segunda-feira, 30 de abril de 2018

SUSPEIÇÃO & INCOMPETÊNCIA

A suspeição afasta a confiança e interfere na higidez do processo. Daí, a regra geral contida no ordenamento jurídico: todo processo judicial dirigido por juiz suspeito é nulo de pleno direito. Considera-se suspeita: [1] prova obtida por meios ilegais ou produzida por pessoas carentes de credibilidade [2] ação, omissão, palavra, de pessoa desonesta ou interessada em beneficiar a si própria ou a terceiro [3] decisão emanada de árbitro ou de juiz quando os seus interesses estão em jogo ou as circunstâncias comprometem a imparcialidade.
Os inquéritos e processos instaurados contra Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da república, estiveram e permanecem sob o comando do juiz curitibano, apesar da evidente e escandalosa suspeição desse magistrado decorrente do seu inequívoco envolvimento pessoal anterior e posterior ao oferecimento da denúncia.
Destacam-se no suspeito comportamento desse juiz: (i) o seu patético apelo ao povo para que o apoiasse na santa cruzada contra a corrupção (ii) a sua pressão sobre as diversas instâncias da justiça federal (tribunal regional, superior tribunal de justiça, supremo tribunal) para que não modifiquem as decisões lançadas por ele nos inquéritos e processos (iii) a sua autopromoção como paladino da moral e herói da batalha do bem contra o mal, servindo-se dos meios de comunicação social e de palestras no Brasil e nos EUA (iv) intimidade com político corrupto e cruento adversário do réu. 
A conduta desse juiz, além de contrariar a norma processual, caracterizando a suspeição, também se mostra incompatível com a austeridade, a imparcialidade e o decoro exigidos pela toga, pelo código de ética da magistratura (Resolução do CNJ) e pela LC 35/1979 (LOMAN). A conduta dos magistrados na vida pública e particular deve ser irrepreensível, sendo-lhes vedado, inclusive, manifestar opinião por qualquer meio de comunicação sobre processo pendente de julgamento ou expender juízo depreciativo sobre despachos, sentenças ou votos de órgãos judiciais (LOMAN 35/36). Apesar dos seus desatinos, o citado juiz, impune, ainda tem a petulância de criticar e desafiar decisões dos ministros dos tribunais superiores que não rezam por seu catecismo. 
O juiz em tela não é apenas suspeito, mas também incompetente. Para validade do processo penal, a lei exige que o juiz seja competente, isto é, esteja legal e legitimamente investido no poder de instruir e julgar certos casos conforme: (i) o lugar em que o fato ocorreu (ii) o domicílio do réu ou a sua função no estado (iii) a regra judiciária de distribuição dos processos aos diferentes órgãos situados no mesmo nível de jurisdição (juízos, câmaras, turmas). Desobedecida a regra da competência, o processo será nulo de pleno direito.
Nos claros e precisos termos do código de processo penal, a competência jurisdicional é determinada pelo lugar da infração. Desconhecido o lugar, determina-se a competência pelo domicílio do réu (CPP 69/72). A ação penal proposta pelo ministério público federal (MP) contra Luiz Inácio, no caso do tríplex de Guarujá/SP, teve seus trâmites pela justiça federal do Paraná. No entanto, o foro competente é o da justiça federal de São Paulo. O fato narrado pelo acusador (MP) ocorreu em São Paulo. O acusado é domiciliado em São Paulo. O ato de ofício que tipificaria o crime de corrupção não existiu. O negócio qualificado de ilícito pelo acusador é estranho à contabilidade da Petrobras (além de não estar provado). Ausentes a conexão, a continência e a prevenção, nada justifica o trâmite da ação penal na vara federal de Curitiba. Portanto, o processo da referida ação penal é nulo de pleno direito.
Declarada a nulidade pelo tribunal superior (STJ ou STF), os autos do processo serão remetidos à justiça federal de São Paulo. Em lá chegando, o MP poderá renovar a denúncia, solicitar novas diligências ou pedir o arquivamento do inquérito. Por sua vez, o juiz federal de São Paulo receberá ou não a denúncia, atenderá ou não os pedidos do MP. Se o juiz receber a denúncia, mandará citar o réu e possivelmente imprimirá ritmo veloz aos trâmites legais para, no final, condenar o réu a 10 ou 20 anos de prisão, embora não havendo prova idônea. Da sentença condenatória, o réu apelará ao tribunal regional federal de São Paulo que provavelmente a confirmará.  
A justiça federal (polícia + ministério público + magistratura) em todos os graus de jurisdição, quer no processo comum, quer no processo eleitoral, parece estar aparelhada e determinada a cumprir a vergonhosa missão de liquidar a vida política (e talvez até a vida física) de Luiz Inácio. Contudo, espera-se que, pelo bem da nação e ao menos formalmente, os perseguidores e os juízes venais respeitem as garantias do juiz natural, da autoridade competente e do devido processo legal (CR 5º, XXXII, LIII, LIV).
Ao anular o processo, colocar o réu em liberdade e determinar às instâncias ordinárias que respeitem as garantias constitucionais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou o Supremo Tribunal Federal (STF) estarão restabelecendo a hierarquia judiciária, revigorando a ordem jurídica e contribuindo para a restauração do estado democrático de direito no Brasil.  

