madame de Staël (1766 a 1817), nascida Anne-Louise Germain Necker, em Paris, filha de rico banqueiro suíço, baronesa de Staël-Holstein em virtude do casamento com o barão do mesmo nome, escreveu os romances: “Sophie”, “Jane Gray”, “Delphine” e “Corinne”, em 1786, 1790, 1802 e 1807, respectivamente. Mantinha um salão literário e político em Paris desde 1796. Depois de separar-se do marido teve diversos casos amorosos. Contemporânea da revolução francesa e da restauração da dinastia Bourbon, filiava-se ao iluminismo e se posicionou contra o governo de Napoleão. Juntamente com Benjamin Constant e outros políticos e intelectuais, ela integrava o núcleo de resistência liberal. Por causa dessa militância política, Napoleão a expulsou de Paris em 1803. Os livros “Da Influência das Paixões sobre a Felicidade dos Indivíduos e das Nações” e “Da Literatura Considerada nas suas Relações com as Instituições Sociais”, escritos respectivamente em 1796 e 1800, refletem sua teoria literária e seu pensamento político e sociológico.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

POSSE PRESIDENCIAL


Minha esposa chamou-me a atenção para um artigo do jornalista Luis Nassif, publicado em 18.11.2014, na rede de computadores (www.viomundo.com.br), em que ele denuncia golpe arquitetado pelos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, do Tribunal Superior Eleitoral. A manobra denunciada visa a impedir a diplomação e a posse da candidata reeleita para o cargo de Presidente da República. No Brasil republicano e democrático, o inconformismo dos vencidos no pleito para presidente geralmente descamba para os golpes tentados ou consumados. Foi assim em 1930 (consumado), em 1955 (tentado), em 1964 (consumado) e agora em 2014 (ensaiado). A citada manobra, se comprovada, caracteriza mais um lance da rivalidade entre os bandidos do colarinho branco que disputam o poder com olhos no tesouro: a quadrilha do PSDB lutando para desalojar a quadrilha do PT. 

O Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal funcionarão até dezembro e poderão evitar o golpe se a denúncia do jornalista for confirmada. Ainda que venha a faltar lastro, a denúncia serve para algumas reflexões sobre eleição e reeleição de presidentes.     

A reeleição do Presidente da República introduzida pela Emenda Constitucional 16/1997, enseja questionamento sobre a diplomação do reeleito e a posse do cargo. O artigo 78, da Constituição da República – não alterado pela referida EC 16 – dispõe sobre a posse do presidente eleito, porém silencia sobre o presidente reeleito. Há razão lógica para tal silêncio. 

Ao Tribunal Superior Eleitoral compete proclamar eleito presidente o candidato mais votado. Essa proclamação é ato oficial de reconhecimento da vontade do povo e da vigência do mandato político. A expedição do diploma é mera formalidade. A falta do diploma não anula o resultado das urnas, o mandato político daí aflorado e a proclamação do eleito ou reeleito. O mandato político pode ser exercido em sua plenitude. O outorgante do mandato político é o povo (maioria dos votos válidos do corpo eleitoral) e não o tribunal. A expedição do diploma pelo tribunal tem o burocrático e exclusivo escopo de documentar o mandato político e não o de outorgá-lo. Considerando que o presidente reeleito já foi diplomado por ocasião da primeira eleição, a expedição de novo diploma é despicienda; basta atualizar os dados, se necessário. Inexiste previsão constitucional ou legal para o mesmo titular portar dois diplomas para o mesmo cargo e para a mesma função quando há continuidade.

Posse consiste no poder de fato do sujeito sobre a coisa móvel, imóvel ou semovente, sobre bens materiais e imateriais (posse de direitos ou de faculdades). Cargo público é lugar na organização estatal com funções específicas estabelecidas na Constituição e nas leis. O cargo público, dada sua feição espacial e topográfica, pode ser – e realmente o é – objeto de posse, mas não de propriedade. O candidato entra na posse do cargo público eletivo segundo o processo jurídico estabelecido na Constituição e nas leis. O Presidente da República permanece na posse do seu cargo e desempenha as respectivas funções até findar o mandato que recebeu do povo. Caso o seu mandato seja renovado por reeleição, não haverá solução de continuidade. O presidente continuará na posse do seu cargo sem interrupção até findar o segundo período, porque nele foi confirmado previamente pelos eleitores antes de findar o primeiro período. Logo, não há necessidade alguma de nova cerimônia de posse.

