terça-feira, 30 de junho de 2020

O PROFESSOR E O DOUTORADO

O presidente da república nomeou Carlos Alberto Decotelli, professor universitário, para o Ministério da Educação. A qualificação acadêmica do nomeado foi questionada por universidades e pelos meios de comunicação social (imprensa, televisão, rede de computadores) sob alegação de haver inconsistências no currículo. O professor foi acusado de mentir, de fraudar, de praticar falsidade ideológica. Sem piedade, sem moderação, sem prévios cuidados no exame da vida acadêmica do acusado. 
O presidente da república, no exercício da sua privativa competência constitucional, manteve a nomeação do professor, decisão que deve ser respeitada pelos poderes legislativo e judiciário, pouco importando o azedume da opinião pública. Logo depois, o professor pediu demissão do cargo. Para qualquer ministério, o presidente da república pode nomear, se lhe aprouver, um gari ou um cabo do exército. Nenhuma lei exige diploma universitário para o cidadão brasileiro ser ministro de estado, basta que seja maior de 21 anos e esteja no exercício dos direitos políticos. A responsabilidade pela nomeação cabe exclusivamente ao chefe de governo. [CR 84, I + 87].
Jornalistas movidos pelo sensacionalismo, políticos movidos pelo oportunismo, manifestaram opiniões e julgamentos tão severos quanto levianos, contra o professor. Se a enganação fosse praticada por um professor branco, como Fernando Henrique Cardoso, provavelmente as elites e a média nenhum alvoroço causariam, ao contrário, manifestariam o seu incondicional apoio. Nenhuma estranheza causou a esses moralistas contestadores o fato de um bacharel branco, de 24 anos de idade, ser nomeado juiz federal e professor de direito em universidade federal, no ano seguinte ao da sua formatura. Nada comentaram ou investigaram o fato de esse mesmo jovem bacharel, logo depois, em curto tempo, ter concluído o mestrado e o doutorado em direito na mesma universidade em que lecionava.   
A análise racional do caso, desprovida dos ingredientes partidários, emocionais e espetaculares, mostra o exagero e a tendenciosidade dos ataques ao professor negro situado à direita do espectro político e pronto para servir ao governo de extrema-direita.   
Da nota expedida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), verifica-se que o professor concluiu o curso de mestrado. Portanto, tem o título acadêmico de Mestre, que lhe seria negado se a banca examinadora notasse plágio na sua dissertação. Em razão da pandemia, a FGV alega estar impossibilitada de buscar documentos nos seus arquivos por falta de funcionários. Informa que o professor lecionou na FGV, mas não era professor da FGV, ou seja, não integrava o quadro de professores efetivos.
Da universidade de Rosário/Argentina, vem a informação de que o professor cursou o doutorado, porém, o seu trabalho final não foi aprovado (tese). Logo, o professor tem o curso de doutorado, mas faltam-lhe o diploma e o título de doutor.
Da universidade alemã vem a notícia de que o professor fizera uma pesquisa acadêmica de 3 meses, em nível de pós-doutorado, mas não o curso de pós-doutorado propriamente dito.
Do currículo exibido na tela do aparelho de televisão constata-se que o professor não afirmou ter o diploma e o título de Doutor e de Pós-Doutor, mas sim ter frequentado os cursos. Sobre a frequência ao curso de doutorado, não há dúvida. Sobre a frequência ao curso de pós-doutorado, resta esclarecer (i) se naquela universidade alemã há cursos de pós-doutorado (ii) se a pesquisa realizada pelo professor integra ou não integra curso regular de pós-doutorado. 
Dúvida não resta, entretanto, do preparo intelectual e do cabedal de conhecimentos do professor. Resta apurar se o episódio afeta, ou não, a sua idoneidade moral. A Constituição da República declara os princípios éticos da administração pública que devem ser observados por todos. [CR 37]. Todavia, quando débil o aspecto ético, prevalecem os aspectos técnico e intelectual da nomeação, mormente por se tratar de cargo de confiança, além de não ser função reservada a servidor estatutário.

sábado, 27 de junho de 2020

TU ÉS


Tu és o sol da nossa trajetória
Luz a clarear nosso caminho
Calor a aquecer nosso ninho
Fonte da mais sublime gloria

