Bizâncio (330 a
1453 d.C.)
A civilização bizantina, que
durou um milênio, começa a formar-se ao longo de dois séculos depois que o
imperador Constantino decidiu mudar a capital do império romano para Bizâncio
(324). Por isso mesmo, não se fala em data precisa do início desta civilização.
Precisar data inicial de uma civilização que tem matriz cultural em outra é
tarefa quase impossível. A matriz cultural de Bizâncio era Roma. Há sempre um
período de gradual mudança até a nova civilização reunir características
próprias. A nova capital denominou-se Constantinopla (330). Hoje, o seu nome é
Istambul (Turquia). A parte menor do território desse império situava-se na
Europa e a parte maior na Ásia Menor, no Oriente Próximo e na África. Justiniano
empreendeu a reconquista de partes perdidas do império romano. Todavia, enorme
faixa de norte a sul da Itália ficou em poder dos lombardos; a parte central e
norte da Espanha, com os ostrogodos; a Gália, com os francos. Bizâncio ficou
com o sul da península italiana, incluindo a Sicília, com as ilhas da Sardenha,
com a Córsega e Creta e com as cidades de Ravena, Gênova e Nápoles. Na África,
o império bizantino incluiu o Egito e Cartago; no Oriente Próximo, a Palestina,
Fenícia e Síria. Esta nova civilização adquiriu feição oriental. Predominava o
idioma grego. A cultura literária, artística e científica era acentuadamente
helenística. A cultura religiosa era cristã de traços místicos, abstratos e
pessimistas. O regime político era despótico e teocrático. A população era
formada de armênios, egípcios, eslavos, fenícios, germanos, gregos, judeus,
mongóis, persas e sírios. Os bizantinos nutriam certa animosidade em relação à
igreja de Roma, aos italianos, aos normandos e aos germanos.
Durante o governo de Heráclio,
que assumiu o título de basileu
(principal ocupante do palácio real), Bizâncio recuperou todas as províncias
que a Pérsia havia conquistado (610
a 641). Os califas empreenderam sucessivos ataques a
Bizâncio. A guerra com a Pérsia enfraquecera os contendores. Disto se
aproveitaram os árabes para lhes conquistar territórios (1071). Para libertar o
imperador Diógenes das mãos dos turcos, Bizâncio teve de pagar vultosa quantia.
Para se defender dos ataques dos muçulmanos, Bizâncio pede ajuda aos povos cristãos
do ocidente. Estes organizam cruzadas sob a inicial orientação do papa Urbano
II. A primeira cruzada invadiu Nicéia e não devolveu as terras conquistadas
como prometera. A segunda saqueou a região balcânica. A terceira liderada por
Frederico Barbarubra (roxa?) da Alemanha, Ricardo Coração de Leão da Inglaterra
e Felipe II da França, além de não livrar Constantinopla, ocasionou a deposição
do imperador Andrônico. A quarta cruzada, patrocinada por Enrico Dândolo, Doge
de Veneza, “libertou” Constantinopla, porém a saqueou tal qual faziam os
bárbaros e instaurou a monarquia latina (1204 a 1260). Apesar dos infortúnios provocados
por seus “salvadores” ocidentais, a civilização bizantina recupera poder,
influência e prosperidade até a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos
quando, então, chega ao fim (1453).
A longa duração da civilização
bizantina deve-se a alguns fatores tais como: (1) governo forte, centralizado e
penetrado pela religião; (2) disposição popular favorável ao regime; (3)
conservadorismo e timidez – expressões da lei social de inércia – quanto a
realizações novas e aventureiras; (4) localização geográfica de Constantinopla
que desestimulava invasões {cercada de água por quase todos os lados e de altas
muralhas com fossos profundos, o que não impediu duas quedas: a primeira nas
mãos dos cruzados; a segunda nas mãos dos turcos}; (5) indústria e comércio
estáveis; (6) colossal tesouro do estado a garantir a defesa e o
desenvolvimento. O poder do imperador era soberano e absoluto; a sua força
temporal e a sua dignidade espiritual se equivaliam e estribavam-se na
convicção de que: (1) o imperador era o vigário de deus, ungido com a
autoridade dos apóstolos, legítimo sucessor da púrpura romana e monarca do
mundo; (2) o império era o único e legítimo herdeiro da civilização cristã
grega e romana, santificado instrumento de deus; (3) a fé religiosa legitimava
o patriotismo cívico e este amparava a religião. As reformas implantadas por
Diocleciano e Constantino orientavam a administração pública centralizada sem
prejuízo das administrações regionais (prefeituras, dioceses e províncias). O
imperador era auxiliado por vasta, racional e competente burocracia.
