domingo, 25 de junho de 2023

CIÊNCIA versus RELIGIÃO

Acreditar e ter fé em Deus indica sensatez. Os monoteístas individual e coletivamente considerados, hebreus, cristãos, muçulmanos, divergem quanto a imagem, conceito, atributos e virtudes do deus único. Acreditar nas escrituras “sagradas” desses povos indica insensatez. Tal crença implica esterilizar o sêmen racional, rebaixar o humano na escala zoológica nivelando-o aos outros animais. A fé no sacerdote e na escritura religiosa, a fé no cientista e na ciência, a fé no líder político e no governo, devem submeter-se ao crivo da razão. Desde a  antiguidade, sabe-se que a diferença específica entre os humanos e os outros animais é a razão (Aristóteles). 
A ciência, produto da razão, tem sido a pedra no sapato da religião. No Ocidente, séculos XVI e XVII, alvorecer da ciência moderna (filosofia natural), imperavam o pensar e o querer supostamente divinos e o poder espiritual e secular da igreja cristã. Os filósofos naturais (cientistas) tomavam precauções para não contrariar a Bíblia. Assim, evitavam as rigorosas sanções da inquisição católica. Pesava sobre eles a suspeita de ateísmo, ainda que tivessem os seus próprios conceitos de alma e de Deus. Valiam-se de estratagemas ao expor as suas ideias. Johannes Kepler se dizia “sacerdote do Deus Altíssimo” ao estudar o “Livro da Natureza”. Francis Bacon, René Descartes, Isaac Newton, Gottfried Leibniz, nas suas obras, colocavam afinidades com as “sagradas” escrituras. Apesar desse cuidado, os livros de Descartes entraram para o Índice dos Livros Proibidos. O ensino da sua filosofia foi proibido nas faculdades católicas e protestantes (1663-1679). 
Com a sua teoria heliocêntrica sustentada na matemática, Nicolau Copérnico (1473-1543), polonês, cônego da igreja católica, astrônomo, matemático, desferiu potente golpe nas religiões hebraica, cristã e islâmica. Para não ser morto prematuramente, queimado vivo na fogueira da inquisição católica, ele retardou por 30 anos a publicação do seu livro de astronomia. Galileu Galilei (1564-1642), italiano, astrônomo, matemático, engenheiro, pai da ciência moderna, estudioso do movimento dos corpos e adepto do heliocentrismo, acusado de heresia pela inquisição católica, livrou-se da fogueira, porém, foi condenado à prisão domiciliar perpétua e teve suspensa a publicação dos seus livros (1633). Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), francês, jesuíta, professor, geólogo, paleontólogo, tentou harmonizar as suas pesquisas com a doutrina cristã. Isto acarretou punição disciplinar imposta duas vezes pela Santa Sé (1922 e 1946). Acusado de ofender dogmas religiosos, ele foi proibido de lecionar e de publicar matéria eclesiástica e teológica. 
Revoluções e reformas nos campos religioso, científico, técnico, político, ocorridas de 1300 a 1900, integraram as culturas europeia e americana. Com a inclusão da liberdade religiosa nessas culturas a partir do século XVIII (1701-1800) o cientista livrou-se do controle imperial da igreja. Trava-se, então, titânica batalha entre as forças cognitivas da razão e as forças trevosas da religião. Luz da razão versus trevas da religião. A leitura matemática da natureza faz de Deus um geômetra.
A batalha afetou internamente a comunidade científica conforme se vê da carta na qual Albert Einstein diz a Max Born: “Você acredita num Deus que joga dados e eu, em lei e ordem absolutas, num mundo que existe objetivamente”. Motivos da divergência: (i)  a incerteza e a indeterminação trazidas pela mecânica quântica (ii) o caos e o acaso introduzidos na especulação científica. Born era defensor e Einstein opositor da teoria quântica. Comentando esse episódio, Ian Stewart menciona o movimento pendular cíclico em espiral: “O caos dá lugar à ordem que por sua vez dá lugar a novas formas de caos”. Pondera: “A questão não é tanto se Deus joga dados, mas, de como Ele o faz”. Encerra o seu livro com a frase “Se Deus jogasse dados, Ele ganharia”. A teoria quântica foi o mais novo e potente golpe desferido contra as escrituras dos monoteístas. Caos é desordem, palco da incerteza, quiçá, prenúncio de uma nova ordem. Acaso é efeito sem causa, ou, efeito de causa desconhecida. Esses conceitos estremecem dogma religioso sobre a fonte divina da ordem cósmica e da causa final. A embriaguez do elétron no interior do átomo é inexplicável; a sua causa é desconhecida, ou, não existe. Afigura-se de difícil justificação, salvo por intuição intelectual, o transporte do que se passa no microscópico espaço interior do átomo para o macroscópico espaço dos astros. O aforismo “assim como em cima é embaixo” aceito pelos místicos, exige prova no campo da ciência.    
A fim de manter a sua receita, os seus bens e o número dos seus fiéis na atualidade, as instituições religiosas fizeram concessões à técnica profana e à ciência. Parcela dos fiéis rebelou-se contra tais concessões e retornou ao judaísmo, ao cristianismo e ao islamísmo primitivos. A doutrina original, os dogmas e os rituais antigos foram colocados acima: (i) do conhecimento científico (ii) da técnica profana (iii) dos costumes liberais (iv) das leis vigentes no estado laico. Isto caracterizou o fundamentalismo religioso. Os seus adeptos consideram a sua religião a única válida e verdadeira; que a eles deve caber o controle social, econômico e político da sociedade; que os crentes de outras religiões devem ser expulsos do território nacional; que as fronteiras do estado devem se fechar para impedir a entrada de fiéis e pregadores de outras religiões. Atualmente, o Irã tem sido o exemplo mais citado de fundamentalismo religioso nacional pleno. No Brasil, graças à liberdade de consciência, de crença e de culto assegurada na Constituição da República, os fundamentalistas atuam em paralelo com os crentes liberais das religiões monoteístas. Entre os cristãos, destacam-se os protestantes pentecostais com maior número de fundamentalistas disputando e assumindo o poder político (Legislativo + Executivo + Judiciário). Essa experiência revelou o estreito parentesco do fundamentalismo religioso com o nacionalismo e com o fascismo.

Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Art. 5º: VI-VIII. 
Chardin, Pierre Teilhard de. O Fenómeno Humano. Porto. Tavares Martins. 1970.  
Henry, John. A Revolução Científica. RJ. Jorge Zahar. 1998.
Hessen. Johannes. Teoria do Conhecimento. Coimbra. Armênio Amado. 1978.
Stewart, Ian. Será que Deus Joga Dados? RJ. Jorge Zahar. 1991.
Velasco, Francisco Diez. Breve Historia de las Religiones. Madri. Alianza Editorial. 2008. 

domingo, 18 de junho de 2023

PROVA

As religiões com suas doutrinas e seus rituais de louvor, oferendas, nascimento, fertilização, morte, resultam da necessidade de superior proteção sentida pela humanidade. A insegurança diante dos perigos e danos causados pela natureza e pela vida em sociedade; a certeza da transitoriedade do presente; a incerteza do futuro; a precariedade dos meios para solucionar problemas existenciais; a esperança de uma vida melhor e de um mundo melhor; tudo isto leva os humanos a suplicar pela intervenção de forças sobrenaturais existentes num suposto mundo espiritual governado por alguma  divindade; tudo isto congrega os humanos em religiões cujas liturgias visam à sublimação. Há deuses e ritos comuns às religiões. Os romanos adotaram deuses gregos dando-lhes nomes latinos. Há trindades divinas nas religiões egípcia, hindu, romana e cristã. Os hebreus, originalmente politeístas, adotaram o monoteísmo do faraó Aquenáton (1372-1334 a.C.).
Consta do Novo Testamento que os apóstolos não acreditaram de imediato naquele homem que se apresentou como o profeta crucificado. Então, ele exibiu as mãos e os pés. Explicou-lhes que “era necessário que se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”. Referindo-se a si mesmo, prossegue: “Assim é que está escrito e assim era necessário que Cristo padecesse, mas que ressuscitasse dos mortos ao terceiro dia”. O apóstolo Tomé, que estava ausente naquele encontro, não acreditou quando lhe deram a notícia da ressurreição do mestre. Ele precisava ver para crer. Viu, tocou no corpo do homem e acreditou. Em resposta, Jesus lhe disse: “Creste porque me viste. Felizes aqueles que creem sem ter visto”. Implicitamente, o profeta sugeriu que (i) o caminho para o conhecimento das coisas sagradas é o da fé e não o da razão (ii) o olhar do buscador deve ser para dentro de si e não para fora. As marcas no corpo eram a prova de que se tratava de homem que fora crucificado, mas, não era prova de que esse homem era o profeta. A prova complementar consistiu no modo pelo qual aquele homem se comportava, falava e expressava a sua vontade e o seu pensamento naquela ocasião. Por intuição sensorial, os apóstolos se convenceram de que aquele homem com roupas comuns, de cabelos cortados e barba raspada, era o profeta crucificado. 