Tu és a água no deserto
A flor na fresta da rocha
A seda no corpo coberto
O fogo da gloriosa tocha

sábado, 20 de junho de 2020

INQUÉRITO E AÇÃO PENAL

Os brasileiros estão testemunhando confronto entre a presidência da república e o supremo tribunal federal (STF) com atitudes ditatoriais de ambos os lados. O STF tem o privilégio de errar por último, disse antigo ministro. Embora tenha a palavra final na interpretação dos princípios e normas constitucionais, isto não significa que essa palavra esteja correta do ponto de vista formal e justa do ponto de vista material. O tribunal invade competências privativas dos outros poderes como aconteceu, por exemplo, com nomeações feitas pela presidente Rousseff e pelo atual presidente. O tribunal abusa do seu papel de guardião e de intérprete último da Constituição para impor decisões que não se ajustam ao direito. Agora mesmo, torna a acontecer. No esforço de tirar água de pedra, num contorcionismo cerebral, os ministros escaparam da literalidade da norma regimental a fim de manter sob seus cuidados o inquérito que apura a autoria de infrações penais materializadas em notícias falsas, veiculadas na internet, ofensivas ao tribunal, aos ministros e familiares. O inquérito foi instaurado mediante portaria do presidente do STF e colocado sob direção de um ministro. O partido Rede de Sustentabilidade impugnou a portaria mediante arguição de descumprimento de preceito fundamental; denunciou o vício de inconstitucionalidade da portaria, a violação da norma regimental e do sistema acusatório e a falta de prévia distribuição do inquérito. Por maioria, o tribunal rejeitou a pretensão do partido autor e afirmou a legalidade e a constitucionalidade da portaria e do poder de polícia do presidente do STF. O voto vencido, favorável à pretensão do autor, citou em seu apoio parecer de notável jurista paranaense e a opinião da procuradora que antecedeu o atual procurador-geral da república. O julgamento terminou em 18/06/2020. 
A extensão dos votos com repetições e citações desnecessárias e excessivo apoio em muletas doutrinárias, parece indicar insegurança dos prolatores. Quiçá, por necessidade de provar o merecimento de ocupar cadeira na suprema corte, ou simples vaidade, compulsão para exibir erudição, os ministros produzem dezenas de páginas quando três ou quatro seriam suficientes. A logorreia com seu componente emotivo caracteriza também (i) o discurso dos advogados e dos parlamentares (ii) os comentários e reportagens dos jornalistas nas emissoras de televisão (iii) as transmissões dos radialistas (iv) a interação das pessoas nos supermercados, shoppings, reuniões de condomínio. A verbosidade parece fibra genética dos latino-americanos, dos portugueses, espanhóis e italianos. 
Os sólidos argumentos apresentados pelos ministros em defesa da liberdade de expressão, da independência dos poderes, da dignidade do tribunal, da paz, da segurança e do estado democrático de direito, merecem o aplauso e o apoio do povo brasileiro e da comunidade forense. Sobre a importância de tribunais independentes e imparciais para a eficácia dos direitos humanos, há internacional consenso. Todavia, em país democrático, o tribunal não está isento de crítica quando tendencioso. As decisões e ordens judiciais, apesar do