quarta-feira, 26 de outubro de 2016

DIÁLOGO

AMINTHAS – A análise da técnica de projetar a alma fora do corpo supõe o questionamento da razoabilidade: (1) das teorias e doutrinas da ciência, da filosofia e da religião; (2) do conhecimento vulgar derivado das crenças e dos costumes; (3) das normas éticas postas pela sociedade. Servindo-nos do método cartesiano, colocamos em dúvida a dualidade corpo + alma e a projeção da alma, a fim de apurarmos o que há de verdadeiro ou falso nessas expressões. 
ZENO – Ainda que justificado pela razoabilidade, o questionamento referido por você desperta ódio, provoca reações hostis e violentas, inclusive guerras, ativa o lado demoníaco dos seres humanos. Os significados divergem ante a ambiguidade das palavras, a pobreza do vocabulário e as diferentes estruturas mentais e visões de mundo dos humanos. De um modo geral, entende-se: (1) por corpo humano, a constituição física, individualidade material de cada homem e de cada mulher; (2) por alma, a parte imaterial do homem e da mulher, a energia que lhes dá vida, inteligência, vontade, sensibilidade e lhes proporciona consciência de si mesmo e do mundo exterior; (3) por projeção astral, o lançamento da alma para fora do corpo mediante alguns procedimentos, tais como: posição estática do corpo, relaxamento muscular, olhos cerrados (hindus fixam o olhar no umbigo, região do plexo solar), ambiente tranquilo, mantras ou música para facilitar a introspecção. Assim como na hipnose, na projeção astral o córtex cerebral fica obliterado. Desse modo, o místico pretende, sem o invólucro físico, chegar a algum lugar no mundo material ou entrar no mundo espiritual e ficar ciente do que lá encontrar.
A – Lançar a alma fora do corpo equivale ao suicídio, pois sem energia, o corpo morre. Na projeção astral descrita por você, o corpo permanece vivo. Então, só parte da alma é lançada. Posto que, nos procedimentos citados, o indivíduo se utiliza da inteligência e da vontade, penso que só a consciência é lançada. Logo, projeção astral e expansão da consciência equivalem-se.
Z – O teu raciocínio exige ponderação, Aminthas. A alma é dúctil, ela se elastece e se estende para qualquer direção mantendo intactas as suas propriedades.
A – Meu caro Zeno, se a alma for elástica, exigirá suporte físico. Pensamento e sensibilidade, por exemplo, têm o cérebro e os nervos como suportes físicos. A característica dúctil da alma supõe alguma substância plasmática de frequência vibratória imperceptível aos sentidos.
Z – A luz viaja no espaço/tempo, nem todos a percebem, mas aceitam a ideia de que ela é composta de ondas e partículas. A alma também é energia ondulatória semelhante à luz.
A – O ar é o meio gasoso através do qual a luz se propaga. Qual o meio no qual a alma se propaga? Não é melhor falarmos em expansão da consciência?
Z – Tratar a projeção como expansão da consciência me parece aceitável, uma vez que a consciência é função cognitiva própria do ser vivo e um atributo da alma.
A – Essa expansão pode acontecer involuntariamente? Lembro de casos de morte e ressurreição em que os pacientes narram experiência pela qual passaram fora do corpo. Assim, também, pessoas que adormeceram e sentiram-se fora dos seus corpos na casa em que estavam. Destarte, penso que a projeção astral involuntária pode resultar da atividade cerebral de quem está adormecido. A consciência, nesse caso, talvez não vá além do mundo natural e social. No que tange à projeção astral voluntária para além do mundo material, penso tratar-se de ilusão criada pela ideia fantasiosa que o agente faz do mundo espiritual. Tal projeção será semelhante à ilusão de ótica: o mundo espiritual surge como a miragem no deserto. O agente interpreta a miragem como sendo o arquétipo do mundo material, nos moldes platônicos.  
Z – Sobre o arquétipo, dizem os místicos: “Como em cima é embaixo”. A estrutura do visível (sistema solar) é réplica do invisível (átomo). Ao contrário de você, penso que voluntária ou involuntariamente, a consciência vai além do mundo material. Na viagem, o navegante tanto pode sonhar como vivenciar uma realidade.
A – Admito a possibilidade da expansão da consciência no mundo material, pois é nele que o ser humano vive prisioneiro do tempo/espaço. Mas, o que eu quero mesmo saber exige antes uma explicação: o que dá vida a esse universo? Refiro-me à gênese da matéria e não apenas ao fenômeno biológico próprio dos vegetais e animais; refiro-me à vida como energia criadora do universo que o mantém em movimento e transforma-o incessantemente.
Z – A tua pergunta já veio com a resposta. O que dá vida ao universo é essa energia criadora à qual você se referiu. Os místicos chamam-na de alma universal. Assim como a atmosfera envolve o nosso planeta, a alma universal envolve o mundo material e o faz pulsar.
A – Essa energia gera a si mesma ou provém de alguma fonte? Deixemos essa questão em suspenso para reflexão. Enquanto isto, eu gostaria de explorar a extensão da alma que você mencionou. Se o universo está no interior da alma e se o homem está no interior do universo, então o homem está no interior da alma. Imagem geométrica ajuda a visualizar o raciocínio: três círculos concêntricos, o maior representando a alma, dentro dele o círculo médio representando o universo, dentro do círculo médio o círculo pequeno representando o humano. Vê-se, então, meu estimado Zeno, que o homem não pode lançar fora de si mesmo o que fora já está. Após a morte do corpo, resta apenas a energia que o estruturava e o mantinha vivo (o círculo maior). “Porque tu és pó e em pó te hás de tornar”, disse deus a Adão. “Em a natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, disse Lavoisier. “A matéria é energia concentrada”, disse Einstein.