O mandato político outorgado pelo povo em eleição e renovado pelo povo em reeleição há de ser respeitado em decorrência da soberania popular. A proclamação do resultado da eleição pelo tribunal eleitoral apenas comprova oficialmente a outorga do mandato pelo eleitor. Na reeleição, o povo mantém o presidente na posse do cargo por mais quatro anos quando ele ainda está no exercício do seu mandato. A reeleição brota da vontade popular e inclui o compromisso anteriormente prestado pelo presidente perante o Congresso Nacional: cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil. A Constituição não exige que esse compromisso seja ratificado pelo reeleito. Essa ratificação é prática marginal recente (praeter legem) e por isto mesmo ainda não tipifica tradição cultural e nem costume válido juridicamente.

Pretender dar posse a quem já a detém de fato e de direito agride à lógica e ao bom senso. Não se há de confundir cargo com mandato. O cargo de presidente foi criado pelo legislador constituinte ao organizar a república, tem caráter permanente e funções especificadas na Constituição. O mandato político é outorga do povo que autoriza o eleito ou o reeleito a desempenhar aquelas funções. O eleito toma posse do cargo que antes não ocupava e passa a exercer o mandato político. O reeleito permanece na posse do cargo que já ocupa e continua a exercer o seu mandato político renovado. O Congresso Nacional dá posse ao eleito. Quanto ao reeleito, tal cerimônia constitui tributo a um formalismo estéril.

Se exigível na reeleição – ad argumentandum – a cerimônia de posse não poderia ser obstada por decisão judicial alicerçada em eventual anomalia no financiamento particular da campanha eleitoral alegada para justificar o golpe arquitetado pelos ministros e denunciado pelo jornalista. O presidente reeleito ficaria impedido de continuar na posse do cargo por ato do Poder Judiciário. Isto significaria invasão da competência privativa do Poder Legislativo. Somente à Câmara dos Deputados cabe autorizar a instauração de processo contra o Presidente da República e somente decisão do Senado Federal proferida no devido processo jurídico poderá afastá-lo do cargo. Ao tribunal eleitoral caberia comunicar ao Legislativo eventual anomalia no processo eleitoral, desde que fosse grave o suficiente para retirar do cargo o presidente reeleito. Cabe lembrar o disposto na Constituição (86, 4º): “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 11



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

A natureza, o homem e a sociedade são estudados sob novos prismas nesse período, o que enseja novas ciências: Geologia, Química, Biologia, Paleontologia, Filologia (estudo do sânscrito, dos hieróglifos, da escrita cuneiforme, das relações entre os idiomas e a possibilidade de uma ancestral língua-mãe), Antropologia, Sociologia, Psicologia, Psicanálise.

Teorias evolutivas sobre o planeta, plantas e animais foram expostas por Comte de Buffon em “As Épocas da Natureza” (1778), por Erasmus Darwin em “Zoonomia” (1794), por James Hutton em “Teoria da Terra” (1795) e Lyell em “Princípios de Geologia” (1833). A sucessão histórica das camadas terrestres podia ser datada pelos fósseis encontrados em cada uma delas, conforme descobriu o engenheiro William Smith (1790). Fósseis humanos provavam a existência da espécie no planeta desde priscas eras. A prova definitiva veio com a descoberta do Homem de Neanderthal (1856). Os geólogos também procuravam respostas às questões sobre a distribuição de terra, água e montanhas no planeta.

No campo da Física, os estudos multiplicaram-se. Galvani descobriu a corrente elétrica em 1786. Volta construiu a bateria elétrica em 1799. A eletrólise é descoberta em 1800. A conexão entre eletricidade e magnetismo é feita em 1820 e Faraday estabelece a relação entre essas forças em 1831. John Dalton (1766 a 1844) inglês, quacre, professor, reviveu a teoria atômica e fez recrudescer o interesse dos cientistas nesse campo do que resultou pleno desenvolvimento da ciência e da tecnologia nuclear no século XX. Do estudo das relações entre calor e energia, motivado pela máquina a vapor, são formuladas as leis da termodinâmica. Sadi Carnot antecipou a percepção física dessas leis nas suas “Reflexions sur la Puissance Motrice du Feu”, em 1824. Hermam von Helmhotz (1821 a 1894) formulou o princípio da conservação da energia. Este princípio foi considerado a primeira lei da termodinâmica: a energia total do universo é constante; pode ser mudada de forma, mas não pode ser criada e nem destruída. William Thompson enuncia o princípio da degradação da energia, considerado a segunda lei da termodinâmica: enquanto a energia do universo se mantém constante, a quantidade útil da energia decresce constantemente.