necessário e obrigatório cumprimento pelos jurisdicionados, passam pelo crivo da opinião pública e pela análise técnica e científica dos juristas. A conduta do magistrado camuflada pelo ardil verboso, pela retórica falaciosa, pela interpretação capciosa, provoca reação no meio acadêmico e demais setores da sociedade. O tribunal muito contribui para o prestígio e respeito das instituições judiciárias quando (i) retorna à montanha e deixa a planície aos litigantes (ii) assume conduta moral superior à da média dos cidadãos (iii) supera simpatias e antipatias (iv) fica equidistante da esquerda e da direita.     
A portaria impugnada estribou-se no artigo 43, do regimento interno do STF, assim redigido: “Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”.
Basta empírica intuição para constatar de imediato que, no caso em tela, a infração não ocorreu na sede e tampouco na dependência do tribunal. O jeito para preservar o inquérito foi estender a noção espacial de sede e dependência ao território nacional, âmbito da jurisdição constitucional do STF, acoplado ao ciberespaço. No entanto, entende-se por sede um lugar onde funciona alguma coisa, como parlamento, chefia do governo, tribunal, empresa, clube, quartel, bispado. Entende-se por dependência a relação de subordinação de uma coisa a outra, de uma vontade a outra, de um processo a outro. Aplica-se o vocábulo para designar (i) os cômodos da casa e o quintal (ii) a economia de um país em relação a um produto {petróleo} (iii) ao governo de um país em relação a outro mais poderoso {protetorado}. 
O poder de polícia consiste no conjunto de ações, mecanismos e instrumentos necessários e úteis à execução dos fins do estado e deve ser exercido nos limites da lei. Os chefes dos poderes legislativo, executivo e judiciário exercem-no para manter a ordem interna no funcionamento dos seus órgãos, inclusive como autodefesa, se preciso, com o auxílio da força pública militar ou civil, para garantir o vigor das suas competências e prerrogativas. Nos crimes praticados fora das dependências do tribunal, a instauração do inquérito cabe ao delegado da corporação policial e pode ser instaurado de ofício ou mediante requisição da autoridade judiciária ou do ministério público. [Código de Processo Penal, 4º a 23]. 
A iniciativa da ação penal pública – que se não confunde com a do inquérito – é privativa, mas não exclusiva, do ministério público. Se por picuinha ou por qualquer outro motivo, o ministério público não tomar a iniciativa, a ação penal poderá ser proposta por terceiros (cidadania). Caso a petição inicial (denúncia|) não seja oferecida no prazo legal, qualquer cidadão poderá suprir a omissão do ministério público. Esta democratização da persecutio criminis foi introduzida na ordem jurídica pelo legislador constituinte (1987/1988). O agente do ministério público está sujeito – às vezes inclinado – às injunções políticas partidárias, como se viu na operação lava-jato de Curitiba. Tendo em vista o princípio constitucional da celeridade processual e visando a eficácia do direito e evitar a impunidade, caberá a iniciativa de pessoa física ou jurídica quando o agente do ministério público pedir o arquivamento do inquérito ou demorar excessivamente em propor a ação penal. [CR 129 c/c 5º, LIX, LXXVIII].



