sábado, 30 de janeiro de 2016

PARLAMENTARISMO



Renovou-se no segundo semestre de 2015 para discussão em 2016, a proposta de adoção do parlamentarismo no Brasil. O eleitorado brasileiro já se pronunciou a respeito e optou pelo presidencialismo mediante plebiscito realizado em 1993 por força do artigo 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Trata-se, pois, de matéria vencida.   
O atual proponente e defensor da mudança do presidencialismo (modelo importado dos EUA) para parlamentarismo (modelo importado da Europa) enquadra-se naquele tipo de brasileiro que gosta de levar vantagem em tudo e que acha a esperteza enganosa o máximo! O brilho no seu olhar ao falar da mudança revela malícia de quem se julga mais sagaz do que os outros.
A proposta de mudança não visa ao melhoramento dos costumes políticos, à maior eficiência do governo e à estabilidade institucional; visa isto sim, à satisfação dos particulares interesses da corja de salafrários que perdeu as eleições presidenciais de 2014. Essa malta de espertalhões quer conquistar o governo da nação, a qualquer custo, com os olhos postos no pré-sal, na venda da Petrobrás e nas gordas comissões (propinas) advindas do negócio. Tentou o golpe de Estado de várias maneiras. Buscou apoio das Forças Armadas. Não conseguiu. Utilizou via judicial para anular as eleições. Não conseguiu. Montou as operações Lava Jato e Triplo X com a cumplicidade das empresas privadas de televisão e dos jornais, no precípuo intento de afundar a economia do país, derrubar a Presidente da República e impedir a futura eleição de Luiz Inácio. Não conseguiu plenamente. Serviu-se da via parlamentar para afastar a Presidente da República. Não conseguiu até o momento e dificilmente conseguirá ante o clima desfavorável na Câmara dos Deputados, principalmente depois da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre as regras do impeachment.
Convicta dessa provável derrota, aquela insidiosa facção tenta, agora, mudar a técnica presidencialista para parlamentarista na esperança de obter a chefia do governo. A mudança exigirá emenda à Constituição ou nova assembléia constituinte.  
Não custa lembrar: os governos da Itália e da Alemanha, ao tempo de Mussolini e de Hitler, eram parlamentaristas. Os dois líderes carismáticos receberam plenos poderes do Parlamento; os representantes do povo entronizaram os dois ditadores.     
Como “Deus escreve certo por linhas tortas”, o parlamentarismo, se adotado, pode beneficiar os partidos que apóiam o atual governo, tal como aconteceu com a reeleição: criada para beneficiar a direita, acabou beneficiando a esquerda.
O parlamentarismo republicano implica pluralidade de partidos, funcionamento da Câmara dos Deputados e responsabilidade política dos ministros. Cuida-se de um modelo dirigente em que o Poder Executivo é exercido por duas autoridades: (1) o Presidente da República como Chefe de Estado; (2) o Primeiro-Ministro como Chefe de Governo. Os mandatos não são necessariamente coincidentes: o do Chefe de Estado pode ser de 10 anos, enquanto o do Chefe de Governo pode ser de 4 anos, com recondução. O modelo parlamentar de governo exige harmonia e mútua confiança entre as instâncias presidencial, ministerial e congressual. Em havendo desarmonia e desconfiança, procede-se à dissolução do Gabinete ou do Parlamento, conforme a situação política, e se renovam os procedimentos para a reorganização daquele que foi dissolvido. O excesso de dissoluções gera instabilidade institucional.
O Chefe de Estado (Presidente) pode ser eleito pelo povo, pelas assembléias legislativas dos Estados, pelo Senado, ou por um colégio eleitoral misto. Em linhas gerais, inclui-se entre as atribuições do Presidente: representar a nação perante os Estados estrangeiros, celebrar tratados e convenções internacionais, declarar guerra ou celebrar a paz, permitir o trânsito de forças estrangeiras pelo território nacional, comandar as Forças Armadas, expor a situação do País ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, conceder indultos, comutar penas, sancionar, promulgar e publicar as leis, vetar projetos de lei, dissolver o Gabinete ou a Câmara, providenciar novas eleições. 