A via racional e as vias intuitivas sensorial e intelectual são inadequadas para acessar o suposto mundo espiritual. O acesso a esse conhecimento se dá por via intuitiva espiritual mágica e extática, fora do processo racional de produção de prova. Basta a fé religiosa e mística. A magia implica o uso de ocultas forças cósmicas. O mago sabe operar com essas forças. Elias, Moisés, Jesus e outros profetas milagreiros pertencem à família dos magos. A nuvem que desceu sobre o Monte Sinai, com suas formas, aparelhos e estrépitos no encontro de Moisés com o deus Javé, assemelha-se à nuvem com suas formas, aparelhos e estrépitos mencionada por Ezequiel. Isto também lembra as ascensões ao céu (i) de Elias, num turbilhão de vento (ii) de Jesus, sem nuvem, sem turbilhão e sem nave espacial. No campo do conhecimento até o século XVI da era cristã, na Europa, reinavam o religioso, o sobrenatural e a tradição mágica. Os autores da Bíblia estavam condicionados por essa visão religiosa, sobrenatural e mágica do mundo aliada à experiência social do século V a.C. ao século IV d.C.
As vias intuitivas utilizadas pelo humano para conhecer a si mesmo e ao mundo dispensam o método científico. Assim, por exemplo, sem observação, sem experimentação, sem qualquer prova, fundado apenas nos seus estudos no campo da Física, Einstein admitiu a existência de uma inteligência superior (divina). Fê-lo por via intuitiva intelectual exclusivamente, pois, a especulação em torno da existência de Deus não era objeto da sua investigação científica. Embora respeitável, trata-se de opinião particular baseada na  autoridade intelectual do autor, portanto, sem validade universal. Por séculos e séculos acreditou-se (i) na opinião de Ptolomeu de que o firmamento girava em torno da Terra (ii) na versão da Bíblia de que a Terra era o centro do mundo e que os humanos eram o centro das atenções de Deus e donos da natureza (iii) que Moisés subiu ao Monte Sinai e de lá desceu com as tábuas da lei (iv) que Deus gastou 6 dias para criar o mundo e gastou 40 dias e 40 noites para redigir e gravar na pedra 10 frases curtas. Na redação da escritura religiosa participam instintos, sentidos, crenças, propósitos, vontades, sentimentos, fé, inteligência e fraquezas dos redatores; vale dizer: entram em cena a falsidade, a malícia e a opinião facciosa,
O conhecimento religioso centra-se na ideia da criação divina do mundo. Tal conhecimento obtido por revelação divina vale por si mesmo. Consideradas sagradas, as escrituras são apresentadas como prova documental. Notoriedade e autoridade do doutrinador e do pregador bastam para convencer os crentes, mas, não bastam para convencer quem pretenda investigar de modo livre e racional a origem e a dinâmica dos atos e fatos religiosos. As narrativas ficam restritas ao terreno da ficção se não houver prova obtida no adequado processo racional. Entretanto, segundo o “apóstolo” Paulo, Deus pode ser conhecido pela luz natural da razão humana a partir das coisas criadas (intuição intelectual). Diferente de uma escritura pública de compra e venda de imóvel, a escritura religiosa não é prova documental do que nela se contém. As suas fabulações e apologias, os seus enfoques teológicos de acontecimentos históricos, tudo aguarda comprovação. A escritura expõe doutrinas e dogmas que (i) condicionam a mente e sensibilizam o coração dos humanos (ii) informam leis e costumes (iii) influem na hierarquia dos valores. A Bíblia, por exemplo, integra a cultura de povos europeus e americanos.