Clerck Maxwell (1831 a 1879) levanta a hipótese de a luz comportar-se à semelhança das ondas eletromagnéticas. Heinrich Hertz provou, em 1887, a existência de ondas elétricas de alta freqüência difusas pelo espaço com características da luz. Wilhelm von Röntgen descobriu o Raio X em 1885. Tal descoberta levou à hipótese de raios semelhantes serem produzidos pela natureza. Esta hipótese foi confirmada com a descoberta do urânio (1896). Madame Curie descobre o rádio, elemento muito mais ativo (1898). Segue-se a teoria da desintegração: vários elementos radioativos se decompõem para formar elementos mais simples ao mesmo tempo em que liberam energia elétrica. A luz, a eletricidade, os raios X e todas as formas de energia foram considerados da mesma essência. Esta conclusão conduz à revisão da teoria sobre a matéria. Hendrick Lorentz duvidara da solidez e da indivisibilidade do átomo referidas pelos gregos e por Dalton. Levantou a hipótese de o átomo ser composto por unidades elétricas menores (1892).

A Química adquire status científico. Lavoisier (1743 a 1794) imprimiu caráter científico à química e publicou o “Tratado Elementar de Química”. Esta ciência teve e continua a ter larga aplicação na produção industrial, inicialmente no campo têxtil, posteriormente em outros campos como o da agricultura, o da análise de recursos minerais, o farmacêutico, cerâmica, metalurgia, iluminação a gás. A indústria química alemã liderada pelas firmas Bayer e Hoechst produzia 90% dos corantes industriais do mundo. Descobriu-se que os elementos químicos do reino mineral estão presentes também nos reinos vegetal e animal; que a química tanto pode ser orgânica (síntese em laboratório de compostos de seres vivos) como inorgânica (respiração = combustão do oxigênio no organismo vivo). A teoria atômica de Dalton tornou possível a invenção da fórmula química e esta, por sua vez, possibilitou o estudo da estrutura química da matéria.

James Prichard (1786 a 1848) e Edward Burnett Tylor (1832 a 1917) publicam estudos antropológicos acerca da evolução física do homem, diversidade dos tipos humanos e das culturas primitivas. O francês Augusto Comte (1798 a 1857) e o inglês Herbert Spencer (1820 a 1903) publicam seus estudos sobre a origem e a evolução da sociedade. Wilhelm Wundt (1832 a 1920) estuda o psiquismo humano e enseja a autonomia científica da Psicologia. Ivan Pavlov (1849 a 1936) descobre o reflexo condicionado ao fazer experiências com animais. Sempre que os alimentava, dava-lhes um sinal, como o toque de uma campainha. Após algumas repetições, tocava a campainha sem lhes dar comida alguma. As reações fisiológicas aconteciam como se os animais recebessem de fato o alimento. O animal assume determinado comportamento ao reagir a certo estímulo. A descoberta de Pavlov conduziu ao estudo da influência da mente sobre a fisiologia do organismo humano. Alguns dos seus adeptos fundaram o behaviorismo, tipo de psicologia que reduz o comportamento humano a uma série de reações físicas, químicas e fisiológicas aos estímulos recebidos. Os behavioristas afirmam que falta conteúdo aos conceitos de mente e de consciência. Dizem que o pensamento é uma forma de o sujeito falar com ele mesmo; que emoções e idéias são reações fisiológicas a estímulos oriundos do ambiente.