quarta-feira, 25 de abril de 2018

LIBERDADE & PRISÃO

A prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da república brasileira, revigorou o sentimento e a ideia de liberdade e provocou a solidariedade de pessoas representativas e de organizações civis da América Latina e da Europa.
Os adversários tentam impedir as manifestações de apoio ao preso. Notícias veiculadas na rede de computadores informam que: (I) representantes da central de sindicalistas e congêneres da Inglaterra dirigiram-se à embaixada brasileira, em Londres, a fim de entregar carta pleiteando a liberdade do líder político, mas as portas não lhes foram abertas; (II) a juíza da 12ª Vara Federal de Curitiba, Carolina Moro Lesbos, afinada com o diapasão do seu xará da 13ª Vara Federal, Sérgio Moro, mostra-se rígida na sua função administrativa, impede o preso de ser visitado por pessoas amigas e companheiras de jornadas sociais e políticas, inclusive oriundas de outros países.
Das informações, desde que verídicas, lícito deduzir que o chefe do Ministério das Relações Exteriores, tucano delinquente, instruiu as embaixadas brasileiras para não receberem pessoas e documentos com esse tipo de apoio. No que tange à Carolina do judiciário, faltam-lhe os olhos tristes e a doçura da Carolina dos versos de Chico Buarque. A mãe da juíza, quiçá telespectadora dos festivais da TV Record, anos 60, deu-lhe esse nome possivelmente seduzida pela comovente beleza da canção (e talvez também pelos olhos verdes do bem-nascido e bonito jovem compositor). 
A citada juíza e os seus semelhantes no ministério público e na magistratura entoam o mantra “a lei é igual para todos”. O prisioneiro Luiz Inácio será tratado como os demais prisioneiros, sem distinção e sem privilégios. Ele não é preso político e sim preso comum condenado no devido processo legal como criminoso comum, lavador de dinheiro e corrupto passivo. Ainda que provisoriamente, posto não ter ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória, Luiz Inácio fica sob regime carcerário nos termos da lei das execuções penais. Da decisão da juíza extrai-se o pensamento: “o presídio não é casa de mãe Joana; nada de visitas fora dos dias e horários estabelecidos pela administração; os visitantes, ilustres ou não, devem se sujeitar às regras de funcionamento do órgão público; se alguém tiver pressa, que cancele outros compromissos ou, então, regresse sem visitar o preso. Dura lex sed lex”.
Falácia da igualdade. Aquele mantra (“a lei é igual para todos”) é malicioso. Há leis que não se destinam a todos. Há lei votada para atender os interesses de uma única pessoa, como foi o célebre caso de Assis Chateaubriand. Há leis destinadas a proteger interesses de certos grupos (como, por exemplo, o grupo dos proprietários das emissoras de televisão) contra os interesses do povo. No Brasil, a lei é aplicada segundo a cara do autor ou do réu, o humor e as inclinações do magistrado, o espírito de corporação, o tráfico de influência, a pressão da média (mídia?), desde a primeira até a última instância. 
“Todos são iguais perante a lei” é o correto enunciado produzido pela civilização ocidental. Os servos da letra confundem o conceito jurídico formal da igualdade com o ato material e topográfico do nivelamento por baixo. Do ponto de vista material, o povo sabe distinguir: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. Na mesma árvore, uma folha não é igual a outra; semelhante, mas não idêntica. No mundo da natureza, a igualdade está no processo cósmico da energia fundamental que gera, multiplica e diversifica a matéria. A igualdade está no processo e a desigualdade nos seres. No plano existencial, a diversidade é a regra. Como dizem os franceses: viva a diferença!
O reconhecimento da dignidade da pessoa natural levou os mais refinados pensadores, movidos pelo senso de justiça, a idealizarem a igualdade. Aristóteles, filósofo grego, dizia que a igualdade (justiça) consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Essa definição, que realisticamente supõe a coexistência da igualdade e da desigualdade, foi adotada por Ruy Barbosa, genial jurista brasileiro da primeira metade do século XX. No seio da sociedade, os iguais são aqueles que se encontram na mesma classe, ou no mesmo padrão econômico, ou no mesmo estamento político, ou aqueles que exercem as mesmas funções, titulares dos mesmos direitos e deveres.
Ao contrário do que pensa a Carolina de olhos vazios, sem “tanta dor”, o prisioneiro Luiz Inácio Lula da Silva não é igual aos prisioneiros comuns. Mereceu cela especial. Não se trata daquela solitária, cubículo em que os presos indisciplinados são jogados como castigo e lá amargam condições sub-humanas. Luiz Inácio declarou estar satisfeito com as instalações e que não gostaria de ser removido. A pena a que ele foi condenado ainda não foi revista pelas instâncias superiores. Dos recursos interpostos nos graus especial e final de jurisdição podem resultar: a redução da pena, ou a anulação do processo, ou até a absolvição. Por enquanto, Luiz Inácio não deve ser internado como presidiário.
Outra diferença em relação aos presos comuns: Luiz Inácio não cometeu o crime de que foi acusado. O estado nada provou. Ademais, o processo é nulo. A sentença foi prolatada por juízo incompetente.  A ação definida como delituosa ocorreu em São Paulo; o réu é domiciliado em São Paulo; a transação mencionada pelo acusador, sem laço com a Petrobras, não aconteceu no Paraná. Luiz Inácio está condenado e preso por ser político militante, por ter o apoio da massa popular e ser forte candidato à presidência da república. Pessoas físicas e jurídicas, nacionais e estrangeiras, que integram tanto a direita moderada quanto a extrema direita, desejam expulsá-lo da política partidária. Em razão da fraude processual de que foi vítima, Luiz Inácio é considerado, pela opinião pública, preso político e não preso comum.    
Diferente dos demais prisioneiros, Luiz Inácio é o maior estadista do período republicano da história do Brasil, ao lado de Getúlio Vargas. O conceito de homem bom, de líder inconteste, vai além das fronteiras e atrai a admiração de líderes de países americanos, europeus, africanos, asiáticos, bem como, de personalidades representativas do mundo artístico, intelectual, científico e religioso. Do mundo universitário nacional e estrangeiro, ele recebeu inúmeros títulos de “Doutor Honoris Causa” quando nem era mais presidente do Brasil. Agora mesmo, há um movimento para que lhe seja outorgado o Premio Nobel da Paz.     
Falta amparo legal e moral aos óbices criados pela juíza da execução penal às visitas ao prisioneiro. A competência legal do juiz da execução para zelar pelo cumprimento da pena deve ser exercida dentro dos limites éticos e jurídicos. O direito não acolhe o abuso. A lei das execuções penais, que também se aplica à prisão provisória, tem duplo objetivo: (1) dar efetividade à sentença condenatória (2) proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado.
Dar efetividade não significa retirar direitos do condenado. Entre esses direitos está o de não ser discriminado por motivo de natureza racial, social, religiosa, ou política. A juíza da execução faz essa discriminação quando impede as visitas ou seleciona quem pode e quem não pode visitar o preso. Ela cassou direitos do preso. Ao selecionar ou negar visitas ao preso, a juíza também se coloca frontalmente contra o segundo objetivo da lei. A harmônica integração social do condenado não se faz impedindo-o de se relacionar socialmente com seus parentes, amigos e correligionários.
A lei impõe ao estado o dever de recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena. As proibições da juíza colidem com esse dever do estado.  Considerando que Luiz Inácio é homem de bons antecedentes, sem periculosidade, autoridade moral acima do comportamento dos seus perseguidores, pigmeus morais, o castigo que lhe está sendo imposto pela juíza não se justifica.
Os assuntos administrativos do órgão público devem respeitar os direitos fundamentais do preso. A desculpa da juíza de que está agindo de modo estritamente técnico não convence. Tal desculpa constitui implícita confissão da arbitrariedade e da parcialidade. Em nome da técnica, viola normas constitucionais e legais. Esse modo “estritamente técnico” de decidir significa: (i) fazer tabula rasa da política do direito, dos princípios gerais do direito, das normas gerais que regem cada instituto jurídico (ii) desprezar o espírito da lei (iii) agarrar-se à letra e ajustá-la ao propósito do aplicador (iv) considerar filigrana qualquer preocupação com a ética.
O direito, como arte do bom (moral) e do equitativo (justo), tem a sua técnica. Todavia, as tecnicalidades não devem esvaziar a norma jurídica da sua substância e do valor que a informa. Evitar a eficácia da norma jurídica e servir a objetivos espúrios são modos indecentes de aplicar as regras técnicas.  