Z – A tua lógica é sedutora, Aminthas, porém, falta uma premissa essencial ao teu argumento. A projeção não é da alma universal e sim da personalidade que ela gera ao animar o corpo desde o nascimento. A personalidade anímica gerada é cônscia de si mesma e capaz de expandir a sua consciência tanto para o mundo material como para o mundo espiritual. 
A – Você acaba de introduzir um terceiro elemento na equação inicial. A nova premissa não muda a essência do  meu argumento. Estávamos no binômio: corpo + alma. Agora, estamos no trinômio: corpo físico + personalidade anímica + alma universal. Percebo que esse trinômio está na base de doutrina a cujos seguidores você conforta: o corpo se decompõe, a personalidade anímica evolui e a alma universal permanece idêntica a si mesma.
Z – Esse terceiro elemento ergue um novo problema que estimula a razão, pois você certamente perguntará: a personalidade é material ou espiritual? O processo evolutivo tem algum propósito? A minha resposta é a seguinte: a personalidade tem as duas naturezas enquanto encarnada e está sujeita à lei da evolução e da reencarnação. Estou ciente de que esse entendimento coloca em xeque a dualidade corpo + alma e encaminha o assunto para uma compreensão holística.   
A – Realmente, Zeno, a pergunta brotou na minha cabeça. Acho a tua resposta problemática. Admitindo a existência da personalidade anímica consciente de si mesma, eu penso que ela evolui enquanto encarnada, todavia, não creio que ela reencarna e sim que permanece como um amálgama integrado à alma universal após a morte do corpo. Não quero, entretanto, desviar o foco da nossa conversa. O fato é que a metafísica não traz certeza alguma. Existe o mundo espiritual? Se existe, tem estrutura? Como funciona? Se for habitado, certamente o será por espíritos (personalidades anímicas sem corpo físico). Tais espíritos são oriundos exclusivamente da Terra ou também de outros planetas situados em diferentes galáxias? Admitindo a reencarnação dos espíritos, eles reencarnam sempre no seu planeta de origem ou também em outros planetas? Há regras disciplinando a conduta dessa população espírita? Há prêmios e castigos? O mundo espiritual interage com o mundo material? Esse questionamento pode revelar o tamanho da nossa ignorância.
Z – O russo Yuri Gagarin subiu ao céu, não se sentou ao lado de deus, porém se maravilhou com a cor azul da Terra (1961). Lá no espaço sideral ele não viu deus, Elias, Jesus, apóstolos e nem espíritos de gente boa, honesta e religiosa. Mostrou aos humanos que o céu astronômico não é a morada dos deuses como pensavam povos antigos e ainda pensam povos modernos apegados às escrituras dos judeus, dos cristãos e dos muçulmanos. A partir das descobertas de Gagarin e da Astrofísica, o céu das religiões passou a ser simbólico; o mundo espiritual e o paraíso foram lançados fora do espaço/tempo. A crença na existência do mundo espiritual e do paraíso não resulta da fé científica e sim da fé religiosa. A via apropriada para se conhecer tal mundo é a intuitiva e não a racional. A certeza da existência do mundo espiritual é personalíssima e decorre da intuição. A experiência extática traz certeza ao indivíduo que a vivencia. O êxtase é momento de iluminação mental.
A – Acredito na tua sinceridade, Zeno, mas abdicar da razão em favor da intuição não me parece correto. Você mesmo disse: a experiência extática é personalíssima; portanto, não há como prová-la em um tribunal. Suponhamos que dela possa derivar algum conhecimento sobre o mundo espiritual. A falta de imagens e palavras adequadas dificultará a transmissão desse conhecimento a terceiros. Ademais, a visão do agente pode estar comprometida pela imagem que ele tem do mundo material, da comunidade humana e de si mesmo.
Z – Abdicar é desnecessário, meu prezado Aminthas. As duas vias do conhecimento são válidas, basta adequar a racional e a intuitiva aos seus respectivos campos. A razão filtra e organiza o conteúdo da apreensão intuitiva. O filtro racional impede que a fantasia seja vista como realidade. Na filtragem, a razoabilidade desempenha papel central. 
A – Vejo que você também confia na razão. No entanto, raciocinando podemos errar se as premissas forem falsas. O juízo de verdade num contexto, pode se mostrar falso em outro; o que ontem era verdade, hoje pode não ser mais. Ontem, a Terra e o ser humano ocupavam o centro do universo; hoje, não mais. Ontem, era legítimo torturar e matar o acusado de cometer delito. Hoje, em alguns países civilizados, as penas de tortura e morte foram profligadas. 
Z – Sim, Aminthas, eu confio na razão, pero no mucho. Eu não ignoro os diferentes contextos no tempo e no espaço. Se me permite, valer-me-ei de expressão bíblica. A razão ajuda a separar o joio do trigo. Pode se equivocar? Sim, pois esta é a sina dos humanos: acertar e errar, estar na certeza, na dúvida e na ignorância. Renovo a pergunta de Pilatos: “O que é a verdade”? Do que realmente estamos a falar quando a mencionamos? Em que contexto a invocamos? Neste mundo de mutações naturais e sociais em que vivemos, há verdade absoluta e eterna? As vias intuitiva e racional comportam riscos tendo em vista as deficiências humanas, inclusive no que tange às fraudes e à corrupção física e moral, porém, isto não invalida as experiências autênticas de agentes honestos que vivem para o bem da humanidade. Discutiremos isto oportunamente. Agora, preciso ir. Receba o meu fraternal abraço.  
A – Aqui estou de corpo e alma para receber o teu abraço. Até breve, meu irmão.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