Bíblia Sagrada. São Paulo. Editora Ave Maria. 1987. Antigo Testamento. Êxodo 24: 18 + 31: 18 + 34: 28. Ezequiel. 01: 4/28. II Reis 2: 01. Novo Testamento. Romanos 01: 18/20. Mateus 28: 16/17. Marcos 16: 12/14, 19. Lucas 24: 30/31, 36/46. João 20: 19/29.
Biblia Sagrada. Rio de Janeiro. Edição Barsa. 1967.
Burns, Edward McNall. História da Civilização Ocidental. Porto Alegre. Globo. 1955.
Henry, John. A Revolução Científica. RJ. Jorge Zahar Editor. 1998.
Hessen, Johannes. Teoria do Conhecimento. Coimbra. Armênio Amado Editor. 1978. 
Mahfuz, Naguib. Akhenaton. O Rei Herege. Rio/São Paulo. Editora Record. 2005.
Velasco, Francisco Diez. Breve Historia de las Religiones. Madri. Alianza Editorial. 2008. 

domingo, 11 de junho de 2023

FICÇÕES BÍBLICAS

Verdade, honestidade intelectual e neutralidade são valores raros nas obras de artistas, cientistas, evangelistas, eclesiásticos, historiadores, em meio a batalhas e tensões provocadas por crenças, ideologias, interesses materiais e objetivos estratégicos. Na Bíblia, tanto o Antigo Testamento (AT) como o Novo Testamento (NT) caracterizam-se por suas tintas teológicas e apologéticas. No templo de Jerusalém, Jesus referia-se à sua fé e à sua doutrina quando diz aos judeus: conhecereis a verdade e a verdade vos livrará. Entretanto, na Bíblia prepondera a seguinte mensagem subliminar: conhecereis a mentira e a mentira vos tornará fiéis à igreja e submissos aos sacerdotes.
Admoestado por seus seguidores pelo fato de se reunir com publicanos, Jesus se justifica: “Eu quero a misericórdia e não o sacrifício. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores”. Pecado é toda ação ou omissão contrária à “lei de deus” ou à “vontade divina” . Para o judeu, o pecado deve ser punido. Para o cristão, o pecado deve ser perdoado. Atualmente, 2 bilhões e 200 milhões de cristãos mostram-se dispostos a ser enganados. Acreditam nas fantasias da Bíblia. Abdicam da racionalidade em prol dos sentimentos. Colocam a fé religiosa acima da certeza científica; o sonho acima da realidade, o que justifica o poeta, porém, favorece a ação dos estelionatários e dos demagogos.
A história da vida do profeta Jesus recebe tratamento homeopático por tradição oral e escrita a partir dos 40 anos da crucifixão. Manuscritos, epístolas, evangelhos, atos dos apóstolos, livros, atas de concílios, vão se acumulando com adições e exclusões. Levam em seu bojo contradições e ficções. Recebem interpolações. Servem a manipulações. Mudam a data e o lugar do nascimento. Vacilam entre reis, magos e pastores, visitantes do recém-nascido. Escolhem no primeiro semestre de cada ano a semana santa: quinta-feira para última ceia pascal e prisão; sexta-feira para crucifixão e morte; sábado para repouso no sepulcro; domingo para ressurreição. Como se fosse possível (i) atribuíram virgindade a mãe de 5 meninos (Tiago, Jesus, José, Judas e Simão) e duas meninas (ii) inventaram mãe para Deus (iii) e santificaram humanos sem natureza humana. 
Na quinta-feira que antecedeu a páscoa, ao reunir-se com os apóstolos para a ceia pascal, Jesus  instituiu a eucaristia: tomai e comei, isto é o meu corpo (o pão); bebei dele (do cálice) porque este é o meu sangue (o vinho); fazei isto em minha memória. Tal celebração, denominada Corpus Christi pela igreja católica, acontece 60 dias após o domingo de páscoa, sempre numa quinta-feira. Nota-se por dois fatos convergindo para tornar realidade as profecias do AT, que Jesus tinha certeza da sua prisão e da sua morte: [1] O fato de ele mesmo, durante a ceia, ter chamado Judas Iscariotes, tesoureiro do grupo e o mais esclarecido dos apóstolos, para uma conversa em particular. A seguir, Judas saiu para logo retornar com os milicianos. [2] O fato de ser pública e notória a disposição dos fariseus e dos saduceus para matá-lo.