Sigmund Freud (1856 a 1939), médico, nascido na Áustria no seio de família judia, inaugura a Psicanálise. Ele admite a existência da mente consciente, mas dá maior importância ao subconsciente na determinação do comportamento humano. Na opinião dele, o ser humano é essencialmente egoísta, uma criatura impelida por impulso sexual, por ânsia de poder e de preservar a si próprio. Tais impulsos são levados ao subconsciente por serem estigmatizados pela sociedade como pecaminosos. Ali permanecem como desejos recalcados. No entanto, podem emergir através dos sonhos, de enganos embaraçosos ou de lapsos de memória. Desordens mentais e nervosas resultam do conflito entre os instintos naturais e as restrições impostas por um meio pervertido (igrejas, instituições moralistas). O inconsciente não pode ser diretamente observado.

A teoria dos sonhos vem exposta em “A Interpretação dos Sonhos”, publicada em 1900. A teoria do esquecimento vem exposta em “Psicopatologia da Vida Cotidiana”, publicada em 1904. O sonhar permite liberdade e fantasia que o sujeito não se permite quando acordado. No sonho o sujeito realiza desejos e anseios reprimidos na vida cotidiana desde a infância até a idade adulta. Cumpre revelar o verdadeiro significado do sonho para fins terapêuticos. Identificar e decifrar símbolos que ocultam a verdade, o sentir e o pensar autênticos, faz parte dessa terapêutica para as desordens neuróticas geradas pela repressão. Freud relaciona o esquecimento também a um mecanismo de repressão: por vezes, o sujeito esquece por ter medo de lembrar. Necessário compreender aquilo que faz o sujeito evitar a recordação.  

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 10



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Na esfera das idéias também houve batalhas entre liberais e conservadores. A ordem foi mais exaltada do que a liberdade. O interesse coletivo prevaleceu sobre o individual. A razão perdeu terreno para a fé, para a autoridade e para a tradição. Subjacente ao pensamento dos filósofos havia sempre a concepção de deus e de alma. Para uns, o atributo dominante de deus era a vontade; para outros, a razão. Para uns, a alma era inseparável do corpo; para outros, separável. A partir dessas crenças eles construíam teorias realistas, teorias idealistas e teorias conciliatórias. Por divergirem da versão bíblica sobre a origem do universo e do homem, sobre a idéia de deus e da alma racional, sobre a vida natural e a vida espiritual, cientistas, livres pensadores, filósofos, atraíram a fúria de católicos e protestantes. Descartes e outros filósofos lançaram mão de subterfúgios para se manterem fiéis às suas religiões, porém, o ensino das suas idéias foi vedado nas escolas católicas e protestantes.

Os horrores praticados durante a revolução francesa motivaram a reação conservadora. Havia a tendência dos teóricos em acompanhar a maré política e de aderir ao romantismo inspirado por Rousseau (emoção acima da razão). O idealismo romântico na Alemanha reflete bem a reação: conhecimento intuitivo e instintivo complementa o conhecimento racional. Atribui significado espiritual ao universo. O bem do grupo deve prevalecer sobre o bem do indivíduo. Sociedade e Estado resultaram de uma evolução natural e não da criação artificial do homem para seu proveito próprio. O indivíduo não pode reclamar uma esfera inviolável de direitos acima da jurisdição da sociedade. O Estado Natural e o pacto social originário jamais existiram. A verdadeira liberdade consiste no respeito à lei e à tradição.

As ciências biológicas e médicas tiveram enorme progresso. Comprovou-se a teoria da evolução orgânica que teve como predecessores: Anaximandro, Holbach, Goethe, Buffon e Lineu. O biólogo francês Jean Lamarck (1744 a 1829) foi o primeiro a oferecer hipótese sistemática da evolução orgânica. O princípio essencial dessa evolução, segundo Lamarck, é o da herança dos caracteres adquiridos. Submetido à mudança no meio ambiente, o animal adquire novos hábitos que, por sua vez, refletem-se na sua estrutura. A mudança operada é transmitida à descendência. Depois de algumas gerações, resulta uma nova espécie animal. Charles Darwin (1809 a 1882), filho de médico de aldeia, abandonou o estudo de medicina para se dedicar à carreira eclesiástica. Dedicou-se mais ao estudo de História Natural. Percorreu o mundo como naturalista no navio Beagle fretado para expedição científica. Observou diretamente várias espécies de animais que viviam nas ilhas e nos continentes durante os cinco anos que durou a viagem. Ao regressar, leu o “Ensaio Sobre a População” livro de autoria de Malthus e se impressionou com a assertiva de que no mundo nascem mais indivíduos do que aqueles que podem sobreviver; que se verifica uma luta pela subsistência na qual perecem os mais fracos; que a população (lato sensu) cresce em escala geométrica e a produção de alimentos cresce em escala aritmética. Sobre a tal luta nos reinos animal e vegetal, Darwin menciona a dificuldade no aumento artificial de alimentos e no controle dos casamentos. Nessa luta, a vitória é do organismo mais bem adaptado ao meio que o cerca.