Funcionários especializados espiavam a vida dos habitantes do império. Os
súditos se prostravam diante do imperador e se declaravam seus escravos. A
delação era incentivada. Além de explorar diretamente a indústria, o estado
exercia o controle virtual das atividades sociais e econômicas; fixava o
salário dos trabalhadores e o preço das mercadorias; mantinha o sistema
corporativo, o que reduzia o direito do indivíduo de escolher profissão fora da
corporação; determinava ao produtor a quantidade e a qualidade da matéria-prima
de que podia dispor e as condições da venda do seu produto. Havia latifúndios e
poucos lavradores independentes. Na terra trabalhavam também arrendatários e
servos. O camponês que vivesse por mais de 30 anos na mesma terra, dela ficava
proibido de sair, consoante decreto do imperador Anastácio (401 a 500). Ante a falta de
apreciável rentabilidade da lavoura de um lado e a valorização do ascetismo de
outro, muitos lavradores buscaram refúgio nos mosteiros e a estes doavam suas
terras. Em conseqüência, os mosteiros tornaram-se ricos proprietários e
empregavam servos para o trabalho agrícola. Notória se tornou a cruel
exploração dos servos pelos monges. Esta dura realidade levou o imperador Leão
III a baixar legislação protetora dos pequenos agricultores e a codificar as
leis (Código Agrário + Écloga). Bispos e abades fizeram forte oposição à
tentativa do imperador de abolir a servidão (701 a 800).
Fenômeno social interessante
ocorreu em Bizâncio: o povo discutia religião como hoje se discute futebol no
Brasil. Discussões teológicas que hoje consideramos estéreis eram relevantes
para os bizantinos. {Aliás, discussões teológicas absurdas, insignificantes ou
estéreis não faltam no mundo ocidental desde a idade média até a idade
contemporânea}. Os bizantinos travavam intermináveis debates sobre questões
insípidas. O exemplo mais citado é o da discussão em torno do sexo dos anjos;
se eram ou não assexuados; se eram todos do sexo masculino ou de ambos os
sexos. A discussão partia do pressuposto da existência de anjos. Esta
existência era vista pelos crentes como axiomática. A substância e a forma dos
anjos, entretanto, eram problemáticas. A quem não acredita em anjo e menos
ainda em mundo espiritual, toda essa discussão afigura-se baboseira. Gregório
de Nisa, bispo da igreja bizantina, faz o seguinte comentário: “Todos os
lugares estão cheios de pessoas que dizem coisas ininteligíveis: as ruas, os
mercados, as praças e as encruzilhadas. Pergunto quantos óbulos tenho de dar;
em resposta, filosofam sobre os nascidos
e os não nascidos. Quis saber o preço do pão e alguém me responde: o Pai é maior que o Filho. Pergunto se
meu banho está pronto e alguém responde: o
Filho foi feito do nada”.
A partir da oficialização do
cristianismo, a igreja assume os assuntos sobre deus e religião com soberana
autoridade. Os assuntos temporais ficam a cargo do imperador. A filosofia fica
sob os cuidados da igreja e se destina a justificar a supremacia do
cristianismo. Ário, sacerdote de Alexandria, afirmava que o pai celestial prevalecia sobre o filho e ambos eram pessoas distintas. A
doutrina oposta afirmava a unidade do pai e do filho. O Concílio de Nicéia
votou pela ortodoxia: pai e filho situam-se no mesmo nível, idênticos em
substância, porém diferentes como pessoas (325). Os movimentos monofisista e
iconoclasta também se incluem entre as lutas doutrinárias desse período. O
primeiro afirmava que a natureza de Cristo era exclusivamente divina; fincava
alicerces no platonismo: desprezo pelo aspecto material da vida. Nestor,
patriarca de Constantinopla, afirmava que havia duas pessoas: o Cristo homem e
o Cristo filho de deus. A igreja de Roma defendia a dupla natureza do Cristo:
física e espiritual. Confirmou este entendimento no Concílio de Calcedônia ao
rejeitar o monofisismo (451). Na época de Justiniano, a tensão entre os dois
pólos chegou ao ápice (527 a
565). Esse imperador vacilou entre as duas posições. Pretendia
concomitantemente: (I) a unificação dos súditos sob uma só fé a que todos se
curvassem; (II) o apoio da igreja de Roma. A esposa de Justiniano, Teodora,
atriz famosa, pertencia à seita monofisista e isto contribuiu para que o
imperador se decidisse por esta crença. No século seguinte, a seita monofisista
separou-se da igreja bizantina e sobreviveu no Egito, na Síria e na Armênia,
como ramo do cristianismo.