O então governador romano da Judeia, Pôncio Pilatos, no intuito de agradar Cláudia, sua esposa cristã, tentou evitar a morte do profeta. Por ser Jesus galileu, Pilatos o enviou ao rei Herodes Antipas, tetrarca da Galileia. Ante a recusa do profeta em se defender, Herodes o devolveu a Pilatos. Além da sua insistência na recusa de se defender das acusações e de afrontar Herodes e Pilatos, Jesus também mentiu ao admitir ser rei. A sua conduta era a de quem nutria o firme propósito de ser crucificado a fim de realizar as profecias. Sem morte não haveria ressurreição. Isto frustraria o projeto messiânico. A prisão, o julgamento, a morte e a ressurreição seriam a induvidosa confirmação de que, realmente, era ele, Jesus, o messias esperado. 
Os sacerdotes, escribas e anciãos judeus persuadiram o populacho a exigir a execução da sentença de morte proferida pelo Sinédrio sem as garantias processuais. Sob o domínio de Roma, a autoridade judia estava impedida de executar pena de morte. Para conseguir a crucifixão, os fariseus e os saduceus acusaram Jesus também de sedição contra Roma por se declarar “Rei dos Judeus”, portanto, inimigo do império romano. Com esse argumento, eles colocaram Pilatos numa apertada saia justa, apesar de Jesus afirmar que o seu reino não era deste mundo. Depois de rejeitadas as suas sugestões de liberar o profeta, Pilatos propôs, como último recurso, uma troca: Barrabás, agitador homicida, no lugar de Jesus. A turba postada em frente ao pretório escolheu liberdade para Barrabás e morte para Jesus. Simbolicamente, Pilatos lavou as mãos. A decisão dos judeus ofendia a sua consciência jurídica de cidadão romano. 
Os soldados romanos, tão logo saíram por uma das portas da cidade, aliviaram a carga de Jesus. Passaram a cruz para Simão de Cirene. Começava a desforra de Pilatos diante da teimosia e do atrevimento dos judeus. Tão logo Jesus foi pregado na cruz, José de Arimateia, judeu rico, discípulo do profeta, acompanhado de um centurião como testemunha, na forma protocolar, entrevistou-se com Pilatos e obteve autorização para retirar o corpo da cruz. Experiente e vivaz, Pilatos sabia que ainda não decorrera tempo suficiente para o óbito. Ao fechar os olhos para esse importante detalhe, ele contentou Cláudia sem contrariar Roma. Depois disto, Pilatos também aderiu à fé religiosa da esposa. 
Jesus foi retirado da cruz em menos de duas horas contadas do início da via crucis. Isto significa que ele ficou pregado no madeiro por 30 minutos, no máximo. Ao contrário dos ladrões nas cruzes ao seu lado, que tiveram suas pernas quebradas para apressar a morte antes do sábado, Jesus foi poupado e manteve as suas pernas inteiras. José de Arimateia envolveu o corpo do seu mestre em pano de linho e o levou para o sepulcro da sua propriedade nas imediações do Gólgota. A mãe de Jesus, a irmã dela (tia de Jesus) e Maria Madalena (amada de Jesus) auxiliadas por Arimateia e dois terapeutas (mencionados como anjos nos evangelhos) cuidaram do “morto” e prepararam a “ressurreição”. Graças à cumplicidade de Cláudia e Pilatos, Jesus saiu vivo dali e rumou para a Galileia sem ser molestado. Ao invés da túnica de profeta, ele vestiu roupas comuns, cabelos cortados e barba raspada. Os apóstolos não o reconheceram de imediato.    