Decorridos vinte anos de estudos e pesquisas, Darwin publica a “Origem das Espécies” (1859). O fulcro da obra é a idéia da seleção natural. Os ancestrais de cada espécie geram um número de descendentes maior do que o número daqueles que podem sobreviver. Entre os descendentes trava-se uma luta por alimento, abrigo e outras condições necessárias à vida. Certos indivíduos levam vantagem graças ao fator variação. Não existem dois descendentes exatamente iguais. Alguns nascem fortes e outros fracos. Alguns têm chifres e garras maiores do que os outros. [No humano, chifres e garras são metáforas]. Alguns têm coloração melhor do que outros para enganar os inimigos. Os favorecidos exemplares da espécie saem vencedores na luta pela existência. Os fracos são eliminados antes de se reproduzir. [A teoria científica da sobrevivência do mais apto aplicada à sociedade justifica a competição selvagem entre os humanos, a limpeza étnica, os governos autocráticos, o domínio da nação mais forte sobre a mais fraca. Certamente, Darwin, um liberal, não concordaria com esse desvirtuamento da sua teoria]. Na obra intitulada “A Descendência do Homem”, Darwin tenta provar a existência de um ancestral simiesco da espécie humana (1871). Causou alvoroço nos meios civis e eclesiásticos. A nova teoria – melhor dizendo, a mesma teoria de Anaximandro, mas agora com novo enfoque e com riqueza de detalhes – contrariava a versão bíblica (Gênesis). Na opinião dos críticos, a teoria ofendia a dignidade do homem. [A hipótese de os macacos ficarem ofendidos não foi considerada]. O humano, ser da natureza pertencente ao gênero animal, também está sujeito ao processo evolutivo. Os caracteres herdados não são de importância fundamental na evolução. A variação e a seleção natural são mais importantes.

Theodor Schwann (1810 a 1882), biólogo alemão, mostrou que, além das plantas, os animais também se compõem de células {isto equivale ao impacto da teoria atômica em Física}. Ressalvadas as formas mais simples, todos os seres vivos crescem e amadurecem pela divisão e multiplicação dessas diminutas unidades estruturais. Verificou-se, ainda, que todas as células se compõem de uma combinação de matéria essencialmente idêntica. Hugo von Mohl (1805 a 1872) deu o nome de protoplasma a essa matéria. A Citologia (estudo das células) surgiu como nova ciência derivada desses trabalhos. Karl Ernst von Baer (1792 a 1876), cientista russo + alemão, considerado o pai da Embriologia, constatou a existência de uma lei natural que batizou de lei da recapitulação. Durante o período embrionário cada indivíduo recapitula ou reproduz os vários estágios importantes da história da espécie a que pertence.