Lei 7210/1984, art. 1º/4º; 66, VI.
Leis 10.792/2003 + 12.654/2012 + 12.714/2012 (art.4º, I e II).

quinta-feira, 19 de abril de 2018

O CEGO VISIONÁRIO

- Fico triste quando estou contigo.
- Não diga isto. Aborrece-me. Por que a minha companhia te entristece?
- Porque você não consegue ver o mundo.
- O cego sou eu e não você. Como estou conformado e não triste com minha cegueira, parece-me pouco razoável você se entristecer.
- Desculpe. Longe de mim te melindrar. Eu bem sei que a trava ocular distingue-se da trava mental e da falta de lucidez racional. É que, por ser teu amigo e prezar a tua amizade, eu gostaria que você enxergasse as estrelas, o azul do céu e do mar, o voo dos pássaros, o verde das florestas e das matas, o colorido das flores, o relevo das montanhas, planícies, vales, rios, as casas, ruas, praças, os edifícios de alturas incríveis, as esculturas, as pinturas, os filmes, enfim, os cenários da natureza e da cultura.
- Eu é que apresento as minhas escusas se te passei a impressão de que me ofendera. Apenas fiquei surpreso com a tua confissão. Nada mais. No que tange a esse mundo de imagens que você acaba de mencionar, talvez não me fizesse mais feliz do que já sou. Eu teria de abandonar o mundo que conheço desde a infância e troca-lo por um mundo desconhecido no qual veria coisas desagradáveis. Eu detestaria ver: o morticínio e os danos causados por bombas que uma nação atira sobre outra, o patrimônio público deteriorado, obras públicas inacabadas por incúria das autoridades, o desperdício e o desvio das verbas públicas, a blindagem e a impunidade dos delinquentes intocáveis, a perseguição desumana empreendida pelos poderosos contra os mais fracos ou contra os que ousam opor-lhes resistência, pessoas brutalmente assassinadas por pensar diferente e manifestar o seu pensamento, machucadas pela truculência policial, amontoadas em presídios como coisas sem valor, os inocentes aprisionados e condenados por juízes venais, a crueldade da fogueira, da asfixia, do enforcamento, do esquartejamento, as crianças mortas por falta de comida, de abrigo ou por negligência dos cuidadores, cadáveres abandonados nas ruas e valas, o desespero de famílias cujos provedores perderam a fonte de renda, filhos que matam os pais, companheiros que se matam, a poluição e a destruição das coisas da natureza  e da sociedade. 
- Ora, isto eu também não gosto de ver, mas são ocorrências do mundo que afetam tanto os saudáveis como os deficientes. A realidade do nosso mundo é bipolar: vida e morte, saúde e doença, prazer e dor, luz e trevas, ciência e ignorância, verdade e falsidade, sinceridade e hipocrisia, bondade e maldade, amor e ódio, beleza e feiura, alegria e tristeza, justiça e injustiça. A dualidade está na base da natureza humana: angelical e demoníaca. Portanto, você veria também os aspectos positivos do mundo e não apenas os negativos. Você veria obras artísticas de grande beleza, instituições dedicadas ao bem, a fazer justiça, a prestar assistência aos necessitados, a ensinar e afastar as trevas da ignorância, a curar os doentes do corpo e da alma, a proteger a fauna, a flora, os mananciais, pessoas de bom caráter, justas, afáveis, solidárias, fraternas, dedicadas à cultura física, intelectual e espiritual, famílias harmônicas, nações que buscam o convívio pacífico, se ajudam e se respeitam.    
- Diga-me: quando reza, você fecha os olhos?
- Sim, para me harmonizar com a divindade.
- Quando medita, você fecha os olhos?
- Sim, para me concentrar e ampliar a minha consciência.
- Quando se relaciona sexualmente com a tua companheira, você fecha os olhos?
- Em determinado momento, sim, para desfrutar mais o prazer.
- À noite, em teu quarto, antes de iniciar o teu relacionamento com a companheira, você apaga a luz?
- Às vezes eu, às vezes ela.
- Por que vocês ficam no escuro? Não seria melhor ficar no claro, tocando-se, um vendo o corpo do outro, olhos nos olhos, num gozo mútuo?
- Não. A intimidade é mais aconchegante no quarto às escuras. Eu e ela nos sentimos livres como se estivéssemos, em segredo, a compartilhar um bem precioso na paixão que nos envolve.
- Creio que você está me falando do verniz. Existe algo mais profundo nesses cuidados. Eu acho que vocês ficam no escuro para não ver o pecado que estão cometendo. Ambos querem se livrar da culpa.
- Meu deus! Que viagem! Engano teu, redondo e quadrado. O que há de profundo nessa relação é o amor. Desfrutamos da liberdade de pratica-lo de modo variado de acordo com os nossos desejos e a nossa vontade.     
- Que seja! Contudo, o subconsciente armazena o gene da religiosidade transmitido de geração a geração. A herança cristã recebida dos teus ancestrais inclui o germe da culpa. O pecado original de Adão e Eva pesa sobre cristãos como você e a tua companheira.
- Para teu governo: eu não estou nem ai com esse pecado e essa culpa originais. Eu e minha companheira estamos muito na nossa usufruindo os prazeres da vida.
- Objetivamente, acredito. Vocês dois se incluem nas exceções, porquanto na maioria dos humanos, o sentimento religioso e a tradição religiosa são muito fortes. A Bíblia, livro sagrado dos judeus e cristãos, diz que o primeiro casal humano vivia num jardim plantado por deus na estepe denominada Éden localizada na região mediterrânea da Ásia morena, com toda sorte de árvores de aspecto agradável e de frutos bons para comer. Esse jardim era o paraíso com todo o seu esplendor. Isto indica que o casal ainda não defecava. Destacavam-se duas árvores: a da vida, no meio do jardim, e a da ciência do bem e do mal, nas adjacências. Deus proibiu o homem de comer o fruto desta segunda árvore. Adão e Eva desobedeceram a ordem do deus criador e comeram o fruto proibido.
- Apreendo conotação sexual nesse episódio narrado por você. O meio do jardim corresponde simbolicamente à parte anatômica dos órgãos reprodutores externos do corpo humano. A relação carnal entre o homem e a mulher gera prazer paradisíaco. Talvez, nessa versão bíblica, esteja a origem da expressão vulgar: “fulano comeu fulana”.  