A escolha do Chefe de Governo (Primeiro-Ministro) pode competir ao Presidente da República ou à Câmara dos Deputados, conforme dispor a Constituição. Na segunda hipótese, a maioria parlamentar escolhe o Chefe de Governo que, por sua vez, escolhe os demais ministros, formando, assim, o Gabinete (ministério ou conselho de ministros). Os ministros gozam de autonomia, equivale dizer, não estão subordinados ao Presidente da República e nem à Câmara dos Deputados. A relação entre a presidência, o gabinete e a câmara é de coordenação e não de subordinação. Coletivamente, o Gabinete responde perante a Câmara. Individualmente, ministro pode ser exonerado no caso de má conduta ou de crime de responsabilidade. 
Ao Gabinete, sob a chefia do Primeiro-Ministro, compete a execução da política governamental e a direção da administração pública. A Câmara dos Deputados controla a política governamental e pode votar moção de desconfiança provocando a dissolução do Gabinete. Conforme a conjuntura nacional e internacional, a Câmara pode conceder poderes extraordinários ao Primeiro-Ministro, com risco para os direitos fundamentais do cidadão e a democracia. O parlamentarismo, para não degenerar em anarquia ou em ditadura, depende do espírito público, da seriedade, da boa educação e do bom nível ético e cultural dos políticos.    
De um modo geral, aos políticos brasileiros faltam esses requisitos e também a experiência histórica dos políticos da Inglaterra, da França e da Alemanha, para manter uma saudável técnica parlamentarista. Como demonstra o cotidiano brasileiro, parcela dos políticos é constituída de pilantras. Luiz Inácio da Silva, após exercer o mandato de deputado federal, referiu-se aos “300 picaretas” que operavam no Congresso Nacional, expressão que ficou famosa. Certamente, esse número é aleatório, usado para efeito retórico, sem exatidão, apenas com o propósito de indicar a existência de uma grande parcela de representantes do povo que é desonesta.

sábado, 23 de janeiro de 2016

COMUNISMO



Fascistas, nazistas e comunistas participam ativamente da democracia brasileira, quer individualmente, quer em grupos e partidos políticos. O Partido Comunista do Brasil prestou relevante serviço à nação ao se insurgir contra a arbitrariedade do indecoroso Presidente da Câmara dos Deputados quanto às regras do processo de impeachment da Presidente da República (dez/2015). 
Comunista é o adepto do comunismo. A palavra deriva de comum = o que pertence a todos indistintamente. Na vida tribal primitiva vigorava o comunismo natural.
Comunismo é forma de vida humana social e coletiva em que os bens móveis, imóveis e semoventes pertencem à comunidade; igual acesso à produção, ao consumo, à educação, à saúde, à cultura; há creches, refeitórios e dormitórios comunais. As regras de convivência e de distribuição dos bens e tarefas são estabelecidas sem a mediação do Estado (autogestão).
Comunidade também deriva do vocábulo comum; significa: (1) qualidade ou estado do que é comum a diversos indivíduos; (2) grupo de pessoas comunheiras nos usos, costumes, crenças e regras; (3) instituição em que pessoas participam na promoção do bem comum solidariamente. Comuna de Paris = comunidade de trabalhadores que instituíram governo municipal autônomo de 72 dias na insurreição de 1871, sobre a qual Marx criou o mito que orientou Lênin. Duas comunidades da antiga Palestina têm importância histórica para os cristãos: a dos essênios e a dos apóstolos, enclaves igualitários na sociedade palestina. Hippies e Kibutz são exemplos modernos. 
No plano dos fatos, o comunismo ainda é uma utopia. Há nações socialistas, mas não comunistas, pois todas dependem da mediação do Estado; algumas, de governo autocrático, como a China, outras, de governo democrático, como a Suécia. A URSS começou como ditadura do proletariado (1918) evoluiu para socialismo desenvolvido (1977) e implodiu em 1989/1991 antes de chegar ao estágio final do projeto ideológico: a sonhada sociedade comunista de autogestão social e sem classes.