Na área da saúde houve grande progresso. A vacina contra varíola foi descoberta (1796).  O éter passa a ser utilizado como anestésico geral, o que serviu de impulso para a busca de anestésicos que permitissem maior tempo para o cirurgião operar (1842). Empreendem-se pesquisas para aliviar a dor física. Os casos de infecção foram reduzidos por uma descoberta de Semmelweiss, médico húngaro: lavar as mãos em soluções antissépticas. O médico Joseph Lister estendeu, com êxito, a prática antisséptica a todo o campo cirúrgico (1865). Claude Bernard (1813 a 1878) funda a Fisiologia moderna e explica o funcionamento do coração e a circulação do sangue. Louis Pasteur, químico francês, ao se opor à teoria da geração espontânea, lança as bases da Bacteriologia (1865). Acreditava-se que a bactéria e outros organismos minúsculos nasciam espontaneamente da água ou da decomposição da matéria vegetal e animal. Pasteur concebeu a lei da biogênese: toda vida vem de uma vida preexistente. Qualquer forma de vida provém de seres vivos exclusivamente. Ele descobriu que as moléstias são produzidas por germes. Por ser químico, Pasteur não foi levado a sério pela comunidade médica. A corporação dos médicos considerava os germes como efeito e não como causa das doenças. Desafiado pela classe médica, Pasteur demonstrou a verdade da sua teoria ao inocular germes em parcela do gado que serviu de cobaia. Além disto, o químico estabeleceu, com sucesso, um método de tratamento da hidrofobia (1885). Robert Koch, médico da Prússia Oriental, descobriu o bacilo da tuberculose e do cólera asiático (1882). Foram isolados os germes de outras doenças (difteria, peste bubônica, tétano, moléstia do sono) e produzidos soros e antitoxinas para combatê-los. Descobriu-se que a malária e a febre amarela são propagadas por mosquitos. Progrediu-se no tratamento da sífilis.

sábado, 15 de novembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 9



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Maximilian Karl Emil Weber (Max Weber, 1864 a 1920), alemão, professor, jurista, economista, político, sociólogo, foi um dos fundadores do partido democrata. Ele representou seu país no Tratado de Versalhes. Além da nuance filosófica, as suas obras refletem o pensamento científico moderno. Entre elas destacam-se: “A Ética Protestante e o do Capitalismo” e “Economia e Sociedade”. Weber constata o franco desenvolvimento capitalista nos países protestantes e explica as razões disto. Além do fator econômico, o capitalismo compreende outros fatores culturais (religioso, ético, jurídico). Nos traços puramente religiosos encontramos o parentesco íntimo entre determinadas manifestações do antigo espírito protestante e a cultura capitalista moderna. Crenças, sentimentos, idéias, estão na base do capitalismo e constituem o seu “espírito”. Weber cita Montesquieu que assim se referia aos ingleses: “foi o povo do mundo que melhor soube se prevalecer dessas três grandes coisas: a religião, o comércio e a liberdade”.

Como exemplo do espírito capitalista moderno Weber reproduz as máximas de Benjamin Franklin que integram a cultura estadunidense: (1) tempo é dinheiro, crédito é dinheiro; (2) o dinheiro é fértil e procriador por natureza; (3) pontualidade no pagamento das dívidas; (4) trabalhar sempre e por todo o tempo do dia; (5) investir o dinheiro ganho a fim de multiplicá-lo [com o risco de perdê-lo totalmente como aconteceu no estouro da bolsa de valores de NY em 1929, fato não previsto por Franklin]. Weber também cita Pieter de la Cour: “o povo só trabalha porque é pobre e enquanto for pobre”. [O indivíduo rico trabalha para manter ou aumentar a sua riqueza]. A formação humanista dos católicos difere da formação técnica dos protestantes. Isto influiu na atividade econômica e explica o desenvolvimento pioneiro da Inglaterra e da Holanda. Sob a ótica protestante, a busca da riqueza e a dedicação ao trabalho são deveres morais. A vocação para o trabalho é um chamado de deus. O puritanismo (calvinistas, anabatistas, metodistas, batistas, menonitas, quakers) é compatível com a vida aquisitiva e metódica sob rígidas regras morais.

Na opinião de Weber, o valor ocupa lugar central nas ciências humanas e estas devem ser unificadas pela concomitância de compreensão e explicação. Isto responde pela diferença de método entre as ciências naturais e as ciências humanas. [Ao fenômeno natural basta a explicação científica. O fato cultural (humano) além de explicação exige compreensão sob o ângulo científico e filosófico]. Perfeitamente possível estabelecer a validade científica dos juízos de valor através das suas conseqüências, isto é, dos efeitos da nossa decisão valorativa. Toda ação ou omissão supõe tomada de posição do sujeito a favor de determinados valores. Na ciência social {cultural}, entretanto, devem prevalecer os juízos de fato e não os juízos de valor; estuda-se o ser e não o dever ser.  As duas categorias são tratadas isoladamente com autonomia do saber (teoria) e do fazer (prática). O processo científico conduz ao desencanto do mundo. A filosofia, a religião e o misticismo conduzem ao mundo encantado. O ponto de partida de qualquer pesquisa é de índole subjetiva, depende da escolha feita pelo pesquisador, porém, o ponto de chegada há de ser sempre objetivo.