- Não só você pensa assim, como também quase todos os judeus e cristãos. Adão e Eva se relacionaram sexualmente. Irritado com isto, o deus criador puniu os desobedientes: a mulher, com a gravidez dolorosa e submissão ao marido; o homem, com trabalhos penosos. A humanidade conviverá até o fim dos tempos com essas duas maldições divinas: gravidez e trabalho. No citado episódio também há conotação moral, pois refere-se ao bem e ao mal, portanto, ideias morais. O bem praticado pelos humanos desperta a graça divina. O mal praticado pelos humanos desperta a ira divina. Daí, o preceito deontológico fundamental: todos têm o dever de obedecer a lei divina; quem desobedecer será punido.        
- De onde você tirou tudo isto?
- Da minha cabeça é que não foi. Já disse: da Bíblia. Está lá com todas as letras nos três capítulos iniciais do Gênesis, primeiro livro do Antigo Testamento, que tratam da criação do mundo, do paraíso e da culpa original. Em termos racionais, a árvore da vida é objeto de estudo da Filosofia Natural e das ciências físicas. A árvore da ciência do bem e do mal é objeto de estudo da Filosofia Moral e das ciências morais.    
- Caro amigo. Eu e a minha companheira sequer temos Bíblia em casa. Nunca a lemos. Eu nem sabia que essa escritura religiosa era composta de uma porrada de livros, cerca de 70, a maior parte deles judaica e a menor parte cristã. Conotação moral resulta do juízo humano e não do juízo divino. Os líderes religiosos inventam mandamentos que qualificam de divinos para obter a obediência do povo. Os líderes políticos aproveitam-se da ética religiosa para obter do povo obediência às leis por eles estabelecidas. Na verdade, as únicas leis divinas existentes são as da natureza, muitas das quais a inteligência humana já descobriu. 
- Você também é caro, amigo. O almoço completo, com vinho, sobremesa e cafezinho, custou uma nota! Saindo da digressão e retornando à estrada principal, lembro da pouca influência do intelecto no campo da fé. Trata-se da crença arraigada na família judia e cristã. Assim como Adão e Eva cobriram as partes pudendas com folhas de figueira e se esconderam “da face do Senhor” entre as árvores do jardim, os crentes também se escondem no quarto escuro para que o “Senhor” não os veja copulando.   
- Discordo. Trata-se de privacidade, recato, pudor, que distinguem os humanos dos animais irracionais.
- Respeito a tua discordância. Penso, entretanto, que tais conduta e sentimentos têm origem ancestral na crença básica de uma cultura religiosa da qual, por vezes, não estamos objetivamente conscientes. No seio de tribos indígenas, cuja cultura difere da judia e da cristã, vige com naturalidade o coletivismo também nas relações sexuais.  Nem por isto os indígenas devem ser classificados entre os animais irracionais. Há cristãos que apreciam copular em grupo, com ou sem troca de casais. Outros praticam às claras nos bordéis, nas sacristias ou nos gabinetes, com ou sem charutos. Mas, o que eu queria consignar com as minhas observações, era o fato de as pessoas cerrarem os olhos e ficarem cegas para o mundo exterior em momentos importantes da vida.
- Vamos lá! A realidade do mundo não é apenas aquela que os olhos enxergam. Fechamos os olhos para sentir melhor o sabor de uma iguaria, o perfume de uma flor ou de alguém. Ao atingir o orgasmo fechamos os olhos e nos deliciamos. Fechamos os olhos também à miséria alheia, à violência quando dela não somos vítimas, aos desvios dos nossos parentes e amigos. Algumas vezes, deixamos de enxergar o que está diante do nosso nariz, ou o que está encoberto pelas aparências. Sob o manto da existência, passa despercebida a essência.    
- Concordo. Quanto a mim, não preciso fechar os olhos porque já os tenho fechados de nascença. Aprendi os cuidadosos procedimentos para andar pela casa e pelas ruas, satisfazer as minhas necessidades, executar tarefas, exercer profissão, ser útil à sociedade.
- Creio que isto seria bem melhor se você enxergasse e dependesse menos da bengala, do cão, da escrita especial e da atenção de outras pessoas. 
- Quem sabe? Mesmo enxergando, eu dependeria dos meios de transporte, da atenção dos pais, dos professores, dos médicos, dos prestadores de serviços, de coisas fabricadas por outras pessoas, do mercado, e assim por diante. No entanto, há coisas por mim percebidas que você possivelmente não percebe com os teus olhos. 
- O quê, por exemplo?
- As vibrações que emanam das pessoas, dos animais e das coisas. Pela tom da fala ou pelo abraço, eu percebo quando a pessoa está mentindo, não está sendo sincera ou está comovida. Sinto a calma ou a ansiedade de quem fala no ambiente. Pela proximidade, pelo silêncio e pelo tremor, percebo quando o cão está doente. Pelo som, percebo quando estou próximo ou longe da geladeira ou de algum motor. Neste mundo sem imagens em que vivo sinto odores e perfumes, o gosto de bebidas e comidas, o frio, calor, dor, prazer, alegria, tristeza, afeição, raiva, indiferença. Ouço música que provoca emoções na minha alma.  
- Certo. Mas você carece da satisfação de ver a beleza de um templo religioso.
- Ver, eu não vejo, mas sinto o clima de religiosidade em seu interior talvez de modo mais agudo do que o portador de suficiência visual. Quando as pessoas mergulham dentro de si mesmas, elas não precisam dos olhos. O êxtase místico geralmente ocorre quando a pessoa está de olhos fechados. Provavelmente, eu e você acessamos o mesmo mundo espiritual. Eventual diferença estará na frequência vibratória do contato. Cada qual tem a sua própria e indescritível experiência extática.      
- O que eu posso dizer por experiência própria é que na densa escuridão de um quarto fechado, desde que acostumados, os olhos enxergam o que lhes impede a luz do dia.
- Não entendi. Falta-me a possibilidade física de tal experiência. 
- Pois é. E eu não sei explicar.