Estado Comunista é um paradoxo, porque ideologicamente o comunismo prescinde do Estado. Todo Estado exerce repressão particular sobre a classe oprimida. Isto porque nenhum Estado é livre e nenhum Estado é um Estado do povo (Lênin). Sem pluralidade de classes não há Estado. O chamado “Estado Comunista” supõe o convívio fraternal das classes operária, campesina e intelectual, a extinção da classe burguesa e o propósito de tornar realidade o socialismo utópico quando, então, a sociedade comunista passará a existir e a se manter (em futuro distante, segundo Leonid Brézhnev). Hoje, o “Estado Comunista” é autocrático, militarista, ideológico, dogmático, com pretensões hegemônicas e igualitárias. Propõe-se a manter o sistema socialista até o advento da sociedade comunista. O partido único governa, impõe-se pela força, pelo terror, pela extinção dos opositores, pela censura e utiliza farta propaganda. O Partido Comunista considera-se a vanguarda da classe operária, classe esta reconhecida como a força motriz do desenvolvimento do Estado.
O socialismo é produto da revolução industrial na Inglaterra e na Alemanha que se caracterizou, a partir do final do século XVIII, por paulatina substituição da energia humana pela força motriz das máquinas e pela invenção tecnológica no setor industrial. Da desigualdade social e econômica resultante dessa revolução formou-se a classe operária que, ao se organizar, tornou-se revolucionária em potencial. A compaixão e o senso de justiça guiaram o pensamento e a ação de valorosos homens e mulheres na esfera civil e religiosa sensibilizados com o infortúnio dos proletários (trabalhadores adultos, jovens e crianças). Leis de caráter humanitário começaram a ser promulgadas em sintonia com a doutrina social publicada em jornais, livros e encíclicas (cartas circulares expedidas pelo Papa a fim de orientar o pensamento e a conduta dos fiéis, dos clérigos, dos capitalistas e das autoridades seculares). A igualdade formal do liberalismo evolui para a igualdade material do socialismo. O legislador estipula as cláusulas do contrato de trabalho (salário, jornada, repouso, férias). O Estado assume o dever de prestar assistência social e de organizar a previdência social.
A Rússia foi o primeiro Estado a adotar o socialismo como regime político e ideológico. A Corte do Czar estava mergulhada na corrupção e na superstição. A participação na primeira guerra mundial deixara a Rússia em lastimável situação social e econômica. Havia insuficiência geral de alimentos, calçados, agasalhos, medicamentos, armamentos. Temporariamente, a estrada de ferro ficou sem tráfego. A produção de carvão diminuiu. A inflação agravou-se. Os preços das mercadorias subiram. Camponeses deslocavam-se para as cidades.
O governo monárquico sucumbiu ante a ação revolucionária (1917). Entra em cena o socialismo com as facções menchevique (moderada) e bolchevique (radical). O governo provisório de maioria menchevique enunciou as liberdades civis, convocou assembléia constituinte, libertou milhares de prisioneiros e permitiu o regresso dos exilados. Milyukov, Primeiro-Ministro, renunciou porque insistia em manter a Rússia na guerra e o povo queria a paz. Alexandre Kerensky, revolucionário menchevique, assume o governo e celebra a paz com a Alemanha (1917). Apesar disto, sua política desagrada ao povo. Com apoio da massa popular, os bolchevistas, cujo lema era “paz, terra e pão”, organizam força armada (Exército Vermelho), tomam o governo, dissolvem o Parlamento, instauram a ditadura do proletariado, nacionalizam a terra e os bancos, reservam para os camponeses o uso exclusivo da terra, passam a propriedade das fábricas para o Estado e o respectivo controle para os operários. A política de Lênin permitiu a exploração em caráter privado da pequena indústria e do pequeno comércio e a venda do trigo pelo camponês no livre mercado. Após a morte de Lênin, o governo passou a elaborar planos qüinqüenais. A URSS tornou-se a maior potência militar e econômica da Europa (1965/1975).  