REBELIÃO CONTRA DEUS

Em artigo publicado no Jornal do Brasil eletrônico de 16/10/2016, intitulado “Deus, onde estavas naquele momento? Por que não acalmaste o tufão Mathews?”, o teólogo Leonardo Boff aborda o tema das invectivas contra deus, motivadas por danos materiais e pessoais causados aos humanos pelos fenômenos da natureza. O teólogo cita como exemplo da aparente injustiça divina os tufões Katrina e Matews que recentemente assolaram os EUA e o povo pobre, negro e sofrido do Haiti. Por amor ao debate construtivo, tratarei do mesmo tema, citarei os mesmos personagens (Jeremias, Jó e Jesus) e o mesmo salmo 44 da Bíblia, porém sob a ótica mística despregada dos dogmas das religiões judaica, cristã e islâmica.

Preliminares. Noto, inicialmente, que as perguntas acima perdem sentido ante a onipresença de deus e a inflexibilidade das suas leis: deus está em toda parte o tempo todo, não revoga e nem contraria as suas próprias leis (enquanto os humanos mudam as leis pelos mais diversos interesses). Noto, ainda, que os tufões desgraçaram tanto o povo branco e rico (EUA) como o povo negro e pobre (Haiti), o que demonstra a neutralidade das forças da natureza.   

Jeremias. Profeta judeu que iniciou o seu ministério quando Josias era rei em Jerusalém, época em que o Deuteronômio (texto legislativo bíblico) foi achado nas ruínas do templo (620 a.C.). Jeremias denunciou a falsidade dos profetas judeus e israelitas. Ao interpelar deus, ele coloca em dúvida a justiça divina: vós sois sumamente justo, Senhor, para que eu entre em disputa convosco. Entretanto, em espírito de justiça, desejaria falar-vos; por que alcançam bom êxito os maus em tudo quanto empreendem? E por que razão os pérfidos vivem felizes? Vós os plantastes e eles criam raízes, crescem e frutificam. Ao se referir à ingratidão de Israel, diz que o povo assim reclamava: Onde está o Senhor que nos fez sair do Egito, guiando-nos através do deserto, terra de desolação e abismos, terra de aridez e trevas, onde homem algum habita?  

Jó. Personagem central de um drama narrado no livro sapiencial que leva o seu nome contido no Antigo Testamento (Bíblia). Jó tem o perfil do judeu daquela época (500 a.C.), que se julga vítima dos infortúnios do mundo e os atribui à vontade de Javé, um deus cruel e impiedoso. Jó perdeu todos os filhos e todos os bens, ficou doente, se achava injustiçado e atribuiu suas desgraças à vontade desse deus: As setas do todo-poderoso estão cravadas em mim e meu espírito bebe o veneno delas; os terrores de deus me assediam; que mal te fiz, ó guarda dos homens? Por que me tomas por alvo e me tornei pesado a ti? Por que não toleras meu pecado e não apagas a minha culpa?