sábado, 14 de abril de 2018

REBELIÃO NO TRIBUNAL

Dos recentes debates e votações nas sessões plenárias do Supremo Tribunal Federal (STF), percebe-se a rebelião dos ministros mais novos contra consolidadas posições jurídicas dos ministros mais antigos. A normal casuística (“cada caso é um caso”) e as diferenças singulares próprias dos órgãos colegiados na compreensão dos fatos e na interpretação das regras, foram insuficientes para mascarar a rebeldia.   
O grupo mais novo é maioria: Alexandre, Luiz Edson, Luís Roberto, Rosa Maria, Luíz e Carmen Lúcia. Esse grupo pretende mudar a Constituição da República mediante interpretação judicial. À semelhança da suprema corte dos EUA, cogita filtrar os casos que merecem apreciação pelo tribunal, inclusive habeas corpus, o que aliviaria a carga de trabalho e permitiria maior celeridade na solução dos temas mais importantes. Embora sem competência para tanto, esse grupo tem exercido o poder constituinte, cujo titular é o povo, e o poder de reforma constitucional, cujo titular é o Congresso Nacional. Na judicatura dessa facção prevalecem os aspectos políticos, inclusive partidários. Os seus componentes são [i] receptivos às opiniões publicadas em jornais, revistas, programas de televisão [ii] sensíveis aos lobbies de corporações nacionais e estrangeiras [iii] seletivos no que tange às opiniões e pressões oriundas de outras fontes (ministérios, universidades, associações civis, redes sociais).
O grupo mais antigo é minoria: José Celso, Marco Aurélio, Gilmar, Enrique Ricardo e José Antonio. Esse grupo é a favor da pureza dos princípios e regras da Constituição da República. Pretende manter as atuais atribuições do tribunal, sem ênfase no fator político partidário. No que tange à reforma constitucional, o grupo reserva tal incumbência ao Congresso Nacional. Na judicatura, conforma-se à letra e ao espírito das normas constitucionais e resiste com maior vigor à influência dos meios de comunicação social e às pressões internas e externas.
O STF tem como dever institucional guardar a Constituição. Os ministros do grupo mais novo, ao invés de cumprirem esse dever, estupraram a jovem sob a sua guarda. O pai da jovem quer reparação, mas não sabe a quem recorrer. Perdeu a confiança nos parlamentares, nos governantes, na justiça estatal e na autoridade religiosa. Como Diógenes, com lanterna acesa sob a luz do dia, procura pessoa honesta e confiável.    
Certa vez, nos anos 70, José Carlos, meu colega de toga na magistratura do Estado da Guanabara, contou-me proverbial anedota. “Um chinês andava pela calçada quando outro chinês, do alto de uma construção, cuspiu-lhe na cabeça.  O pedestre olhou para o ofensor que estava acima e perguntou: que bem eu te fiz?”.
Ao receber benefício de alguém (ajuda financeira, alimentos, roupas, bens móveis e imóveis, cargo público ou emprego privado, apoio moral, intelectual e espiritual) o sujeito beneficiado sente-se às vezes mais devedor do que grato, mais ferido no seu orgulho do que conformado com a sua sorte. No recôndito da sua alma, aninha-se o ovo da serpente. Na ocasião propícia, o sentimento perverso romperá a casca.     
Nomeada ministra do STF por Luiz Inácio Lula da Silva, então Presidente da República, Carmen Lúcia, no exercício do Voto de Minerva, votou contra o seu benfeitor. Negou-lhe a ordem de habeas corpus. Abriu ao réu as portas de entrada no presídio. Sabe-se que tanto no processo administrativo disciplinar quanto no processo judicial criminal, o Voto de Minerva favorece o acusado. Talvez para mostrar independência, Carmen Lúcia violou a tradição e a ética. Agarrou-se ao róseo e falacioso argumento de fidelidade às suas decisões em outros casos. O detentor do Voto de Minerva guarda para si a sua convicção e dá prioridade ao seu dever institucional. Bom caráter e civilidade são essenciais. Provavelmente, opção partidária, pressão da TV e dos juízes federais, pesaram no malfadado voto da presidente do STF.  
Nas recentes sessões, os ministros trataram do habeas corpus (HC), dissertaram sobre a história desse instituto jurídico, mencionaram a doutrina brasileira elaborada pelo STF à qual os ministros do grupo mais antigo se mantêm fiéis. A ciência habita o intelecto dos ministros. Urge que o saber científico e filosófico combinado como o “saber de experiência feito” (Camões) penetre na consciência dos magistrados de maneira que a lógica não se divorcie do bom senso, que a paixão não obscureça a razão, que a legalidade se harmonize com a legitimidade, que a utilidade não sufoque a honestidade, que a gramática não aniquile o espírito da lei.  
No julgamento do HC impetrado a favor de Antonio Palocci, que foi parlamentar e ministro de estado, a maioria dos ministros votou pelo não conhecimento (11/12-04-2018). Filigrana herética, pois estavam satisfeitos: [1] os pressupostos processuais (capacidade postulatória do impetrante, juiz competente, procedimento disciplinado em lei) e [2] as condições da ação (legitimidade das partes, paciente privado da liberdade de locomoção, possibilidade jurídica do pedido, legítimo interesse de obter a tutela jurisdicional). Apesar de cabível recurso ordinário, o HC foi utilizado corretamente pelo impetrante como recurso processual substitutivo (CPP, Livro III, Título II “Dos Recursos em Geral”, Capítulo X “Do Habeas Corpus e seu Processo”).
A hipótese, portanto, não era de “não conhecimento” e sim de deferimento ou indeferimento do pedido, conforme estivesse presente ou ausente a ilegalidade da prisão ou o abuso de poder na sua decretação. Salvo postulação teratológica, as tecnicalidades da ação judicial comum não devem obstar o conhecimento do pedido de HC. “Conhecer do pedido”, em linguagem jurídica processual, não significa julga-lo procedente ou improcedente. Significa, tão somente, admitir o exame da matéria. Dada a relevância dessa garantia constitucional da liberdade para qualquer nação civilizada e democrática, o exame da impetração tem que ser regra imperativa. Desse exame resultará a concessão ou a denegação da ordem, a liberdade ou a prisão do paciente. A mentalidade cristalizada dos ministros impediu, na prática forense e no caso concreto, que eles enxergassem a diferença entre ação judicial comum e a especial natureza do HC no que tange ao procedimento e à questão de fundo.      
Certa vez, já funcionando a TV Justiça, o ministro Marco Aurélio, em sessão plenária, contou que o tribunal conhecera de um pedido de HC manuscrito e assinado por um presidiário em papel de baixa qualidade enviado pelo correio. A informalidade não impediu o exame da matéria. Os tempos eram outros. O tribunal não se furtaria ao exame ainda que o pedido viesse no interior de uma garrafa encontrada na praia trazida pelo mar. Hoje, se carta como aquela caísse nas mãos de um dos ministros novos, ele a rasgaria e com cara de nojo lançaria os pedaços na cesta de lixo.    
O HC de Palocci foi impetrado contra decisão interlocutória que decretara prisão cautelar. Sentença posterior manteve a prisão. Portanto, a coação não sofreu solução de continuidade. Cabia ao tribunal decidir se a coação era legal ou ilegal. O grupo majoritário preferiu julgar o pedido prejudicado (não conhecer do HC). Debateu-se, a seguir, a concessão de ofício da ordem de HC (independente do pedido do paciente), principalmente porque o réu estava preso por mais tempo do que determina a lei, fato que torna ilegal a coação. (CPP 654, 2º + 648, II). Cabia ao tribunal decidir se havia justa causa para o excesso de prazo, eis que o impetrante estava preso há mais de 18 meses sem que selada estivesse a sua culpa, pois a sentença ainda não transitara em julgado. A maioria decidiu que sim. Ante a complexidade dos fatos, a pluralidade no polo passivo da relação processual, as numerosas testemunhas e diligências, o excesso estava justificado. [Se o réu não contribuiu para o excesso, justificada estaria a sua soltura]. A maioria entendeu ainda presentes as circunstâncias que autorizam a prisão preventiva (CPP 312). Ao paciente foram negadas medidas restritivas de direitos que substituiriam a prisão. Ele permanecerá preso até segunda ordem ou enquanto não lhe favorecer o regime legal de cumprimento da pena.
O acórdão do STF no HC dificultará o provimento dos recursos do réu Antonio Palocci no tribunal regional e no superior tribunal de justiça. Entretanto, não está descartada a hipótese de nulidade processual. As costumeiras ilegalidades e arbitrariedades praticadas nas operações do tipo lava-jato tornam plausível essa hipótese. 