Os revolucionários russos organizam a República Socialista Federativa Soviética (Constituição de 1918). Os Sovietes de Operários e Camponeses situavam-se na base. O Conselho dos Comissários do Povo situava-se na cúpula. Da expansão do bolchevismo por outras nações (Armênia, Azerbaijão, Geórgia, Ucrânia) resultou o complexo estatal denominado União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) disciplinado pela Constituição de 1923. Cada república tinha seus próprios sovietes e conselhos de comissários. A Constituição seguinte traz extensa declaração de direitos e deveres (1936). Os cidadãos maiores de 18 anos adquiriram direito ao sufrágio universal: mediante voto secreto, escolhiam os membros dos sovietes locais e do Parlamento Nacional. O Conselho Supremo da URSS era a cúpula do sistema. Formou-se um núcleo privilegiado de membros do partido, cerne do poder estatal, denominado Nomenclatura com altos salários e nível de vida superior ao popular.
O estágio da ditadura do proletariado chega ao fim com a Constituição de 1977 que organiza o Estado Socialista de Todo o Povo e garante o próximo estágio: “O objetivo supremo do Estado Soviético é edificar a sociedade comunista sem classes na qual se desenvolverá a autogestão social comunista”. 
Lênin considerava a ditadura do proletariado um regime aristocrático: o partido único era a elite a governar o povo. Ele afirmava ser possível saltar do sistema feudal (então vigente na Rússia) ao sistema socialista sem passar pelo capitalismo. Marx, ao contrário, entendia possível a democracia no sistema socialista e a passagem pacífica do capitalismo ao socialismo: Há certos países, como a Inglaterra e os Estados Unidos, nos quais os operários podem esperar alcançar seus fins empregando meios pacíficos (discurso de Amsterdã, 1872). 
O governo soviético tolerava a religião, mas reduziu o número de igrejas e proibiu as suas atividades educacional e caritativa. Reduziu o analfabetismo e o poder da Igreja visando a livrar o povo da superstição e facilitar às pessoas comuns o acesso à educação e à cultura. Só ateus podiam ser membros do partido único. A ética cristã é substituída por uma ética positiva estribada no bem coletivo, no interesse público, no respeito ao patrimônio público, no dever social, no devotamento ao trabalho, no sacrifício pessoal, na lealdade à pátria e ao ideal socialista [lealdade que devia ser demonstrada inclusive por delação incentivada e premiada].

sábado, 16 de janeiro de 2016

NAZISMO



A palavra nazista deriva de nazi, abreviatura de Nacional Socialista, nome do partido alemão de direita que se contrapõe a sozi, abreviatura de Socialista, nome do partido alemão de esquerda, na primeira metade do século XX. A palavra nazista também é utilizada como xingamento. Nazista é o adepto do nazismo, seja indivíduo, grupo ou partido político. Caracteriza-se pela aversão ao marxismo, à democracia e às raças não-arianas. Ódio, intolerância e violência prevalecem na conduta dos nazistas.
Nazismo é exercício autocrático do poder político por uma elite civil/militar que acumula funções legislativa e executiva, supressor da oposição, instaurador de um regime racista de tendência totalitária e de caráter nacionalista, idealista e romântico [predomínio da vontade e do sentimento sobre a razão], sustentado pelo capital financeiro e estribado na força e na censura.
O nazismo tem as seguintes características que o diferem do fascismo italiano: (1) superioridade racial como fundamento; (2) valorização do camponês, considerado o portador das altas qualidades germânicas; (3) misticismo e pretensão messiânica; (4) menosprezo aos judeus por não serem alemães e nem arianos e sim uma comunidade fechada de semitas determinada pelo sangue. Por haver martirizado Jesus, o Cristo, o povo judeu era repudiado pelo povo cristão e de modo exacerbado pelos nazistas. Entretanto, se não fosse o martírio não haveria “ressurreição”, nem cristianismo; haveria isto sim, uma pequena seita, entre outras, pulverizada na areia do tempo.  