terça-feira, 16 de junho de 2020

A FORÇA E O DIREITO

A fim de evitar o emprego das forças armadas pelo presidente da república fora dos limites constitucionais, o Partido Democrático Trabalhista promoveu Ação Direta de Inconstitucionalidade pedindo ao Supremo Tribunal Federal (STF): [I] a interpretação conjunta do artigo 142, da Constituição da República com os artigos 1º e 15, da lei complementar 97/1999 e [II] a declaração de inconstitucionalidade do preceito que atribui competência ao presidente para decidir sobre requisições do Congresso Nacional e do STF. 
O ministro relator deferiu o pedido in limine et ad referendum, por entender preenchidos os requisitos legais (fumus boni juris et periculum in mora). Na sua objetiva, criteriosa e bem fundamentada decisão, o relator julgou constitucional a competência do presidente para apreciar requisições de força e assentou que (i) a defesa da pátria, dos poderes constituídos, da lei e da ordem pelas forças armadas não significa poder moderador (ii) a chefia suprema das forças armadas limita-se às competências do presidente definidas na Constituição (iii) as forças armadas não podem ser empregadas contra os poderes da república (iv) o emprego delas para garantir a lei e a ordem reveste caráter subsidiário e se justifica exclusivamente para enfrentar grave e concreta violação à segurança pública interna depois de esgotados os mecanismos ordinários. 
Ante o desvario do presidente da república testemunhado no Brasil e no exterior, a propositura da ação se justifica. A decisão monocrática do relator poderá ser confirmada ou reformada por decisão colegiada do STF em sessão plenária.  
A força do direito e o direito à força garantem valores essenciais acalentados pela nação e expressos em princípios e normas da Constituição. A força moral do direito nem sempre basta à sua eficácia no plano dos fatos. Verifica-se o uso legítimo da força física (i) pelo governo, para dissuadir ou reprimir desobediência à lei ou a decisão judicial (ii) pelo povo, para derrubar ditadura ou protestar contra abusos do governante (iii) pelo indivíduo, em legítima defesa. O uso arbitrário e excessivo da força física por agentes do governo é comum no mundo. Homo homini lupus (o homem é o lobo do homem). A tirania ocorre quando a força é utilizada pelo governante fora das balizas éticas e jurídicas. 
No Brasil e em outros países da América Latina, o caudilhismo está enraizado. A república brasileira resultou de um golpe de estado contra a monarquia perpetrado pelo exército sem participação do povo. Notícias falsas sobre inexistente decisão do imperador versando prisão do marechal Deodoro da Fonseca precederam o golpe. A marinha, força armada mais antiga do país, ficou à margem, o que gerou mal-estar entre as duas forças; acabaram por se enfrentar (1891/1895). Desde aquela época, o exército se considera tutor da república e titular do poder moderador que era privativo do imperador. Segundo a pregação positivista de Benjamin Constant, integrante do grupo golpista responsável pelas notícias falsas, a direção da república cabe aos militares por serem patriotas, honestos, defensores da ordem necessária ao progresso, enquanto os civis são impatriotas, desonestos, corruptos. Essa mentalidade ainda vigora e ajudou nas operações tipo lava-jato simpáticas aos militares. No entanto, o fascínio pelo ouro é comum a civis, militares e religiosos. Informadas mais extensa e profundamente sobre a história do seu país, as futuras gerações talvez retirem das ruas, avenidas, estradas e praças os nomes dos militares golpistas e derrubem as suas estátuas.    
Ao mencionar o poder militar terrestre, a lei complementar reflete a aludida mentalidade. [LC 97/1999, art.17-A]. Em atenção à divisão tripartida do poder governamental, o dispositivo legal devia se referir à força militar terrestre. [CR 2º]. O poder governamental cabe aos parlamentares, ao presidente da república e aos juízes. As forças armadas, o ministério público, o tribunal de contas, o banco cenral, são instituições componentes do governo e servem de instrumento à execução dos fins do estado. Falta amparo lógico, político e jurídico à esquizofrênica distinção entre órgãos de estado e órgãos de governo. Trata-se de artifício cerebrino para separar o inseparável e outorgar independência às forças armadas, ao ministério público, ao tribunal de contas e ao banco central, colocando essas instituições fora de qualquer subordinação.
Governo, povo e território são os elementos constituintes sem os quais estado algum existe. Todos os órgãos do governo são órgãos do estado; não há órgão do estado isolado, distinto, ao lado ou acima do governo. No Brasil, o governo é exercido por três poderes independentes e harmônicos (legislativo, executivo, judiciário), com funções especificadas no texto constitucional que expressam, no seio de um sistema de competências, o poder do estado. 
Durante o período autocrático, o exército foi o titular do poder governamental, ou seja, da capacidade de fato para dirigir o estado, ditar leis, executa-las e fazê-las cumprir quando desobedecidas (1964/1985). Na democracia, essa capacidade é exercida dentro dos parâmetros jurídicos estabelecidos pelo povo. Quando o general Geisel governava, perguntei a um jornalista estadunidense, genro de um desembargador do tribunal de justiça do Estado do Rio de Janeiro, se na política interna dos EUA poderia acontecer o que então acontecia no Brasil. Ele ficou pasmo com a minha pergunta. Após alguns segundos, ele respondeu de modo incisivo e lacônico: “impossível”. O que para nós, sul-americanos, é possível e corriqueiro, para ele, norte-americano, é impensável. Isto ficou claro, neste mês, quando naquele país, general da ativa, chefe do estado-maior, desculpou-se publicamente diante do povo estadunidense (junho/2020). Admitiu ser errado acompanhar – como ele acompanhou – o presidente da república em ato civil de caráter político. Reconheceu imprópria a presença de militares na arena política. Tal atitude reflete o profundo respeito daquele povo aos princípios constitucionais, aí incluído o distanciamento do exército. O cidadão norte-americano tem orgulho e zelo por sua liberdade e devota amor à bicentenária Constituição do seu país. Sobre esse amor, Orlando Bitar cita o comentário de Swisher: “Dando à Constituição um valor absoluto de Justiça, os juízes a santificam.” [A Lei e a Constituição. Obras Completas II. Conselho Federal de Cultura, 1978]. 