quarta-feira, 11 de abril de 2018

ISONOMIA CAOLHA

O comportamento da dupla Moro & Dallagnol, membros da República Nazifascista de Curitiba, revela que eles estão obcecados pelo aniquilamento político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tratam-no como lixo. Nele enxergam o capeta. Entretanto, na conduta desses paladinos do direito e da moral, exposta nas audiências, nas entrevistas, nas atividades forenses, enfim, na vida pública e particular, notam-se “algumas pitadas de psicopatia” (royalties a L.R. Barroso).
Para executar a pena privativa de liberdade o inquisidor nem esperou a publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), menos ainda, a apreciação dos recursos tempestivamente interpostos pela defesa. Afobado, ansioso para tornar efetiva a sua trama infame, expediu a nervosa ordem de prisão. Impediu a visita ao preso de alguns governadores de estados. Se pudesse, o juiz, tão vaidoso quanto mequetrefe, impediria: [i] a comunidade acadêmica argentina (Rosário) de conceder o título de “Doutor Honoris Causa” a Luiz Inácio (somado a iguais títulos conferidos por diversas universidades) [2] os gritos de Lula Libre na Espanha [3] o mantra “Eu Sou Lula”, no Brasil.
O inquisidor curitibano, violador de preceitos penais e de normas do decoro judiciário, censura os ministros do STF favoráveis à plena vigência da norma constitucional que exige o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para o início da execução da pena cominada em concreto.
Aliás, não se há de cair na armadilha do sofístico argumento de que a lei brasileira permite prisões antes do trânsito em julgado da sentença. Essas prisões têm natureza cautelar e não se confundem com aquelas determinadas em sentença judicial proferida no devido processo jurídico e que encerra o primeiro grau de jurisdição. A decisão judicial que determina a prisão cautelar tem caráter interlocutório, não entra no mérito da ação principal, não declara a culpabilidade, não condena e nem absolve, dura algum tempo, mas não transita em julgado. A prisão em flagrante e a preventiva tratadas no código de processo penal ocorrem no curso do inquérito ou da instrução processual, portanto, antes da sentença final.
A norma constitucional refere-se à execução da pena imposta na sentença final. A declaração judicial de culpa fica com seus efeitos suspensos até a sentença condenatória transitar em julgado. Em outras palavras: presume-se a inocência do réu enquanto não exauridos os recursos processuais estabelecidos na lei. A esfera recursal abrange as instâncias ordinárias e extraordinárias. Inclui, portanto, todos os graus de jurisdição: primeiro e único (originário), primeiro e segundo (duplo), terceiro (especial) e quarto (final).   
O procurador da república, cuja fisionomia parece a de um psicopata, material adequado a uma análise lombroseana, age como se fora doente mental. Recorre aos meios de comunicação para alardear a sua santa missão e o seu papel de instrumento da justiça divina. Submete-se a jejum, orando a deus para que o STF decida de modo a não impedir a imediata prisão de Luiz Inácio. A extravagante e doentia atitude do procurador recebe o apoio dos seus colegas e da instituição a que pertence.
Na opinião de Jesus, o Cristo, esse procurador é um hipócrita (como aliás, a maioria dos pastores evangélicos): “Quando orardes, não façais como os hipócritas, que gostam de orar de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens”. “Quando orardes, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo” (Bíblia, Novo Testamento, Mateus, 6:5/6).       
Para camuflar a patifaria e passar ao público a impressão de que fizeram justiça e deram eficácia ao princípio de isonomia, exclamam a todo momento e a toda plateia: “ninguém está acima da lei”. No entanto, eles próprios estão acima da lei, pois apesar das suas arbitrariedades e ilegalidades praticadas com despudor e de maneira escancarada, nada lhes acontece. As representações contra eles não mereceram provimento dos tribunais e dos órgãos disciplinares. Dos processos decorrentes da operação lava-jato, os relatores no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no STF, são oriundos da república curitibana. O primeiro, gorduroso com sobrenome alemão. O segundo, camaleão com sobrenome italiano.
Tal cenário indica a vigência de um acordo, tácito ou expresso, nas diversas instâncias da justiça federal, para esse tipo de perseguição política. Oficializam a aplicação da espúria técnica do lawfare e a instauração de procedimentos penais fraudulentos com a premeditada intenção de condenar os selecionados (indiciados e réus). Outros delinquentes também situam-se acima da lei, tais como: Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves et caterva. São os intocáveis da república. 
Uma coisa é o discurso; outra, a realidade dos fatos. O momento brasileiro é de grave estado patológico nos planos individual e social. Prevalecem as ações e intenções dos portadores de distúrbios psíquicos e de apatia moral. A voz de delatores criminosos paira acima da evidência documental dos registros públicos. Lamentável, nefasta e indecorosa a atual fase da justiça estatal brasileira (polícia + ministério público + magistratura).

sábado, 7 de abril de 2018

ROSA & ESPINHO

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem recebido críticas severas pelo teor do seu voto contrário à concessão do habeas corpus preventivo (HCp) impetrado em favor do ex-presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva.  Embora o seu nome seja mais extenso (Rosa Maria Weber Candiota da Rosa) ela preferiu abreviá-lo ao da flor e ao do notável sociólogo alemão Max Weber. Contudo, a atuação de Rosa nas sessões plenárias do STF revela que a sua inteligência e cultura situam-se aquém da inteligência e cultura do pensador germano.
O voto criticado por jornalistas e juristas exemplifica a lógica titubeante e o insuficiente preparo psicológico da referida senhora para o elevado cargo de juiz de uma suprema corte de justiça. Essa fraqueza ela comunga com a sua colega que atualmente preside o STF. Entretanto, a esperteza mineira de Carmen supera a gauchesca rigidez de Rosa. 
Neste passo, adequado e oportuno o comentário do ministro Gilmar Mendes: o Partido dos Trabalhadores (PT) está pagando por suas más escolhas, inclusive das pessoas que hoje ocupam as cadeiras da mais alta corte de justiça do país. Realmente, o boçal republicanismo dos petistas quando no governo, a arrogância de muitos dos seus quadros, as concessões à direita incrustada nos bancos, nas empresas de televisão, nas associações industriais e comerciais, a pieguice do mantra paz e amor no ambiente de luta partidária, adubaram o terreno para o golpe de estado. Agora, até o líder máximo do PT poderá ser preso graças a um processo criminal fraudulento destinado a impedir sua candidatura e a dificultar o exercício da cidadania.   
Rosa Maria manteve-se firme no costume de prestigiar os entendimentos majoritários do tribunal, mesmo quando filiada à corrente minoritária. Nos seus votos, aplica a jurisprudência da casa, ainda que dela tenha discordado. No caso do HCp de Lula, essa rigidez impediu-a de perceber que a jurisprudência estava em xeque, a decisão de 2016 não se pacificara ainda, bem ao contrário, era objeto de impugnação em duas ações diretas de constitucionalidade já prontas para serem julgadas, segundo informou o relator à presidente do STF. Na sessão anterior, a própria Rosa falou (só não falam as rosas do Cartola, mas exalam o seu perfume) com outras palavras: o réu não deve ser privado da sua liberdade enquanto o estado não prestar a tutela jurisdicional invocada. Por essa razão, ela votou a favor da concessão do salvo-conduto.
Diante dessa situação concreta, não havia necessidade alguma de Rosa Maria sacrificar a sua convicção, pois questionava-se precisamente a constitucionalidade da mais recente jurisprudência do tribunal que servira de base à ordem de prisão. A ministra preferiu não incluir essa matéria no seu voto e limitou-se a verificar se estavam presentes os requisitos da ilegalidade e do abuso de poder no ato denunciado que configuraria a coação. Verificou que tais requisitos estavam ausentes. A coação era legítima, pois decorria de uma decisão judicial do Superior Tribunal de Justiça proferida no devido processo jurídico. A ordem de prisão do paciente estava em sintonia com o texto constitucional, com a lei processual e a mais recente jurisprudência do STF. Votou pelo indeferimento do pedido de HCp. Nessa linha, já haviam votado os ministros mais novos: Alexandre, Luiz Edson e Luis Roberto. Seguiram-se, depois, formando maioria, os votos de Luíz e Carmen Lúcia.
Leonardo Boff, teólogo, pensador e escritor, bem lembrou: o voto da presidente foi de desempate. Logo, devia beneficiar o paciente e não prejudica-lo. Pelo menos, assim se entende na ética judiciária: no processo criminal, o voto de minerva há de favorecer o réu. Logo, não foi o voto de Rosa Maria que “enviou Lula para a cadeia” e sim o de Carmen Lúcia. A rigor, foram os votos de 6 ministros que permitiram a prisão do paciente e não qualquer voto isolado. Os votos majoritários singulares (juízes) tornam-se a voz e a posição oficial do órgão coletivo (tribunal). 
Lenio Streck, doutor em direito, professor de Direito Constitucional em universidade gaúcha, escritor de artigos bem humorados, referiu-se à equivocada noção de mutação constitucional de Luis Barroso, ao comentar brevemente o voto desse ministro no julgamento do citado HCp. De fato, nota-se que, em diferentes ocasiões, esse ministro recheia alguns dos seus votos com sofismas e manipula dados e conceitos. Salvo Marco Aurélio e Gilmar Mendes, nenhum outro ministro parece perceber essa esperteza retórica de Barroso. Confiam na cultura, na inteligência e na pose do orador. No entanto, a impressão geral de outrora era a de que, dentre os ministros do STF, o mais ingênuo dava nó em pingo de água.  
No livro “Poder Constituinte e Constituição” (Rio de Janeiro, Plurarte, 1983) inclui o tema “Mutações Constitucionais” (p. 93/95) não abordado da mesma forma pelos tratadistas brasileiros da época. Retirei-o da “Teoria de la Constitución” de Karl Loewenstein (Barcelona, Ariel, 1979).
O conceito mutação passa da ciência natural à ciência social significando as mudanças que ocorrem na sociedade no curso da história. Essas mudanças podem ser assimiladas pela estrutura material da constituição do estado, sem alterar o texto constitucional. Loewenstein apelidou esse fenômeno social de mutação constitucional. A mudança no texto ele apelidou reforma constitucional. A mudança na constituição do estado pode ocorrer de modo formal (revisão) ou informal (mutação). A interpretação judicial encaixa-se no modo formal sem a amplitude da revisão pelo legislador. A norma constitucional continua vigente, mas com a sua eficácia alterada pela interpretação judicial. O tribunal altera a compreensão da norma e às vezes também a extensão. No estado democrático de direito, a interpretação judicial caracteriza usurpação do poder constituinte do legislador quando: (i) coloca o texto constitucional fora de vigência (ii) reduz a eficácia da norma constitucional em prejuízo de direitos fundamentais (iii) contraria cláusula pétrea.
Destarte, ao reduzirem o campo de incidência da presunção de inocência traçado pelo legislador constituinte, os ministros do STF estão se atribuindo poder constituinte que não lhes foi outorgado pelo povo.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