Sangue e solo eram as chaves da ideologia nazista. O corporativismo italiano não vingou na Alemanha. No Reichstag (Parlamento) havia representação política (por distritos) e não representação econômica (por sindicatos). O nazismo incentivava o fanatismo; assemelhava-se à religião por seu dogmatismo, ritualismo, expansionismo e pela cruz gamada (suástica) símbolo místico do culto à pátria (círculo externo) e da irmandade secreta (círculo interno).
Após a derrota na guerra (1914/1918), instalou-se o caos na Alemanha. Caíram o imperador e a monarquia. Instaurou-se a república, cuja Constituição resultou do consenso entre os chefes dos partidos socialista, centrista e liberal, em torno dos seguintes preceitos: sufrágio universal, representação proporcional, governo de gabinete, direitos à liberdade, à segurança, à propriedade, ao emprego, à educação, à proteção do trabalhador e da família contra os riscos da economia industrial (1919).
Entre os fatores da gestação e do crescimento do nazismo contam-se: (I) a inconformidade com a Constituição de Weimar; a idílica vivência com o governo monárquico dificultava a confiança dos alemães no governo democrático; a ordem constitucional republicana refletia mais o espírito estrangeiro do que o espírito germânico; (II) o caos na sociedade alemã gerado pela severidade do Tratado de Versalhes; em assuntos externos, a Alemanha perdeu autonomia; internamente, havia tensão nas camadas sociais e perplexidade no corpo eleitoral; a moeda alemã se desvalorizou ante a desenfreada e colossal inflação de 1923; ruína geral do setor privado; oportunismo de especuladores (principalmente judeus). 
A reação do Estado alemão às condições humilhantes em que fora lançado pelos vencedores da primeira guerra mundial correspondeu à sua tradição guerreira cujo símbolo era o exército. Sair da humilhação e exibir grandeza e orgulho nacional era ponto de honra. O governo alemão resolveu ignorar as cláusulas restritivas do Tratado de Versalhes: aumentou o efetivo do exército, restabeleceu a força aérea, a frota de tanques, navios e submarinos e incrementou a produção de material bélico.
O movimento nazista teve início em uma cervejaria de Munique (Baviera, 1919), onde o ferroviário Anton Drexler e seis companheiros, entre um caneco e outro, fundaram o Partido Operário Alemão com etílica e pretensiosa plataforma: (1) rejeitar o Tratado de Versalhes; (2) extinguir o sistema parlamentar; (3) fortalecer o poder central; (4) confiscar lucros de guerra; (5) nacionalizar os trustes; (6) distribuir os lucros das grandes indústrias; (7) dividir as grandes casas de comércio em pequenas unidades de vendas a retalho; (8) proibir especulação imobiliária; (9) vedar obtenção de renda sem trabalho; (10) punir a usura com pena de morte; (11) cassar a cidadania dos judeus; (12) aumentar os benefícios aos necessitados.
Adolfo Hitler comparecia às reuniões do grupo na cervejaria como espião militar. No entanto, acabou por aderir ao novo partido e se desligar do exército onde obtivera a graduação de cabo e fora condecorado com a cruz de ferro por bravura na primeira guerra mundial. Artista obscuro (pintor), sem formação acadêmica, Adolfo acreditava na superioridade da raça ariana e nos políticos racistas de Viena. Responsável pela propaganda, ele muda o nome da agremiação para Partido Operário Alemão Nacional-Socialista, vulgarizado como nazi (1920).
Os comunistas hostilizaram a social democracia. O fascismo e a social democracia são irmãos gêmeos, dizia Stalin. Isto favoreceu o avanço do nazismo. Inicialmente, o movimento nazista contou com parcela da classe média, antigos oficiais do exército, pequenos fazendeiros, estudantes universitários e trabalhadores desempregados. No contexto social e econômico do período de 1920 a 1940, o povo alemão ansiava mais por segurança do que por liberdade. Ante o crescimento do partido comunista e da sua influência no Parlamento, a burguesia reagiu. O nazismo ganhou impulso na grande depressão alemã a partir do colapso da Bolsa de NY em 1929. O pequeno partido nazi crescera e se fortalecera no curso dos 10 anos seguintes à sua singela fundação e, agora, pleiteava para Adolfo, o cargo de Chanceler (1932). Vigorava o sistema parlamentar: o Presidente da República era Chefe de Estado e o Chanceler era Chefe de Governo. O Chanceler dependia da confiança do Parlamento e nenhum conseguia maioria. Então, industriais e banqueiros exigiram a chancelaria para Adolfo (1933). O Presidente Hindenburg cedeu e nomeou Adolfo.