Bíblia Sagrada. São Paulo. Editora “Ave Maria”. 58ª edição. 1987. Mateus 9: 13 + 12: 46/47 + 13: 53/56 + 26: 17/29, 47/57 + 27: 11/24, 34/35, 38, 57 + 28: 01/20. Marcos 03: 31/33 + 14: 12/25, 43/53 + 15: 01/15, 21, 36, 42 + 16: 01/09. Lucas 22: 17/19 + 23: 2/6, 13/27, 50/56 + 24: 01/14, 66/71. João 8: 32 + 18: 13, 19/24, 28/40 + 19: 01/16, 25, 30, 33, 38/42 + 20: 01/18 + 22: 07/20, 47/54.
Bíblia Sagrada. Rio de Janeiro. Edição Barsa. 1967.
Lewis, Harvey Spencer – La Vida Mística de Jesús. Califórnia. Amorc. 10ª edição. 1967.
Lima, Antonio Sebastião de – O Evangelho da Irmandade. Resende/RJ. RTN Editora. 2006. 
Rodriguez, Pepe – Mentiras Fundamentales de la Iglesia Católica. Barcelona. Ediciones BSA. 2011. 

domingo, 4 de junho de 2023

SÁBADO versus DOMINGO

A religião judia e a religião cristã têm seus dias da semana destinados ao culto da divindade. O "dia de deus" dos judeus é o último dia da semana: o sábado. O "dia do senhor" dos cristãos é o primeiro dia da semana: o domingo. Os judeus mantiveram-se fiéis à letra do Antigo Testamento (AT). Segundo o Gênesis, o deus do povo hebreu criou o mundo em 6 dias e descansou no sétimo. Daí, os hebreus santificarem o sábado. Nesse dia é proibido trabalhar. Reservaram-no para o culto do seu deus Javé, deus do ódio, da guerra, do sofrimento, tenebroso, vingativo, cruel, justiceiro, genocida. Segundo o Novo Testamento (NT), o Pai Celestial, deus dos cristãos, é justo e misericordioso, deus do amor, da paz, da bem-aventurança e do perdão. Antes da existência do universo não havia tempo, espaço e movimento. Portanto, não havia dia, semana, mês, ano, ou qualquer medida de tempo. Não houve dias e nem semana gastos na criação do mundo. Havia Deus autoconsciente, sem forma, sem idade, sem lugar, sem movimento, vibrando em si mesmo com sua própria energia. Da explosão dessa energia concentrada (Big Bang) e dentro dos parâmetros postos pela inteligência divina, resultaram o tempo, o espaço, o movimento e o universo.  
Quando o sacerdote Esdras escreveu o Pentateuco (500-400 a.C.), já existiam: [1] o universo, há 13 bilhões de anos [2] a humanidade, há 4 milhões de anos [3] o homo sapiens, há 200 mil anos [4] o homem civilizado, há 4 mil anos. As civilizações do Egito e da Mesopotâmia (Suméria, Babilônia, Assíria, Pérsia) pontificaram nesta primeira fase civilizada da evolução humana. O calendário (divisão do ano em 12 meses, da semana em 7 dias, do dia em duas metades de 12 horas cada uma) foi inventado pelos sumérios por volta de 2.700 a.C. Depois, os caldeus, hebreus, romanos, maias, até o papa Gregório XIII (1582), também criaram os seus calendários lunares, solares e sem astros. Destarte, a criação do mundo mencionada na Bíblia faz parte das inúmeras fantasias nela contidas. 
No estado hebreu da Palestina havia seitas ramificadas do judaísmo, tais como: fariseus, saduceus, essênios, nazaritas. A estas, somou-se a seita israelita do profeta Jesus. As seitas tinham em comum o monoteísmo e a herança hebraica. Divergiam em alguns costumes sociais e aspectos da liturgia. Os fariseus questionaram o fato de Jesus e seus apóstolos trabalharem aos sábados: Por que fazeis o que não é permitido no sábado? Jesus respondeu com a frase de Davi: O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. O profeta