Na teoria sociológica weberiana a ação é categoria fundamental. Ação individual com significado subjetivo. Ação social como relação entre um indivíduo e outro. Ação afetiva ditada pelo estado de consciência ou de humor da pessoa, reação emocional a determinado estímulo [diante da traquinagem do filho a mãe lhe dá uma sova]. Ação tradicional ditada pelo hábito, pelo costume, por crenças, que constituem uma segunda natureza. Ação instrumental quando o objetivo é específico, como a ação do engenheiro ao construir uma ponte. Ação racional axiológica quando supõe um valor absoluto (religioso, ético, estético) que tem primazia em face do resultado, como o capitão que se determina a afundar juntamente como o navio. [Questões de honra hodiernamente não são muito observadas, como o sujeito que se suicidava por vergonha de algum ato censurável que praticara. Hoje, administradores públicos desviam em benefício próprio milhões de dólares do erário sem remorso e sem qualquer vergonha].

A teoria sociológica busca o significado e os motivos das ações humanas; procura entender o sentido que as pessoas atribuem ao seu comportamento; tenta explicar, compreender e interpretar o significado, o sentido, a regularidade e a organização das condutas. A sociedade moderna brotou de um processo de racionalização. O fenômeno da dominação implica o correlato fenômeno da submissão. A dominação legal consiste na existência de regras de obrigatória observância, hierarquia organizada e regulamentada como no Estado moderno e na empresa capitalista. A dominação tradicional decorre do caráter sagrado dos costumes e do hábito de segui-los sem contestar. A dominação carismática resulta da autoridade pessoal de um sujeito dotado de qualidades excepcionais que legitimam o seu mando. “O mando pode expressar-se em um sistema de normas racionais estatuídas {pactuadas ou outorgadas} as quais encontram obediência tanto que normas obrigatórias quando as invoca quem pode fazê-lo em virtude dessas normas. Obedece-se às normas e não às pessoas. A obediência pode basear-se também em autoridade pessoal tendo como fundamento a tradição ou o carisma”.

Um mínimo de interesse interno ou externo de obedecer é essencial a toda relação autêntica de autoridade. A legitimidade de uma dominação repousa sobre a probabilidade de ser tratada como tal na prática e mantida em uma proporção importante. Fundamentar a legitimidade da dominação mediante a organização não é mera questão de especulação teórica ou filosófica. Essa questão dá origem a diferenças reais entre as diversas estruturas empíricas das formas de dominação. Isto se deve a um fato geral e inerente a toda forma de dominação, inclusive a toda probabilidade na vida: a justificação de si próprio. Todo grupo privilegiado procura justificar sua superioridade pelo “sangue”, pelo “mérito”, pela diferença “natural” e assim por diante. A estratificação social ocorre segundo a riqueza (classes), o prestígio (status) e o poder (partidos). O direito expressa a racionalização da vida social.

Há entrelaçamento do direito, da economia e da política na vida social. A legitimidade da ordem está no seu prestígio como obrigatória e modelo de conduta. A validade de uma ordem significa algo mais do que uma regularidade no desenvolvimento da ação social simplesmente determinada pelo costume ou por uma situação de interesses. Ao conteúdo de sentido de uma relação social chamamos de “ordem” quando a ação se orienta (por termo médio ou aproximadamente) por “máximas” que podem ser assinaladas e só podemos falar da “validade” dessa ordem quando a orientação de fato por aquelas máximas tem lugar porque em algum grau significativo (vale dizer, em um grau que pese praticamente) aparecem válidas para a ação, ou seja, como obrigatórias ou como modelos de conduta. Objetivamente, uma ordem se garante pela expectativa de determinadas conseqüências externas, ou seja, por uma situação de interesses, por expectativas de um determinado gênero. Subjetivamente, uma ordem se garante por adesão sentimental (puramente afetiva), ou pela crença em sua validade absoluta enquanto expressão de valores supremos geradores de deveres morais, estéticos ou de outra natureza (racional), ou ainda pela crença de que da sua observância depende a existência de um bem de salvação (religiosa).