Graças ao resultado do plebiscito realizado depois da morte do Presidente (1934), Adolfo assumiu a Chefia do Estado e do Governo (führer und reichskanzler) apoiado no voto popular. O nacionalismo adquiriu força total. O direito devia espelhar o espírito do povo alemão (volksgeist). Adolfo suprimiu a união dos trabalhadores, perseguiu os comunistas, dissolveu o Parlamento, convocou novas eleições e obteve aumento de cadeiras para o seu partido. Mediante aliança partidária, formou maioria no Parlamento que lhe concede plenos poderes. Nessa ditadura eletiva para vencer crise conjuntural, Adolfo encarna o volksgeist e personaliza o poder e o direito.
A bandeira do partido nazi substitui a da república. A nova Alemanha, III Reich sucessor dos impérios dos Hohenstaufen e Hohenzollern, se propôs a: (1) purificar a sociedade mediante a exclusão ou eliminação dos judeus, ciganos, negros e outros elementos estranhos à raça ariana; (2) condicionar a mente e o coração do povo ao regime nazista; (3) relegar ao segundo plano a lealdade à família, à classe e à religião; (4) enfrentar qualquer nação que oferecesse resistência à sua expansão; (5) esmagar o inimigo sem concessões, com raiva, bravura e heroísmo; (6) vingar a humilhação sofrida em 1919, na assinatura do Tratado de Versalhes.
Esse ideário e esses propósitos encontravam mínima resistência interna. O regime nazista era imensamente popular e o uso que fazia dos recursos nacionais não era questionado. A Alemanha gastava com armamento mais do que os outros países europeus e se tornou uma potência militar e econômica. O êxito estrondoso arrebatou de Adolfo a sensatez e a lucidez essenciais a um estadista. Ele provoca uma guerra mundial terrível. O povo alemão sabia da existência dos campos de concentração, dos comboios ferroviários conduzindo prisioneiros e dos fornos crematórios, conforme atesta a mensagem com fotografias do campo de Buchenwald enviada à revista Vogue pela jornalista Lee Miller: Não há dúvida de que civis alemães sabiam o que acontecia. O desvio da ferrovia para o campo de Dachau passa próximo às casas com trens de deportados mortos ou semimortos. Espero que a Vogue sinta que pode publicar essas fotografias. (Francine Prose em “A Vida das Musas”. Rio, Nova Fronteira, 2004, p.324 + Antonio Sebastião de Lima em: (I) “Poder Constituinte e Constituição”. Rio, Plurarte, 1983, p.109/110, nota 2b; (II) “Teoria do Estado e da Constituição”. Rio, Freitas Bastos, 1998, p.88).

sábado, 9 de janeiro de 2016

FASCISMO



- Vocês são fascistas, elite podre da sociedade capitalista!
- Fascistas são vocês, bando de demagogos enganadores do povo!
A palavra fascista, às vezes acompanhada de obscenidades, tem sido usada para xingar o adversário da direita ou da esquerda. A palavra é de origem latina: (1) fasces (latim) = machado rodeado de um feixe de varas representando a união do povo em torno da autoridade do Estado romano; (2) fascio (italiano) = feixe, grupo, bando.
Fascista, no significado próprio, é o adepto do fascismo, seja indivíduo, grupo ou partido político. Consoante testemunho da história, o fascista caracteriza-se: (1) por ferrenha oposição ao marxismo; (2) por aversão ao governo democrático; (3) pelo ódio ao adversário; (4) pela intolerância; (5) pela violência física e moral (depredação, espancamento, seqüestro, assassinato, injúria, difamação, calúnia).  