Jesus. Profeta galileu cuja vida está narrada nos evangelhos que formam o Novo Testamento (Bíblia), anunciava a desgraça: Dias virão em que destas coisas que vedes não ficará pedra sobre pedra; tudo será destruído. Também ele formulou suas queixas no Getsêmani (monte das oliveiras) e no Calvário (Golgota). Lá, antes da crucifixão, pedira a deus que dele afastasse aquele cálice (o padecimento nas mãos das autoridades judias): O espírito está pronto, mas a carne é fraca. Meu pai, se não é possível que este cálice passe sem que eu o beba, faça-se a tua vontade. Cá, ao ser crucificado, questionou o Pai Celestial: Meu deus, meu deus, por que me abandonaste? Pai, nas tuas mãos, eu entrego o meu espírito. Está tudo consumado

Salmos. Louvores, lamentações, cânticos e poemas de diversos autores compõem os salmos (ou saltério), livro de oração dos judeus que consta do Antigo Testamento e que foi adotado pela Igreja Católica. O salmo número 43 (texto latino) ou 44 (texto hebraico) é uma sequência de versos sobre: (i) os fatos gloriosos do passado, quando o deus Javé protegeu e proporcionou riqueza ao povo hebreu, e (ii) o infortúnio da nação judia no presente (desterro na Babilônia): Era em deus que em todo o tempo nos gloriávamos; o seu nome nós sempre celebrávamos. Agora, porém, nos rejeitais e confundis e já não ides à frente dos nossos exércitos, vós nos fizestes recuar diante do inimigo e os que nos odiavam pilharam nossos bens. Entregastes-nos como ovelhas para o corte e nos dispersastes entre os pagãos. Vendestes vosso povo por preço vil. Fizestes de nós a sátira das nações pagãs. Por vossa causa somos entregues à morte todos os dias e tratados como ovelhas de matadouro. Acordai Senhor! Por que dormis? Despertai! Não nos rejeiteis continuamente! Por que ocultais a vossa face? E esqueceis nossas misérias e opressões? Levantai-vos em nosso socorro e livrai-nos pela vossa misericórdia.   

Comentário. As catástrofes naturais (tufões, ciclones, terremotos, maremotos) destroem vidas e bens das pessoas indistintamente. As vitimas se consideram injustiçadas e levantam suas vozes contra deus. Por imaginarem deus onipotente, onipresente e onisciente, as vítimas consideram-no também responsável pelas desgraças causadas por esses fenômenos da natureza. A desilusão está na base dessa rebelião contra deus. A decepção das vítimas se deve à ideia que fazem de deus, como um ser antropomórfico ou como “alguém” ocupando lugar no espaço e vivendo eternamente, poderoso, amoroso, justo, sábio e misericordioso, sempre voltado para o bem individual de cada ser humano, pronto para intervir nos assuntos do mundo terreno para o bem coletivo da humanidade. Essa crença na intervenção direta de deus na vida individual e coletiva dos seres humanos é produto da fantasia. O desígnio especial de deus em relação ao planeta Terra e seus habitantes é fruto da imaginação e das expectativas humanas. Quanto mais tomamos consciência dos milhões de galáxias existentes no universo e de que o nosso minúsculo planeta situa-se em um pequeno sistema solar no cantinho de uma delas (Via Láctea), mais nos convencemos dessa dura realidade. As leis divinas e naturais funcionam de modo automático, inflexível e por tempo indeterminado, desde a criação do mundo, sem necessidade da direta intervenção de deus na dinâmica universal. Deus não toma partido nas disputas e nos negócios humanos. Homens e mulheres são os únicos e diretos responsáveis por suas ações e omissões, livres para praticar o bem e o mal e arcar com as consequências boas e más. A justiça divina realiza-se através do mecanismo da lei do karma. A intervenção do deus Javé (de Moisés), do Pai Celestial (de Jesus), do deus Alá (de Maomé), ou de qualquer outro deus ou deusa é tão somente desejo de quem se sente impotente ou perplexo diante da magnitude do universo, dos fenômenos da natureza e das contradições, desigualdades e injustiças sociais; desejo de quem, vítima do medo, da ignorância ou da autoridade mundana, pede ajuda transcendental ou recorre à autoridade divina. 