nega a intenção de revogar a lei. "Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas". Entretanto, ele violou a lei ao trabalhar aos sábados. Os profetas hebreus tinham autoridade para ditar normas que podiam contrariar (abolir) vigentes regras escritas ou  consuetudinárias. Como israelita que era, Jesus censurava a hipocrisia dos sacerdotes judeus. Em parte, isto era reflexo da histórica divergência entre a ortodoxia dos hebreus judeus e a flexibilidade dos hebreus israelitas. O profeta e seus apóstolos, por serem israelitas, eram seletivamente tratados em Jerusalém pelo coletivo “gentio”, forasteiros oriundos da Galileia. O grupo liderado por Jesus, com sotaque regional, era considerado estrangeiro em relação à Judeia, apesar de politicamente vinculado ao estado palestino (Judeia + Samaria + Galileia) então sob a chefia do rei Herodes e a tutela de Roma. 
Posteriormente à morte de Jesus, a seita israelita por ele fundada adotou o domingo como dia santificado em homenagem à ressurreição ocorrida no dia seguinte ao sábado. A crucifixão foi na sexta-feira, o corpo permaneceu no sepulcro durante o sábado e "ressuscitou" no primeiro dia da semana. Para os apóstolos e discípulos desse profeta, o primeiro dia da semana converteu-se em “dia do senhor” (dominus). Isto sombreou a homenagem ao Pai Celestial. A fé em Jesus prevaleceu sobre a fé em deus. Esse fato integra o processo de endeusamento do profeta e enseja a blasfêmia do dogma da “santíssima trindade” (deus = Jesus = espírito santo). 
No evolver da obra dos apóstolos e discípulos, a seita israelita de Jesus assume a estrutura e o funcionamento de religião, expressão cultural de uma comunidade no que concerne à relação dos seus membros com deus. Os fiéis dessa comunidade eram conhecidos como cristãos, isto é, adeptos da doutrina de Cristo. Esse apelido lhes foi dado pela primeira vez na Antioquia (Síria), quando Paulo e Barnabé lá estiveram por um ano a fim de ensinar a doutrina cuja autoria era atribuída a Jesus, o Cristo. Institucionalizaram-se como cristãs: a religião e a igreja correspondente.   
O "dia de deus" assenta-se numa das muitas falsidades da Bíblia: o descanso de deus no sétimo dia. A vida social ensina que todo trabalhador necessita de um período de descanso, inclusive o escravo. O autor do texto obedece ao propósito que permeia o AT: criar um deus à imagem e semelhança dos humanos. Os autores bíblicos concebem deus com características humanas: pensamento, sentimento, vontade, interesse, necessidade, bondade, maldade. Visto como onipotente, onipresente, onisciente, eterno e criador do universo, Deus jamais necessitaria de descanso ou de qualquer outra coisa. Sentir necessidade é próprio da fraqueza humana e não da fortaleza divina.   

Bíblia. Gênesis 2: 3. Êxodo 20: 11. Mateus 5: 17. Marcos 2: 23/28. Lucas 6: 1/5 + 14: 1/5. Apocalipse 1: 10. Atos dos Apóstolos 11: 26. Carta aos Colossenses 2: 16/17.
Burns, Edward McNall – História da Civilização Ocidental. P. Alegre. Globo. 1955.
Greene, Brian – O Universo Elegante. SP. Companhia das Letras. 2001.
Hawking, Stephen W. – Uma Breve História do Tempo. Rio. Rocco. 1988.
Lewis, Harvey Spencer – La Vida Mística de Jesús. Califórnia. Amorc. 1967.
Lima, Antonio Sebastião – O Evangelho da Irmandade. Resende. RTN. 2006.