Ninguém é fascista só por estar à direita ou à esquerda do espectro político. De um modo simples e esquemático, o quadro assim se desenha: (1) o princípio fundamental da direita é liberdade; o da esquerda, igualdade; (2) o modelo político da direita é aristocrático; o da esquerda, democrático; (3) o governo da direita é elitista; o da esquerda, populista; (4) o valor econômico da direita é a propriedade privada; o da esquerda, a propriedade coletiva; (5) a direita é concentradora da riqueza; a esquerda, distribuidora; (6) a direita pende para o egoísmo; a esquerda, para o altruísmo.
De mero acidente topográfico decorrente do confronto liberalismo x socialismo na Assembléia Nacional Francesa, quando os defensores da liberdade, dos privilégios e da propriedade privada postaram-se à direita do plenário enquanto os defensores da igualdade, da justa distribuição da riqueza e do bem-estar social postaram-se à esquerda, a contraposição direita x esquerda entrou para o vocabulário da ciência política por refletir uma realidade social e econômica histórica: a existência de classes fundadas em princípios e interesses conflitantes no bojo da sociedade industrial. Modos coletivos de protesto e de reivindicação como greve, passeata, frente popular, invasão de propriedades, atestam essa divisão no meio social.    
A direita é conservadora e pragmática. A ideologia da direita sustenta a legitimidade das forças sociais empenhadas em conservar o modelo econômico e social que as beneficia. Só há solidariedade entre essas forças quando se defrontam com grave ameaça aos seus comuns interesses. Fora disto, impera entre elas a selvagem competição por lucro e crescimento patrimonial. Esse individualismo possessivo é óbice intransponível à busca da universalidade empreendida pelos teóricos da direita.
Fascismo é exercício autocrático do poder político por uma elite civil/militar que acumula funções legislativa e executiva, supressor da oposição, instaurador de um regime de tendência totalitária e corporativista, de caráter nacionalista, idealista e romântico, sustentado pelo capital financeiro e estribado na força e na censura. A chefia do governo fascista é exercida, geralmente, por pessoa carismática.   
No fascismo, a soberania do Estado é absoluta; perante o Estado, o cidadão não tem direitos, só deveres (Kant dizia isto de modo inverso: “O Chefe de Estado só tem direitos em face dos súditos, não tem deveres”); a liberdade é dispensável na seara política embora útil no setor econômico; o povo necessita de ordem, trabalho e prosperidade; o governo cabe à elite que se legitima pela força e pelos ideais nacionais (autoritarismo). A nação é a mais sublime forma social com alma e vida próprias; duas nações distintas jamais comungarão os mesmos ideais e interesses (nacionalismo). A nação é senhora do seu destino; a interpretação materialista da história é um equívoco (idealismo). O espírito fascista é vontade e não intelecto; a razão é inadequada para solucionar os grandes problemas nacionais; são necessários: fé mística, sacrifício, heroísmo e força (romantismo). A luta é a origem de todas as coisas; as nações que não se expandem, morrem; a guerra enobrece o homem e regenera os povos ociosos (militarismo). A economia deve ser regulamentada e controlada pelo Estado; as classes produtoras representam a nação sem antagonismo entre o capital e o trabalho (corporativismo). O Estado engloba os interesses individuais e coletivos; nada acima do Estado; nada fora do Estado; nada contra o Estado; um só partido, uma só imprensa, uma só educação (totalitarismo).
O fascismo supera a tensão teoria x prática mediante um pragmatismo radical: sepulta a teoria e prestigia a ação. (L´azione há seppellito la filosofia, escreveu Mussolini). Na Itália fascista ouvia-se o histriônico ditado: Filosofia é a ciência com a qual ou sem a qual o mundo resta tal e qual. O fascismo é rebento italiano gerado pelos negativos efeitos sociais e econômicos da primeira guerra mundial. Graças à sua proposta de combater o comunismo e preservar o capital e a propriedade privada, o fascismo recebeu a simpatia e o apoio de banqueiros, industriais, comerciantes e latifundiários. Com auxílio da imprensa e do rádio, as lideranças fascistas serviram-se da retórica e da propaganda para obter o consenso da massa popular. Foi junto à pequena burguesia que o fascismo conquistou o maior número de adeptos. A classe operária inclinava-se para o socialismo.