sexta-feira, 12 de junho de 2020

CASSAÇÃO DE MANDATO

Em trâmites pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) duas ações contra Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, uma proposta por Marina Silva e a coligação REDE/PV, outra por Guilherme Boulos e coligação PSOL/PCB. Ambas pleiteiam o cancelamento do registro das candidaturas e dos diplomas dos réus, a cassação dos respectivos mandatos e a declaração de inelegibilidade. Afirmam que em setembro de 2018, na campanha eleitoral, a página do grupo “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro” na rede de computadores, foi invadida e alterada por hackers, o que teria influído no resultado das eleições. Iniciado o julgamento em novembro de 2019, o ministro relator votou pela improcedência e arquivamento das duas ações, no que foi acompanhado por outro ministro. Após pedir vista do processo, o ministro Fachin devolveu os autos em junho de 2020 e votou pela realização do exame pericial requerido pela defesa. Dois ministros acompanharam esse voto divergente; um deles recomendou a realização da perícia pela polícia federal. A identificação dos hackers poderá revelar nexos com o grupo do candidato que venceu o pleito. Em 09/06/2020, o ministro Moraes pediu vista do processo. Isto suspende os trâmites. Faltam os votos dele e do ministro Barroso para o encerramento da demanda.    
No caso em tela, a materialidade está provada (existência do delito). Falta provar a autoria e demonstrar o nexo com os réus (causalidade + responsabilidade). O exame pericial cibernético assume relevância no caso. O indeferimento da produção da prova contrariou a garantia do devido processo legal. Ante eventual necessidade, inclusive para evitar nulidade, o juiz pode converter o julgamento em diligência. Correta, pois, a reabertura da instrução. Cuida-se de necessário retrocesso na marcha processual amparado nas garantias constitucionais. Realizada a prova pericial, o mérito das mencionadas ações será apreciado. Se os pedidos forem acolhidos, o presidente e o vice-presidente da república serão afastados do cargo. O presidente da Câmara dos Deputados assumirá a presidência da república até que se realize nova eleição no prazo de 90 dias (CR 80/81). 
Os ministros do Superior Tribunal de Justiça judicantes no TSE são candidatos naturais ao preenchimento de vagas no Supremo Tribunal Federal (STF). Os votos contrários às referidas ações, portanto, favoráveis à permanência dos réus nos cargos, podem funcionar como passaporte para os prolatores ingressarem no STF. Até dezembro de 2022, se permanecer no cargo, o presidente pretende nomear três ministros para o STF. Um dos nomes cotados caiu em desgraça. Continua no páreo o evangélico. Sobre as duas vagas restantes, nada foi decidido ainda. 
Mentira, falsidade, fraude, são incompatíveis com a Ética e com o Direito. A fraude que não seja mentira piedosa deve ser punida na forma da lei. Os atos fraudulentos, os efeitos da mentira e da falsidade, não devem ser validados pelos juízes. Além de imorais, a mentira, a falsidade e a fraude são antijurídicas e fazem parte da definição de inúmeros ilícitos penais (calunia, estelionato, falsificações de documento, de moeda, de produto destinado a fins medicinais, fraude no comércio, induzimento a erro essencial no casamento, inserção de dados falsos em sistema de informações,  perigo de contágio, posse sexual fraudulenta, registro de nascimento inexistente, usurpação de função pública). 
Flexibilidade e liberdade encontram limites nos princípios éticos e jurídicos que estruturam o bom caráter do indivíduo. O presidente da Câmara dos Deputados revela mau caráter ao se esquivar do seu dever de despachar as petições de impeachment oferecidas contra o presidente da república. Ele foge da sua obrigação como o diabo foge da cruz. Esgotou-se o prazo de 10 dias previsto no artigo 800, do Código de Processo Penal, aplicado subsidiariamente ao regimento interno, para o presidente da Câmara deferir ou indeferir as petições. As desculpas esfarrapadas por ele utilizadas para se omitir ofendem a inteligência dos eleitores brasileiros. A pandemia não foi óbice ao presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro para despachar o pedido de impeachment formulado contra o governador. Posta a gravidade da situação, o deputado presidente consultou previamente o plenário da assembleia. O povo é representado por um órgão legislativo colegiado e não por um parlamentar isolado. O presidente da assembleia fluminense deu bom exemplo. 
A indesculpável e criminosa omissão do presidente da Câmara dos Deputados revela a sua cumplicidade com a política genocida e demais crimes praticados pelo presidente da república. No polo oposto situa-se Luiz Inácio, o mais eficiente e honesto presidente da história republicana do Brasil, respeitado e admirado internacionalmente por chefes de estado, lideranças políticas e intelectuais da América e da Europa, recebido com atenção e afeto por três Papas em diferentes ocasiões, doutor honoris causa por inúmeras universidades do mundo, cidadão honorário de Paris, integrante da informal e seleta parcela de políticos da esquerda e da direita que zelam pela dignidade da pessoa humana, pelos princípios éticos e pelo respeito à ordem jurídica. Luiz Inácio portou-se com dignidade e colocou os seus princípios morais como limites à flexibilidade quando se negou a aderir ao manifesto “em favor da democracia” urdido pela canalha que lhe cassou os direitos políticos e causou sofrimento à sua família. Mostrou de maneira exemplar que é possível ser político e ter vergonha na cara. Convém lembrar que na segunda guerra mundial, sem se misturarem, americanos e russos combateram o nazismo (“juntos”, mas separados e fiéis às respectivas visões de mundo). 
O referido manifesto foi assinado por pessoas que promoveram golpes contra a democracia. Sem justa causa, essas pessoas (i) destituíram a presidente da república legal e legitimamente eleita (ii) arquitetaram processo judicial para afastar Luiz Inácio da disputa eleitoral (iii) promoveram ilegal divulgação de notícias falsas na campanha eleitoral de 2018 (iv) difamaram e desrespeitaram o ex-presidente e sua família. Trata-se de documento gerado pela hipocrisia e assinado por falsos democratas, escória da política partidária. 
Para limpar latrina, desnecessário mergulhar as mãos no que ali se contém. Basta usar luvas, máscara, avental, escova, descarga e desinfetante.     