Deus e o Homem. É possível que deus nada seja do que imaginam e dizem os profetas e os líderes religiosos. As escrituras sagradas mais parecem contos da carochinha, como disse Einstein. É possível que deus não tenha forma alguma, não seja “alguém”, nem tenha os predicados que os humanos lhe atribuem. É possível que deus seja energia pura, imanente e ao mesmo tempo transcendente à matéria, energia que dá vida ao universo e luz aos seres pensantes. O humano nasce, cresce, reproduz e morre como os demais seres vivos, submetido às mesmas leis da natureza. Por ser racional e criar o seu próprio mundo encravado no mundo da natureza, o humano pensa que deus lhe reserva um destino especial, ideia pretensiosa ditada pela vaidade e pela insegurança e que repousa no doce mundo da ilusão. Sobre a dimensão espiritual do mundo há tão somente opiniões, às vezes equivocadas ou maliciosas, e experiências extáticas individuais. O acesso a deus talvez seja possível pela harmonização cósmica de quem se prepara com a mente arejada, coração limpo e humilde. Nesse caso, é possível que haja resposta divina (iluminação espiritual) durante o êxtase, a orientar o buscador sincero.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

PINGOS

Praticidade. Servindo-se de computador e celular, Eva, mulher moderna, bela e recatada, presta serviço a terceiros sem sair de casa, ajuda na renda familiar, sobra tempo para cuidar da casa, dos filhos e dos cachorros, inclusive o marido. 

Importância. Seguidamente, ministros do Supremo Tribunal Federal qualificam de importante, grave, urgente, o caso em julgamento. Fica a pergunta: há casos na suprema corte do país que não sejam importantes, graves e urgentes? Questões constitucionais submetidas ao Guardião da Constituição não são importantes, graves e urgentes? Para a parte que tem a seu favor o bom direito, o caso será sempre urgente. De um modo geral, todo caso submetido à apreciação da suprema corte há de ser importante e grave, principalmente se reconhecida a repercussão geral. Não há sentido em se falar de urgência quando, no plano dos fatos, por diversos motivos, enorme é a demora na prestação da tutela jurisdicional pela suprema corte. 

Trovas. 
Defender a sociedade / Imperiosa necessidade / Para fazer o bem geral / Algum abuso convém / Diz o juiz parcial / Ao tirar a liberdade de alguém.

Torcer a lei um pouquinho / Espantar pássaro do ninho / Pestilento ar de um tribunal / De juízes venais composto / No plural escondem o rosto / E o rubor da sentença imoral.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