De acordo com o saudosismo fascista, a Itália devia conquistar e iluminar o mundo, como fizera ao tempo do império romano e da renascença. A Itália devia sobrepor-se ao italiano, o interesse da nação sobrepor-se ao interesse do indivíduo. Entre os fatos geradores da revolução fascista contam-se: especulação, demagogia, corrupção, inflação, desemprego, salários baixos, greves freqüentes, fechamento do mercado estrangeiro, ativismo socialista do operariado, aumento das cadeiras socialistas no Parlamento, filiação à Internacional Socialista de Moscou em 1918 (radicalismo econômico). O fascismo brotou: (1) do caldo de cultura produzido pela primeira guerra mundial; (2) da reação capitalista ao radicalismo econômico dos socialistas; (3) do fracasso do governo parlamentarista (nenhum partido conseguia maioria no Parlamento italiano; governar era missão quase impossível).
A partir da tese de Hegel (o Estado é a manifestação de Deus na Terra) e da tese de Heráclito (o mundo real deriva do ajuste de tendências opostas, da harmonia dos contrários) o filósofo Giovanni Gentile e o historiador Giuseppe Prezzoline forneceram base teórica ao fascismo. Teses de Marx foram adaptadas. A luta de classes, ao invés de expressar situação transitória que terminaria no comunismo (marxismo), expressa situação permanente da vida em sociedade (fascismo). A uma elite cabe disciplinar essa luta. A prevalência da ação sobre a teoria, no fascismo, tem raiz marxista: Os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo de diversas maneiras; a verdadeira tarefa é transformá-lo (Karl Marx). 
Benito Mussolini (1883-1945), cujo pai admirava o herói mexicano Benito Juarez, era italiano, professor, jornalista, político, chefiava o fascio de Milão e fundou o Partido Nacional Fascista (Roma, 1921). Benito abandonou o marxismo e se tornou o corifeu do fascismo. Escorou-se nas imagens de Julio César, Bonaparte e Garibaldi, mui presentes na cultura italiana; usou linguagem bombástica e bravatas; sob a sua liderança, a Itália progrediu. O rei Vitor Emanuel III manteve as prerrogativas do trono. Parte da burocracia e dos oficiais militares era fiel ao rei e, às vezes, se opunha aos projetos de Benito. O Papa era outra pedra na bota do Il Duce. Apesar disto, Benito conquistou lugar na história como pioneiro de um novo modelo político.
O pensamento de Benito é um coquetel: (1) mais do que teoria e palavrório, o que importa é agir; (2) segundo as circunstâncias de tempo e lugar, o fascista pode ser aristocrático, democrático, conservador, progressista, reacionário e revolucionário; (3) algo absoluto paira acima dessas coisas relativas: a nação. Por ser complexa, conflituosa e dividida em classes, a nação real não serve aos desígnios fascistas. Criar o mito era necessário; corresponder à realidade era desnecessário. No mito, envolvido em persuasiva retórica, a nação é vista como unidade política homogênea. Seguindo essa linha ficcional, os fascistas do século XXI afirmam que a oposição direita x esquerda está superada, embora a realidade mostre o contrário.
O fascismo difundiu-se com tintas locais por países como Alemanha, Espanha, Portugal, Turquia, Líbia, Egito, Japão, Coréia, Brasil, Argentina. Na segunda metade do século XX, em decorrência da guerra fria (EUA x URSS), o fascismo grassou nos países da América Latina e impediu que o comunismo vicejasse no continente americano (com exceção de Cuba). O capitalismo de Estado estimulou o fascismo. Apesar da derrota dos governos fascistas na segunda guerra mundial (1939/1945), o fascismo sobreviveu como visão de mundo (pensamento único, linguagem e ação homogêneas, sublimação dos antagonismos) e como ativismo político, quer em partido próprio, quer infiltrado em partidos conservadores.