quinta-feira, 11 de junho de 2020

CONCURSO DE CORRUPÇÃO


Os fatos noticiados pela imprensa nos últimos cinco anos mostram que a corrupção na administração pública está mais viva do que nunca. As publicações no site Intercept Brasil contribuíram para evidenciar a farsa das operações da justiça federal de Curitiba (polícia + ministério público + magistratura). A honestidade dessas operações nos diversos estados e no distrito federal ficou comprometida. O desvio dessas operações para fins políticos partidários do qual antes se suspeitava, agora se tem certeza. A corrupção também acontece nos legislativos e executivos municipais, estaduais e federais. Tendo presente em nosso espírito tal realidade, interessante seria abrir concurso nacional buscando resposta para as seguintes perguntas:
I.              Em qual estado da federação: (i) A assembleia legislativa é mais corrupta? (ii) A câmara de vereadores é mais corrupta? (iii) O executivo é mais corrupto? A justiça federal é mais corrupta?
II.           No período republicano, qual foi o governo mais corrupto: o civil ou o militar?
III.        Na vigência da Constituição de 1988, qual foi o governo mais corrupto: Sarney, Collor,  ou Cardoso?
Os governos Silva e Rousseff foram os únicos submetidos a rigorosa e tendenciosa investigação, motivo pelo qual são excluídos da enquete.  