INOCÊNCIA PRESUMIDA

O Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão de 05/10/2016, por maioria dos seus juízes, fixou entendimento sobre o princípio da inocência presumida ao apreciar medida cautelar em duas ações nas quais se pleiteia a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) que assim dispõe: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita da autoridade judiciária competente em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo em virtude de prisão temporária ou preventiva”. Os postulantes sustentam que esse dispositivo processual está em harmonia com o inciso LVII, do artigo 5º, da Constituição da República, assim redigido: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Trânsito em julgado é a passagem do estado provisório de certeza gerado pela sentença judicial recorrível para o estado definitivo de certeza gerado pelo esgotamento da via recursal. 
No início deste ano, na sessão do dia 17/02/2016, o STF decidiu que o condenado pode ser preso antes do trânsito em julgado. Há 7 anos atrás, na sessão do dia 05/02/2009, o STF havia decidido que a prisão só podia ocorrer depois do trânsito em julgado, o que provocou a promulgação da lei 12.403/2011, que deu ao artigo 283 do CPP a redação acima transcrita. Nota-se redundância nesse artigo: ninguém poderá ser preso senão em virtude de prisão. Provavelmente, o legislador quis permitir prisão cautelar durante a investigação ou o processo desde que presentes os requisitos que a autorizam. Apesar do lapso, não creio que o legislador estivesse bêbado. Nota-se discrepância na postulação dos autores: tomaram como paradigma de uma norma legal relativa à prisão, norma constitucional relativa à culpabilidade. Creio que também eles não estavam bêbados.
Quando vigorava o artigo 393 do CPP, o juiz, ao condenar o réu, determinava a sua imediata prisão. O réu só podia apelar ao tribunal depois de preso. Esse artigo vigorou por 67 anos e 4 meses (outubro de 1941 a fevereiro de 2009), foi recepcionado pela Constituição de 1988 e dele cuidaram a jurisprudência e a doutrina. Com a decisão do STF de 05/02/2009, esse artigo perdeu a eficácia; com a lei 12.403/2011, esse artigo perdeu o vigor. A decisão do STF de 05/02/2016 retomou o rumo do vetusto artigo da lei processual com uma diferença: agora, o réu pode apelar em liberdade e será preso apenas se o tribunal de justiça (estadual ou federal) confirmar a sentença condenatória. O STF manteve esse entendimento na sessão de 05/10/2016. Houve convergência quanto ao vigor da norma sobre inocência presumida. A divergência entre os ministros foi quanto a extensão da norma. Segundo os votos vencedores, a presunção vigora só até a decisão do tribunal de justiça (estadual ou federal). Segundo os votos vencidos, a presunção vigora até o trânsito em julgado da sentença (quando o processo chega ao fim depois de exauridos os recursos cabíveis).
A norma constitucional da presunção de inocência há de ser lida dentro da oposição culpado x inocente e não da oposição liberdade x prisão. Se a norma constitucional fosse orientada pela oposição “liberdade x prisão”, estaria assim redigida: “ninguém será preso antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. As regras da prisão cautelar, da prisão definitiva e da liberdade provisória não se confundem com as regras da culpabilidade relativas aos juízos de absolvição e de condenação. Se o réu for condenado pelo juiz e a sentença for confirmada pelo tribunal, não se cuidará mais de presunção de inocência e sim de certeza da culpa.
A presunção de inocência é axioma da ciência jurídica ocidental que no plano dos fatos vale até prova em contrário. Esse axioma resultou da necessidade de frear a violência cometida por reis, senhores feudais e juízes europeus contra a liberdade e o patrimônio das pessoas. Tal axioma informa as leis fundamentais de vários países; no Brasil, alicerçou os direitos individuais declarados na Carta Imperial (1824) e nas constituições republicanas de 1891, 1934, 1946 e 1988.  
Na ciência jurídica, o axioma paira na esfera dos princípios. Na esfera dos fatos, nem todo réu é inocente; há réu culpado. Nos estados democráticos, o réu goza das garantias do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural. Na sentença penal condenatória o juiz declara o réu culpado; em consequência, apoiada na prova, a certeza do juiz substitui a presunção. Se o juiz for arbitrário, o réu dispõe: (I) do habeas corpus e outros recursos para se defender; (II) da via administrativa para aplicar sanção disciplinar ao juiz.   
As garantias da inocência presumida e do devido processo limitaram, na esfera jurídica, o poder dos governantes lato sensu (legisladores, reis, presidentes, ministros, juízes). Essas garantias foram consagradas em diversos documentos no curso da história: (1) Magna Charta Libertatum (Inglaterra, 1215): “Nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país”. (2) Petição de direito (Inglaterra, 1628): “Nenhum homem livre pode ser detido ou preso ou privado dos seus bens, das suas liberdades e franquias, ou posto fora da lei e exilado ou de qualquer modo molestado, a não ser por virtude de sentença legal dos seus pares ou da lei do país”. (3) Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Paris, 1789): “Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado”. (4) Constituição dos EUA (aditamento de 1789): “Ninguém será forçado a testemunhar contra si próprio em processo criminal, nem privado da vida, liberdade ou propriedade sem observância dos trâmites legais; em todos os processos criminais o argüido terá direito a julgamento público por um júri imparcial”. (5) Constituição belga de 1831: “Ninguém será perseguido senão nos casos previstos por lei e na forma que a lei disponha; salvo em caso de flagrante delito, ninguém pode ser detido senão em virtude de ordem motivada de um juiz”. (6) Lei constitucional austríaca de 1862: “A detenção de uma pessoa só poderá ocorrer em virtude de ordem judicial motivada”. (7) Constituição italiana de 1947: “A liberdade pessoal é inviolável. Não se procederá à detenção, inspeção ou registro pessoal nem a qualquer outra restrição da liberdade pessoal, salvo por ordem motivada da autoridade judicial e unicamente nos casos e pelo modo previstos em lei”. (8) Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948): “Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”. (9) Lei fundamental alemã de 1949: “A dignidade da pessoa humana é sagrada. Todos os agentes da autoridade pública têm o dever absoluto de respeitá-la e protege-la. A liberdade da pessoa é inviolável. A liberdade pessoal só se poderá limitar em virtude de uma lei formal e com observância das formalidades por ela prescritas. Só o juiz poderá se pronunciar sobre a procedência e continuação da privação da liberdade”. (10) Convenção Americana sobre Direitos Humanos (São José da Costa Rica, 1969): “Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários”. (11) Constituição soviética de 1977: “Aos cidadãos da URSS é garantida a inviolabilidade pessoal. Ninguém poderá ser detido senão por mandado judicial ou com autorização do fiscal”. (12) Constituição chinesa de 1984: “A liberdade pessoal dos cidadãos da República Popular da China é inviolável. Nenhum cidadão pode ser preso, salvo com a aprovação ou por decisão de uma procuradoria do povo ou ainda por decisão de um tribunal popular”.
Nenhum desses documentos exige o trânsito em julgado para que a sentença penal condenatória seja executada. No Brasil, a certeza que emana da sentença penal monocrática é exclusiva do juiz. A certeza que emana da decisão penal colegiada é do tribunal, irradia-se aos jurisdicionados e afasta a presunção de inocência. A partir daí, a questão de fato encerra-se na preclusão, prepondera o dever do Estado de punir os criminosos e prevalece o interesse da sociedade sobre o interesse do condenado. A pena é executada enquanto o condenado eventualmente discute a questão de direito na instância especial ou extraordinária. Na hipótese de a decisão do tribunal ser teratológica, ou simplesmente contrária à Constituição, o condenado poderá, mediante habeas corpus, obter a suspensão da execução da pena.