EXAGEROS

Nesta quadra da história do Brasil, cidadãos e partidos da esquerda e da direita se confrontam no plano ideológico e nas vias de fato, secretando ódio e raiva, agem com violência verbal, física e moral. A justiça estatal (polícia, ministério público, magistratura) descumpre a lei e afronta os direitos fundamentais declarados na Constituição da República (CR). Acentua-se a divisão entre as diferentes camadas da sociedade dificultando o entendimento mútuo. As manifestações públicas de representantes dos poderes civil e militar são interpretadas segundo a bílis de cada indivíduo. As análises dos fatos e dos textos são mais emotivas do que racionais.
Examinando a frio, nada há de grave nas afirmações dos comandantes do exército e da aeronáutica. Não se vislumbra ameaça alguma. Disseram o que pensa e sente a maioria da população: somos contra a impunidade. Só os bandidos, com colarinho branco ou sem colarinho, é que são a favor da impunidade. Há centenas de milhares de bandidos punidos pela justiça estatal cumprindo pena nos presídios. Algumas dezenas de milhares são de presos provisórios. Portanto, no Brasil não há impunidade, salvo no que concerne aos cidadãos intocáveis. A impunidade é de uma porção mínima da sociedade brasileira, o que não justifica intervenção militar. A maioria do povo é contra, não apenas a impunidade que ocorre dentro e fora dos tribunais, dentro e fora dos quartéis, mas, também, contra a injustiça praticada dentro e fora dos tribunais, dentro e fora dos quartéis.
A declaração dos militares foi recebida com desconfiança e alarme porque: (i) feita às vésperas do julgamento do habeas corpus (HC) impetrado a favor do ex-presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva (ii) pesa sobre a população brasileira o precedente de 1964. Todavia, nota-se, à distância, que os comandantes apenas confirmam o seu compromisso de respeitar a Constituição e que estão prontos a cumprir com os seus deveres constitucionais. Entre esses deveres está o de garantir a lei e a ordem sempre que o poder civil constituído requisitar a intervenção das forças armadas. A intenção foi a de: (i) atenuar a tensão (ii) evitar conflitos motivados pelo julgamento da referida ação judicial (iii) advertir a população de que as forças armadas estão atentas e prontas a servir (iv) confirmar o seu apreço pelas instituições democráticas. 
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) dirigiu o mesmo apelo à nação. Sabia, de antemão, graças às informações interna corporis, que o pedido de habeas corpus seria negado. Contava com os votos do relator (Edson) e dos ministros Alexandre, Roberto, Rosa, Luís e o dela (Carmen). Aliás, parte do público e da família forense já previa esse resultado.
A estratégia da direita no STF foi exitosa: (i) não colocar em pauta o julgamento das ações de inconstitucionalidade que impugnavam o acórdão do STF sobre a prisão do réu após condenação em segundo grau de jurisdição (ii) retirar o processo da Turma (onde o HC seria concedido) e leva-lo a julgamento pelo plenário (onde o HC seria negado). Como se vê, politicagem não existe apenas no Legislativo e no Executivo, mas, também, no Judiciário. Tudo farinha do mesmo saco, com toga ou sem toga.          
Na sessão de julgamento, os votos da direita prevaleceram (6 x 5). Forte no Sul do Brasil (de onde vieram Alexandre, Luiz Edson. Rosa Maria, José Antonio, Enrique Ricardo e José Celso) o nazifascismo também atua em outras regiões e goza da simpatia de agentes políticos e de agentes administrativos dos três poderes da república (Legislativo, Executivo e Judiciário).
Apesar disto, forçoso reconhecer a juridicidade dos votos vencedores. Os ministros se apoiaram no texto constitucional: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (CR 5°, LXVIII). No caso concreto, o paciente estava ameaçado de prisão. A ameaça provinha de uma decisão judicial tomada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Tal decisão observou o devido processo jurídico, proferida que foi em sintonia com as normas constitucionais e infraconstitucionais, estribada na mais recente jurisprudência do STF. A coação sobre a liberdade de locomoção do paciente, pois, era legítima. Daí, a correta denegação do HC do ponto de vista jurídico formal.       
Ao contrário dos vencedores, os votos vencidos ampliaram os fundamentos da questão para tratar do tema que lhe está na base: a vigência e a eficácia da norma constitucional: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CR 5º, LVII). Sustentaram a supremacia dessa garantia constitucional sobre o acórdão do próprio STF, de 2016, que lhe reduziu o alcance. A execução imediata da prisão se lhes pareceu precipitada e inconstitucional. Daí, a justa concessão do HC do ponto de vista jurídico substancial e da política do direito.   
Cuida-se de questão pendente a ser resolvida no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade sob a relatoria do ministro Marco Aurélio. Considerando que essa questão maior está sub judice, portanto, ainda sem definição, os ministros José Antonio, Enrique Ricardo, Gilmar, Marco Aurélio e José Celso, entenderam que a prisão do réu neste momento era precipitada e não devia ser efetivada enquanto não fossem julgadas aquelas duas ações sobre a matéria ou, pelo menos, enquanto o STJ não julgasse os recursos interpostos das decisões do juiz curitibano e do tribunal gaúcho proferidas na ação penal proposta contra o ex-presidente da república.       
Tanto a direita como a esquerda no STF convergem no entendimento de que o princípio liberal da presunção de inocência vigora no ordenamento jurídico brasileiro. Divergem apenas no que toca a extensão do princípio, ou seja: o limite da sua incidência. A direita entende que o espaço da presunção vai até o segundo grau de jurisdição. A partir daí, é possível a prisão do condenado. A esquerda entende que o espaço da presunção vai até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, nos precisos termos da garantia constitucional. Só então efetivar-se-á a prisão, se persistir a sentença condenatória.
A direita e a esquerda resolverão essa pendência no julgamento das citadas ações de inconstitucionalidade. Ante o fato novo, a saber, a decisão denegatória do pedido de HC e a efetiva prisão do réu, a defesa poderá pedir tutela provisória de urgência de caráter incidental ao relator das referidas ações nos termos da processualística civil, como permite o código de processo penal (Art. 3°). Assim como há prisão cautelar ou provisória, também há liberdade cautelar ou provisória. A decisão do tribunal nas mencionadas ações poderá prestigiar a letra e o espírito da norma constitucional (CR 5º, LVII). Nesta hipótese, o réu somente será preso após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Verificada tal hipótese, a prisão antes disso, mais do que ilegal, será inconstitucional.   