quarta-feira, 3 de junho de 2020

LIBERDADE E ABUSO


Defensores do presidente da república agrupam-se de um lado, opositores agrupam-se de outro e se confrontam em locais públicos e privados e nos meios de comunicação social. Intitulam-se democráticos e se acusam mutuamente de autocráticos. Apoiam-se nas seguintes liberdades declaradas na Constituição da República: manifestação do pensamento, consciência, expressão, comunicação, locomoção e reunião. [CR 5º].
Dos embates entre esses dois lados ressalta a confusão entre o amplo conceito de liberdade e o estrito exercício da liberdade no seio da sociedade e do estado. O exercício da liberdade é disciplinado e limitado: (i) pelo direito, em nome da necessidade de certeza e segurança nas relações políticas, sociais e econômicas (ii) pela ética, em nome da necessidade do bem prevalecer sobre o mal, do justo sobre o injusto, da verdade sobre a falsidade. As liberdades devem ser exercidas dentro das balizas éticas e jurídicas. O abuso no exercício da liberdade acarreta punição (prisão, multa, prestação de serviço, restrição ou perda de direitos). A lei sanciona os excessos culposo e doloso no exercício da liberdade, mesmo no caso de legítima defesa, de reações desproporcionais e imoderadas que rompem limites éticos e jurídicos.
Os movimentos dos ativistas que defendem o presidente da república contrariam os valores supremos da nação brasileira e os princípios e normas fundamentais do estado brasileiro (vida, democracia, liberdade, igualdade, segurança, desenvolvimento, bem-estar). [CR preâmbulo + artigos 1º a 17].
A conduta desses ativistas ofende os mencionados valores, princípios e direitos fundamentais, representa grave ameaça às instituições republicanas democráticas. Lembra a Alemanha das décadas de 1920 e 1930. Esses ativistas, inclusive o presidente da república, são nazifascistas nas ideias e nas ações, o que não se compadece com o estado democrático de direito instituído pelo legislador constituinte brasileiro em 1988.
O presidente e seus apoiadores estão sujeitos à pronta, urgente, severa e necessária reação do ministério público e das forças armadas. Essas duas instituições desempenham essenciais funções executórias como guardiães da segurança interna e externa. O ministério público atua por iniciativa própria em defesa da ordem jurídica e do regime democrático; as forças armadas, em defesa do estado e das instituições democráticas, dependem da requisição feita pela presidência de qualquer dos poderes da república. Nenhuma dessas duas instituições exerce poder moderador. Esse tipo de poder exercido pelo imperador soçobrou junto com a monarquia e não foi restaurado pelas constituições republicanas. Poderes da república brasileira são apenas três: Legislativo, Executivo e Judiciário. A moderação entre eles ocorre mediante o sistema de freios e contrapesos resultante da conexão de princípios e normas no texto constitucional. [CR 2º, 49/52, 84,102,127, 142].
A liberdade é um bem precioso existente no mundo da cultura. No mundo da natureza, regido pelo determinismo, não existe liberdade. No círculo humano, liberdade significa ausência de óbices ao pensamento, à vontade e às ações das pessoas. O humano tem a natural necessidade de agir, realizar sua vontade, expressar seu sentimento, manifestar seu pensamento. A função legisladora da razão disciplina essa necessidade. De tal função motivada pelo interesse no útil, no agradável, no bom, no belo, no santo, no verdadeiro, no justo, brotam princípios e normas que limitam o exercício da liberdade e estruturam a moral e o direito. A experiência e o entendimento são as fontes da moral do direito.     
O escravo valoriza a liberdade, sonha com ela, espera por ela e quando chega a ocasião, luta por ela. O escravo é livre para pensar, sentir e querer, mas não para manifestar seu pensamento, expressar seu sentimento e realizar sua vontade. A conduta do escravo subordina-se aos propósitos do seu dono. O escravo é mercadoria que pode ser negociada; o seu corpo tem preço, a sua alma nada vale. Ao talante do dono, o escravo pode ser submetido a tratamento cruel. Antes da Idade Moderna, os escravos eram de pele branca. Epicteto, filósofo estoico, foi escravo branco em Roma e teve a perna quebrada por seu dono (50 d.C.//135 d.C.). Os povos vencidos nas guerras eram escravizados. O trabalho escravo plantou, cuidou, colheu, transportou, cozinhou, serviu, ensinou, abriu estradas, construiu pirâmides, palácios e templos. O escravo defendeu a pessoa, a família, os bens e a pátria do seu dono em batalhas internas e guerras externas.
A escravidão coexistiu lado a lado com as religiões cristã e judaica. No evolver da civilização, com o paulatino reconhecimento da dignidade da pessoa humana, foram rompidos os grilhões. A liberdade tornou-se um bem geral da humanidade. Vida, liberdade e igualdade foram reconhecidas como direitos natos de todos os humanos [declarações da França de 1789 e das Nações Unidas de 1948].
Nos países democráticos da Idade Contemporânea, a perda da liberdade é castigo imposto pelo estado, no devido processo jurídico, a quem comete crime. No gozo amplo e abusivo da liberdade, o indivíduo pode ultrapassar todos os limites, violar todas as regras éticas e jurídicas, mas dificilmente ficará impune.