domingo, 2 de outubro de 2016

TROPEÇO

Na semana que findou, veio a notícia: o professor Ricardo Lewandowski, durante aula na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco), disse aos alunos que o processo de impeachment da presidente Rousseff foi um tropeço da democracia. Fora do ambiente universitário, o professor Gilmar Mendes replicou dizendo que tropeço foi fatiar a decisão naquele processo; votar em separado a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de função pública. Os dois professores são também ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). No uso das suas atribuições como presidente do tribunal parlamentar, Lewandowski podia evitar ou atenuar o tropeço se impedisse que juízes suspeitos participassem do julgamento (senadores sem idoneidade moral, indiciados em inquéritos policiais e/ou réus em ações penais). No sentido dinâmico, usa-se o vocábulo tropeço para designar ação de esbarrar em alguém ou alguma coisa, de dar topada, de errar. No sentido estático, usa-se o vocábulo tropeço para designar aquilo que se interpõe no caminho, obstáculo, dificuldade. No contexto, o professor Lewandowski usou o vocábulo no sentido estático (o impeachment como dificuldade enfrentada pela democracia) enquanto o professor Mendes o empregou no sentido dinâmico (erro ao dividir em dois momentos distintos a decisão do impeachment).
Nos países democráticos e presidencialistas, o impeachment, embora útil, é uma exceção ao processo eleitoral, um obstáculo, uma pedra no sapato. Por isto mesmo, rara é a sua instauração. Na América Latina, o impeachment tende a se tornar frequente após o retrocesso dos países ao status de repúblicas de bananas. O golpe civil substitui o golpe militar; a engenhosidade das fórmulas jurídicas substitui o engenho marcial. O Brasil voltou ao status de republiqueta de corpo grande (e rico) e de alma pequena (e corrupta).
Na farsa do impeachment, os dois quesitos (deviam ser cinco) apresentados pelo presidente do tribunal parlamentar estavam em sintonia com a fase processual da aplicação da pena, quando prevalece o lado político da decisão, que não se confunde com o caráter jurídico do processo. A decisão nele proferida (sentença) é o ato final. O primeiro momento da decisão é jurídico por excelência e comporta os seguintes quesitos: (1) o fato constante da denúncia tipifica crime de responsabilidade? (2) em caso positivo, o acusado o praticou? (3) em caso positivo, ele o praticou dolosamente? O segundo momento da decisão assume feição política e comporta os seguintes quesitos: (4) a pena prevista para o crime deve ser aplicada ao acusado? (5) em caso positivo: (5-A) o acusado deve perder o cargo? (5-B) o acusado deve ficar inabilitado para o exercício de função pública?
Os pronunciamentos dos professores acima citados é um aperitivo para o novo capítulo do impeachment: a defesa da presidente perante o STF. Até o momento, a defesa inclui três mandados de segurança. A presidente defende o seu direito ao exercício do mandato popular obtido em regular e legítima eleição (2014). O terceiro mandado de segurança abrange os dois anteriores e foi interposto em 30/09/2016. Através dele, a presidente põe em dúvida a higidez de todo o processo de impeachment, impugna a sentença do tribunal parlamentar e a resolução do Senado Federal que a publicou.
A petição desse terceiro mandado ocupou 493 páginas, espaço duplo entre as linhas, títulos em letras garrafais, temas repetidos talvez para efeito mnemônico (gravá-los na memória do julgador). A leitura dessa peça gastará cerca de nove horas numa velocidade de 50 páginas por hora. A grande extensão é justificada pela impetrante diante da relevância política e social do caso. Apesar disto e da riqueza cultural do texto, a falta de síntese torna a leitura cansativa e predispõe o julgador assoberbado de trabalho a negligenciar o seu exame. A enorme extensão do texto pode dificultar a apreensão da essência do direito postulado. 
A referida petição faz o histórico dos fatos que desembocaram no processo de impeachment, a trama urdida pelos perdedores da eleição, a cumplicidade do presidente da Câmara dos Deputados e aliados, o rompimento das relações desse presidente com o governo do qual seu partido fazia parte, a falta de decoro e a desonestidade desse deputado, a cassação do seu mandato, a parcial conduta dos juízes (deputados e senadores) que agiram e decidiram politicamente em detrimento do direito em vigor.