terça-feira, 3 de abril de 2018

AD TERROREM

Às vésperas do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do Habeas Corpus preventivo impetrado em favor de Luiz Inácio Lula da Silva, pousam nos gabinetes dos ministros, petições (algumas apelidadas de “peças técnicas”) instruídas com abaixo-assinados, umas a favor da vigência do acórdão de 2016 que permitiu a prisão do condenado após decisão confirmatória em segundo grau de jurisdição; outras a favor da vigência da norma constitucional que exige o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para que alguém seja considerado culpado.
A petição e o abaixo-assinado que defendem o acórdão do STF vêm firmados por membros do ministério público e por juízes. A petição e o abaixo-assinado que defendem o vigor da norma constitucional vêm firmados por advogados. Milhares de assinaturas de ambos os lados. Apesar disto, são documentos pouco representativos, pois o número de membros do ministério público federal e estadual e de juízes federais e estaduais é cinco vezes maior do que o de subscritores, e o número de advogados inscritos na OAB é cem vezes maior. 
Os membros do ministério público e os juízes, para vergonha das suas respectivas instituições, servem-se de argumento ad terrorem. Para atemorizar, pressionar e constranger os ministros do STF e a população brasileira, dizem que a revisão do acórdão colocará em liberdade ou impedirá a prisão de muitos assassinos, ladrões, estupradores, além dos corruptos. O uso de tal sofisma já indica a fragilidade da pretensão. Há muitos desses bandidos com a sentença condenatória já transitada em julgado. Logo, não serão liberados antes de cumprirem as respectivas penas. Há outros presos em flagrante delito ou em caráter provisório que não se livrarão imediatamente. Por derradeiro: preferível um bandido solto do que um inocente preso. O espírito punitivo dos agentes do estado há de ser temperado com o espírito de liberdade da nação democrática e com o respeito à dignidade humana.
Outrossim, os ministros já formaram as suas convicções e formularam por escrito os seus votos. Uns a favor, outros contra, a concessão do habeas corpus. Apenas não sabemos, ainda, quais serão os vencedores. Portanto, sustentações orais e documentos apresentados depois das alegações finais, dificilmente mudarão os votos. Aliás, no rigor processual e em atenção à garantia da ampla defesa, o impetrante tem direito à vista do processo para se pronunciar sobre o teor e o valor probatório de tais documentos. 
Até 1988, eu e meus colegas de varas criminais, na capital do Estado do Rio de Janeiro, ao condenar os réus, determinávamos a imediata expedição do mandado de prisão. O réu só podia apelar da sentença depois de recolhido ao presídio. O limite da presunção de inocência era a sentença de primeiro grau de jurisdição. O fecho da sentença era: “Expeça-se mandado de prisão e lance-se o nome do réu no rol dos culpados”. Tudo em perfeita sintonia com a regra processual penal em vigor.
Com o advento da Constituição de 1988, a regra mudou. Condenado, o réu podia apelar em liberdade. A presunção de inocência estendeu-se até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O fecho da sentença passou a ser: “Transitada em julgado, expeça-se mandado de prisão e lance-se o nome do réu no rol dos culpados”.
Em artigo publicado no jornal impresso “Tribuna da Imprensa” do Rio de Janeiro (deixou de circular em 2008) posicionei-me contra a mudança. Interpretei-a como esperteza dos deputados constituintes que teriam legislado em causa própria. A nova regra beneficiaria os parlamentares bandidos do senado federal, da câmara dos deputados, das assembleias legislativas e das câmaras municipais. Os seus crimes prescreveriam antes do trânsito em julgado das suas eventuais condenações. Ficariam impunes. Além disto, a referida norma era um desprestígio à magistratura do primeiro e do segundo grau. Considerei absurda a liberdade do réu depois de condenado no devido processo legal e usufruído de todas as garantias como a do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural. Entendi que a presunção de inocência não podia prevalecer diante da certeza emanada do processo regular formador da convicção do juiz. A certeza, ainda que provisória, se sobrepõe à presunção.  
Todavia, não se deve fechar os olhos à realidade. Ante os abusos, arbitrariedades, ilegalidades, inconstitucionalidades, inclusive o conluio entre acusador e julgador, tudo ocorrido a partir do caso “mensalão” e com maior descaramento nas operações tipo “lava-jato”, comecei a mudar de opinião. Passei a crer que, mesmo sem essa intenção, o legislador constituinte acertou ao introduzir no ordenamento jurídico brasileiro a norma constitucional que deu maior extensão ao princípio liberal da presunção de inocência. Não se pode mais confiar na imparcialidade e na honestidade da justiça federal (entendida como polícia, ministério público, juiz e tribunal) de primeiro e segundo grau. Antes da prisão, tornou-se necessário o exame dos casos pelos graus superiores (STJ e STF) a fim de assegurar a supremacia da Constituição da República e de garantir a liberdade e o patrimônio econômico e moral dos cidadãos brasileiros.
Outrossim, sob o ângulo estritamente jurídico, o acórdão de 2016 do STF viola frontalmente o sistema constitucional brasileiro. Daí, ser imperioso retirá-lo do ordenamento jurídico. A norma alvejada pela decisão de 2016 é uma cláusula pétrea da Constituição de 1988. Como tal, só pode ser modificada por uma assembleia nacional constituinte. Essa cláusula não pode ser legitimamente alterada pelos poderes constituídos (Legislativo, Executivo, Judiciário). Assim é – e deve ser – quando: (i) vigora a soberania popular (ii) o poder constituinte pertence ao povo (iii) o estado é de direito (iv) a forma de governo é democrática.