Fundada na Constituição, nas leis, na jurisprudência, na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, e na doutrina nacional e estrangeira, a impetrante sustenta a legitimidade das partes, o cabimento da ação de mandado de segurança, o caráter administrativo da decisão do tribunal parlamentar, a ausência dos pressupostos jurídicos para que tal decisão fosse válida, legítima e justa, a inocorrência de crime de responsabilidade, o desvio de poder com o objetivo de destituir a presidente, a violação da garantia do devido processo. Alicerçada nesses fundamentos, a impetrante pleiteia a declaração de nulidade do processo de impeachment e o retorno ao cargo de Presidente da República.      
Ao despachar a petição, o ministro Teori poderá: (1) recusar a sua prevenção e determinar a livre distribuição; (2) aceitar a prevenção, deferir a liminar e expedir mandado de reintegração da impetrante na posse do cargo presidencial, ad referendum do plenário do STF; ou indeferir a liminar ou deixar para apreciá-la oportunamente; (3) oficiar às autoridades impetradas (presidente do tribunal parlamentar e presidente do Senado) para prestarem informações. O relator poderá admitir intervenção de amicus curiae. O Procurador-Geral da República (PGR) emitirá parecer depois das informações prestadas. Na sessão do julgamento, o relator lerá o relatório. A seguir, os advogados farão sustentação oral, o PGR se pronunciará e o relator votará. Após os debates entre os ministros, eles formularão os seus votos. A presidente do tribunal proclamará o resultado. Se o mandado de segurança for provido pela maioria dos ministros, será expedida ordem de reintegração da impetrante no cargo presidencial.
Se o STF julgar procedentes as ações propostas pelos adversários da presidente da república, o julgamento do impeachment será anulado e o Senado voltará a se reunir como tribunal parlamentar para decidir se mantém ou não, a condenação e se aplica ou não, a pena de perda do cargo e de inabilitação para o exercício de função pública. Nesta hipótese, o STF, firme nas garantias constitucionais, poderá proibir de atuarem como juízes os senadores indiciados em inquéritos policiais e/ou réus em ações penais e vedar a atuação dos suplentes. A presidente será reintegrada no cargo e nele permanecerá até decisão final do tribunal parlamentar.   
Interessante o tema da natureza do processo de impeachment abordado na longa petição. A doutrina do Hemisfério Norte (EUA e Europa) domina a mente dos juristas brasileiros que não pensam por si mesmos e não conseguem ver, com seus próprios olhos, que “o rei está nu”. Intoxicados por leitura sem filtragem da jurisprudência e da doutrina estrangeiras, perdem contacto com a realidade nativa. Na dogmática brasileira, o termo processo aplica-se aos procedimentos dos três poderes. Nem todo processo é contencioso. No Congresso Nacional há processo legislativo, processo parlamentar e processo administrativo. No Executivo há processo político, processo administrativo e processo normativo. No Judiciário há processo judicial, processo normativo e processo administrativo. Nesse campo, toda atividade é típica (própria e regular) desde que desempenhada por quem a Constituição e a Lei designarem, pouco importando se a autoridade designada é do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário.
A Constituição atribui ao Senado competência para processar e julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade. Tal função, pois, é típica do Senado, ex vi legis. Independente da opinião da doutrina e da bizantina discussão, o direito posto criou um processo parlamentar penal que tem seus trâmites por um tribunal parlamentar. O princípio da independência e harmonia dos poderes da república não obsta o controle jurisdicional do processo de impeachment pelo guardião da Constituição (STF). Esse controle é próprio do mecanismo de freios e contrapesos e sintoniza com o império da jurisdição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Através do citado mecanismo os tribunais controlam inclusive a constitucionalidade das leis, estribados na supremacia da Constituição.
No sistema brasileiro, ações e omissões das autoridades públicas devem se pautar pelo direito posto, segundo o princípio da legalidade, o que importa em obediência ao devido processo jurídico lato sensu (obediência aos procedimentos estabelecidos nas normas de direito substancial e de direito processual). Todo processo, seja parlamentar, administrativo ou judicial, para ser válido tem que ser jurídico. O impeachment é um processo jurídico que se instaura e se desenvolve em sede parlamentar. O ingresso desse tipo de processo no ordenamento jurídico brasileiro deve-se a dois propósitos políticos: prevenir atentado contra a Constituição e afastar do cargo quem o comete. Na fase final desse especial processo jurídico é possível uma solução política no que tange à aplicação da pena (o tribunal parlamentar julga procedente a denúncia, mas não aplica a pena por motivos de conveniência e oportunidade).